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montesclaros.com - Ano 22 - sábado, 27 de abril de 2024


Alberto Sena    albertosenabatista@gmail.com
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Por Alberto Sena - 25/7/2018 07:53:28
Xô, Alzheimer Urbano

Alberto Sena

Em reflexões sobre o meu interesse em preservar a memória pessoal e coletiva de Montes Claros, chego a algumas conclusões. A principal delas, após consulta feita diretamente a minha alma, está relacionada ao fato de eu nunca ter conhecido os meus avós, tanto por parte de pai como por parte de mãe. Muitos dos amigos de infância, vizinhos, dentre outros, tinham avós vivos. Eu não. Não podia dizer: “Vou lá para a casa de vovó – ou vovô”.
É de bom alvitre dizer logo, o não ter avós vivos nem os ter conhecido, a não ser a avó Antonina, mãe de minha mãe, mas por fotografia, nunca vi o rosto dos demais avós, mas, isso não significou para mim nenhum trauma ou algo do tipo. É só uma questão de curiosidade, querer saber sobre a “herança de si mesmo”. Somado a isso, a minha função de escrevinhador também me impulsiona a buscar preservar a memória.
Quem me acompanha no dia a dia sabe, frequentemente, eu assino publicação de crônicas na mídia de Montes Claros, principalmente no site montesclaros.com desde 23 de fevereiro de 2010. É só verificar para constatar, a maioria das crônicas está relacionada a Montes Claros, do tempo em que vivi aí, do nascimento, pelas mãos de Irmã Beata, aos 22 anos de idade, quando de mala e cuia vim morar em Belo horizonte.
A distância também contribuiu para formar o interesse pela preservação da memória coletiva de Montes Claros. Foi como catapulta e me levou a mergulhar nas lembranças vividas em minha terra querida. Se eu tivesse o dom da ubiquidade, poderia ter visto de perto o crescimento de Montes Claros, estando em Belo Horizonte. Como não o tenho, não vi, não assisti a cidade crescer e se expandir pelos quadrantes.
Daqui dos píncaros da Serra do Curral, já pude alertar em algumas oportunidades sobre o perigo de a memória de Montes Claros ser comprometida pelo “Alzheimer urbano”. Na cidade há gente da maior competência para ajudar a evitar o avanço da doença.
Alguns poderão dizer, “é tarde”. E eu digo: antes tarde do que mais tarde. Vamos imaginar o seguinte: em Montes Claros há um certo número de pessoas que se interessam pela preservação da memória coletiva dos montesclarinos e da cidade.
Que essas pessoas possam se reunir e discutir a questão tendo em vista formar uma equipe, cada um com a sua atribuição, com o objetivo de escarafunchar os escaninhos da memória de Montes Claros e, ao final, depois da trabalheira toda, publicar um ou mais livros. Como fez Hermes de Paula e deixou para as gerações.
Na minha modesta opinião, a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) tem a obrigação de encabeçar uma iniciativa neste sentido. E por intermédio dela, envolver os vários segmentos da sociedade montesclarina necessários para a realização do trabalho. Se isso não for feito já, a memória coletiva de Montes Claros irá se limitar à preciosidade deixada para nós por Hermes de Paula.
Senão, vejamos. Contemplando Montes Claros como é hoje, quem nasceu ontem sabe, a explosão da cidade culminou com o surgimento da BR 251, que precisa ser duplicada urgentemente. Sem entrar no mérito da estrada em si, ela trouxe para Montes Claros gente de toda parte do Brasil. A miscigenação acontecida é capaz de arrancar do antropólogo Darcy Ribeiro alegria sem tamanho, esteja ele aonde estiver.
Mas, esse movimento sociológico e pendular de brasileiros trouxe toda sorte de gente. De lá para cá, a violência cresceu aos níveis de cidade grande. Basta fazer um rápido exercício de memória. Antes, as casas de Montes Claros tinham muretas com portões e alpendres. Quem quisesse, de um salto podia transpor as muretas. Duma hora para a outra viam-se as muretas serem transformadas em muros altos.
Depois dos muros vieram as cercas elétricas. Lembro-me bem, que se chegou a cogitar impedir o alastramento delas, mas ninguém conseguiu barrá-las porque a própria polícia, ao aceitá-la confessava a sua incapacidade de dar segurança adequada à população. E todas as gentes se fecharam com medo da violência.
No estágio atual, Montes Claros parece estar em estado de guerra. As concertinas utilizadas nos campos de batalha desde a Segunda Guerra Mundial, e a gente via só nas fitas de cinema, ressurgiram e passaram a enfear a paisagem urbana, muito mais do que os muros altos e as cercas elétricas.
Mas, a Montes Claros de então, aquela das décadas de 50, 60 e 70 ainda vive, embora sufocada pela metrópole a que a cidade se transformou. Se houver interesse comum – tudo começa a partir do desejo; é como caminhar, se o primeiro passo não for dado, não haverá caminhada – o ímã da energia cósmica imantará a materialização da obra.
O que não deve mais acontecer é uma simples justificativa do porquê não ter feito. Como dizia Darcy Ribeiro, um dos mais ilustres filhos dessa terra de Gonçalves Figueira e de índios Tapuia: “Você pode conseguir dinheiro em qualquer parte do mundo, desde que tenha na mão um bom projeto”.


83439
Por Alberto Sena - 23/7/2018 08:08:16

Desta casa jorrou aluvião de lembrança

Alberto Sena

A casa em epígrafe é secular. Posso afirmar isso. Mas, se não for, já é quase secular, por uma razão simples, questão de aritmética. Tenho 68 anos de idade e conheço essa casa desde criança. Certamente, ela já existia bem antes de mim.
Encaro-a, hoje, ao revê-la, aparentemente integra, como testemunha muda de muitos acontecimentos montesclarinos, porque, ali próximo, moraram personalidades importantes como Capitão Enéas, benemérito da antiga Burarama; e Olímpio Campos, ex-prefeito de São João da Ponte, assassinado em Montes Claros durante um comício, em cima de um palanque.
Essa casa, ela poderá ser vista na esquina de ruas General Carneiro e João Pinheiro. Conheço-a só do lado de fora, hoje pintada de azul clarinho, portas e janelas em azul mais forte. Eu a vi pela primeira vez, quando fui à casa de Rubinho, primo meu, batizado Rubens Sena Almeida, filho de Cipriano Almeida e de minha madrinha Ambrosina, irmã de mãe, Elvira. A casa de Rubinho ficava na esquina, mas do outro lado.
Essa bendita casa é a única sobrevivente da especulação imobiliária nas imediações. E é de importância para a memória tanto dos seus proprietários, certamente, como também para muita gente, imagino. Particularmente, a existência e a resistência dela são importantes para mim como também para o jornalista Felipe Gabrich, que morou ali próximo. E ouso garantir, também, que é importante para a prima, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros, Magela Sena - Geralda Magela Sena Almeida, irmã de Rubinho.
Em conversa com Felipe, hoje, ele me conta que a casa era de Dona Angélica Souto, já falecida. Moram nela, atualmente, os filhos de dona Angélica, Geraldo, Francisco e uma irmã deles que, no momento, o amigo não se lembrava do nome. Havia outros filhos dela, como Zeca, que teria morrido afogado no Rio Carrapato, praticamente inexiste hoje.
Ele, certamente, era da época em que as mães temiam perder os seus filhos afogados nos rios de Montes Claros, como o Melo, por exemplo, Laginha e Pai João. Havia mãe que passava a unha no braço do filho logo ao chegar em casa, depois de ter ficado fora a tarde toda. Se ficasse a marca, um rastro branco, a surra era fatal.
Mas, a casa de Dona Angélica ali está em pé e isto é a parte mais importante. É toda feita de adobe. As casas de adobe são deveras resistentes. Vêm os ventos, e elas permanecem firmes. Vêm o sol e a chuva e lá estão elas como se tivessem sido edificadas sobre rocha.
Uma particularidade dessa casa é o telhado. Em vez de caibros de madeira, os dela são de taboca, segundo Gabrich. E as telhas, são autênticas, feitas nas coxas. Sim, antigamente, os moldes dessas telhas eram as coxas.
Evidentemente, não se usa mais fazer telhas assim, mas a expressão, “feito nas coxas” permaneceu e tomou conotações várias e uma delas é bem debochada, ao se referir a alguma coisa feita sem zelo.
Essa casa foi a essência da conversa demorada com Gabrich, quando tratamos da importância de preservar a memória de Montes Claros. Aqueles que tinham a história da cidade na palma da mão já se foram, como Luiz de Paula, Hermes de Paula, João Valle Maurício, Simeão Ribeiro Pires, entre outros.
Se não houver uma iniciativa da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, do Museu Regional do Norte de Minas (MRNM) ou de quem mais se interessar, a história da cidade irá desaparecer assim como os rios Carrapato, Melo, Laginha e outros desapareceram. O que é de deixar qualquer um contristado. Os tempos atuais seguem em velocidade de Fórmula 1.
De certa forma, tento resgatar alguma coisa sobre a memória de Montes Claros e minha. Já está quase ao ponto de ir para o prelo mais um livro – só aguardo o interesse de alguma editora – este intimamente relacionado com a memória da cidade e de minha geração, com destaque para as décadas de 50, 60 e 70, intitulado “Retratos de Nós Mesmos”.
Penso o seguinte: uma pessoa acometida da “Doença do Alemão”, o cruel Alzheimer, perde a memória e isso é muito triste. E uma cidade sem memória, devido a negligência de seu povo, é como um pai cujo filho desalmado abandonou-o ao esquecimento depois de receber tudo dele.
Na época do antigo “Primário”, no então Grupo Escolar Gonçalves Chaves, hoje Escola Estadual, as professoras ensinavam tudo sobre o município de Montes Claros. Pergunto: hoje em dia as escolas têm esse cuidado?


83413
Por Alberto Sena - 3/7/2018 11:55:35
MONTES CLAROS
HOMESSA! POR QUE CRESCEU TANTO?

Alberto Sena

Montes Claros...

Ora, com efeito!
Por que cresceu tanto?
Aonde foi parar a Vovó Centenária?
Agora só uma mancha na lembrança!

Montes Claros...

Nunca saiu nem nunca sairá de mim.
Porque bem sei.
A cidade cumpre a sua sina.
É linda em sua feiura.
Mas é linda em mim.
Que nela nasci, pelas mãos da Irmã Beata
Já faz bem uma data.

Montes Claros...

Que eu amo e quero tanto!
Só por um instante,
Se possível fosse,
Gostaria de resgatar a cidade.
Daqueles tempos idos.
Guardados na mochila das eras.

Montes Claros...

Quando se podia em tranquilidade
Cantar serestas
Promover festas
Homessa!
Cresceu tanto!
Para o meu espanto!

Da Montes Claros de então
Encontro só fantasmas
Espectros de Tuia’s a perambularem
Pelas estreitas ruas.

Montes Claros...

Cheia de gente
Carros e motocicletas
Quase deram adeus
Às bicicletas
Em nome do progresso

Montes Claros...

Mas, não tem problema, não
Ainda assim amo
E como amo Montes Claros
Porque lá está o meu umbigo
Lá onde mora quem faz jus ao provérbio
“Vinho azeite e amigo
O mais antigo”


83399
Por Alberto Sena - 28/6/2018 14:41:27
Wander Pirolli em 3 tempos

Tempo 3: Homem de coração de carne

Alberto Sena

Uma das alegrias de Piroli era quando podia sair da cidade para pescar. Ele ia com Lincoln Gonçalves, Ricardo Eugênio, Julinho, Bebeto e também o filho, Bumba, ainda menino, que o inspirou a escrever “Os Rios Morrem de Sede”. Um dia, ele quis mostrar ao Bumba um rio de água limpa. Viajou quilômetros e mais quilômetros e não encontrou nenhum.

No finalzinho da década de 70, entrante na de 80, Piroli foi convidado pelo então diretor-executivo do Estado de Minas, Camilo Teixeira da Costa a criar um semanário de compras, intitulado Jornal de Shopping. Eu me encontrava em Viçosa, na Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Imprensa Universitária, dando um refresco do “Caso Jorge Defensor”, devido a ameaças recebidas. Piroli me ligou dizendo: “Volta, porque temos um jornal (de Shopping) e uma rádio (Guarani Onda Rural) para nós”. Voltei na maior alegria. Em vez de um jornal de compras, como o diretor queria, ele fez um semanário com reportagens, artigos, fotos abertas. Concorria com o Jornal de Casa, do Diário do Comércio.

A Redação do Jornal de Shopping funcionava no 24° andar do Edifício Acaiaca, na Avenida Afonso Pena, entre ruas Tamoios e Espírito Santo. Foi um belo jornal, mas Camilo Teixeira da Costa não se conformou. Evidentemente, porque sofria pressão de Brasília em relação ao semanário de Piroli, pela cobertura política incômoda para a elite, na ocasião.

Numa sexta-feira do início do ano de 1982, Piroli e a redação haviam fechado as páginas do jornal, que circulava sábado e domingo, quando, sem aviso prévio, um recado da direção dos associados na primeira página, cercado, informava ser aquele o último número. Sem dar maiores explicações. Sem o conhecimento prévio de Piroli. Claro, ficamos órfãos. Todos, este foi o sentimento.

Enquanto dirigia o Jornal de Shopping, Piroli publicou o livro “Minha Bela Putana”. Findo o jornal, reencontrei-o no Diário de Belo Horizonte, publicação do Jornal Balcão, mas foi por pouco tempo. O veículo fechou as portas um ano depois de lançado.

Concomitante ao Jornal de Shopping e até depois dele trabalhei com Piroli na Rádio Guarani Onda Rural, emissora de ondas curtas feita exclusivamente para o homem e a mulher do campo. Rádio chefiada por André Carvalho e o conterrâneo Alair Almeida. Eu na chefia de redação, juntamente à jornalista Cristina Bahia, e Piroli fazendo crônicas para alegria dos ouvintes do campo. A rádio de modo geral recebia pilhas e mais pilhas de cartas do homem e da mulher do campo. Uma das mais lindas experiências que vivi profissionalmente.

Como curiosidade, no Jornal de Shopping, uma vez, Piroli conversava ao telefone com Jaguar, diretamente do Rio de Janeiro, quando cochilou com o aparelho na orelha e nós ouvíamos o ronco dele e a voz de Jaguar gritando do outro lado: “Alô, Wander; alô...” Foi um cochilo, e ainda com o fone na mão, o mestre explicou ter ficado até tarde – ou até muito cedo – na rua e não havia dormido.

Particularmente, orgulho-me de ter trabalhado com Piroli. Confesso, ele teve forte influência em minha vida pessoal e profissional. Imagina, tinha 22 anos quando vim de mala e cuia de Montes Claros e fui trabalhar com ele.

Wander era de uma geração de humanos de coração grande. Coração de carne. Tinha sempre palavra de estímulo à equipe. Sabia utilizar profissionalmente os talentos da turma. Só a presença dele tanto diante da máquina de datilografia, quando na Editoria de Polícia, quanto no Jornal de Shopping, diante do computador era suficiente para os seus comandados terem a liberdade de redigir os textos. E ele editava dando sublimes títulos.

P.S.: Faziam parte da equipe escolhida por Piroli para fazer o Jornal de Shopping: Sebastião Martins, Gilberto Menezes, Lincoln Gonçalves, Gilson Menezes, Mazza de Palermo, Roberto Araújo, Kao Martins, Bóris Feldman, JD. Vital, Félix Fernandes Filho, Marco Otávio (Marão), Mário Valle, Alberto Sena, entre outros.


83394
Por Alberto Sena - 26/6/2018 19:26:25
Wander Piroli em três tempos

Tempo 2:

Ele formou uma legião de seguidores

Alberto Sena

Quando Piroli foi trabalhar no jornal Estado de Minas, egresso do jornal Binômio, ele já havia publicado o primeiro livro, “A Mãe e o Filho da Mãe”, de quando boêmio, frequentador da boêmia na Lagoinha, ele ficava na rua até altas horas e a mãe, como toda mãe, preocupava. Ele era uma cara com muito senso de família, dizia sentir culpa por ficar até tarde na rua, mas a boemia não saía dele, até que saiu um dia sem ter saído de fato. Como gostava de sorver uma pinguinha!

Ele gostava tanto de beber cachaça que mantinha debaixo da mesa, na redação do Estado de Minas e do Jornal de Shopping, um garrafão cheio. É claro, do garrafão todos se serviam. Piroli tinha sobre a mesa uma xícara de louça, com a qual se servia de cachaça ao longo do dia como se fosse café. E só dava uma trégua na bebida quando as crises de enxaqueca vinham. Ele tinha de ficar em ambiente escuro, dizia. E era verdade. Mas é importante testemunhar, nunca vi Piroli embriagado. Estava sempre com o semblante sóbrio, alegre. “Quanto mais eu bebo mais sinto-me bem”, dizia.

Teve uma vez em que nos encontramos cedo ali na confluência da Rua Espírito Santo com Avenida Álvares Cabral, onde havia uma lanchonete. Eu tomara café em casa e ele me chamou para lhe fazer companhia. Piroli pediu meio copo duplo de cachaça; pediu para espremer uma laranja e mandou preparar quatro ovos quentes. Ele bebeu quase tudo de um só gole e mandou os quatro ovos em seguida.

Fumava que era uma chaminé. Acendia um cigarro no toco do outro. Quatro maços por dia. Às vezes eram cigarros de fumo de rolo. Vejo-o, agora, picando o fumo para fazer cigarro. Mãos de dedos grossos, mas ágeis. Só não se sentia feliz totalmente porque costumava dar giro de 360° em volta de si mesmo e era quando deparava com a crueza e a crueldade da realidade. Disse-me uma vez, “não sou exemplo para ninguém”, mas era. O fascínio intelectual dele era o mais importante, não a extravagância. Penso, aqui, agora, com as minhas mangas de camisa, que ele se sentia com poder para fazer o que quisesse devido ao seu porte físico avantajado. Ninguém conseguia acompanhá-lo.

Mas ele, consigo mesmo, vivia muitos momentos de felicidade. Podia-se notar isso nos seus olhos verdes. E um desses momentos era quando jogava sinuca com os amigos. Podia não ser exemplo no tocante a extravagancia na bebida e no cigarro, mas, intelectual e politicamente, ele sem querer querendo formou uma legião de seguidores.

Uma coisa, muitos não entendiam: “Por que Piroli era editor de Polícia e não de Cultura ou Política?” Sendo um intelectual, escritor, jornalista formado na redação do jornal Binômio, para essas pessoas era um espanto. Mas, nós sabíamos, ele estava no lugar certo. A Editoria de Polícia era como um rio de correnteza no qual pescava almas humanas e fazia contos expondo sua literatura e sua maneira ética, crítica, de fazer cobertura de polícia em tempo politicamente nublado.

Piroli amava a liberdade. Evidentemente, a Polícia Federal e o Dops tinham o nome dele em lista. Dele e dos demais da editoria. Foi a Editoria de Polícia chefiada por Piroli que deu ao EM um dos mais importantes prêmios de reportagem de sua história, o Prêmio Esso, em 1977, com o “Caso Jorge Defensor (Tito Guimarães, Alberto Sena, Francisco Stelling e Geraldo Elísio estes dois últimos só na cobertura da repercussão na Assembleia Legislativa) um operário torturado pela polícia até ficar paralítico da cintura para baixo. Caso de repercussão nacional e internacional.

Piroli transformou a cobertura do setor de polícia. Antes dele havia repórter considerado “de polícia” ou “da polícia”. Ele nos tinha como “repórteres cobrindo o setor de polícia”. Não tínhamos compromisso com a polícia, a não ser cobrir os acontecimentos no âmbito das delegacias. E muitas das vezes nosso carro de reportagem chegava aos locais de ocorrências antes da polícia.

O carisma de Piroli reunia em volta da mesa dele, antes de iniciar a jornada do dia, escritores como Oswaldo França Júnior, Luiz Vilela, Garcia de Paiva e outros, além de toda a redação que a ele ia pedir bênção. (Aguardem o Tempo 3, final, amanhã).



83391
Por Alberto Sena - 25/6/2018 11:41:29

Wander Piroli em três tempos

1ºTempo :

E ele dizia não ser exemplo para ninguém

Alberto Sena

Depois da publicação do livro “Wander Piroli – Uma manada de búfalos dentro do peito”, de Fabrício Marques, edição da Conceito Editorial, conforme o prometido ao autor, eu torno público um texto escrito sobre o mestre e amigo, Piroli. Foi um dos exemplares humanos mais importantes conhecidos nesses anos vividos. Aliás, ele foi uma das pessoas com as quais aprendi uma quantidade para chegar até este estágio de vida.

Recordo-me como se tudo estivesse acontecendo agora, daquela manhã de maio de 1972, quando o conterrâneo jornalista Robson Costa me apresentou ao Piroli, a pedido do então editor geral Cyro Siqueira, na Editoria de Polícia do jornal Estado de Minas. Piroli estava sentado à mesa na redação e me assuntou com os olhos verdes perscrutadores de quem nascera no Bairro Lagoinha, em Belo Horizonte, lá onde havia zona boêmia e ele via e ouvia o som de navalhas cortando o ar da malandragem.

Trocamos poucas palavras e ele me entregou ao repórter Fialho Pacheco, o mais importante da época do jornalismo romântico (cinco vezes Prêmio Esso), com um ensinamento que considero fundamental:

- Vamos sempre buscar o porquê das coisas. Fulano matou? Matou. Por quê? O outro furtou, roubou? Sim. Por quê?

Havia, ainda, censura prévia à imprensa. Pegamos o finalzinho dela. O sensor ficava nas oficinas. Não se podia falar dos acontecimentos políticos e policiais sem correr o risco de censura. Era censura oficial de governo militar e, também, censura vinda do 2° andar do prédio da Rua Goiás, 36, onde funcionava a Redação do Jornal Estado de Minas.

Sempre conseguíamos burlar a censura. A equipe era da melhor qualidade: Paulo Emílio Coelho Lott (Peclott), Fialho Pacheco, Vargas Vilaça, Paulo Narciso, João Gabriel da Silva Pinto, Tito Guimarães Filho, Marcos Andrade, Arnaldo Viana. Não que houvesse instrução neste sentido, mas mostrávamos os acontecimentos em sua realidade nas linhas ou, senão, nas entrelinhas para burlar a censura tanto a oficial quanto a do jornal. Ele era visto ideologicamente como comunista, desde os tempos de estudante e advocacia. Em verdade, era um pouco de tudo, anarquista também. Era um homão, gigante bem-humorado. Passar um tempo com Piroli era um privilégio, porque de um aprendizado fora do comum.

Houve uma época em que jogávamos futebol de salão, hoje futsal, na quadra do Olímpico. Éramos adversários. Tião Martins e outros colegas jogavam. Disputando com Piroli uma jogada, ele pisou literalmente na bola e escorregou, teve o tornozelo quebrado em alguns pontos. Fez até um ruído característico de ossos partindo. Ele teve de ficar de molho durante uns dois meses porque puseram vários parafusos no tornozelo dele.

Recordo-me de uma vez em que durante o fazimento de uma reportagem no mato, ali nos arredores do Bairro das Indústrias, o delegado Edson Deroma, da Delegacia de Furtos e Roubos, deu um tapa no rosto de um suspeito de haver assaltado um banco. Isso na frente dos repórteres. Com o cinegrafista da Itacolomi filmando. E na presença do superintendente da Metropol, delegado Ignácio Gabriel Prata Neto. Pior, o indivíduo nada tinha a ver com o caso. Narrei tudo ao Piroli e tínhamos de encontrar uma maneira de noticiar o fato, ao qual ele deu o título; “Delegado dá tapa terapêutico no rosto de suspeito de roubar banco”.

Mas, para mim, Piroli era um humanista de corpo inteiro e alma. Ele nutria grande amor à raça humana. Solidário e de coração tão grande quanto o próprio corpo. Foi um precursor do movimento em defesa do ambiente inteiro, numa época em que a termologia criada na reunião de Cúpula da Terra, em Estocolmo, era incipiente, ao publicar o segundo livro dele intitulado “O Menino e o Pinto do Menino”, baseado em uma história do filho, Bumba, que ganhara na escola um pinto amarelinho e o levou para casa, isto é, o apartamento onde a família morava. E agora, o que fazer com o pinto do menino?! (Aguardem o Tempo 2, amanhã. Leiam o livro “Wander Piroli – Uma manada de búfalos dentro do peito”, do poeta escritor Fabrício Marques.).


83295
Por Alberto Sena - 10/5/2018 06:42:13
Carta às suas excelências bandidas

Alberto Sena

Não há por que chamar de Suas Excelências bandidos. De nada adianta eles meterem-se dentro de um terno e se engravatarem para não parecerem bandidos, porque o são, de espírito, mente e corpo. E em primazia.
As Suas Excelências de terno e gravata são as mais bandidas dentre todos os bandidos aprisionados ou em liberdade. É de encabular o quanto são. Quem tem consciência tranquila não entende como é que Suas Excelências bandidas conseguem pôr a cabeça no travesseiro e dormir sono honesto. Duvidamos que estejam conseguindo dormir naturalmente, sem o auxílio de soníferos. Em sã consciência achamos Suas Excelências bandidas serão vítimas de si mesmas. Será que não têm noção alguma do mal que fazem ao roubarem o dinheiro público e com a cara de pau maior do mundo se apresentarem à sociedade como se fossem gente ética ocupada com o bem-estar do povo? Querem enganar a quem? A justiça? Só porque ela tem os olhos vendados? Mas todo o povo brasileiro está vendo.
As Suas Excelências bandidas não têm “desconfiômetro” para perceberem que não dá para engolir gente desse tipo. As Suas Excelências bandidas só olham para o próprio umbigo e também dos apaniguados. Não podem sequer pôr o pé na rua sem correr o risco de serem apedrejadas ou “ovacionadas”. Desde que não seja com ovo caipira, tudo bem. Suas Excelências não terão saúde para usufruir de tanto dinheiro roubado da mão de quem padece toda sorte de dificuldade. Tiraram da boca de milhões de brasileiros o rango de todo dia – será que Suas Excelências não enxergam isso, ou fazem de conta que não, para não terem pesadelos mais frequentes?
Se não fosse Suas Excelências bandidas, o Brasil seria considerado hoje País de Primeiro Mundo. A montanha de dinheiro saída pelo ladrão daria para transformar a Nação de modo a não haver necessitados.
Enquanto Suas Excelências estão se banqueteando, será que não sentem nenhum remorso, quer dizer, incômodo no estômago quando veem imagens de crianças padecendo fome? Pais de famílias desempregados; jovens, adultos e anciões morrendo à míngua porque Suas Excelências e suas mãos cheias de dedos bandidos se metem nos cofres públicos com voracidade, sem que pensem no dia de amanhã.
Ninguém vive para semente. Suas Excelências haverão de passar – ainda bem – e se creem ou não, um dia terão de dar conta de toda a bandalheira praticada em vida. Se a justiça dos homens falha em quantidade, a Justiça divina não. E na hora do pegar para capar, Suas Excelências não terão outras Suas Excelências para livrá-las de punição.
Em verdade, em verdade, Suas Excelências não dignificam nem a roupa que vestem nem a comida que comem. Consideram-se poderosos, mas não honram nem as calças que vestem. Historicamente arderão na fogueira da opinião pública juntamente as suas gerações, porque nos anais da República estarão registrados os malfeitos urdidos na calada das noites. Suas Excelências que enviaram fortunas em dinheiro alheio para os paraísos fiscais haverão de arder no fogo dos infernos porque fizeram o Brasil dar passos para trás ao manterem os brasileiros na ignorância para mais facilmente manipularem-nos.
Apesar de tudo que fizeram de mal ao Brasil e aos brasileiros, é chegado o momento do despertar. Suas Excelências tão dependentes de votos para sobreviverem, não serão reeleitos e não sendo de fato irão amargar o ostracismo político, mas não se safarão da justiça dos homens porque não terão mais salvaguardas.
As Suas Excelências bandidas são como os porcos em chiqueiros de antigamente. Estão chafurdando na lama, ricos do dinheiro público, mas nada ficará encoberto e haverão de lamentar pela eternidade adentro por terem praticado tanta crueldade, quando tudo tinham para serem colocados em pedestais.


83253
Por Alberto Sena - 16/4/2018 17:12:01
Prestação de contas

Alberto Sena

Outro dia mesmo, com 17 anos, iniciava carreira de jornalista diretamente na Redação de “O Jornal de Montes Claros”, e a cidade ainda estava com seus mais de cem mil habitantes. A carteira de trabalho foi assinada pelo jornalista e advogado Oswaldo Antunes, dono do jornal, na Rua Doutor Santos, 103, onde atualmente é uma agência bancária. Corria o ano de 1969. A primeira cobertura foi de Esportes, e logo depois, Polícia.
Passados menos de três anos, me transferia para o jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte, onde tive a sorte de ser indicado pelo amigo Mário Ribeiro ao editor Geral do Estado de Minas, jornalista Cyro Siqueira, levado pelas mãos do amigo Robson Costa, jornalista filho de minha professora no curso Primário, Dona Bernadete Costa, no então Grupo Escolar Gonçalves Chaves.
Cyro pediu ao Robson para me levar ao jornalista e escritor Wander Piroli, editor de Polícia (em maio deve ser lançado um livro sobre ele, da lavra do escritor poeta e jornalista Fabrício Marques) e, então, pude muito aprender com ele e com veteranos como Fialho Pacheco (cinco prêmios Esso), Vargas Vilaça, Paulo Emílio Coelho Lott (Peclott), Roberto Drummond, Celius Aulicus (General), André Carvalho, Délio Rocha, Sebastião Martins, Olympio Coutinho, Lincoln Gonçalves, entre outros.
Passou-se meio século. Num átimo. E neste momento vem a reflexão do quanto a vida humana no planeta é curta. Não quero dizer com isso que estou morrendo, embora tenha morrido várias vezes a cada um dos humanos queridos que partem deste plano para uma das moradas do Pai. Pelo contrário, estou no melhor da minha vida. Em paz, com saúde e alegria de viver. Mas, evidentemente, nada posso garantir porque estou literalmente nas mãos de Deus, disso tenho consciência plena.
Depois desses anos todos como jornalista, nessa fase atual da vida pude perceber poder fazer algo mais. Com uma máquina fotográfica na mão descobri uma outra maneira de ver a vida. E, desde então, a câmera fotográfica passou a ser a minha companheira. Ando sempre com ela. Qualquer coisa bonita ou feia, saco-a e disparo, como aconteceu no último sábado, em um supermercado da capital, onde um mendigo apanhado furtando um pedaço de carne quase foi estrangulado pelos seguranças.
No final de 2017, revelei a mim mesmo e ao mundo como escritor ao lançar o meu primeiro livro “Nos Pirineus Da Alma”, no qual relato em 192 páginas, sendo 34 com fotos coloridas, as nossas duas experiências – minha e de Sílvia Batista – no Caminho de Santiago de Compostela, na França e na Espanha, onde percorremos 1.300 quilômetros a pé, com mochila nas costas, em 40 dias somados (o livro está à venda nas livrarias da Savassi, em Belo Horizonte, e nas livrarias de Montes Claros, podendo ser enviado pelos correios, bastando para isso, quem quiser, demonstrar o interesse para contato).
Outros livros estão a caminho, se Deus quiser, e o próximo deles poderá ser lançado no final deste ano, de crônicas sobre a nossa Montes Claros querida, de quando nós podíamos nos encontrar em cada esquina. Hoje, Montes Claros tornou-se metrópole, com os bônus e os ônus de cidade grande, ao se expandir por todos os lados e crescer para cima, com os arranha-céus integrando a paisagem.
Acredito já ter ultrapassado a metade do meu tempo, mas isso não me incomoda porque o importante é gostar de viver e sentir-se vivo. Não ser casmurro nem ranzinza, sempre buscar ajudar a construir um mundo de paz, concórdia e bem-estar para todos os seres viventes. Quem me acompanha sabe, sempre há uma boa mensagem a divulgar, dentro do princípio do pensar consciente, pensamento holístico, com atuação local.
Graças ao Jornalismo, tive a oportunidade de dar volta ao mundo. Fiz viagens incríveis, e a principal delas foi a Israel onde pude seguir os passos de Jesus Cristo pela chamada “Via Dolorosa”, em Jerusalém. Visitei o Santo Sepulcro. Fiz o Caminho de Santiago duas vezes. Visitei as Muralhas da China. Fui ao Japão. E outros lugares mais. Como diz o meu amigo que há anos não vejo, Alair Almeida, “não tenho o que me queixar da vida, s’eu queixo é de burro”.
Mas, não tive tempo de ganhar dinheiro. Em compensação, durmo diariamente oito horas de sono sereno, com a consciência tranquila, pessoal e profissionalmente. Creio em Deus. Sinto Deus em mim. Diante de quem me coloco como um cano de PVC vazio. A água não é minha. Sou um servo reles cheio de gratidão.
Sei que todos nós estamos de passagem pelo planeta Terra. Não sei para onde irei ao atravessar a porta. Não me preocupo com isso, ocupo. Sempre busquei ser ao invés de ter. Não fui cooptado pelo consumismo. E se fosse para recomeçar, tudo faria novamente. Claro, com aprimoramentos vários. Hoje, posso dizer de coração e alma cheia de sonhos por concretizar: nada sou.
Vivo porque em mim há uma centelha do “Eu Sou”.


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Por Alberto Sena - 9/4/2018 09:13:42

Mergulho na Praça de Esportes

Alberto Sena

A importância do acervo de fotografias de Dona Dorzinha – Maria Das Dores Guimarães Gomes – sempre terá realce quando o assunto for preservação da memória individual e coletiva dos montes-clarenses. A chamada “doença do alemão” tanto pode obscurecer a memória de um cidadão como de toda uma população que não tenha a sua história registrada no papel por meio de textos e de fotografias.
A foto em epígrafe fez a mim, e certamente a todos de minha geração – década de 50 – reviver a sensação de dar um mergulho nos ares da Praça de Esportes de então, quando subíamos as escadas até os píncaros do escorregador, como se alcançássemos o cume de uma montanha, e nos deixávamos escorregar sentindo o vento veloz sacudir os cabelos numa sensação de êxtase somente sentida quando se é criança.
Essa foto me fez reviver, não com a mesma nitidez como se tivesse acontecido no dia de ontem, mas recordo-me da alegria esfuziante como subia os degraus da escada para ter acesso ao cume do mundo; sim, era essa a sensação lá do alto onde o menino tinha visão ampla, 360°, e se atiraria pelo escorregador abaixo até bater com os dois pés em terra.
Essa foto me fez recordar das iluminadas manhãs de domingo, depois da missa na Catedral de Nossa Senhora Aparecida ou na Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José, para cumprir com a recomendação materna, e só depois se podia ir à Praça de Esportes, onde o espírito infantil parecia ganhar asas de condor e sobrevoava – e saboreava – os ares da liberdade em plenitude.
Revendo, agora, a cena dominical, a escada parece até perigosa para as crianças – e olhe que havia outra maior, salvo engano, utilizada por crianças maiores. Mas era importante para exercício das pernas logo cedo. Esse subir escada e descer escorregando de lá de cima era algo sublime e não há palavras para explicar sua intensidade, inda mais depois de passado tanto tempo.
Naquela época, a Praça de Esportes era o centro do Universo. E as manhãs eram mais mágicas, porque em Montes Claros daquela época, a vida transcorria calmamente; o trânsito de veículos era incipiente; as ruas eram tomadas por bicicletas. Raramente se via uma motocicleta. Havia as popularmente chamadas “furrecas” e os caminhões precisavam de uma manivela introduzida na frente, do lado de fora, logo acima do para-choque a fim de pegar no arranque.
No ar, respirando a fragrância dos ares sertanejos misturados com o pó vermelho característico do Cerrado hoje devastado, a atmosfera era romântica. Ouviam-se músicas clássicas e os cantores nacionais como Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, entre outros, profissionais da melhor qualidade.
Na Praça de Esportes o verde predominava. Embora Montes Claros esteja em uma região árida, havia água suficiente para molhar as plantas. Os fícus eram podados periodicamente com tesouras enormes empunhadas em duas mãos. Havia piscina de natação para criança e oficial para os adultos, onde se realizavam competições estaduais de nado e salto do trampolim, quando Aprígio exibia as suas qualidades.
Havia também duas mesas de pingue-pongue debaixo de um telhado sustentado por meia dúzia de pilastras. Ali reinávamos na modalidade “rodinha”. Mandando para o outro lado todos os companheiros. Era, então, quando me sentia rei sem coroa, mas reinando até que, cansado, abdicava do trono.
Para concluir e enfeixar as lembranças na foto do arquivo de dona Dorzinha, realçando a sua importância quase arquetípica, basta dizer, se um dia a foto não tivesse sido sacada por alguém para ser doada anos depois ao acervo e ser agora exibida, para minha alegria e de muitos de minha geração, este texto por mim assinado não teria existido. O que, num hipotético futuro do pretérito, eu teria muito a lamentar.
A Praça de Esportes, que ainda hoje é motivo de polêmicas, ainda está lá. A última notícia dela, recentemente, dava conta de que o prefeito Humberto Souto iria construir nela um estacionamento de veículos. Prometia requalificar a Praça de Esportes, transformando-a em um dos melhores lugares de esporte e lazer de Montes Claros.
Se assim for, assim seja. Vamos bater palmas. Se assim não for... Bem, se assim não for será, então, uma outra história.


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Por Alberto Sena - 16/2/2018 10:10:16
A repetição da "bestage", sete anos depois

Alberto Sena

A “bestage” que o ex-prefeito Luiz Tadeu Leite queria fazer com a Praça de Esportes – Montes Claros Tênis Clube (MCTC) – em 2011, sete anos atrás, o atual prefeito, Humberto Souto quer repetir, agora. Em vez de revitalizar ou requalificar a Praça de Esportes, devolver a ela a dignidade quase perdida, o prefeito vai transformar o espaço, latente no cerne da memória dos montesclarinos, em estacionamento de veículos.
A notícia chegou, aqui, nos píncaros da Serra do Curral, por meio de um artigo assinado por Farley Soares Menezes, advogado especialista em Direito Administrativo e Direito Tributário. Segundo ele, “Humberto inicia a destruição da Praça de Esportes e resolve transformá-la em estacionamento”. Publicou, no início do maior Carnaval de Montes Claros, o decreto 3645, de 9 de fevereiro.
Hoje, vejo a notícia publicada no jornal Gazeta Norte Mineira, com o secretário Municipal de Esportes, Igor Dias, explicando, entre outras coisas, que a Praça de Esportes é deficitária. Gasta por mês R$ 10 mil de energia elétrica e R$ 10 mil de água sem possuir nenhuma fonte de renda. Os 79 estandes do chamado “Calçadão Popular” não pagam aluguel, e nem mesmo o restaurante local.
Mas será que não há uma outra maneira de tornar o espaço privilegiado da Praça de Esportes em algo na mesma linha esportiva para se tornar superavitário? Sem desvirtuar a finalidade daquela área tão presente na memória de gerações de homens e mulheres, a maioria ainda presente, graças a Deus, para ver o fim do cenário de suas muitas histórias?
Neste ponto me recordei da crônica dirigida ao então prefeito Luiz Tadeu Leite, ocasião em que me utilizei da expressão “bestage” usual em Montes Claros, para criticar a tentativa de destruição da Praça de Esportes, espaço privilegiado antes, nas décadas de 50/60/70, e mais ainda nos dias atuais devido à sua localização na paisagem urbana.
Certos pontos da crônica escrita em 2011 encaixam direitinho no caso do prefeito Humberto Souto. “Naquelas manhãs e naquelas tardes de décadas atrás, em Montes Claros, desde a infância, passando pela adolescência e a fase adulta, será que o prefeito em algum momento pensou no desastre à memória física da cidade, o fim da Praça de Esportes como patrimônio público? Será que ele avaliou o dano à memória cognitiva e transcendental de milhares de montesclarinos?”
“Não me recordo de nenhuma vez ter encontrado o prefeito naqueles embates aguerridos em torno das mesas de pingue-pongue da Praça de Esportes. Nem nas saborosas peladas daquelas tardes e nos domingos, depois da missa na Catedral ou na Matriz.
Ele pode até ter vivido a Praça de Esportes de antes. E em algum ponto pode até ter a marca dele, mas se ele não tem a noção real do que faz, isto é o suficiente para duvidar do amor que ele possa ter por Montes Claros. Transformar um lugar daquele em estacionamento é algo tão indigno da Praça de Esportes. Visa atenuar um problema e poderá criar muitos outros.
Fazer o que o prefeito intenta fazer sinaliza claramente, como os claros montes ao redor, o desamor pela memória da cidade. As histórias de Montes Claros se vão perdendo por falta de atenção. Seria o caso de o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros tomar uma atitude a respeito.
O Automóvel Clube, com meio século de existência, um lugar onde aconteceram encontros memoráveis, tanto festivos quanto políticos, da noite para o dia foi desativado e sabe lá o que poderá acontece ao imóvel, a essa altura correndo todos os riscos, inclusive o de vir abaixo para dar lugar a um edifício. Afinal, a cidade está crescendo para cima.
A memória de Montes Claros vai indo de popa ao vento. Dilui feito fumaça. O clássico exemplo é a Rua Doutor Santos. A transformação da principal rua da cidade aconteceu em menos de 40 anos. Até a década de 70, ela possuía graça. Casarões antigos, que, se preservados, dariam um toque especial à hoje desfigurada Rua Doutor Santos.
O prefeito Humberto Souto poderá ficar marcado na história de Montes Claros como o prefeito que deu o golpe mortal na nossa memória. Na memória de quem deu braçadas na piscina olímpica; de quem fez acrobacias ao pular dos trampolins; de quem fez a galera gritar de emoção no Ginásio Darcy Ribeiro; de quem furtivamente, escolhia a Praça de Esportes como recanto para namorar.
Nem vou repetir aqui quesitos importantes tratados por outros defensores da manutenção da integridade da Praça de Esportes. Nem me julgo no direito de crucificar a administração pública porque há décadas não vivencio o dia a dia da cidade. E, é claro, quem defende a medida do prefeito para considerar nossa reação como “saudosismo”. Se achar isso, é porque não entende da importância da memória coletiva. Prefere o “alzheimer urbano”.
Mas, alertar o prefeito, sugerir a ele utilizar-se da medida do bom senso para não cometer “bestage” que o marcará para sempre, isto eu posso fazer daqui dos píncaros da Serra do Curral, como fiz quando o prefeito era Luiz Tadeu Leite. Posso e faço-o, agora, em bom “montesclarês”: prefeito deixa de “bestage”.


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Por Alberto Sena - 3/2/2018 10:05:10
Corby parecia ser doce como o licor

Alberto Sena

As fotos inseridas por Wagner Gomes no Facebook, do acervo fotográfico de Dona Dorzinha, mãe dele, são para mim como uma campainha que toca fundo na memória, e não contenho o ímpeto de debulhar uma história. Foi o que me aconteceu neste momento ao ver a foto de Corbiniano Rodrigues Aquino (Corby), que morava atrás da Praça de Esportes, em Montes Claros enquanto a minha família, próximo da casa dele, na Rua Marechal Deodoro.
À época, não conheci o Corby poeta, mas “an passant” o Corby comerciante. Mais tarde, em plena adolescência, aos 13/14 anos, quando montado em uma bicicleta Monark de tamanho médio, azul e amarela, ia ganhar alguns trocados fazendo cobrança de publicidades publicadas no O Jornal de Montes Claros, é que conheci, um outro lado dele. Era um homem magro, sempre de bigode, extrovertido e falante. Gostava de ir à casa dele fazer cobrança porque ele era bom pagador e a minha comissão estava sempre garantida.
Foi muito tempo depois que conheci o lado poeta de Corby. Antes, porém, devo dizer, ele inventou o licor de pequi da marca Corby, produzido até hoje e vendido no exterior. Ouvi dizer que a produção do licor é limitada. Tenho em casa uma garrafa do xarope da mesma marca. É bom para tomar com uma dose de cachaça, embora não seja adepto, mas de quando em vez, pode acontecer. Gosto de dividir com a minha cúmplice homeopaticamente uma garrafa de vinho tinto seco em certas ocasiões.
Houve uma vez, quando já morava em Belo Horizonte e era repórter do jornal Estado de Minas, cobrindo o setor agropecuário, fiz uma reportagem com Corby, na fábrica de produção de licor. Ele me levou para conhecer as dependências da fábrica e me mostrou um tanque enorme cheio de pequis, onde ficavam curtindo para ser transformado em licor.
Por essa época conheci o lado poético de Corby, homem operoso, sempre em atividade. Se não me engano foi ele o criador da Associação Comercial e Industrial de Montes Claros (ACI) e o primeiro presidente durante meia dúzia de anos.
Procurei na internet, e numa publicação do historiador Dário Cotrim, “Poetas ilustres in memoriam”, encontrei alguma informação sobre Corby, que nasceu em Januária, morou em São Paulo (Avaí) e foi para Montes Claros no ano de 1956, quando o menino aqui tinha seis/sete anos.
Segundo conta o historiador, “a família tem engavetado uma coletânea de poesias, com promessa de publicá-la em livro”. Se já publicou, não tenho notícia. Se não, convinha publicar, a fim de consagrar a memória de Corby, “o primeiro dirigente do Mobral na cidade”, pelos idos de 1972.
Com dois livros publicados – “Aconteceu em Serra Azul” e “Aconteceu”, ele ocupou a Cadeira 27 da Academia Montes-clarense de Letras, e a de número 25 do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Em 30 de janeiro de 1987, Corby morreu.
Porque foi homem importante para Montes Claros, e aproveitando a ocasião de ver a foto dele incluída no acervo de Dona Dorzinha, não deixei passar a oportunidade de homenagear Corby por tudo que fez e por ter nos deixado o saboroso licor. Para completar, melhor seria ver publicada a coletânea de poemas dele. Não vivi a intimidade do homem, mas me parecia uma pessoa doce como o próprio licor de pequi. Segue uma amostra de poema corbiniano.


Pingos d`agua

Corby de Aquino

Chove. Um ar triste baila pelo espaço
O sol se esconde amortecendo a frágua
E a terra boa colhe em seu regaço,
Os milhões e milhões de pingos d’àgua.

Vertendo os céus as inocentes báguas,
As enxurradas crescem num ameaço.
Cessam as lágrimas; dá-se a deságua
E tudo se harmoniza passo a passo.

Também no turbilhão da minha vida,
Quando o perfil de certo alguém eu traço,
Meu ser inunda lágrimas sentidas.

E quando dos meus olhos são vertidas,
Sonho vendo apoiada no meu braço,
A imagem pura da mulher querida.



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Por Alberto Sena - 28/1/2018 06:23:06
O medo de mãe morrer

Alberto Sena

Penso que toda criança tem medo de a mãe morrer. Acho isso natural. Tinha muito medo de a minha mãe morrer quando eu era criança. Talvez, porque ela era asmática e quando estava em crise, o peito dela arfava como o fole do ferreiro Simeão, pai de Pedro e Luiz, moradores próximos lá de casa, na Rua Corrêa Machado.
O calor de Montes Claros aumentava o mal-estar de mãe. Era preciso ligar o ventilador, mas mesmo assim o problema dela me deixava angustiado. Passava na porta do quarto dela para ver como ela estava e tinha receio até de entrar.
De certa feita, acordei ali pelas 9h. Sonhei que mãe havia morrido. Claro, levantei-me assustado e chamei por ela. Ela não respondeu. Saí andando pela casa chamando as pessoas, mas não havia ninguém em casa. Fui ao quintal e não vi ninguém. Só as galinhas e os perus fazendo glu-glu.
Outro pensamento não passou por minha cabeça senão o da certeza de que mãe morrera e todos foram levá-la para o Cemitério do Bonfim e não me acordaram. Foi quando abri a porta da rua para ver se encontrava alguém. Levei o maior susto.
Na casa do vizinho estava uma chusma de gente. Fiquei lá de casa espiando, pensando o que será que aconteceu, quando vi minha mãe entre as pessoas. Fui lá ver. A vó de Teófilo havia morrido. Teófilo era um menino que de vez em quando jogava finca comigo e bolinha de gude.
Corri para perto de mãe, mas não contei a ela o meu sonho horrível. Aliás, nunca contei isso a ela. Estou contando agora, tanto tempo depois do ano de 1985, maio, 12, Dia das Mães, quando ela de fato partiu para outra dimensão.
Em verdade, acredito, enquanto dormia o meu inconsciente deu uma viajada e captou o que acontecia na casa do vizinho. Só pode ter sido esta a conclusão que chego lembrando do ocorrido, tanto tempo depois.
Na ocasião da morte da avó de Teófilo senti um grande alívio em saber que não era minha mãe. Tinha eu uns sete anos de idade. Ela não me deixou entrar na casa para ver a vó de Teófilo morta. Naquela época, a percepção da morte era um escândalo. Principalmente porque alguém me disse que “o nosso coração é preso por um fio fininho”. Um fio. Se o fio partisse. Pronto. Bateríamos as botas.
Hoje a minha percepção da morte é bastante diferente. Aliás, a morte não existe. O que acontece é como o camarada passar pelo umbral de uma porta e alcançar uma dimensão diferente da nossa. Mas a vida continua. No Universo não existe morte. Existe vida. Nós estamos fadados a vivermos eternamente. O espírito é imortal.
Particularmente, não tenho medo da morte. Muita gente o tem. O que acontece comigo é um certo temor de como isso um dia se dará, porque, afinal de contas, não nasci semente. Mesmo porque a gente sabe que para ganhar vida a semente precisa morrer. É assim que se dá na agricultura. Sem a morte da semente não há planta.
O importante é estar preparado para a passagem pela porta. É uma ida sem volta. Biblicamente falando, a gente não encontra nenhuma passagem que fale de reencarnação neste plano de vida. Mas há citação de que, aqui, morre-se uma vez só. Ressurreição, sim, existe como promessa de Jesus Cristo, quando Ele voltar para julgar os vivos e os mortos.
Se você me pergunta se gosto de viver neste plano de vida, eu respondo: gosto, muito; amo a vida. Mas não sinto apego nenhum. A começar que não dá para ser feliz em um mundo onde a Humanidade vive feito barata tonta. Não dá para ser feliz diante de tanta injustiça vista.
Como ser feliz, de fato, sabendo que há por aí tanto conflito? O egoísmo, com as suas ramificações, torna a vida humana um tormento. É um querendo engolir o outro. Os valores considerados verdadeiros sendo deturpados por valores falsos, sem raiz alguma.
Ao mesmo tempo, eu me ocupo comigo para que possa viver bem por dentro. Utilizo a minha cabeça em benefício de mim mesmo e dos que me cercam na convivência da lida diária. Ocupo-me do viver. Se a morte é certa, por que vou viver morrendo? Vivo, com alegria, até quando Deus quiser.


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Por Alberto Sena - 25/1/2018 09:55:12
Destino escrito com caneta tinteiro park 51

Alberto Sena

O casal Cesário Peixoto e Josefina (Sinhazinha) era compadre dos meus pais. Eles haviam batizado a minha irmã mais idosa, Terezinha Batista Murça – Tê chamada, hoje com 88 anos, cheia da graça de Deus.
O menino, pois que mantenho com todo carinho o espírito infantil, vivia o período do quinto ao sétimo ano de vida, na década de 50, quando aconteceram as experiências a serem contadas, tudo ocorrido em Montes Claros, onde nasci, terra pela qual sou apaixonado, e será tema do meu próximo livro, se Deus quiser.
Cesário Peixoto era um homem de estatura baixa, com protuberância abdominal acentuada. Gostava de cheirar rapé, se não me engano, fumava charuto. Tinha o nariz de tamanho acima da média, usava chapéu de feltro e vestia terno de linho. Além de gostar de comer colher de sopa cheia de pimenta malagueta, antes de dar a primeira garfada no prato, ele contumaz criador de galos de briga. Galos índio, principalmente, os mais valentes.
Aos domingos, pai e ele se encontravam na rinha da Praça de Esportes, e lá, em companhia deles, assistíamos os mais violentos embates entre índios galos e galos de outras raças. Acontecia com frequência de um dar uma esporada fatal no adversário e este sangrar ali mesmo na rinha. Sob os gritos dos apostadores vencedores e perdedores.
Não estou criticando o costume, não era bom, mas era um costume e foi abolido pelo então presidente da República, que encalacrou o Brasil ao renunciar mandato pensando que o povo iria levá-lo nos braços de volta ao poder. Deu no que deu. Ter proibido as brigas de galos foi o maior feito de Jânio Quadros.
A amizade do meu pai com Cesário Peixoto era ao ponto de ele, a mulher e a filha deles irem lá em casa almoçar e nós também íamos à casa deles para almoçar ou mesmo fazer uma visita cordial, em uso naquela época, nem tão longe assim como se pode depreender.
Cesário Peixoto foi muito importante para o menino. Por duas razões: ter me ensinado a jogar damas foi uma delas. Ele possuía um tablado enorme, pelo menos aos olhos do menino. As pedras eram proporcionais ao tamanho do tablado. Eram pintadas de vermelho e azul. Aprendi a jogar e fui tão bem que ganhava dele todas as partidas.
Foi indo, foi indo, ele me disse:
- Vou dar a você esse jogo de damas de presente.
E deu. Este foi um dos meus primeiros espantos. Dei pulos de alegria e não parava de jogar com os irmãos e com quem chegasse em casa para fazer uma simples visita.
O outro presente recebido das mãos de Cesário Peixoto, que para mim teve um valor simbólico enorme, como se fora um sonho premonitório, foi uma caneta tinteiro Park 51. De tanto gostar de vê-lo escrever com a caneta, cresci o olho. E ele entendeu e me perguntou um dia:
- Gostou da caneta?
- Gostei – eu disse, com sorriso banguela.
- Quando você aprender a ler e a escrever, lhe darei a caneta.
Para mim foi o máximo. Não demorou muito e já estava na escola aos sete anos e juntando uma ficha aqui e outra ali, aprendi a ler e a escrever e Cesário Peixoto cumpriu com o prometido. Fiquei todo metido. Naquela época não era comum uma criança de sete anos possuir uma caneta tinteiro Park 51.
Penso, hoje, aos 68 anos, que essa caneta foi marcante para mim ao ponto de determinar o que eu poderia ser ao longo da vida profissional, jornalista e escritor. Jornalista sou desde aos 17 anos, com carteira assinada a partir de1969 e registro profissional no Ministério do Trabalho. Se, antes, de fato já me chamavam de escritor, agora, de direito, o sou ao publicar o livro “Nos Pirineus da Alma”, sobre as duas experiências no Caminho de Santiago de Compostela, na França e na Espanha.
Posso estar enganado, e se eu estiver enganado, por favor, me corrijam. Mas, o leitor não acha que essa caneta Park 51 foi determinante na minha vida profissional? Pensando bem, essa é a melhor parte do meu caminho. Entre o “jogo” (de damas – Cesário Peixoto gostava era do carteado no Clube Montes Claros) e a Park 51, fiquei com a caneta tinteiro, e o significado disso é da maior importância para um escriba de mais de meio século de serviços prestados.

*Quem se interessar em adquirir o livro Nos Pirineus Da Alma, em Belo Horizonte é encontrado na Savassi, nas livrarias Ouvidor, Scriptum e Savassi Livros. Em Montes Claros, nas livrarias Palimontes, Nobel e Thais. Pode ser enviado pelos Correios, basta manifestar o interesse e entraremos em contato.



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Por Alberto Sena - 26/12/2017 08:35:17
De como uma coisa leva à outra

Alberto Sena

Nesses quase quatro anos em que vivi fora de Belo Horizonte, com dois ou três retornos porque era exigida a minha presença física, não tive a iniciativa de descer à parte de baixo do prédio onde moro. Confesso que gostei do que vi e tanto gostei que fotografei as flores e as demais plantas ornamentais.
Recordei-me de quando estava em Grão Mogol cidade do Norte de Minas/Vale do Jequitinhonha, onde percorri lugares naturais maravilhosos que nem mesmo muitos dos nativos viventes lá conheceram e não se interessam em conhecer para amar de fato a região.
Subi serras com mochila nas costas. Desci encostas, entrei em grutas, cavernas, lapas, sítios arqueológicos, cachoeiras. Ouvi o canto de passarinhos mil, retratei alguns. Respirei o ar ainda puro da cidade histórica, tão ou mais histórica do que as chamadas “cidade históricas”. Vivi vida simples e simplificada.
Contei a história da cidade, exaltando o quase nada explorado Barão de Grão Mogol, que na região viveu e explorou diamantes, os quais fizeram dele um dos homens mais ricos do Brasil colônia. Para mim é um desperdício a cidade não viver do turismo e da exploração positiva da figura do barão.
Mostrei a simplicidade de figuras humanas que jamais teriam a oportunidade de serem reconhecidas e valorizadas por meio de uma crônica e fotos. Fiz da minha página no Facebook uma revista, porque o lugar não possui nenhum meio de comunicação a não ser boca a boca e o alto-falante.
Se Grão Mogol tivesse ocorrido não na linha entre o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha, mas no Continente Europeu, a essa altura, com 159 anos de emancipação política, os brasileiros estariam se arrancando daqui para visitá-lo. Inclusive os próprios grãomogolenses.
Lá passei os meus anos mais gostosos, posso dizer assim. Tudo devido ao lugar em si. Fiquei em contato direto com a Mãe Natureza. Minha alma se encheu de belas paisagens. Ninguém na história de Grão Mogol fez o que fiz por Grão Mogol, divulgando a cidade desde o primeiro dia que lá cheguei até o último, quando publiquei o texto intitulado “Ai de ti Grão Mogol” em defesa daquela bela urbe maltratada – e da região também. Com textos e fotos por mim produzidos e enviados ao mundo.
Agora, estou de volta a Beagá e aqui vim voando nas páginas do meu primeiro livro – “Nos Pirineus da Alma” – que conta a nossa dupla experiência no Caminho de Santiago de Compostela, na França e Espanha, até a Catedral milenar. Com as emoções, as aventuras, a espiritualidade e o misticismo do Caminho. Quem o lê faz o trajeto conosco.
Foi o livro que nos trouxe e será lançado aqui em meados de janeiro, mas já se encontra nas livrarias de Montes Claros, Palimontes, Nobel e Thais. Em Belo Horizonte é encontrado na Savassi, nas livrarias Scriptum, Ouvidor e Savassi Livros, ao preço de R$ 60,00.
Era para tratar, aqui, da beleza dos jardins do prédio onde moro, jardim cuidado por Alessandra. Mas foi o comentário de Fátima Sapucay, comparando as flores do nosso jardim às de Grão Mogol, que me levou a mergulhar na beleza daquele lugar inesquecível.



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Por Alberto Sena - 18/12/2017 14:54:16
“GUARDA MEU ANEL BEM GUARDADINHO” -

Alberto Sena

Quando li o convite de lançamento do livro “O Anel Que Tu Me Deste”, convite feito pela autora, professora, escritora e doutora em Literatura, Ivana Ferrante Rebello, imediatamente saltou do escaninho mais profundo da memória, aquela brincadeira infantil de passar o anel.
Vi-me numa roda de meninos e meninas em frente da nossa casa, na Rua São Francisco, em Montes Claros, no início da noite, sob o torpor do calor montesclarino, brincando: “Guarda meu anel bem guardadinho; guarda meu anel...” E o anel ia de mão em mão espalmada.
O gesto era tão acalentador! A gente sentia, como sinto ainda agora, o calor humano, a energia transmitida de mão em mão. E quem tinha o anel escondido entre as mãos o deixava com alguém ali na roda e depois lançava o desafio: “Com quem está o anel?” Quem adivinhava ficava com ele e a cena se repetia em meio a algazarra da meninada.
Ivana Rebello, pelo que pude perceber a partir de uma simples síntese do livro, feito por ela a meu pedido, mergulhou em um arquétipo para revelar a sua admiração por João Guimarães Rosa, do qual é especialista.
“O Anel Que Tu Me Deste”- Grande Sertão: Veredas e a História de Amor Que Virou Livro” certamente é daqueles livros que a gente não quer interromper a leitura, principalmente se estiver espichado numa rede, em algum lugar do Sertão, porque, afinal de contas, o Sertão está em todo lugar.
“O livro foi nascendo aos poucos, em três anos de pesquisa”, conta Ivana. E ela foi me dando um aperitivo dele de dar água na boca. “Parte de uma imagem dentro do romance: a pedra joia encontrada em Araçuaí e que Riobaldo quer entregar a Diadorim, seu amor maior”.
Só mesmo quem conhece a obra de João Guimarães Rosa, como Ivana conhece, seria capaz de escrever um livro desse a partir de uma imagem do grande romance. E ela continua: “Mas Diadorim não a recebe e essa pedra via circular no romance de mão em mão e sempre com nomes trocados: ametista, turmalina, esmeralda...”
Na visão de Ivana, esse trecho do livro nada mais é do que um jogo de “passar o anel, muito comum na nossa infância”. Nessa época, não havia a parafernália de meios díspares a desviar as atenções das crianças como existem hoje em dia. Parece que a pureza infantil daquela época era mais pura do que a dos tempos atuais, quando os bebês, pode-se dizer, já nascem com celular na orelha.
“Esse jogo” – Ivana continua – “é a metáfora da forma de escrita de Guimarães Rosa: ele recolhe as histórias (anel) das mãos alheias e as reelabora poeticamente, culminando em sua literatura. Ele repassa essa pedra-história ao leitor. Daí o título do livro”.
Pesquisadora, Ivana recebe essa pedra, “como dádiva de amor”. E ela vai mais além, “na análise das cartas trocadas entre ele e sua mulher, Aracy, descubro que Guimarães Rosa viveu uma linda história de amor. O livro é dela, como diz a dedicatória. É o anel de casamento que ele oferece a ela. Enfim, são histórias de amor que entrelaçam a ficção e a vida”.

P.S.: O lançamento do livro “O Anel Que Tu Me Deste” acontecerá nesta quarta-feira, 20, às 20h, no Museu Regional do Norte de Minas (MRNM).


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Por Alberto Sena - 8/12/2017 20:48:15
AI DE TI GRÃO MOGOL

Alberto Sena

Em março de 2018 completariam quatro anos que moramos em Grão Mogol. O verbo da frase está no futuro do pretérito não à toa, porque estamos indo embora. Voltamos à casa, na capital. Antes, porém, como jornalista, e agora escritor, com livro publicado – “Nos Pirineus Da Alma” – me sinto no dever de prestar mais este serviço a Grão Mogol fazendo uma análise rápida do que foram esses anos, aqui, vividos vistos e revistos.
Faço isso por amor a este lugar “sui generis”, que, pelas próprias belezas naturais aquinhoadas pela Natureza, já podia estar bem adiantado, não fosse o fato de ao longo dos seus 159 anos de emancipação política ter sido administrado de maneira equivocada. Nenhuma das administrações, inclusa a atual, levou a sério o turismo, vocação natural da região.
Por quê? Porque os resultados do turismo não surgem da noite para o dia. O turismo exige investimentos a fim de criar infraestrutura adequada para recepcionar os visitantes. Pode ser que investimentos feitos hoje só venham a dar resultados práticos na administração seguinte. Daí os prefeitos terem certa aversão em focar o turismo como a sua primeira prioridade.
O turismo seria a redenção do município, depois do advento do garimpo de diamante. Seria o diamante maior, em cima do qual a população está sentada. Daria empregos, elevaria o nível cultural dos grãomogolenses. A sede seria bem cuidada e essa urbe de tantas histórias que se esfacelam transformaria numa “Suíça Sertaneja”, com o aproveitamento adequado de seus recursos hídricos, caso do histórico Ribeirão do Inferno, maltratado e parcialmente poluído.
Para dar a Grão Mogol o que o município precisa, os administradores deveriam ter espírito público. Trabalhar visando o município e o povo, sem pensar em si mesmo. Fazer como fez Toninho Rebello, considerado o melhor prefeito de Montes Claros, que recusou salário e trabalhou para a cidade e o povo. Depois dele, não apareceu nenhum outro.
Comparando, desde quando chegamos até hoje, a cidade piorou bastante. As praças ainda eram lindas quando chegamos. Noivas vinham de fora para fazer álbum de fotografias na Praça Ezequiel Pereira, praça da Matriz chamada. Basta recorrer às fotos de quando a praça era bonita e bem cuidada e fazer comparação com o estado dela, atualmente.
A praça Coronel Janjão, que não era tão bonita quanto a da Matriz, mas parecia agradável, simplesmente acabaram com ela na administração passada e a atual nada fez em termos de obras na sede do município, nem para recuperar a praça cuja maquete até foi publicada na administração anterior.
Para piorar ainda mais as coisas, os bandidos vieram a Grão Mogol e explodiram com dinamites os cofres dos dois bancos e da agência dos Correios. Por causa disso, o comércio local está quase às moscas. Os feirantes da zona rural que vinham a Grão Mogol trazendo mercadorias e aproveitava para resolver questões bancárias, foram para outras praças.
É uma cena triste ver pessoas simples na porta do Banco do Brasil e na agência lotérica, que faz as vezes de Caixa Econômica Federal, na expectativa de incerto atendimento. Conversei outro dia com Fabiana Arruda, irmã do dono da lotérica, para saber o que afinal acontecia, porque uma hora não tem dinheiro e em outro momento os computadores estão fora do ar.
Ela informou que a lotérica trabalha sem nenhum lucro. Está simplesmente prestando serviço porque havia recebido orientação da Caixa Econômica de não juntar dinheiro na agência para não atrair os bandidos.
A lotérica, segundo ela, precisa de um banco para funcionar, e como em Grão Mogol não há mais banco (ambos funcionam a meia boca, como se diz) quem mais sofre é a população e o comércio ambos desamparados.
E como a população nem o comércio dispõem de meios para reclamar, e mesmo que tivesse talvez não reclamasse, porque a Prefeitura Municipal garante o salário de boa parte da população, a cidade depende o tempo todo de Montes Claros para quase tudo.
Na situação em que a sede do município se encontra, praticamente paralisada, nem conseguiu realizar o importante Festival de Inverno neste ano, houve quem sugerisse “transplantar Grão Mogol em Montes Claros” para que a cidade pudesse funcionar. Seria até mais econômico, inclusive, porque evitaria o trânsito diário de grãomogolenses indo a Montes Claros para solucionar os seus problemas.
Grão Mogol perdeu a sua grande oportunidade de se dar bem aos olhos do governo estadual por causa de um erro de estratégia política. Antes das eleições para o governo de Minas, José Afonso Bicalho Beltrão Silva, filho desta terra, atual secretário de Estado da Fazenda de Minas Gerais veio à região buscar apoio para Pimentel. No primeiro momento parecia ter conseguido, até que o lado majoritário fez a opção errada e José Afonso largou Grão Mogol de mão.

P.S.: Hoje, 8 de dezembro, a cidade esteve toda a manhã sem comunicação. Não havia internet nem telefonia celular. Está quase chegando naquela situação: “O último a sair apague a luz”. Luz? Da vela.


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Por Alberto Sena - 6/12/2017 11:31:01
Pé no Caminho

Alberto Sena

Algumas pessoas me perguntam quanto tempo levei para escrever “Nos Pirineus Da Alma” e também sobre outros detalhes não encontrados no livro. Aproveito o ensejo para responder a quem interessar possa, porque sinto em cada uma dessas pessoas o desejo de percorrer a trilha milenar, o Caminho de Santiago de Compostela, na França e Espanha até a famosa Catedral onde estariam os restos mortais do apóstolo Tiago Maior.

Uns não fazem a caminhada porque não dispõem de recursos para bancar as passagens de ida e volta e muito menos a estada. Aproveito para informar: o correto é dizer “estada”, porque “estadia” é de navio no porto. Quase sempre ouço as pessoas dizerem “feliz estadia”, e penso logo em um navio chegando ou saindo do porto, como acontece com a própria vida, uns chegam e outros partem.

Há os que não fazem o Caminho porque convivem com alguma dificuldade física. Mas nem toda dificuldade física seria empecilho para alguém fazer o percurso. Encontramos pessoas, poucas, é verdade, com limitação física e ainda assim tinham os seus motivos para fazerem a caminhada. Quem percorre 100 quilômetros, comprovadamente, com o “passaporte” da caminhada contendo os carimbos dos lugares por onde passou, recebe a “Compostelana”, documento comprobatório, Cada um faz o seu Caminho. O importante é dar o primeiro passo.

As pessoas mais velhas, mesmo sendo dotadas de espírito aventureiro, muitas delas já chegaram à conclusão de que não têm mais ânimo para uma empreitada dessa, a pé; andar mais de 800 quilômetros, correndo alguns riscos não tão sérios a fim de concluir tudo na famosa Catedral.

Mas a maioria das pessoas acha de duas uma, ou as duas: fazer o que fizemos é uma loucura – e até admitimos, mas como loucura lúcida, porque ao fim e ao cabo a gente tem de admitir, é uma façanha poder provar a si mesmo até onde vão os limites, sem que para isso seja necessário cometer exageros. A outra ideia é de que fizemos uma besteira sair andando com um pedaço de pau na mão, gastando salto e sola de botina.

Cada um tem todo direito de pensar o que bem quiser a respeito do Caminho. Em nossa opinião, foi uma das coisas mais importantes em termos do nosso viver, sentimo-nos vivos, pisando o chão do planeta, livres, podendo andar e ouvindo o silêncio contemplar as belezas de Deus semeadas por todos os cantos, até onde as vistas conseguem enxegar, na linha sinuosa do encontro da Terra com o Céu.

O livro “Nos Pirineus Da Alma”, agora respondendo aos que me perguntam quanto tempo levei para escrevê-lo, a rigor esperei 15 anos. Para escrever foi até rápido. Neste momento penso e peso, uma experiência dessa não se pode pôr no papel açodadamente. É importante ibernar dentro da gente para desabrochar quando é chegado o tempo.

Para fazer uma caminhada como a de Compostela é necessário um trabalho de preparação, a começar da prática de andar e andar. Claro, cada um faz como quiser, mas convém munir-se de uma boa mochila e da indumentária apropriada, o que se pode encontrar nas casas comerciais do ramo.

É de se supor que quem dá ouvidos aos chamamentos do Caminho seja enfronhado minimamente nas coisas da internet. Assim sendo, convém acessar os vários sites do milenar trajeto, por meio do Google. A quantidade de informação é enorme e dessa maneira o peregrino de alma irá fazer uma caminhada abençoada.

O fundamental é sair daqui do Brasil levando simplesmente o necessário como muda de roupa, inclusive íntimas; artigos de higiene, de modo a não superar 10% do peso corporal. É preciso entender bem, uma mochila pesada fica mais pesada ainda a cada passo. Leve-se em conta também, mochila pesada denota o materialismo da pessoa.

Há os que fazem o Caminho com apoio de vans. Mas o gostoso mesmo é viver a caminhada com mochila nas costas, cajado na mão e as possíveis dificuldades encontradas. Nada acontece durante o percurso que não deveria acontecer. É assim também com a vida. O Caminho de Santiago é, portanto, como o viver aqui, lá e acolá. É subjetivo. Está dentro de cada um de nós. A gente sai dele, mas ele nunca mais sai da gente.

P.S.: Em Montes Claros o livro "Nos Pirineus Da Alma" é encontrado na Livraria Palimontes. Quem optar por receber pelos Correios, manifeste o interesse por meio de mensagem e entraremos em contato "in box".


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Por Alberto Sena - 30/11/2017 08:06:54
O povo quer é a duplicação da estrada e não “mel de coruja”

Alberto Sena

Pode até parecer piada pronta, mas não é. Trata-se da mais cruel realidade. A empresa que vem fazendo o recapeamento do asfalto na BR 251 descobriu uma mina d’água na altura de Francisco Sá, onde o asfalto recém capeado regurgitou com os primeiros chuviscos. O asfalto antigo lá estava há anos e nunca se teve notícia de mina d’água. Mas foi só recapear para o asfalto subir em um trecho de cerca de dois quilômetros.
O mais incrível em tudo isso é que as autoridades do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) acreditam nessa versão estapafúrdia e a vida continua daquele jeito, com paradas prolongadas para a empresa que prestou o desserviço refazer a obra. Pior: uma coisa dessa acontece justamente quando as empreiteiras estão envolvidas com a Operação Lava Jato.
Quem passa pela BR 251 e sofre com aquele montueiro de carretas, caminhões, cegonheiras e tudo mais vê que pela espessura do asfalto, o recapeamento não durará muito tempo porque buracos na pista recapeadas já estão surgindo.
Será que o Dnit não fiscaliza? Fiscaliza, porque carro do departamento é visto por lá. Mas será que o asfalto colocado está compatível com a grana investida ali? Pelo jeito há algo de errado ali e é preciso ser averiguado. Todo o Brasil sabe que as empreiteiras costumam oferecer asfalto de qualidade duvidosa incompatível com o montante da grana recebida.
Não é possível acreditar no trabalho de uma empresa que não dura nem um mês. Se as chuvas vierem para valer, será o caos definitivo. Ademais, numa hora dessas, os pais e as mães da obra somem. São pais e mães desalmados, porque não aparecem para falar do desastre da obra.
Em verdade, esse recapeamento funciona como o “bode russo”. Quem conhece sabe, estão fazendo o recapeamento, quando o Dnit tinha que partir para a duplicação da BR. Ou pelo menos construir a “terceira pista” em determinados pontos. Colocaram o “bode russo” para calar a boca dos que reclamavam. Em verdade, o que todos querem é a duplicação da estrada. O mais é falácia.


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Por Alberto Sena - 27/11/2017 09:19:22
Silêncio e Caminhar *

Alberto Sena -

Nós, montes-clarenses, nós brasileiros de modo geral estamos assistindo o País descer celeremente a ladeira. Estamos como o cão correndo atrás do próprio rabo.
O problema brasileiro e da Humanidade não se resolve porque a raiz é de egoísmo, ódio, rancor, mágoa e outros sentimentos negativos. Creio que quem se dispuser a tomar o poder à base de ações violentas, acaso seja bem-sucedido, não oferecerá um cenário de paz e harmonia; jamais.
REVOLUÇÃO
Nesse quesito, fico com o pensamento e a prática do Marátma Gandhi – “A Grande Alma” – quando ele diz: “A única revolução possível é dentro de nós”. Qualquer outra é mais do mesmo e se não fosse, tudo já estaria resolvido, e, no entanto, nada está solucionado aqui nem no mundo onde a oferta de qualidade de vida deteriora a cada dia.
Penso que para enfrentarmos os nossos problemas devemos utilizar o silêncio e o caminhar como forma de protesto. Em vez de sairmos às ruas gritando frases de efeito, esbravejando, cuspindo sentimentos os mais negativos, vamos, todos juntos, em silêncio, caminhar.
Não vejo maneira melhor para vencermos essa batalha árdua travada diariamente. Não vejo luz no final desse túnel. As eleições para presidente da República estão às portas e para muitos de nós não há nenhum candidato capaz de promover as mudanças que o povo quer.
PROTESTO
Protestar caminhando e em silêncio tem muito mais eficácia porque ajuda a encontrar solução sóbria para esse impasse. Estamos entre a cruz e a caldeirinha. E não sobreviveremos como nação espargindo os já conhecidos maus sentimentos.
Ao oferecer esse caminho comungo com a opinião do pensador francês David Le Breton, autor de livros como “El silencio e Elogio del Caminar”. Ele defende a abertura de espaços na nossa vida diária para o silêncio, para meditar, para nos encontrarmos conosco mesmos. E, com a disciplina adequada, fazermos esses espaços cada vez maiores.
Muito antes de ler alguma coisa dele, eu percebi isso depois de fazer duas vezes a pé o Caminho de Santiago de Compostela, na França/Espanha, em 2001 e 2002, motivo desta reunião para lançamento do correspondente livro “Nos Pirineus Da Alma”.
Nada melhor do que o silêncio e o caminhar para encontrarmos nós mesmos e em seguida participarmos da única revolução possível, conforme dizer de Gandhi.
MELHOR EXPERIÊNCIA
O pensador francês fez recentemente a caminhada e disse (abre aspas), “A minha melhor experiência nesse sentido, a definitiva, foi no Caminho de Santiago: quando cheguei, enfim, a Compostela, compreendi que eu havia me transformado completamente, depois de numerosos dias em marcha e em absoluto silêncio. Foi um renascimento.” Fecha aspas.
Ele é do nosso tempo. Mas, antes dele, Marátma Gandhi pôde provar a eficácia da caminhada em silêncio por meio da “Marcha do Sal”, um ato de protesto contra a proibição da extração do sal na Índia colonial imposta pelos ingleses.
Gandhi percorreu a pé 400 quilômetros para pegar um pouco de sal para si. Um número muito grande de indianos o seguiu.
Os ingleses nada puderam fazer contra porque ele não havia incitado os outros a seguirem-no. A marcha ocorreu de 12 de março até 6 de abril de 1930.
ENCONTRAR PAZ
O silêncio e sua prática nos leva a esta possibilidade de encontro profundo. É fortificante. Em silêncio é possível encontrar paz e o amor incondicional vem com toda a força transformadora, como já dizia Gandhi naquela época: “O amor é a força mais sutil do mundo. O mundo está farto de ódio”. E é justamente isso que, no momento destrói, corrompe e ensurdece os seres chamados humanos.
Jesus Cristo nos ensinou que, para falarmos com Deus não há necessidade do uso de muitas palavras. O silêncio já diz quase tudo. Este pode ser um passo. Ninguém deve ter medo de si mesmo. Andemos, pois, e pratiquemos o silêncio diariamente. Vamos ajudar a transformar a Humanidade.

(* Discurso proferido na solenidade de lançamento do livro “Nos Pirineus Da Alma”, no Elos Clube Montes Claros)


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Por Alberto Sena - 31/10/2017 14:59:51
Vamos embora levados nas páginas de um livro

Alberto Sena

Posso dizer, sem medo de errar, os meus melhores dias da vida foram passados em Grão Mogol. Foi o lugar onde pude me realizar mais, pessoal e profissionalmente. Alguém pode até achar isso “um espanto”, considerando que passei a maior parte de minha vida na capital, onde trabalhei só no Jornal Estado de Minas, 24 anos, onde tive, evidentemente, vida intensa, agitada, estressante, proveitosa. Não posso reclamar. “S’eu queixo é de burro”, como dizem popularmente.
Em Beagá tive o melhor aprendizado. Constitui família. Vivi a melhor fase do jornalismo nacional. Naquele tempo, as notícias tinham consequência. As redações eram feitas de intelectuais e escritores, diferentemente de hoje em dia, quando os assuntos se atropelam uns aos outros. E, politicamente, o Brasil nunca viveu caos semelhante, com a grande maioria dos políticos ocupantes de cadeiras no Congresso implicada em crimes de envergonhar até estátua.
Grão Mogol, para mim é sinônimo de “paraíso”. Nasci em Montes Claros, onde vivi até aos 22 anos, sem conhecer Grão Mogol. Desde criança ouvia dizer, “é infestado de barbeiro”, e, talvez por isso, ao chegar à idade adulta não me interessei em conhecer Grão Mogol.
Foi preciso o grãomogolense Lúcio Bemquerer construir o Presépio Natural Mãos de Deus e me chamar, ainda na fase inicial, para ver “a loucura que estou fazendo”. De fato, Lúcio construir um presépio podia ser uma loucura, mas “loucura lúcida”. Obra que, a rigor, os grãomogolenses não conhecem e por consequência, não valorizaram.
Vim a Grão Mogol a primeira vez, em 2012 Vim, vi e, posso dizer, venci. Sabem por quê? Porque, aqui, eu me revelei para mim mesmo duas condições demasiadamente importantes. A primeira: tomei gosto pela fotografia, graças ao convite do cenário local, rico em paisagens, um lugar onde há história em cada pedra do calçamento da cidade e na circunvizinhança. Onde o ar é puro e a vida segue naquela pachorra, como se aqui fosse afastado do resto do mundo.
A segunda, e, para mim, a mais importante: aqui, pude concretizar a minha condição de escritor e tive ambiente para escrever alguns livros de Literatura. O primeiro será lançado, em novembro próximo, em Montes Claros. Em seguida, em Belo Horizonte, relatando as nossas duas experiências na milenar trilha chamada Caminho de Santiago de Compostela. Tenho, potencialmente, só faltando compilar, livros de poemas, de contos, de crônicas e um romance escritos nesta cidade de pedras, e cada um será lançado, como numa catapulta, a seu tempo, se Deus quiser.
Em Grão Mogol pude, então, conviver mais de perto com os passarinhos e com as flores. Pude reviver o passado de menino, época em que as casas tinham quintais, como os daqui. Comparando, Grão Mogol é semelhante à minha Montes Claros da infância, hoje sufocada pelo crescimento e os problemas inerentes às cidades grandes.
Pessoalmente, não tenho do que me queixar, mas como costumo abordar temas que dizem respeito à vida do meu semelhante no dia a dia, devido à condição de jornalista, tenho um corolário de assuntos a abordar, tendo em vista a melhoria das condições de vida do povo de Grão Mogol. Mas, não é o caso de debulhá-los, agora, para não empanar a leveza desta nossa conversa.
Estamos indo embora, mas, um dia, “sólo el de Arriba lo sabe”, como diz o poeta espanhol, voltaremos para viver essa vida simples e simplificada, posso dizer, deliciosa. Passei esses últimos anos como se estivesse em férias, porém, produzindo intensamente, como nunca.
Conscientemente, fiz um trabalho neste município, que, sem falsa modéstia, já entrou para a história de Grão Mogol. Ninguém, em nenhum tempo, fez um trabalho semelhante ao que fiz, simplesmente por amor ao lugar onde, para mim, Deus demorou um pouco mais para criar.
Nesses mais de três anos aqui vividos, diuturnamente divulguei Grão Mogol ao mundo, várias vezes ao dia, por meio de crônicas, reportagens e fotos. Os frutos desse trabalho ainda virão, com mais intensidade, na medida do tempo. São como as ondas do mar. As notícias foram arremessadas ao espaço. Um dia as consequências virão na espuma do tempo.
Acalento a visão aqui tida logo ao me deparar com a magia e a beleza de Grão Mogol e região. Um dia, quando a cidade for preparada de fato para receber turistas, eles virão de todas as partes do mundo para gastarem dólares e euros. Quando esse dia chegar, o nome desta urbe estará em todos os quadrantes do planeta.
No meu caso particular, era necessário voltar às origens para, em seguida, dar-se a metamorfose. E o primeiro livro é a porta. Voltar para Montes Claros seria a mesma coisa de ficar em Beagá. Portanto, nesse tempo, Grão Mogol foi a minha Montes Claros da infância que o progresso transformou irremediavelmente.
Vamos embora levados nas asas, quer dizer, levados nas páginas do livro “Nos Pirineus Da Alma”. Querendo ou não, quem a pé trilhou por duas vezes o Caminho de Santiago, a partir da França, entrando Espanha adentro, perfazendo, ao todo, 1.300 quilômetros, querendo ou não, está preparado para viver em qualquer parte do planeta onde a querência divina indicar.


82825
Por Alberto Sena - 25/10/2017 14:04:45
O Automóvel Clube ameaçado

Alberto Sena

O quê?! O Automóvel Clube (AC) de Montes Claros será vendido ou fechado? Que notícia é essa que me chega à minha caverna? Dentre as demais – calor, falta d’água, criminalidade em alta etc. – esta foi de lascar, porque as demais já eram sabidas. Nunca passaria por minha cabeça a possibilidade de o AC encerrar atividades, justamente quando, particularmente, tinha a intenção de procurar a diretoria para saber se era do seu interesse adotar a Praça João Alves, em parceria com a Escola Estadual Gonçalves Chaves, assimilando a sugestão do amigo Paulo Henrique Veloso Souto.
Para Montes Claros, qualquer coisa ruim que vier acontecer com o AC, é grave. Daqui, contemplando as lonjuras sentado numa pedra e no topo da Serra Geral, Serra do Espinhaço chamada, recordo-me quando tinha 15 anos e vi o início da construção do prédio, isto é, o início da história dele.
Fiz cobranças para a “Zeta Incorporação e Construção”, empresa do engenheiro Pimenta, responsável pela obra que, definitivamente, marcou Montes Claros sobre todos os aspectos, principalmente políticos e sociais por ter sido palco de grandes acontecimentos.
Claro que, estando fora essa quantidade de tempo, uns 45 anos, não posso entrar no mérito dos motivos que estão a levar a atual diretoria a tomar uma medida drástica. O colunista jornalista Theodomiro Paulino, bastante identificado com o AC e vice-versa, disse no Facebook “fiquei triste” ao saber da notícia. E completou: “Lamentável, é mais um patrimônio que se vai”.
O professor Marcelo Walmor Ferreira pôs o dedo na ferida ao dizer: “Esse é o desfecho de uma história de grandes eventos políticos e sociais e que você (Theodomiro), brilhantemente, fez e faz parte”. E, segundo ele, também é “fruto de gestões que não deram o devido valor que o clube merecia”.
Assim como eu, que tanto me interesso pela preservação da nossa memória coletiva, Marcelo Walmor fica “pensando que as cidades são feitas exatamente disso, de homens e memórias, e se já não as temos mais, não temos cidade também”. Isso não é saudosismo, como ele mesmo diz, e na minha opinião, é um ato jurídico de “legítima defesa putativa”, isto é, estamos antecipando a defesa da sociedade montesclarina antes que o fato aconteça, porque estamos diante de uma ameaça grave: a venda ou o encerramento das atividades do AC.
Alguma coisa precisa acontecer urgentemente para evitar o que pode ser um desastre para Montes Claros. Posso estar enganado, mas, a cidade fica sem um ponto atrativo e atraente, dentro da urbe, para sediar grandes acontecimentos, como sediou durante os seus 52 anos. Encontros políticos, festas memoráveis realizadas por Lazinho Pimenta e Theodomiro. Carnavais... Ah! Os carnavais... Quantos passamos ali entrando pelas madrugadas. E as horas-dançantes? Hum... Quantas histórias e estórias impregnam até as paredes?
O pior que poderá acontecer ao AC é o que alerta Georgino Júnior, “a continuação do sepultamento da memória de Monscraro; daqui a pouco surge um espigão naquele lugar... (depois que a casa onde Mestra Fininha criou Darcy Ribeiro e Marão foi demolida pra virar estacionamento de veículos, um quarteirão abaixo do Automóvel Clube, nada mais me espanta em relação ao patrimônio histórico da cidade)”.
Márcia Maia achou “muito triste, mas como você (Theodomiro) mesmo disse mais um patrimônio nosso indo embora! Quantas lembranças!” Ao que Jussy Marangon reagiu assim: “Não acredito (escrito em caixa alta); e a sociedade vai deixar?
Suzana Neiva de Melo Franco considera “um absurdo”. E faz uma indagação: “Como uma parte da nossa história acaba assim? Onde estão as lideranças políticas? O Automóvel Clube é da cidade. Tem que haver uma forma de reverter este triste quadro”.
E o quadro alegado até onde sei, é que o AC tem sobrevivido até aqui com 70 sócios que pagam R$ 70,00 de mensalidade. Penso que, antes de tomar uma medida drástica como essa, a atual direção do clube devia fazer o que fez, chamar a atenção. Agora, os mais interessados na defesa da sua integridade devem se reunir para encontrar uma solução plausível para o problema.
Porque senão acontecerá com o AC o que diz Georgia Maria Ferreira, “mais um marco da nossa história que se desfaz, assim como nosso país, cada dia mais, nos tornamos uma sociedade sem memória, sem história, muito triste mesmo! Talvez, se juntarmos os montes-clarenses e fizermos um movimento!”


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Por Alberto Sena - 23/10/2017 10:05:54
O coaxar do sampo e da jia

Alberto Sena

Hoje, o sapo e a jia do Ribeirão do Inferno, aqui, de Grão Mogol (MG) estão coaxando meio diferente. Coaxar monocórdio, como para marcar os segundos. Um solta o coaxar com gosto e outro entra em cena a cada intervalo de um minuto, senão menos, mas com uma maneira estranha, um coaxar crocante e seriado, como tiros de metralhadora, com duração de alguns instantes. A cada intervalo deste, fica só o coaxar monocórdio do sapo (ou seria da jia?) como se fosse “o rei do brejo”, com a missão de marcar o compasso.
Às vezes, o sapo e a jia parecem estar distantes. Neste momento, estariam mais próximos e é justamente nesse ponto onde mora o problema, se é que se pode chamar de problema o fato de estarem longe ou perto.
Afinal, os anuros têm também o direito de “ir e vir”. Ninguém vai ficar vigiando os bichinhos, que muito bem podem estar lá num dia e cá noutro dia. Eles têm a capacidade de dar saltos e podem ir aonde quiserem em busca de petiscos. Para isso têm língua comprida, elástica. Dão uma lambida e a presa está no papo.
Onde tiver água e comida, lá os anuros estarão, agora e sempre. Eles não diferem muito dos homens, que desde os primórdios, tempos de “Entradas e Bandeiras”, procuravam sempre acampar próximos aos rios, por motivos óbvios.
Agora, o coro deles volta a ser integrado pelo sapo com o coaxar seriado e crocante. A cada intervalo, ele ressurge, como se tudo fosse cronometrado. Eu não saberia fazer leitura do linguajar dos anuros, mas posso observar as mudanças no comportamento deles, de um dia para o outro.
Eles são aquilo mesmo e não enganam ninguém. Não usam máscaras como se fora o Zorro das histórias em quadrinhos. Não fazem como fazem os outros tipos de “sapos e de jias” que pululam por aí fazendo política entre aspas, se é que o que fazem pode ser chamado de política, corruptos e bandidos como a maioria deles é.
Se considerarmos os sapos e as jias como “seres cósmicos”, como os esotéricos acreditam, porque os anuros teriam sensibilidade capaz de captar as energias do espaço, pode ser que eles estejam mais próximos porque encontraram mais comida, aqui, por essas plagas. Ou, senão, para lançar um alerta aos circunstantes, extensivo ao Brasil e ao mundo.
Acredito, baseado no meu parco “anurês”, que os sapos e as jias coaxaram um de um jeito e o outro de modo esquisito porque estariam percebendo algo vindo do oriente rumo ao ocidente (ou seria o contrário?), para iniciar o que poderá ser o princípio do fim da civilização humana na face da Terra.


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Por Alberto Sena - 17/10/2017 17:57:04
Onde estão todos ?

Alberto Sena

O tempo é voraz tanto quanto boca de fornalha de siderurgia. Passamos pela vida de muita gente e o contrário é também verdadeiro. Vamos vivendo. Vida em abundância. Mas, então, chega uma hora em que acontece de iniciar uma revisão, inda mais quando se é estimulado a isso.
Recentemente, em Montes Claros, retornei à Rua Corrêa Machado, onde vivi a adolescência e os primeiros anos de vida adulta. Depois de mais de quatro décadas, o botão das recordações daquela época foi, então, acionado.
Pergunto, e quem puder responder, por favor, faça um comentário. Por onde anda o ex-vizinho Eustáquio, neto de Dona Tina, uma senhora simpática, pequena na estatura física, mas de grande coração? Ela viveu quase 100 anos. Criou Eustáquio e outros netos vindos de Francisco Sá. Nós dividíamos nossas apreensões da adolescência.
E os irmãos Paulo e Luiz, filho do ferreiro Simeão? Moravam na Rua Doutor Veloso, quase esquina da Rua Corrêa Machado. Quem estiver com eles, diga a ambos, por obséquio, quase meio século depois retornei à casa onde a família deles morava. Quando apertei a campainha quem me atendeu foi uma senhora já de idade. Ela se identificou como sendo Alice, irmã de Paulo e de Luiz. Deixei com ela um abraço aos dois. Nós dividimos espaço nas jogadas de futebol, bolinha de gude e finca.
Alguém sabe me informar o paradeiro do galego Dedinho, vizinho de Bonga, na Rua João Pinheiro? Ele era companheiro no futebol desde os bons tempos do campo do União. Jogamos juntos no juvenil do Cassimiro de Abreu. Depois disso nunca mais nem ouvi falar de Dedinho. Alguém saberia dele?
E Sílvio Guimarães? Irmão de Helinho Guimarães, médico. Soube que formara em Medicina e nada mais. Sílvio foi companheiro de brincadeiras de estilingue, até o dia em que ele, estilhaçou o para-brisa de um caminhão caçamba do DER e deu até polícia. Com 11 anos de idade, eu e outros tivemos de ir à delegacia de polícia para sermos apresentados ao coronel Coelho, sem ter nada a ver com o fato.
Cadê Osmar, irmão de Geraldinha? Com ele jogava futebol, tampinha e juntos íamos à Escola Normal, no período ginasial. Lembro bem do cuidado da mãe dele com a roupa do filho. A camisa engomada, tanto quanto a minha, eram coisas de mãe. Nunca mais tive notícia dele. Tomou aquele comprimido para dor de cabeça e... Sumiu.
João Carlos Gabrich, irmão de Felipe, é outro sumido. Tive notícia dele, recentemente, por intermédio de Felipe. João Carlos mora na Serra do Cipó. Feliz dele. Serra do Cipó é um dos lugares mais aconchegantes do planeta. Como João Carlos fazia um pouco de tudo: bolinha de gude, futebol, papagaio. Era com ele e o irmão dele, Ricardo, que, creio, vive em Montes Claros hoje, mas há muito tempo não o vejo também.
E os irmãos Roberto e Ronaldo Lima? Roberto, sei, ele nos deixou, recentemente. Vivia em Januária. Que descanse em paz. O irmão dele, Ronaldo, o Roxxim, tenho notícias, ele é meu amigo no Facebook. Mora em Janaúba, aposentado do Banco do Brasil. Vivemos bons momentos, naquela época, não foi mesmo, Roxxim?
Jésio, o que aconteceu com Jésio? Ele morava na Rua Corrêa Machado esquina de Rua João Pinheiro. A casa nem existe mais. Tinha alpendre e era pintada de verde escuro. Dali do alpendre divertíamos com uma ousada brincadeira chamada “pau de bosta”. Não vou nem entrar em detalhes sobre essa brincadeira condenável.
E Danilo? Danilo morava numa casa atrás da Rua Corrêa Machado. Com ele passava horas jogando bolinha de gude ou, senão, empinando papagaio. Na manhã em que meu pai morreu, 15 de janeiro de 1961, eu jogava bolinha de gude com Danilo quando minha irmã, Lúcia, chegou me chamando. Era para eu ir correndo. Fui.
Quem sabe do Zezinho? Ele morava quase na esquina da Rua Camilo Prates com Corrêa Machado. Foi colega de escola e de Tiro de Guerra, se não me engano. Morava em frente ao Juquinha, um camarada com alguma deficiência física, mas de cabeça boa. Juquinha era o técnico dos times de futebol armados no campo do União.
Como dizia no início deste texto, a gente passa pela vida de tanta gente e tanta gente passa por nossa vida. É inacreditável. Duma hora para outra a própria vida cuida de distanciar as pessoas umas das outras. Ficaram só as recordações dos bons momentos vividos numa época em que éramos aprendizes de felicidade.
E Cícero Bastos – Cícero Estru, por onde anda? Ele morava na Rua Corrêa Machado. Quem sabe dele?


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Por Alberto Sena - 16/10/2017 10:02:08
Flatulência descontrolada

Alberto Sena

Houve uma época, em Montes Claros – podem até não acreditar, mas houve – em que a Rua Corrêa Machado, entre as ruas Doutor Veloso e João Pinheiro era um bom lugar de morar. O asfalto ainda não havia chegado. Com o calorão de sempre, na cidade, era comum as famílias levarem cadeiras para as portas das casas a fim de se refugiarem na rua tanto do calor como dos pernilongos.
Isso acontecia, só para se ter uma ideia, até pouco tempo antes da chegada da televisão. Na ocasião, em termos de veículo de comunicação, havia em Montes Claros a ZYD-7, “Rádio Sociedade Norte de Minas, da rede verde e amarela Norte e Sul do País, falando de Montes Claros para o mundo”, o jornal Gazeta do Norte, O Jornal de Montes Claros e depois o Diário de Montes Claros. Passado algum tempo, veio o “Big Boy”, pseudônimo de Newton Alvarenga Duarte, “disc jockey” da Rádio Mundial responsável por uma verdadeira revolução no rádio brasileiro. Ele era a sensação das noites.
A televisão chegou e foi responsável por retirar as famílias das portas das casas. Limitou-as às dependências das salas e dos quartos, porque vieram as novelas e os demais programas televisivos.
Mas, neste momento, me vejo com a família sentado numa cadeira na porta da casa da Rua Corrêa Machado, depois de construída a calçada de cimento.
Foi nos primeiros anos da década de 60. Fica fácil calcular a época e compreender não estar tão longe assim porque muitos dos personagens ainda estão vivos para confirmar o episódio a ser contado, acaso seja necessário, para corroborar a veracidade desta estória e de outras do período.
Numa noite de calor quase insuportável, estávamos todos, mãe – pai já havia falecido – e alguns dos filhos à porta de casa e alguém teve a feliz ideia de mandar comprar picolé lá na soverteria da Praça Coronel Ribeiro. Tinha de voltar rápido, de bicicleta, para evitar o derretimento dos picolés.
Estavam na porta da casa vizinha duas moças irmãs, uma delas com o namorado, com quem acabou se casando. A irmã dela ali estava naquela condição de “vela”, e, em certo momento, a moça deu de entrar e ficaram só os dois e nós na nossa porta, conversando animadamente e chupando picolé.
Estávamos meio estremecidos com os vizinhos por causa de um problema criado por eles mesmos a partir de um bueiro de água fluvial. No período chuvoso a água da chuva passava de um quintal para o outro, a partir da Rua Doutor Veloso até alcançar a Rua João Pinheiro. A água do nosso quintal tinha de escoar para o do vizinho, que, duma hora para outra cismou de fechar o bueiro a um canto do muro.
Resultado: o aguaceiro recebido dos outros quintais inundou o nosso e tivemos de usar um enxadão para desobstruir a passagem d’água pelo bueiro. Houve bate-boca e por causa disso, a relação com os vizinhos – mãe viúva e filhos, duas moças e um rapaz – ficou estremecida.
Então, retomando a narrativa, estava o casal ali, namorando, quando, não se sabe se ele ou ela deixou escapar uma flatulência alto e em bom som. Como não podia deixar de acontecer, o riso foi geral. A moça entrou correndo para dentro de casa sem olhar para trás, e o namorado dela se foi embora às pressas, envergonhado.
Passados alguns instantes, a moça reapareceu no portão ressabiada. Ela achava que o namorado havia se escondido no campo de futebol do outro lado da rua, onde havia um buraco redondo no muro por onde as pessoas costumavam passar. Estava tudo escuro dentro do campo desativado.
Como se estivesse pisando em ovos, a moça atravessou a rua e foi até ao buraco do muro. Ela se foi esgueirando como quem queria surpreender alguém e ao chegar na boca do buraco soltou um grito estridente capaz de assustar qualquer pessoa. Mal sabia ela, o namorado já estava longe dali.
Foi um episódio tragicômico. A princípio, ninguém entendeu o porquê de ela ter atravessado a rua pisando em ovos sendo que o namorado já havia ido embora. Só ela não sabia e ficou decepcionada, além de envergonhada. Ligeiro, a moça atravessou a rua e entrou correndo em casa, chorando. Ficou um tempo sem pisar os pés do lado de fora. Tudo por causa de uma incontrolável flatulência.


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Por Alberto Sena - 13/10/2017 07:35:09
Em busca de si mesmo no "Gonçalves Chaves

Alberto Sena

No mais recente retorno a Montes Claros, por esses dias, casualmente, ia passando pelo portão da Escola Estadual Gonçalves Chaves, na Praça João Alves, quando de repente o espírito infantil do menino de sete anos o impeliu a entrar. O portão estava aberto. Devia ser 10h30. Ele entrou pela primeira vez depois de décadas e se encontrou na porta com a simpática senhora chamada Kelly, na portaria.
Explicou a ela ter sido aluno da escola, àquela época, década de 50, denominada “Grupo Escolar Gonçalves Chaves”. Ele apontou as salas de aula onde havia estudado, do primeiro ao quarto ano primário. E Kelly mostrou a ele a galeria de antigos diretores e o menino identificou as diretoras de quando ali chegou, aos sete anos de idade.
Uma delas era Dona Marucas, mãe de Roberto Avelar, um dos colegas dele no primeiro ano primário. Ela estava entregando a direção para Dona Maria Celestina Almeida, irmã de Cipriano Almeida, marido de sua tia Ambrosina Sena, irmã da mãe dele, Elvira.
Por alguns instantes, o menino viu-se no pátio, antes rebaixado e para ter acesso a este, os alunos tinham de descer por uma escada em frente aos banheiros. Viu-se chutando bola de meia velha com os colegas e ainda pôde ouvir o vozerio da meninada esbanjando alegria de viver, jogando “queimada”.
Hoje, o pátio já não é o mesmo. Foi nivelado ao piso superior de entrada e a parte de baixo ganhou outras serventias. Mais de cinco décadas depois, até que o prédio não sofreu tanta interferência.
Ele recordou, onde é hoje a garagem da escola havia uma área de terra avermelhada e em determinado ponto fora construído um pedestal de cimento onde instalaram uma cruz enorme, de madeira, pintada de tinta preta. O “cruzeiro”, como chamavam-no fora encontrado enterrado no terreno quando do início da construção do prédio. Quem fim teria levado o “cruzeiro”?
Quando ele entrou pela primeira vez por aquele portão, em 1957, era de manhã e estava acompanhado da irmã de mais idade, Lúcia, e ali se encontrava para “fazer um teste”. Era para Dona Maria Celestina escolher qual seria a professora que se encarregaria de desasná-lo. Dona Bernadete Costa era o nome dela. Com ela o menino ficou do primeiro para o segundo e do segundo para o terceiro ano.
No terceiro ano, ele foi aluno de Dona Alba Alkimim, mãe das professoras Vânia e Vilma Alkimim. Ela era tia de Eduardo Alkimim, um dos seus colegas. Eduardo deu a ele, um dia, quando já adultos, uma cópia de fotografia da turma, foto publicada, aqui, várias vezes.
No quarto ano primário, a professora dele era Dona Augusta, austera tanto quanto Dona Bernadete, esta mãe de Robson Costa, com quem ele trabalharia, anos depois, no “O Jornal de Montes Claros”. Noutra situação, mais tarde ainda, Robson o levaria a trabalhar no jornal “Estado de Minas”, em Belo Horizonte.
Toda segunda-feira, Dona Augusta queria ver as mãos de cada um dos alunos, a fim de verificar se as unhas estavam cortadas e limpas. As mãos eram mostradas sobre um lenço. Ela verificava também se cada um havia lavado o rosto de manhã ao acordar. Com o seu jeito rigoroso, a professora se dizia encabulada como “é possível alguém só passar uma aguinha no rosto e pronto, fica até a marca da sujeira”.
Mas, o interessante é que, alguns poucos de nós não fizeram “prova final” para passar do primeiro para o segundo, do segundo para o terceiro e do terceiro para o quarto ano. Fizeram provas só no último ano. Por quê? Porque tinham notas suficientes para serem promovidos. Enquanto os outros colegas ainda iam fazer “prova final”, eles já estavam gozando férias.
Entretanto, mais interessante, ainda, aconteceu no terceiro ano, no dia em que a Dona Alba pediu à turma para fazer uma “composição” sobre determinado tema. O menino fez a dele no capricho e a entregou. A professora tinha o costume de ler os melhores trabalhos. Naquele dia, ela disse ter em mãos uma “composição muito bonita” e prometia lê-la por último.
Quando chegou a vez, Dona Alba leu a composição e ao terminar de ler fez uma observação, lamentando: “É uma pena, mas a “composição” não foi escrita por ele”. A reação dela dizendo isso não podia ser pior, porque injusta. E se o menino tivesse ficado traumatizado por isso, é possível que, hoje, ele não estivesse, aqui, escrevinhando sobre o ocorrido. Inda bem que teve discernimento para entender, e pensou de si para si mesmo: “Se ela achou não ter sido eu o autor, é porque a composição está boa demais”!


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Por Alberto Sena - 9/10/2017 09:57:19
O significado de voltar a Montes Claros

Alberto Sena

Voltar a Montes Claros é a mesma coisa de mergulhar na infância, na adolescência e na fase adulta até 22 anos de idade, quando se deu a partida definitiva para a capital. Retornar à Rua Corrêa Machado, onde a família morou durante anos, é um mergulho mais profundo ainda. Mas, ao mesmo tempo, é um choque misto de decepção e de conformismo porque nada mais há que fazer, tudo já foi feito para mudar o quadro de antes, décadas de 60 e 70.
Quando a família mudou para a Rua Corrêa Machado, vindo da Rua São Francisco, não havia ali asfalto nem calçamento. Era terra mesmo, cascalho. Quando passava um carro o pó subia. Mas, em compensação, no período das águas, a terra úmida era um prato cheio para jogar finca e também bolinha de gude.
Em frente da casa havia um campo de futebol, e se ninguém fosse chamar, não havia hora para almoço nem lanche da tarde porque a bola saciava a fome. Mas a sede, não. Com a boca seca e o corpo transpirando toda a água, era preciso correr em casa e engolir rapidamente um ou mais copos d’água e correr de volta ao campo.
O mês de agosto era considerado o período dos ventos. E, então, era chegada a época de empinar papagaio. Precisava correr em busca de bambu e papel impermeável mais linha de carretel número 10 ou outra grossa chamada de “cordonete”. Além de manivela de madeira de oito cruzetas. No mais, era subir aos céus com os papagaios. Acontecia, com a maior frequência, de alguns deles voltarem respingados porque alcançaram as nuvens.
Indo à Rua Corrêa Machado o mergulho no tempo causou impacto forte porque das casas de então restam só quatro, no trecho entre as ruas Doutor Veloso e João Pinheiro. A casa de Dona Tina, avó de Eustáquio. A casa onde moraram, em períodos diferentes, Clarice Magalhães e Fátima Tolentino, além da de Simeão ferreiro, pai de Paulo e Luiz. E a de Nêgo Ró.
O campo de futebol desapareceu sem deixar vestígios, cortado por duas ruas em forma de cruz. Os Biondi já não moram lá mais. Foram para Salvador (BA). Tudo mudou. Ficaram os espectros. Antes, Fernando Zuba se vestia de fantasma com lençol branco e à noite assustava a rapaziada em meio à escuridão, até ser, enfim, descoberta a identidade dele e constatado ser fantasma de carne e osso.
O ruidoso barulho de hoje provocado pelo motor dos ônibus que sobem a Rua Corrêa Machado provenientes da Avenida Cula Mangabeira não consegue abafar por completo os gritos da meninada se divertindo no campo. Os nomes de Bonga e o de Zé Bispo; de Felipe e João Carlos Gabrich e de Marcelino, irmão de Moedeferro; dos irmãos Roberto e Ronaldo Lima; de Chico Ornellas e Rubinho Sena só para citar alguns porque para lembrar de todos seria necessário possuir memória de elefante, os nomes deles e de muitos outros ainda são ouvidos vindos de passado nem tão remoto assim.
Os Gabrich já não moram mais ali, na Rua João Pinheiro. Marcelino não está mais no meio de nós. Zé Bispo e Bonga resistem. Um encontro com este, ainda no mesmo espaço onde viveu com a mãe, na Rua João Pinheiro, hoje sua oficina de restaurar motores, como sempre, foi dos mais agradáveis.
Cuidadoso, Bonga guarda anotado em cadernos a relação dos jogos e as principais informações sobre quase tudo vivido como técnico do juvenil do Cassimiro de Abreu. Como jogador, Bonga foi grande sob todos os aspectos, principalmente na altura. Bastava levantar o braço para pegar no travessão.
É importante salientar, ninguém deve cair na bobagem de viver de passado. A melhor época de nossa vida deve ser a atual. O passado foi bom, mas passou. O presente é que importa. Nele semeamos o futuro. De modo que rever a rua mágica de então, quando a vida parecia mera brincadeira, não acionou o botão da saudade, mas o da constatação, mais uma vez, de que tudo muda. Inda mais em cidade dinâmica como Montes Claros.
Mais de 40 anos depois se pode notar, a cidade cresceu em todas as direções. E o fato de ser o terreno plano favoreceu a esse crescimento. Evidentemente, a BR-251 teve e ainda tem muito a ver com as transformações de Montes Claros, ao trazer para a região gente de todas as partes do Brasil.
Em verdade, em verdade digo, a Montes Claros de hoje cumpriu e cumpre sua vocação de cidade polo. De direito ainda não, mas de fato, a terra de Antônio Gonçalves Figueira exerce o papel de capital do Norte de Minas, com a maior competência, apesar de todos os percalços.


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Por Alberto Sena - 29/9/2017 10:47:08
O futuro chegou

Alberto Sena

Ao ouvir, daqui, das dobras da Serra Geral os clamores dos conterrâneos montes-clarinos por água; ao ver as imagens de sequidão e de racionamento com rodízio; mesmo distante, mas, sofrendo com todos a situação, solidário e tudo mais, nem assim posso deixar de fazer reflexão importante diante do quadro deplorável apresentado.
Gente culpada ou considerada inocente colhe hoje os frutos da imprevidência humana, queira ou não. Enquanto o cidadão encontrar água ao abrir a torneira, tudo bem, é considerado “normal”. Era normal, porque o problema passa a existir quando do cano sai só o ronco, como acontece agora, para infortúnio da população de uma cidade grande como Montes Claros.
A região faz parte do Polígono das Secas. O problema é cíclico, nunca será corrigido, pelo visto, mas já podia ser atenuado com medidas sérias há muito tempo. Entretanto, os políticos responsáveis por encontrar saídas para o grave problema vieram se locupletando com o dinheiro público ao longo dos tempos e os problemas perduram. É a famosa “indústria da seca” instalada, faz parte do “mecanismo de corrupção”.
Se o Norte de Minas fosse território israelense, a essa altura da existência, Montes Claros e região estariam exportando gêneros de todo tipo para o mundo há muito tempo. A partir da maneira respeitosa como os israelenses cuidam da água. E quem conhece sabe do tamanho da carência deles porque sempre contaram com um só rio, o Jordão. Eles já estão fazenda a dessalinização da água do mar. Instalaram a maior usina do mundo.
A diferença é que lá, em Israel, as coisas funcionam. O dinheiro público não é expropriado, inda mais da forma a mais vergonhosa como acontece no Brasil, a partir de um presidente da República sem legitimidade e o tempo todo na corda bamba, querendo tampar o sol com a peneira. Insiste em ocupar o cargo para satisfação dos seus apaniguados.
Como montes-clarino, fico me perguntando o que aconteceu com os rios de Montes Claros? Cadê os rios Melo, Carrapato, Laginha, Pai João. E o que foi feito do Ribeirão Vieira? Quem são os responsáveis pelo fim dos rios e pelos maus tratos ao ribeirão? Façamos, pois, um exame de consciência a fim de atirarmos em nós mesmos as primeiras pedras.
O Rio Congonhas era uma das esperanças de salvação para Montes Claros. O Congonhas é tributário do Rio Itacambiraçu, de onde a Copasa retira água para abastecer a população de Grão Mogol. Por mal dos pecados, o Rio Congonhas secou. E com o rio seco se foi também o sonho de construção de uma barragem para abastecimento de água à população de Montes Claros.
Que a questão da água é o principal problema do mundo, daqui para a frente, ninguém deve ter mais dúvida disso. Basta espiar ao redor e verificar o que se passa aqui e em outros lugares. O ponto crucial é o que fazer para correr aceleradamente contra o prejuízo. Estamos diante da fábula “A Cigarra e a Formiga”, de Esopo.
O futuro chegou. E chegou muito mais cedo do que se podia imaginar. Mas ainda haverá de piorar mais daqui para a frente porque o País está mergulhado numa crise sob todos os aspectos e principalmente de caráter, governado por políticos envolvidos de alguma ou de várias formas na Operação Lava Jato.
No momento em que o governo federal entrega o nosso solo às multinacionais negociando o Aquífero Guarani e a Hidrelétrica de São Simão, o que se depreende de um ato desnaturado deste é a mesma imprevidência geradora da atual escassez de água no Norte de Minas, região fadada à desertificação.
Fosse o Brasil governado por gente dotada de espírito público, tendo em vista solucionar as questões políticas, econômicas e socioambientais da população brasileira, o Aquífero Guarani jamais seria negociado.
Diante de tudo isso fica a sensação de viver em País eternamente em estágio de colonização. Assim como fez Pedro Álvares Cabral, ao invadir o Brasil, presenteando os índios com seus badulaques, tudo continua como dantes no quartel de Abrantes.
No caso de Montes Claros, cabe à Copasa encontrar a melhor maneira de resolver a questão do abastecimento. Com a Prefeitura Municipal de olho. Se a empresa fosse mais previdente teria detectado a escassez com anos de antecedência. Agora, é correr contra o tempo.
Sem energia, na pior das hipóteses, é possível viver, apesar dos transtornos porque tudo para. Mas sem água, não há a menor condição. Numa hora de escassez os seres chamados humanos dão à água o real valor dela. Décadas atrás ouvíamos dizer: “Chegará o dia” – e o dia já chegou – “em que trocaremos dois barris de petróleo por um de água”.


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Por Alberto Sena - 21/9/2017 10:06:58
"Nos Pirineus da Alma"em fase de diagramação - O material sobre o livro “Nos Pirineus da Alma” já está com o diagramador Cléber Caldeira, de Montes Claros, profissional de primeira qualidade. Conta com prefácio da escritora doutora em Literatura, Ivana Rebello, posfácio do escritor e jornalista Itamaury Teles e contracapa do jornalista Felipe Gabrich.
O livro narra os lances mais importantes das duas experiências de Bento e Tudinha (Alberto Sena e Sílvia Batista) no milenar Caminho de Santiago de Compostela, na França e na Espanha, por onde o apóstolo Tiago Maior atuou em trabalho de evangelização. O livro traz ainda um bloco de fotos legendadas por meio do qual as experiências são corroboradas. Aguardem, o lançamento será feito primeiro em Montes Claros, brevemente.


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Por Alberto Sena - 18/7/2017 07:22:30
Bandidos explodem cofres do Bradesco e do Correio

Alberto Sena

Primeiro eles explodiram o cofre da única agência do Banco do Brasil. Foi em sete de junho. Um mês e 11 dias depois, eles voltaram com a mesma sede. Explodiram a agência do Bradesco e dos Correios nesta madrugada, a 1h20. É possível que seja a mesma quadrilha. Deve ter achado fácil explodir do cofre do BB, e como depois do assalto tudo continuou do mesmo jeito de antes, eles usaram da mesma estratégia, fugindo em direção da BR 251, rumo a Josenópolis, numa HB20x cor prata.

Nesta madrugada, a população de Grão Mogol acordou com a primeira explosão e o estampido de arma pesada certamente com o intuito de intimidar. Eles podem ter explodido três ou mais bananas de dinamite. Fizeram até os sapos e as jias do Ribeirão do Inferno pararem de coaxar.

O telhado da agência do Bradesco ficou todo comprometido. A situação do telhado podia ser vista do prédio ao lado, onde funciona o comércio do sr. Epaminondas. O impacto das explosões sacudiu vidros de janelas a distância. Muita gente foi para a Praça Coronel Janjão, onde fica a agência do Bradesco. O panorama era o mesmo à porta da agência do Correio, que, em Grão Mogol vinha fazendo às vezes de Banco do Brasil. Tudo desabou lá dentro da agência, retirada do Bradesco se muito 200 metros.

Se com a explosão do cofre do BB a situação da cidade ficou lastimável, com reflexos na comunidade e principalmente no comércio, agora, sim, Grão Mogol vai precisar urgentemente de atenção por parte do governo estadual para o povo continuar sobrevivendo no dia a dia.

No comércio daqui há a figura do “freguês de caderno”. Geralmente é gente vivente na roça e quando é sexta-feira vem trazer produtos para vender na feira. Aproveitando faz compras para pagar por mês. Depois do assalto ao BB, muitos deixaram de vir acertar dívida no comércio local e ainda migraram para Salinas ou Francisco Sá.

Resta, agora, a agência lotérica, que faz as vezes de Caixa Econômica Federal. Se depois do ocorrido ao BB não se tomou nenhuma medida de segurança tanto para o Bradesco como Correio e Lotérica, é possível que d’agora para frente algo aconteça neste sentido.

Pouco depois das explosões ouvidas nesta madrugada, e após a fuga dos bandidos, nas imediações das agências do Bradesco e Correio só foi visto um carro da Polícia Civil. Segundo diziam, os homens do Pelotão da Polícia Militar estariam “perseguindo os bandidos”.

Grão Mogol é terra natal do atual secretário de Estado da Fazenda de Minas Gerais, José Afonso Bicalho Beltrão da Silva. Se, desta vez, ele não olhar para a cidade onde nasceu, Grão Mogol estará, como se diz, “no mato, sem cachorro”.

***

Polícia Militar - Polícia Militar procura suspeito de explosão de caixa eletrônico em Grão Mogol - Equipes de militares estão nas buscas de pelo menos 5 homens suspeitos de terem arrombado com explosivos, uma agência bancária e agência dos Correios em Grão Mogol. A Polícia Militar foi acionada via 190, e segundo denúncia, estaria acontecendo um arrombamento no Banco Bradesco e nos Correios da cidade. Informações preliminares são de que cinco indivíduos em um veículo HB20 prata, após estourarem o caixa (BDN) do Bradesco e arrobarem os Correios, pegaram como rota de fuga a estrada vicinal que liga Grão Mogol a Josenópolis e a Padre Carvalho. A ocorrência ainda está em andamento. Equipes de militares estão em rastreamento. Mais informações serão repassadas posteriormente.

***

O Tempo - Bandidos arrombam agência bancária e Correios no Norte de Minas - 18/07/17 - 07h38 – Carolina Caetano - A Polícia Militar de Grão Mogol, no Norte de Minas, procura por cinco homens que arrombaram um banco e uma agência dos Correios da cidade nesta terça-feira (18). De acordo com informações iniciais da corporação, os bandidos chegaram em uma HB20 e deslocaram direto no Bradesco e no imóvel dos Correios, no centro do município. O valor levado ainda não foi divulgado e militares pediram apoio de equipes de Francisco Sá e Cristália. A ocorrência ainda está em andamento.

***

Hoje em Dia - Terror sem fim: grupo fortemente armado ataca agências no Norte de Minas - Gabriela Sales - 11h45 - Mais uma vez bandidos fortemente armados impuseram o terror a uma cidade do interior de Minas. Desta vez, moradores de Grão Mogol, no Norte do Estado, acordaram na madrugada desta terça-feira (18) com barulho de explosões e troca de tiros, quando grupo de criminosos atacou agências do Bradesco e dos Correios. De acordo com a Polícia Militar, testemunhas disseram que cinco homens faziam parte do bando. Os suspeitos cercaram a agência bancária, arrombaram e explodiram os caixas eletrônicos numa ação coordenada. Na agência dos Correios, o cofre foi levado pelos bandidos. Durante a ação, a polícia interveio e houve troca de tiros, mas os suspeitos fugiram de carro no sentido das cidades de Josenópolis e Padre Carvalho, ambas no Norte de Minas. As policias Civil e Militar de Montes Claros realizam operação na região na tentativa de localizar suspeitos. Até o momento, ninguém foi preso. A corporação informou que nenhum morador ficou ferido. As agências do Bradesco e dos Correios ficarão sem atendimento à população.
Terror sem fim
Este foi o segundo caso de explosão de agência bancária em menos de 24 horas no Norte de Minas. Na segunda-feira (17), moradores de Ibiaí também foram surpreendidos com várias explosões durante ataque a uma agência bancária da cidade. Na ação criminosa, dois frentistas foram feitos reféns. Os suspeitos fugiram com cerca de R$ 22 mil em dinheiro. Dois homens de 19 e 23 anos foram presos tentando fugir em uma motocicleta. A dupla foi reconhecida por testemunhas como participantes da ação criminosa.
Estratégias
De janeiro a junho deste ano, 83 ataques a caixas eletrônicos foram registrados em Minas. No mesmo período de 2016 foram 127 ocorrências, uma redução de 34%. A PM informou que outras estratégias têm sido adotadas diante dos novos casos registrados. Segundo a corporação, dentre elas está o reforço de policiais nos destacamentos e pelotões do interior, além da utilização do serviço de inteligência. Mais de 700 novas viaturas foram entregues a cidades do interior neste ano. Troca de armamento e ampliação das equipes que mapeiam as rotas de bandidos também estão dentre os investimentos, segundo o major.
Histórico
No último dia 10, moradores de Santa Margarida, na Zona da Mata, passaram momentos de terror após um grupo fortemente armado roubar um banco, fazer reféns e matar duas pessoas. No dia seguinte, em uma ação rápida e ousada, bandidos cercaram as casas de policiais e o quartel em Matias Cardoso, no Norte de Minas, para, em seguida, atacar uma agência do Bradesco. No dia 13, uma agência bancária de Coromandel, no Alto Paranaíba, foi destruída por pelo menos 10 bandidos. Na ocasião, os criminosos trocaram com a PM.



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Por Alberto Sena - 13/6/2017 17:17:04

João de Deus quase foi pelos ares

Alberto Sena

Este homem sorridente é o senhor João de Deus Soares Nogueira. Ele é um tipo “factótum”, dito em Latim. Em português significa ser fazedor de tudo. Ou faz de tudo um pouco. Gente prestativa. O sorriso é a marca dele. Ele é viúvo. Tem quatro filhos.
Hoje o senhor João de Deus trabalha na Prefeitura de Grão Mogol, mas, em 1983, quando tinha mais de 30 anos de idade, ele trabalhava como “carvoeiro do Sinhô”. Nessa época, acreditem, esse homem sorridente, de bem com a vida, viu a morte de pertinho. Ficou cara a cara com ela numa proximidade absurda de apenas dois dedos de distância um do outro.

Vou contar a experiência maluca vivida pelo senhor João de Deus como ele me contou, ainda há poucas horas. Aliás, recontou porque eu o provoquei. Encontrei-o no Horto Municipal, de chapéu na cabeça e o provoquei para Geraldo Fróis – o Gê Fróis – ouvir porque ainda desconhecia a estória dele. Foi assim, João de Deus contou:

- Eu trabalhava, na ocasião, na carvoaria. Me chamaram para ajudar a abrir uma cisterna. Já estava funda, mas deu em pedra. Tinha de ser dinamitada.
Ele fez uma pausa. E eu o estimulei:
- E aí, aconteceu o quê?
- Desci pela (...) com um cigarro aceso e duas bananas de dinamite. Acendi o estopim e dei sinal para me puxarem. Mas aconteceu um problema lá com a (...) e eles começaram a brincar comigo.
- Por que você não disse já ter acendido o estopim?
- Eu disse. Mas eles não acreditaram e ficaram brincando comigo.
- E enquanto isso o estopim estava chiando...
- Sim – disse. E continuou narrando: - Eu pedia para ser puxado e nada. O estopim estava chegando. Implorei a Deus para apagar a chama. Implorei...
- Não dava para você mesmo apagar?
- Na hora fiquei tomado de pavor, nem pensei nisso.
- E então, o que aconteceu?
- Faltava, se muito, uns dois dedos para as dinamites explodirem. O fogo se apagou sozinho.
- Foi um milagre?!
- Foi – o senhor João de Deus confirmou.

Tudo porque ele é “João de Deus”. Deus ouviu a prece dele e deu o sopro para apagar a chama. Não fosse isso, João não estaria aqui, com o sorriso escancarado para nos contar a sua estória.


82450
Por Alberto Sena - 8/6/2017 12:05:17
Hora de sair do comodismo

Alberto Sena

Ainda sob o calor provocado pelas dinamites explodidas dentro da única agência do Banco do Brasil (BB), no Centro Histórico, trato nesta oportunidade sobre a participação do Pelotão da Polícia Militar de Grão Mogol no episódio da explosão do cofre por uma quadrilha de bandidos; e outros pormenores.
Não se trata de “defender” ou “criticar” os policiais comandados pelo tenente Ricardo Batista de Souza. Todos eles são bravos, mas vários fatores contribuíram para acabar com a virgindade de Grão Mogol no tocante a ataques de quadrilhas especializadas em explodir caixas eletrônicos.
Não vou entrar no mérito da carência material da nossa polícia sob todos os aspectos para não passar informações aos bandidos. A realidade é nua e crua. Levando em consideração o fator surpresa, pois o ataque foi planejado minuciosamente, o que os policiais do pelotão poderiam fazer se todos estavam sendo vigiados?
Os bandidos tiveram tempo suficiente para identificar a casa de cada um. Perceberam a fragilidade e esquematizaram um plano de ação. E, porque são profissionais do ramo, executaram um ataque sem ferir ninguém, mas fazendo barulho para intimidar. Foi mais fácil do que tomar biscoito da mão de uma criança.
Evidentemente, é necessário daqui para frente tomar sérias medidas de segurança, e uma das principais é dotar Grão Mogol de uma companhia da Polícia Militar. Com desculpa da expressão, acho ridículo haver na cidade só um pelotão PM, sem nenhum demérito aos policiais, pois todos dão muito de si para oferecer segurança pública. Mas há muito tempo (até por uma questão preventiva) já devia ter uma companhia no município.
Mas não basta ter uma companhia sem dar a ela as garantias, as condições necessárias para exercer o trabalho de segurança pública, tais como viaturas suficientes, armamentos superiores aos dos bandidos e tudo mais.
E quem é o responsável por dotar Grão Mogol de uma companhia da PM? Em primeiro lugar, cabe à Câmara Municipal encarar a sua missão de representante do povo e reivindicar imediato reforço da segurança pública.
Para isso, a Câmara precisa dar os passos necessários nesse sentido acionando a Regional da Segurança Pública em Montes Claros e o Comando do Batalhão de Polícia. E, se for o caso – e é o caso – ir a capital conversar com o governador Pimentel, que tem um grãomogolense – José Afonso Bicalho Beltrão da Silva, secretário da Fazenda – a fim de reivindicar mais atenção para Grão Mogol.
Aqui, não tem delegado de Polícia Civil. Tinha. Só agora foi nomeado um juiz de Direito para a Comarca e até então a promotora de justiça permanece, mas há sempre o risco de um e outro irem embora, porque aqui é Comarca de 1ª Instância.
Em verdade, Grão Mogol nunca foi devidamente respeitada como Comarca das mais antigas. E, aqui, cabe refletir sobre o porquê de o município nunca ter sido respeitado como convém. A responsabilidade sobre isso recai primeiramente sobre a população de modo geral.
Vivo aqui há três anos e tive tempo suficiente para refletir sobre o comportamento das pessoas. Com algumas exceções, o grãomogolense de modo geral é apático. Não costuma tomar atitudes coletivas. Se tomasse, grande progresso político já teria alcançado.
Há no ar, além das emanações da Serra do Espinhaço, um sentimento conformista da população. As pessoas não participam das reuniões da Câmara Municipal. Em um momento deste, caberia ao povo reivindicar os seus direitos pressionando os vereadores e principalmente o prefeito municipal para tomarem uma atitude em relação à segurança de Grão Mogol.
A reação deve ser de dentro para fora. Está em jogo o sossego e não podemos deixar instalar nas cabeças a fobia da insegurança pública. Só faltava essa ocorrência para se perceber que, enfim, Grão Mogol já não pode ser mais considerado um lugar onde a tranquilidade era marcante. As portas e as janelas das casas podiam ficar abertas. As chaves dos carros deixadas na ignição.
Adeus criminalidade zero na sede do município, porque na zona rural, muitos fazendeiros e sitiantes estão vindo para os centros urbanos acalentados pela ilusão de “mais segurança”.
Para não alongar, eis uma síntese: se não houver, agora, uma reação popular por mais segurança pública, a ponto de sair do comodismo e tirar dele as autoridades locais, as famílias de Grão Mogol podem esperar, infelizmente, por ocorrências desse tipo e de outros também.


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Por Alberto Sena - 7/6/2017 15:49:55

Quadrilha explode cofre do Banco do Brasil - A direção dos Correios precisa agir rapidamente para auxiliar Lúcio Panta. Ele está sozinho na agência de Grão Mogol e por esses próximos dias terá de atender toda a demanda do Banco do Brasil atacado nesta madrugada por sete ou até 14 bandidos não se sabe ao certo. Eles explodiram o cofre da agência com quatro dinamites e fizeram uma série de disparos para o ar a fim de inibir qualquer reação. “O cofre ficou desbeiçado”, diziam algumas pessoas hoje de manhã à porta da agência bancária localizada no Centro Histórico, na esquina das ruas Rua Cristiano Relo e Antonio Bemquerer.
O Pelotão da Polícia Militar, infelizmente, foi apanhado de surpresa. Os cabos Armon Costa Rosendo e Edmílson dos Santos Dimas sentiram-se “impotentes” porque eles estavam sendo vigiados e impedidos de agir. O tenente Ricardo Batista de Souza, comandante do pelotão se encontrava em Montes Claros acompanhando a cirurgia de um filho e se inteirando dos fatos hoje de manhã ao retornar a Grão Mogol.
O cabo Armon se encontrava em casa, havia acabado de chegar da Unimontes, em Montes Claros, e foi informado de que havia duas pessoas vigiando a casa dele e três reféns. Quem estava no quartel, segundo o cabo, recebeu uma ligação pelo telefone 190. Do outro lado um dos bandidos avisava ter o quartel sob mira.
O tenente Ricardo também teve informações de que a casa dele estava sendo monitorada. Isso e tudo mais sinalizam ter sido a ação planejada com antecedência. O cabo Armon desconfia da participação de policiais. Por quê? Porque em certo momento alguém ouviu um deles perguntar para o outro, com sotaque baiano: “E aí, trouxe a macaca?” Expressão típica do linguajar policial. Há suspeitas de que sejam baianos.
O gerente da agência do BB de Grão Mogol, Lindiomar Castluber, capixaba de origem, estava em casa. Havia tomado um remédio para problema de coluna e foi dormir às 23h. Desligou o celular e só ficou sabendo do ocorrido mais tarde. Todas as imagens foram colhidas por câmaras da regional do banco. O gerente não revelou a quantia levada pelos bandidos. Mas supõe-se ter sido alta porque ontem o carro-forte abasteceu a agência.
Circula a informação sobre a presença de um estranho nas proximidades da agência bancária. Ele teria sido visto por lá durante uma semana, possivelmente estudando a área e acompanhando a movimentação do lugar.
Infelizmente, depois dessa investida, Grão Mogol passa a figurar na lista das cidades onde os bandidos estouraram cofres de bancos. Antes, os grãomogolenses achavam ser a cidade protegida e mesmo abraçada pela Serra do Espinhaço. “Quem vai a Grão Mogol, de lá não vai a lugar nenhum” – esta frase era dita e repetida. Teoricamente, quem vinha a Grão Mogol precisava voltar para pegar a BR-251, se quisesse ir a outro lugar.
Com essa ação dos bandidos, que estariam em mais de três carros e pelo menos um teria passado pela Avenida Domingos Arrudas com os ocupantes atirando na altura do quartel, desceu pelo balneário e teria alcançado a BR-251. Outros dois carros – os que deveriam estar transportando o dinheiro – foram rumo ao Vale das Cancelas, onde também alcançaram a rodovia federal.
Daqui para frente, as autoridades de Grão Mogol devem tomar uma atitude no sentido de dotar a cidade de uma companhia da Polícia Militar, com mais viaturas a fim de garantir a segurança da população. A partir da ocorrência, pouco depois de 1h da madrugada e durante a manhã/tarde o assunto em todas as bocas era um só: o assalto à agência do BB.
Em virtude das explosões de dinamite, as estrutura do prédio podem ter sido abaladas. E se estiverem mesmo comprometidas, a única agência do BB ficará fechada e o atendimento passa a ser via agência do correio, onde hoje uma só pessoa atendia a multidão que para lá acorreu. Daí a necessidade de pelo menos mais um funcionário para o atendimento externo. De qualquer forma, o transtorno será grande porque a agência do correio não oferece todos os serviços ao ponto de substituir o BB.


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Por Alberto Sena - 2/6/2017 14:06:48

Grande Roberto Lima

Alberto Sena

Convivi com o advogado Roberto Lima na década de 60, em Montes Claros, muito antes de ele estudar Direito. Época explosiva aquela, quando quase tudo em termos de cultura, música e artes de modo geral saíam do casulo para virar borboleta.
Roberto veio a falecer nesta quinta-feira, 1° de junho. Tantas festas juninas ele viveu. E juntos vivemos, sob o friozinho medroso antes existente em Montes Claros, naquela década, no mês de junho, quando as fogueiras ardiam e os ares ficavam enfumaçados.
Nessa época, a família morava na Rua Corrêa Machado, 238, em frente ao “campo do União”. Roberto morava na Rua Doutor Veloso, a uns 200 metros lá de casa. Ele e o irmão dele, Ronaldo, que chamamos de Roxxim, fazia parte de um grupo de amigos com os quais jogávamos futebol no campo do União.
Com os dois irmãos tive boa convivência, juntamente a outros amigos de então como Cícero Estru, Cícero Cuecão, Rubinho, Luiz Biondi, além de outros. Morávamos todos na mesma região.
Na época, a Praça de Esportes era o melhor ponto de encontro da juventude. À noite saíamos juntos ou voltávamos juntos para casa. Cícero Cuecão na Rua Camilo Prates; Cícero Estru na Rua Corrêa Machado, acima lá de casa; Roberto e Ronaldo na Rua Doutor Veloso, para onde dava a janela principal da casa de Luiz Biondi.
Como não podia deixar de ser, a própria vida cuidou de nos colocar em um tabuleiro de xadrez. Chega um momento, a ânsia da vida por si mesma separa as pessoas. Cada um vai para um lado. Fui para Belo Horizonte. Roberto para Januária. Ronaldo para Janaúba. Cícero Cuecão foi cedo para outra dimensão. Cícero Estru foi para a capital. Rubinho, para Rondônia, depois Florianópolis e, em seguida, Belo Horizonte. Recentemente foi se encontrar com os amigos. E Biondi mudou-se para a Bahia.
Por um longo espaço de tempo perdi contato com os irmãos Roberto e Ronaldo. Para não dizer com os demais citados também. Com o advento do Facebook, resgatei Roberto e Ronaldo.
Sobre Roberto, motivo de inspiração para redigir este texto, vinha acompanhando-o todos os dias quando dava “bom dia” aos seus amigos com um texto de conteúdo espiritual. Sempre positivo, bem humorado, ele tinha uma legião de acompanhantes. Muitos deles carentes de uma boa palavra para avançar nas durezas da vida.
Recordo-me, por esses dias, Roberto fez um comentário diferente, no “Feed de Notícias”. Ele havia sentido algo no peito e foi ao médico. Eu até brinquei com Roberto sugerindo dar “umas braçadas no Rio São Francisco e tudo ficará bem”. Mas, pude me informar depois, o problema dele eram artérias obstruídas, teria de receber cinco pontes safenas.
Ao redigir este texto confesso não saber ainda a “causa mortis”. Todo humano precisa de um pretexto para partir deste plano de vida. E quando isso acontece, pelo menos no meu entendimento, é porque a pessoa completou o seu estágio de vida nesta nossa dimensão e partiu para outra. Em outras palavras, a morte não existe. O que existe é o pretexto para partir. Seria eu acho como passar por uma porta aberta ou saltar uma janela de casa.
Pelo que pude acompanhar baseado nas inserções de suas mensagens no FB nesta fase de “amigo virtual”, Roberto foi o mesmo Roberto da década de 60, em termos de índole, caráter, essas particularidades que fazem o homem – e a mulher – ficar em pé íntegro, com dignidade.
Roberto, enfim, era (é) uma alma boa que viveu entre nós. Ele dava de si às pessoas. No FB estão os registros de sua ação caritativa. Afinal, “A caridade é a plenitude da Lei”.
P.S.: Era para redigir esse texto, ontem. Fiz o primeiro parágrafo, mas, interrompi-o. A emoção não deixou prosseguir. Terminei-o agora, 13h.


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Por Alberto Sena - 26/5/2017 15:00:31

UM JEITO CHAPLINIANO DE SER

Alberto Sena

Uma cidade se transforma em metrópole quando ela perde os seus tipos humanos. Nem sei se ainda existe algum tipo humano hoje em Montes Claros. Não moro aí desde fevereiro de 1972, mas presumo, pode haver um ou mais em cada um dos mais de 350 bairros de Montes Claros.
Na época em que eu podia encontrar comigo mesmo em cada esquina, décadas de 50/60/70 muitos eram os tipos humanos, a começar do principal deles, o negro Tuia, natural de Grão Mogol. Ele tinha a língua cortada e carregava na cacunda a fama de ser ex-escravo. Era uma figura querida. Vivia com uma bituca de cigarro atrás da orelha, chapéu amassado na cabeça, vara em punho para afastar dele as pessoas inconvenientes. Tinha uma casinha azul de madeira na garagem do casarão onde funcionava a redação do O Jornal de Montes Claros, na Rua Doutor Santos, 103, onde é hoje uma agência bancária.
Além de Tuia havia vários outros. Muito já se falou a respeito deles. Havia o “Requeijão”. Só de falar o epíteto dele de sua boca saíam os mais pesados impropérios. Havia “João Doido”. Este andava pelas ruas meneando a cabeça para um lado e para o outro. O tempo todo falava sozinho, dizia frases desconexas. Assim como também o pequeno apelidado de “Galinheiro”. Ele sempre estava segurando com a mão um saco às costas.
Mas havia outro, famoso chamado Manoel Nunes da Silva, epitetado “Manoel Quatrocentos”. Era um indivíduo de estatura baixa, parrudo, olhos verdes, uma verdadeira “mala velha”, sempre sorridente. Manoel era chamado também de Mané. Uns abreviavam chamando-o de “Mané 400”.
Levou o apelido porque tudo dele, ao dar o preço do seu trabalho, era “400, 400 reis”. E assim ficou. Mas o que mais o marcava eram as tiradas dele. Sempre acabavam em “alalaika”. A gente sabe o quanto os brasileiros são curiosos. Mané também sabia, e, então, “alalaika” neles.
Era vivido o Mané. Viajou por alguns países da América do Sul. Talvez tenha vivido algum tempo na Argentina. Ele gostava de se exibir falando espanhol, inglês e francês. Nunca soube se afinal de contas, era mesmo poliglota. Inteligente e esperto, sim. Pode ser que tenha gravado algumas palavras nas três línguas e vivia repetindo-as. Quem for mais antigo do que eu e souber mais coisas sobre Mané, tome à dianteira.
Ele estava sempre acompanhado do inseparável machado. Ganhava dinheiro rachando lenha, abatendo o que precisava ser cortado. Tinha uma maneira particular de segurar o machado. Às vezes estava num dos ombros. Noutras vezes, ele segurava o machado numa das mãos e o cabo ficava rente ao corpo com a ponta para cima.
Mané conhecia muita coisa fora do âmbito de Montes Claros. Os artistas da época, fabricados em Hollywood, eram todos seus amigos e ele conhecia a intimidade de cada um, como se tivesse convivido mesmo com eles.
Uma prova, se assim posso dizer, da nobreza de Mané é a foto usada para ilustrar o texto. Pelas aparências, ele tinha posses e bons costumes. Vestia-se bem. Na época dele, as pessoas se vestiam assim – terno, gravata e chapéu – dia e noite. A foto em frente a um carro denota o bom gosto dele. Se o carro era dele não se sabe. A foto me foi enviada por WhatsApp pelo sobrinho André Senna. Mesmo o carro não sendo dele, pelo menos Mané esbanja elegância.
Em Montes Claros, ele foi o precursor das “pegadinhas”. Às vezes parava na esquina de uma das ruas do centro da cidade e ficava olhando para cima, com os olhos fixos n’algum lugar. As pessoas paravam e olhando para ele, perguntavam:
- O que está vendo?
- Lá – ele apontava.
- Lá onde?
- Ô lá lalaika – e saía rindo.
Havia quem não gostava dessas brincadeiras, mas não tinha como reagir contra ele. Era uma pessoa simples, fina, comunicativa, prestativa.
Mané tinha um jeito chapliniano de ser. Ele deixava transparecer esse jeito toda vez ao aplicar em alguém desavisado um bem humorado “ô lá laika”.


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Por Alberto Sena - 14/5/2017 09:54:07
Carta para minha mãe Elvira

Alberto Sena

Mãe. Oh, mãe, a sua partida faz 32 anos. Foi no dia dedicado às Mães. Sei muito bem mãe, ninguém vai embora antes da hora. Mas choro. Choro, não de dor, mas de emoção porque, afinal, tenho coração sensível, e por mais incrível possa parecer, não lamento a sua partida, tenho siso, herança sua. O Brasil e o mundo como estão, em turbulência, a senhora teria dificuldades para aceitá-los, aos 105 anos de idade, se conosco ainda estivesse. Sei, a senhora está bem. E isto é o mais importante. Seria uma demonstração de egoísmo de minha parte querer a sua presença física se eu posso rever, de olhos fechados, e o coração aos borbotões, as lembranças boas dos nossos tempos vividos. Prefiro me realimentar de recordações. Elementar seria não praticar os seus ensinamentos e os exemplos de mulher vibrante, firme, enérgica, de coração transbordante de alegria. Neste momento terno, eterno, me recordo, com emoção, de quando, junto ao fogão a lenha, enquanto fazia o almoço, eu ainda criança ouvia, para o meu encanto, o seu canto: “Índia teus cabelos nos ombros caídos/ Negros como a noite que não tem luar/ Teus lábios de rosa para mim sorrindo/ E a doce meiguice deste teu olhar/... Não se sinta incomodada comigo. Com nenhum dos irmãos. Aqui, neste plano de vida, estamos bem – todos os seus filhos vivos. Cada um com as suas particularidades, como bem a senhora sabe, melhor do que eu. Como se diz por aqui, “mãe é mãe”. Conhece as dificuldades e as alegrias só de olhar o semblante de cada um dos filhos e filhas. No meu caso particular, oh mãe, mantenho íntegro o espírito de criança, e é este mesmo espírito de criança que neste momento dança entre as nossas lembranças. Agradeço a Deus por ter nascido filho seu. E agradeço-lhe por ser a minha mãe querida. Peço-lhe licença, neste momento sublime, o coração transbordando em lágrimas, para terminar esta carta cantando para a senhora a composição de José Marcelo de Andrade, que tanto lhe agradava, eternizada pela cantora lírica Maria Lúcia Godoy: “Elvira escuta os meus gemidos/ Que aos teus ouvidos irão chegar/...”


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Por Alberto Sena - 13/5/2017 08:19:11
Nicomedes, craque dos pés à cabeça

Alberto Sena

Que Nicomedes de Almeida Teixeira me desculpe, mas só há pouco tempo soube, além de zagueiro do Ateneu, meu clube do coração – Cassimiro de Abreu e Ipê – ele se tornara professor de Literatura Portuguesa e Francesa. E, por via de consequência, tornou-se escritor poeta, tendo escrevinhado o livro de crônicas e poemas intitulado “Sentimentos Paradoxais”, que, com muito gosto, acabei de ler. É que saí de Montes Claros faz tempo. Embora tenha retornado várias vezes, mais para “buscar fogo”, como se diz, sem querer perdi contatos no decorrer de mais de 40 anos. E, de certo modo, perdi também a relação com os acontecimentos do dia a dia da nossa terra montesclarina.
Depois de ler o livro pude concluir, ele não só sabia usar os pés com maestria como também a cabeça. Afinal, a fase de jogador de futebol é efêmera, muito mais do que a própria vida. Ao contrário de vários craques, que após pendurarem as chuteiras ficaram a ver navios, sem saber fazer outra coisa para sobreviver, Nicomedes praticou a sua melhor defesa ao marcar o gol de cabeça mergulhado no magistério para lecionar línguas Portuguesa, Francesa e Literatura.
O livro dele é marcante. Por demais interessante, entremeado de experiências como professor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Enquanto lia as crônicas e os poemas, imaginava, se aluno dele fosse, a essa altura estaria lhe cantando loas pelos exemplos de vida inseridos nas linhas e nas entrelinhas de suas crônicas e poemas publicados no Jornal de Notícias, de Montes Claros. Modesto, ele, segundo consta do prefácio escrito pelo jornalista Jorge Silveira, “Sentimentos Paradoxais” seria filho único e isso me fez lembrar o dizer do escritor mexicano, Juan Rulfo, autor de “Pedro Páramo e o Planalto em Chamas”, clássico latino-americano.
Rulfo respondeu ao lhe perguntarem, 30 anos depois de escrever o seu único livro, por que não fez outros: “Não quero cansar as máquinas impressoras”, disse. Quero acreditar não ser de fato essa a pretensão de Nicomedes. Ele tem tudo para brindar os leitores com outros livros. Tanto de crônicas e poemas como romance. Afinal de contas, há uma Helena ao lado dele. Ela, que também é Maria, a exemplo da mãe de Jesus poderá inspirá-lo a transformar a experiência dele não em vinho, mas em literatura, de modo a embriagá-lo de entusiasmo para continuar o que começou bem.
As crônicas dele são eivadas de humor e este é um dos ingredientes primordiais para quem gosta de ler. Afinal, do contrário bastam às durezas da vida a nós impostas não por designo divino, mas pelos homens travestidos de políticos a envergonharem a Nação, em todas as esferas de governos, do federal passando pelos estaduais aos municipais.
“Sentimentos Paradoxais”, em verdade, é um livro que denuncia toda a sensibilidade do autor. Ele soube destrinchar, com leveza e amor, expressões e idéias de autores renomados, como Vinicius de Morais, só para citar um.
O livro é dividido em crônicas e poemas. Com sua verve poética, Nicó, como é chamado na intimidade, por intermédio da sua Helena, quatro filhas e a neta Luísa enaltece as mulheres, como fazia Vinicius, autor do clássico da Música Popular Brasileira (MPB), “Garota de Ipanema” e tantas outras músicas-poemas de repercussão internacional.
Em resumo, o livro dele é um exemplo de publicação bem humorada. Serve de lume para gregos e troianos nortearem a caminhada por esse planeta maravilhoso, que uma meia dúzia de energúmenos insiste em torná-lo obscuro como se o inferno fosse aqui. Ele foi mestre com a bola nos pés e também com a cabeça, enquanto perdurou sua passagem pelo magistério. Por isso posso felicitar os estudantes que puderam beber das águas de Nicó.


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Por Alberto Sena - 10/5/2017 08:20:20
Agostinho, era este o nome dele

Alberto Sena

O nome dele era Agostinho. Digo “era” porque não acredito estar ele ainda vivo a essa altura da caminhada da Humanidade. Tinha os pés dobrados para dentro. Mantinha-se em pé sobre os tornozelos. Os pés pequenos tinham a sola franzida e os dedos embolados, deformados. Além disso, Agostinho era mudo, comunicava-se por sinais. Apesar de tudo, ele conseguia manter ares de quem tinha alegria de viver. Ria muito. Tinha riso para todo tipo de gente.
Agostinho morava no Asilo São Vicente de Paulo, na Rua General Carneiro, esquina de Rua Doutor Veloso, em Montes Claros. A época era início da década de 60. Éramos todos adolescentes. Posso citar, aqui, nomes de amigos com os quais convivi na época. Todos irão se lembrar do indigitado: os irmãos Felipe, João Carlos e Ricardo Gabrich; e os irmãos Roberto e Ronaldo Lima, Roxxim.
O cenário era o campo de futebol da equipe do União. A entrada do campo pela Rua Corrêa Machado e os fundos davam para os fundos do Asilo São Vicente de Paulo. Para Agostinho bastava saltar o muro do asilo e estava dentro do campo. Nessa época, o campo já passava por processo de desativação e nós nos arvorávamos donos do pedaço. Passávamos o dia inteiro nele. Jogávamos futebol e tampa de “cera Parquetina”.
Nas primeiras vezes, Agostinho chegava ressabiado e ficava nos espiando disputar partidas de duplas. Quem ganhasse disputava com outra dupla, e assim por diante. Pedras facilmente encontradas e colocadas quatro passadas distante uma da outra demarcavam os gols. A dupla adversária ficava uns 20 metros distantes. A brincadeira era chutar para o gol adversário e se houvesse rebate, saía-se para os dribles e o chute final. Era muito divertida a brincadeira.
De tanto Agostinho ficar “urubuservando” nossas disputas, nós o chamamos a participar e ele logo demonstrou aptidão para goleiro. Mesmo tendo os pés para dentro e pisando sobre o que seriam os tornozelos, ele tinha impulsão e nenhum receio de saltar para defender as bolas. Fazia cada ponte! Não demorou e a toda mão ele era escolhido para jogar. Criou-se, então, entre nós e Agostinho um lastro de amizade. E como dentro do asilo havia pomar, sempre ele estava trazendo alguma fruta para nós, certamente para demonstrar gratidão.
Foi bom mesmo o tempo vivido ali no campo. Mas a partir de quando foi loteado e urbanizado, tudo mudou. Não sei o fim tomado por Agostinho. Um dos amigos citados talvez saiba o que lhe aconteceu. Éramos adolescentes na época e as responsabilidades surgiram. A corrida era outra na tarefa de ocupar delas. Ficaram as lembranças. Neste instante, ao fazer os registros, revejo o semblante de Agostinho e ouço as risadas dele, banguela. Ele e nós éramos felizes e sabíamos.
O tempo voou. Muita coisa mudou. Nem podia ser diferente. Fui para Beagá, em 1972, e só voltei ao asilo, em 1985, quando minha mãe, Elvira, faleceu. O velório dela foi próximo ao altar da igreja do asilo. O bispo Dom Geraldo celebrou a missa de corpo presente. Em vida, ela frequentou incontáveis vezes a igreja do asilo. Mãe era fervorosa. Várias vezes, eu menino testemunhei a relação dela com Deus. Fazia orações, e o pedido dela era atendido.
No ano passado, por mera curiosidade, fui rever o lugar onde morávamos, na Rua Corrêa Machado, 238. A casa antiga não existia mais. Quem não tivesse a informação nunca saberia ter sido ali um campo de futebol, de onde saíram craques como Marcelino (Atlético), Moe de Ferro, Jomar (Atlético), João Batista, Bonga, Bispo, que, inclusive, atuaram em times profissionais.
Iniciando a adolescência, 1960, foi quando a família se mudou da Rua São Francisco para a Rua Corrêa Machado. Naquela época, o campo ainda era utilizado. Foi logo em seguida iniciado o processo de desativação. Era uma boa diversão assistir aos treinos e aos jogos das arquibancadas de madeira.
De vez em quando acontecia de a “bola de capota” cair lá em casa. Pai ainda era vivo e ficava buzina de raiva. Ameaçava não entregar a bola, mas ao final e ao cabo acabava entregando. Mas deixava claro, “da próxima vez...”
Nada tenho contra incursionar ao passado a fim de comparar como está o lugar atualmente. Mas, as transformações por que passaram aquela área onde vivi com intensidade acionaram a tecla da saudade. Tratei de sair de lá o mais rápido possível, espantado com a quantidade de cercas concertinas por todos os lados.


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Por Alberto Sena - 26/4/2017 14:22:58
BRINCADEIRA DE CRIANÇA

Alberto Sena

Foi uma sensação estranha, como se de repente o movimento de rotação da Terra tivesse invertido e por alguns instantes tornara possível retroagir no tempo, década de 50, quando se era criança, em Montes Claros. Tudo porque hoje cedo meninos brincavam de esconde-esconde debaixo da nossa janela. Particularmente, fiquei surpreso ao me deparar com a cena. E mais surpreendido, ainda, fiquei com a possibilidade de testemunhar “in loco” crianças alegres repetindo brincadeira nem tão antiga.
Em qualquer outro lugar seria hoje cena considerada atípica. Mas, naquela década, não porque inexistiam “atrativos” tantos a desviarem a atenção das crianças como há hoje. Todavia, aqui, isso é normal – ainda bem – porque se trata de uma cidade “sui-generis” a partir da sua localização, na linha divisória entre o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha.
Onde já se viu um acontecimento deste nos dias atuais, quando as crianças nascem com celular na orelha como se fosse brinco e logo nos primeiros anos de vida operam computador e possuem e-mail, twiter, i-pod etc., sem nunca ouvir “não pode” porque senão pode traumatizá-las psicologicamente?
Vi quando um dos meninos apoiou o braço direito na parede e nele encostou a testa para começar a contagem antes de sair correndo: “Um, dois, três...” Este momento me recordou de como fazíamos a mesma coisa, “um, dois, três (...) e 31 de janeiro, quem eu pegar primeiro”. E então saía a procura dos amigos, aquele encontrado ia para o “pique” e tudo se repetia na alegria pueril.
As crianças vistas hoje cedo felizes a brincar não tinham celular escondido no bolso. Aliás, nem bolso elas tinham. Usavam calções. E pude, então, recordar de como é gostoso brincar. E do quanto brinquei. As crianças precisam brincar. Os adultos criativos de amanhã dependem das brincadeiras brincadas na infância.
As crianças, hoje em dia, brincam de maneiras totalmente diferentes. Elas não saem do lugar. Sentadas diante do computador, utilizam-se de jogos e vídeos nem sempre com mensagens positivas, e isso é um convite à reflexão sobre o que será dessa geração de crianças quando a fase de adulto chegar.
Ao ouvir a voz de um menino, este certamente escondido, conversando com o outro distante, naturalmente o pegador, foi como se em um átimo na tela da memória passasse o filme Amacord, de Frederico Fellini. A voz de um deles era disparada bem debaixo da nossa janela e a do outro vinha de longe como se escapasse do inconsciente. “Lá vou eu”, disse o primeiro. E ele foi. Procurou ali, lá e acolá e não encontrou ninguém para pegar.
Foi semelhante ao ocorrido comigo quando busquei um lugar onde esconder para não ser encontrado me postando de cócoras sobre o eixo de um caminhão estacionado porque enguiçado. Ficava entre a carroçaria e o eixo. Quem só espiava debaixo do caminhão não via nada. Um dado da maior importância: escondido onde estava tinha a visão total do ambiente. Dava para ver por entre as frestas da carroçaria o “pique”, um poste de cimento.
Na primeira vez, eles tão intrigados ficaram com o meu sumiço, pensaram na hipótese de eu ter desistido da brincadeira. Todos os meus companheiros já haviam sido “presos”. Estavam enfileirados no poste, aguardavam-me para “libertá-los”. No momento propício, esguerei por debaixo do caminhão e pisando leve para não chamar a atenção surpreendi os “guardas” e libertei todos os companheiros. Para alegria geral. “Fugimos” em desabalada carreira.
Todos queriam saber aonde eu me escondia. Consegui guardar o esconderijo em segredo por algum tempo, mas sob livre e espontânea pressão apontei o lugar. Os meninos ficaram com cara de tacho, encabulados. Eles nem imaginavam o quanto de riso segurei para não denunciar o esconderijo, enquanto me procuravam. Conseguia ver a todos e ninguém me via, embora passassem perto e espiassem debaixo do caminhão.
Trazido de volta a realidade atual pela risada de uma das crianças ao descobrir o esconderijo da outra, pude avaliar, décadas depois, o quanto é importante a relação telúrica para a saúde mental dos pequenos. Mas havia grande diferença destes em comparação com os da década de 50. Os meninos vistos hoje cedo corriam calçados de tênis, enquanto aqueles pisavam descalço o chão empoeirado (ou enlameado) de então. Mas, o êxtase era o mesmo.


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Por Alberto Sena - 10/4/2017 14:06:16
Meus 50 anos de jornalismo

Alberto Sena

Por esses dias me dei conta de ter o direito de poder comemorar, se quisesse, com “festa de arromba”, como diria Erasmo Carlos lá na década de 60, os meus 50 anos de Jornalismo. Quem se der ao trabalho de fazer conta de aritmética não me deixará afirmar sozinho como sendo verdadeiras e intensas essas cinco décadas de Jornalismo, passando pelos segmentos de redações, desde repórter – noticiarista, redator – a editor de Agropecuária, Meio Ambiente, Abastecimento e Economia.
Sem pejo, a quem interessa possa informo meus atuais 67 anos de idade e o ingresso no Jornalismo aos 17 anos, no O Jornal de Montes Claros. Meio século se passou e se olho pelo espelho retrovisor só agradeço a Deus por tudo vivido nesse rico período de minha vida pessoal/profissional, que, indubitavelmente influiu sobremaneira em minha formação profissional/pessoal.
Penso, às vezes, se eu não fosse jornalista e tivesse de optar pela minha verdadeira vocação seria jornalista de novo. Faria tudo novamente, cuidando de aperfeiçoar, evidentemente, a caminhada se a oportunidade fosse criada.
Sem querer ser presunçoso, mas sendo, pude prestar e ainda presto bons serviços por meio do Jornalismo tendo em vista o bem da coletividade.
A intenção não é fazer proselitismo, mas por meio do Jornalismo sadio dei e continuarei dando a minha contribuição no dia a dia para o resgate dos valores humanos verdadeiros.
Por tudo já realizado até aqui, sinto satisfação enorme, porque sendo um reles exemplar da raça humana exerço com a maior tranquilidade meu direito de dormir naturalmente oito horas por dia com a consciência plena de ter cumprido da melhor maneira as minhas obrigações em todos os veículos de comunicação por onde passei, em Belo Horizonte.
Em meio aos leitores deste texto comemorativo alguém poderá fazer a pergunta-chave, considerada: “Este camarada deve estar com as burras cheias”. Não ganhei dinheiro com o Jornalismo. Não tive tempo para isso. A satisfação pessoal ao me lembrar ter atingido profissionalmente uma quantia de anos tão significativa não é material. Nem tangível. Porque de grande significado imaterial.
Tive e continuo tendo experiência profissional e pessoal maravilhosa com o Jornalismo porque cada vez mais posso conhecer-me e também os meus semelhantes, embora tenha a convicção sobre ser o comportamento da Humanidade o mesmo desde sempre, incorrigível, guardando aí as proporções da massa a cada século da existência humana.
Quem me acompanha desde os meus primeiros passos sabe, penso sempre de maneira global, mas como não tenho o dom da ubiquidade, atuo localmente, como faço até aos dias de hoje estando em Grão Mogol, na linha divisória do Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha, cidade histórica onde nunca em sua história secular teve um jornal impresso. Mas terá. Brevemente.
Fosse eu afeito a festividades, a essa altura podia fechar um ambiente amplo e com boa infraestrutura e enchê-lo de convidados para me ajudar a comemorar essa metade de século como profissional de comunicação. Todavia, isso para mim não passaria de massagem de ego. Interessa-me mais lembrar a mim mesmo, vou passando depressa pelo mundo, certo de não ser deste mundo.
Depois de tudo vivido, ouvido e visto durante esse tempo de tamanha relatividade, tenho a grata satisfação de ter chegado neste ponto achando estar apenas na metade do caminho, porque o melhor está por vir. E, concluo se saí ileso até aqui, sem ser cooptado pelo “mecanismo” em vigor lamentavelmente no País, em todas as esferas – Executivo, Legislativo e Judiciário – posso registrar a alegria de nunca tê-lo aceitado e por isso ter sido rejeitado por ele.
Vivo porque tenho uma centelha divina em mim. Sou rico de graças de Deus. Materialmente tenho o senso do equilíbrio, sem entrar na corrente do consumismo. Agradeço a Ele por tudo vivido e por viver. E me ponho à disposição como o mais reles dos seus servos. Em verdade, em verdade confesso, sou rico e peço para ser mais rico ainda, sempre, de graças.
Vejo o mundo em convulsão. Mas sou como o beija-flor destemido tentando apagar o incêndio na floresta com água no bico. Sinto-me também como Dom Quixote de La Mancha. Na pior das hipóteses, corro só o risco de semelhança com o personagem de um dos clássicos mais importantes da Literatura Universal.


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Por Alberto Sena - 16/3/2017 14:03:52
Nos olhos da minha mãe

Alberto Sena

Vi a morte da minha mãe chegando aos olhos dela. Foi uns dois dias antes de ela morrer. Sentada em um sofá individual, na sala, ela mantinha os braços apoiados dos lados. Tinha o olhar fixo em um ponto. Não parecia triste nem alegre. Contemplativo. Era como uma estrela em processo de oclusão depois de cumprir a missão divina de brilhar.
O sorriso dela já não era o mesmo sorriso de antes. Sorriso aberto de dentes alvos. Ela e o irmão dela, Abel, tinham sorriso largo. Aliás, todos da família dela davam risadas. Tia Ambrosina, irmã de mãe, era do mesmo jeito – tia Geraldinha e tio Severo também – quando havia motivo para tanto. Mas o tio Abel era o que gargalhava mais. Eu gostava de ver e ouvir as risadas dele. Sempre quando ele ia nos visitar, tinha alguma coisa engraçada para contar, uma piada, um causo.
Mas, voltando à minha mãe. Ao depara-me com a morte chegando aos olhos dela fiquei em alerta. Pareceram-me opacos. Ela me deu a impressão de uma coisa ou outra: sentia algum mal estar, alguma dor e não queria esboçar, ou inconscientemente, sentia chegar a sua hora.
Acho mais verdadeira a segunda hipótese. As pessoas crentes em Deus são avisadas com antecedência, certamente. No caso dela, ela se mantinha firme, serena. Claro, numa hora desta ocorre o fenômeno psicológico chamado “misoneísmo”, o medo do novo, do desconhecido. O semblante dela era de quem ia entrar por aquela porta para não mais voltar. “A Casa do meu Pai possui muitas moradas”, disse Jesus.
Ninguém vai embora antes da hora. Nada acontece que não devia acontecer. Aconteceu? Não adianta empregar a partícula “se” – se tivesse feito isso ou aquilo... –, a não ser para corrigir algo que, aparentemente, pode ter acontecido devido a um erro ou negligência de alguém. O que para mim foi o caso da minha mãe.
Nunca disse “perdi minha mãe”. Não. Eu a ganhei porque sei, ela vive e está em mãos de Deus. Vezes sem conta melhor do que se aqui estivesse. Ela ficaria espantada com os acontecimentos deste mundo, tamanha a desproporção em relação ao seu mundo, mãe de 11 filhos, sendo nove vivos. Eu sou o décimo na ordem de nascimento dos filhos de minha mãe, Elvira, e do meu pai, José, Zé Bitaca chamado.


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Por Alberto Sena - 14/3/2017 14:04:07
Oito presentes

Alberto Sena

Fiz o suprimento, hoje. Ganhei oito presentes. Duma vez só. Ganhei requeijão, de Salinas; marmelada, de São João do Paraíso; pequi de Japonvar; mel de aroeira em garrafa, castanhas do pará, castanhas de caju e amêndoas portuguesas. Pergunto com toda sinceridade: tem presentes melhores do que estes?
Evidentemente, tem sim. E o leitor atento exclamará perguntando: “O que é?!” Respondo: o oitavo presente, que passou batido na contagem de quem lê o texto. Quer dizer, a pessoa que me trouxe os presentes dentre todos é o melhor. E foi de surpresa, sabe como é? Antes, ela dizia, talvez “não tenha como ir ao Mercado Central de Montes Claros”, voltando de Belo Horizonte.
Conformei-me com a explicação dela e pensei com os botões da camisa aos borbotões, “mais tempo vou ficar sem o meu suprimento”. Não é que eu tenha alguma coisa contra o requeijão, daqui, de Grão Mogol, mas o de Salinas tem um sabor especial.
A marmelada pode ser de qualquer lugar (menos as de Brasília (DF) – “marmelada de cachorro.”), mas a de São João do Paraíso tem o seu lugar. Inda mais a da banca de uma mulher, o nome dela desconheço. O tijolo do doce vem muito bem embalado, e segundo disse a quem me trouxe de presente, “está novinho”. E está mesmo. Antes da palha de bananeira, o doce é coberto por “insulfilm” e abaixo da palha de bananeira, dentro de um saco plástico, está o doce propriamente dito.
O pequi... Ah! Achei que só ia ver pequi na safra de 2018. Para mim foi grande a surpresa quando ao me aproximar da janela do carro em que ela chegou. Senti logo o cheiro predominante de pequi. Claro, há quem não goste e respeito o desgosto de quem quer seja. Mas o pequi... Não fosse o pequi, o sertanejo seria totalmente diferente do que é.
Mel. O mel tem o seu lugar aqui na nossa mesa. Ouso fazer outra pergunta: há trabalho mais bonito do que o trabalho das operosas abelhas? Elas vão de flor em flor, rimam zumbido com amor e produzem essa delícia. E por falar nas abelhas, o mundo corre sério risco: os venenos jogados nas lavouras e outros fatores estão acabando com as abelhas. Sem abelhas não há polinização das plantas. Sem polinização das plantas não há multiplicação dos alimentos. Não havendo alimentos estamos todos sob risco de irmos embalados para o “beleléu”.
Quanto à castanha do pará, dizem os entendidos, contém um mineral chamado Celênio. Esse mineral atua diretamente na membrana protetora das células do corpo, retardando o envelhecimento delas. Se a célula fica exposta, sem a membrana protetora, acelera o processo de envelhecimento. Basta comer uma por dia. Castanha de caju também é importante. Chamam-na de “aliada dos diabéticos e do coração”.
Deixei por último as amêndoas portuguesas porque delas, com certeza, eu posso lhes contar uma estória. Estava eu e outros companheiros de viagem nos arredores de Lisboa, Portugal, ouvindo palestra de campo numa mina de carvão, debaixo de uma árvore. Foi no ano de 1994.
O tema era “como minerar e aproveitar a água do lençol freático”. O camarada português estava lá falando quando, de repente, ao olhar para baixo vi sobre a relva, pela primeira vez, as tais amêndoas, mas não atinei para a importância delas. Ainda assim apanhei uma e comi. E sucessivamente várias. Vi que caíam da árvore debaixo da qual estávamos. Travei então com elas os primeiros contatos. De lá para cá fiquei consumidor contumaz delas.
Se há lugar que gosto de ir de quando em vez é o mercado. Acho excelente o Mercado Central de Belo Horizonte. Aliás, foi considerado o terceiro melhor do mundo. O Mercado Central de Montes Claros também é bom. Aliás, é o melhor da região. Quiçá, um dos melhores de Minas Gerais. E do Brasil?
O mercado de Montes Claros, eu acho legal porque lá vendem desses presentes recebidos nesta manhã, 13 de março. O de Belo Horizonte não me serviria com tanta eficiência e eficácia. Não nego, lá é possível encontrar algumas bancas que comercializam mercadorias do Norte de Minas. Mas, o de Montes Claros tem características próprias. Possui o olor do sertão, do Cerrado, e aquela cor, como um verniz próprio não encontrado nem em outras partes do Cerrado.
Todavia, o mais incrível é a capacidade de Montes Claros de absorver a fama de produzir os presentes como os mencionados. Não faz o melhor requeijão; não produz o pequi mais carnudo; não fabrica marmelada tão gostosa quanto à de São João; mel, certamente, não produz nem uma gota; e muito menos, ainda, castanhas. Mas fica com toda a fama. E os cobres.


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Por Alberto Sena - 11/3/2017 09:51:35
Carta aos Netos

Alberto Sena

Queridos netos, Levi, Melissa e Lissa,
Escrevo-lhes esta carta baseado na certeza de vocês lerem-na um dia e compreenderem bem a exposição feita abaixo. Nem imaginam o quanto gostaria de estar convivendo com vocês no dia a dia. Mas, por circunstâncias alheias à minha vontade, vejo os anos passarem-se e vocês crescendo sem eu ter a oportunidade de estar com os três ao raiar do dia, sem poder brincar com vocês sentado no chão ou correr pelos espaços atrás de uma bola ou contando-lhes as mais incríveis histórias para influenciar bem na formação mental de cada um.
Vocês poderão me dizer: “Mas, vovô, nós conversamos muito pelo celular, por meio do whatsapp”. É verdade. Ainda bem, porque se não fosse isso, confesso-lhes, eu me sentiria, a essa altura da vida, um avô frustrado. Claro, visitamos pessoalmente cada um de vocês. Mas nem todo dia dispomos de recursos para entrar em um avião e ir ao seu encontro, Levi (7 anos), meu alemãozinho amado.
Você está em Bremen, na Alemanha. Sabe quanto custa ida e volta de passagem e mais algumas coisas? Mas, deixa estar, Deus conhece os nossos desejos e faz conosco o que quiser. Ele faz sempre muito mais. Sugiro meu caro neto, ganhar intimidade com Ele, na pessoa de Jesus Cristo. Gostei de saber, você é o capitão da sua equipe de futebol. Um dia, Deus sabe, poderá ser atacante no time Werder Bremen.
Achei mais interessante ainda saber da sua evolução na escola como monitor e representante da turma. Ainda não lhe contei, mas um dos primeiros livros lidos por mim, quando fui alfabetizado, foi “Os Músicos de Bremen”, dos Irmãos Grimm. E veja você, tempos depois, ganhei um neto nascido em Bremen. Foi uma premonição, não é mesmo? E o mais legal também é o seu gosto pela música, piano, bateria...
Obrigado por ser o meu neto querido, poliglota, fala alemão, português e inglês. Não importa a distância. Pode acreditar, espiritualmente estou com você todos os dias. Até o dia em que, pessoalmente, iremos aí novamente. Sílvia lhe manda um beijão. E eu também, claro! Peço a Deus para enchê-lo de bênçãos. Abraço na mamãe (hoje é o Dia Internacional da Mulher) e no papai.
MELISSA – Querida Melissa (5 anos), lindinha! A você digo quase a mesma coisa a respeito da impossibilidade de estar aí, em Orlando (EUA) para uma convivência pessoal. Mas não tenha a menor dúvida, amo você. Fico admirado com o quanto é uma menina inteligente e sagaz. Fiquei de boca aberta ao assistir ao vídeo em que você pratica karatê. Aquele golpe dado no saco de pancada se fosse dado em vovô, ai! Eu iria estrebuchar no chão. Claro que não faria isso comigo, não é mesmo? Afinal, sou o seu avô ausente, mas espiritualmente todo dia estou presente e vou com você à escola quando é levada por seu pai – ou sua mãe.
Gostaria de possuir o dom da ubiquidade para poder estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Mas isso é reservado a Deus, cuja centelha divina está em mim, está em você, está, enfim, em todas as pessoas – em seu pai e em sua mãe, lógico!
Sei que o seu inglês está uma maravilha, hein?! Sem sotaque algum. Até parece ter nascido aí. Quantas vezes você já foi à Disney? E à praia? Delícia! Pode deixar qualquer dia desses, se Deus quiser, iremos – eu e Sílvia – fazer-lhe uma visita. Legal? Beijos, muitos, meus e dela. Que Deus a abençoe e guarde. Abraça por nós o papai e a mamãe.
LISSA – Lissa (2 anos), minha neta Lissa, querida. Quando você nasceu, fiz um texto em sua homenagem, com o título: “Nasce uma estrela”. E você já está brilhando. Assisti a sua desenvoltura naquele programa de televisão do SBT. Você pegou o microfone e comandou o espetáculo.
A distância a nos separar, não é tanta quanto a que nos separa de Levi e Melissa, mas haverá de convir comigo, daqui a Foz do Iguaçu é praticamente uma viagem internacional. Você, minha linda, progride a cada dia. A sua voz é cristalina.
Ontem (7.3.2017), quando você me ligou daí foi à coisinha mais deliciosa do planeta. Percebo a sua evolução daqui de longe, mas um dia iremos aí aprender e apreender algumas coisas com você. Seu pai tem muito a aprender com você também.
Aliás, cheguei à seguinte conclusão: as crianças já nascem prontas. Elas são levadas a desaprender tudo para aprender a viver neste mundo. É uma pena, o que estão fazendo com o mundo.
Espero, com fé em Deus, que, por meio de um milagre os homens e as mulheres possam construir para Lissa, Melissa, Levi e todas as crianças, um mundo de paz, justiça. Um mundo onde o amor prevaleça acima do desamor, que, nos dias atuais corre feito rastilho de pólvora.
Amo você, Lissa. Estou também com você, querida, todos os dias, espiritualmente. O importante é a qualidade dos encontros pessoais. Aguarde-nos com a graça de Deus nos veremos em breve.
Beijos de Sílvia. Que Papai do Céu derrame sobre a sua cabecinha linda bênçãos em profusão. Abrace o filho meu, seu pai, por nós. Beijos do vovô Alberto.


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Por Alberto Sena - 7/3/2017 10:45:22
Quando jogamos contra o Botafogo
Em General Severiano, no Rio de Janeiro

Alberto Sena

De uma feita, fomos ao Rio de Janeiro (RJ) cumprir compromisso com o time do juvenil do Botafogo, em General Severiano. A nossa equipe era do juvenil do Cassimiro de Abreu, no Bairro Todos os Santos, em Montes Claros. O técnico nosso era João Bispo, mais conhecido desde sempre nos meios futebolísticos por Bonga. Data: finais da década de 60.
Eu e alguns outros da equipe estávamos em vias de terminar o Tiro de Guerra. Na época, os sargentos nos liberaram e fomos de ônibus dirigido por – se não me engano o nome dele – Luís Xavier, irmão de Renê, de Elias e de Muzinho. O pai deles era dono da Viação Xavier. Eles eram amigos desde quando a nossa família morou na Rua São Francisco e eles próximos na esquina com a Rua Corrêa Machado.
Luís e Renê dirigiam ônibus. Mas no caso da viagem ao Rio de Janeiro, o motorista era Luís. Quem arranjara o compromisso com o Botafogo fora Toninho Santos, filho do ex-prefeito Pedro Santos. Salvo engano, ele também levou ao Rio de Janeiro, anos antes, o time do Ateneu, para fazer a preliminar de um jogo da Seleção Brasileira, no Maracanã. Toninho gostava muito de lá e, certamente, era torcedor do Botafogo.
Para cada um de nós a experiência de ir ao Rio de Janeiro enfrentar um time profissional, era o máximo. Em plenos 19 anos, o espírito fez uma progressão geométrica, da Terra ao Cosmo, quando Bonga deu a notícia confirmada pelo entusiasta Toninho Santos, figura bonachona, torcedor do juvenil do Cassimiro de Abreu. Ele tinha olho clínico e sabia, dali iam surgir alguns jogadores para o time titular.
Foi uma viagem cansativa pela distância. Saímos de Montes Claros e num estirão só, como se fosse piloto de Fórmula 1, Luís fez diversas vezes os pneus do ônibus cantarem no asfalto. Na altura de Juiz de Fora (MG), aproveitando uma parada, dois colegas desceram do ônibus para dar “umas voltas” e foram presos pela Polícia do Exército porque tinham os cabelos cortados a moda “Príncipe Danilo”, e seriam “soldados desertores”. Toninho Santos e Bonga tiveram que ir à Polícia do Exército a fim de explicar o porquê de eles estarem ali. Foi um custo. E, de certo modo, atrasou a viagem.
Mas chegamos todos são e salvos. Porém cansados. Ficamos hospedados numa casa que Toninho Santos havia arranjado, e cada um se ajeitou nela como pôde mesmo porque não havia acomodações adequadas para todos.
Isso é narrado hoje com o olhar atual, mas naquela época, era motivo de farra. Em campo tudo mudava. Bonga era exigente e dava mostras paternais do tanto que esperava de cada um de nós. Basta dizer, proibia-nos de fumar. Quando acontecia de encontrar algum de nós com cigarro, ele tomava o maço e jogava fora. Desse jeito.
Bonga matinha um caderno, quiçá ainda exista até hoje entre os guardados dele, no qual anotava tudo relacionado com o time, como uma espécie de diário. Tinha a data dos jogos, os locais – se no campo do Bairro Todos os Santos ou fora, porque viajávamos por vários lugares da região – o horário, a formação da equipe, os gols marcados e mais não sei o quê.
Recordo-me, ao chegarmos ao Rio de Janeiro e depois de instalados na tal casa, saímos para jantar no Canecão, o point do momento. Não me recordo o que comemos, mas lembro-me de ter comido de sobremesa salada de frutas. Em seguida fomos dormir porque o jogo era na tarde seguinte.
Não me recordo de como fomos para General Severiano, mas lembro-me bem de que no time do Botafogo havia um craque chamado Ferreti, que mais tarde jogou na equipe principal. O nosso time não foi o mesmo de sempre em campo e acabamos perdendo a invencibilidade por 4 a 1, todos os quatro gols marcados por Ferreti.
Do nosso time, recordo-me de Duilio, Helton, Adilson Gangaia, Elefante, Carlinhos Pinguim, Zoca, Esquerdinha (não sei se Paulo Amorim estava nessa), Aluísio, Lois, Ronaldo Chamone e outros que alguém pode ajudar a lembrar.
Se na ida Luís foi voando, na volta ele voou mais ainda e ficamos de cotovelo na mão com medo de acontecer alguma coisa, numa das curvas. Mas, ele provou ser bom mesmo ao volante. Antes desafiamos o Botafogo para uma revanche, em Montes Claros, e deu certo.
Com o Estádio João Rebello lotado, numa certa noite empatamos com o Botafogo em zero a zero. O goleiro Duílio pegou dois pênaltis e foi o bastante para ser levado pelo Botafogo.


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Por Alberto Sena - 1/3/2017 09:31:15
CONCERTINA E A INSEGURANÇA PÚBLICA

Alberto Sena

Quando pela primeira vez vim a Grão Mogol há cinco anos encontrei só uma casa com cerca elétrica. E com a manga esquerda da minha camisa, pensei sobre o quão desnecessário era a cerca, a não ser para estimular o surgimento de outras. Mas foi um indicador importante para fazer a leitura do quanto a cidade era (é) tranquila e sossegada, em comparação com o ritmo de vida nas grandes cidades.
Outro indicativo foi encontrar casas com portas e janelas abertas. Não via isso desde os anos da infância e da puberdade vividos em Montes Claros, torrão onde nasci. Em um dos retornos recentes a Montes Claros boquiaberta deparei-me com várias casas dotadas de algo mais além de uma mera cerca elétrica; encontrei concertinas em diversos lugares.
Para quem já viu cerca desse tipo em muros de casas residenciais e não sabia dizer o nome, por definição, “arame de concertina é uma barreira de segurança laminada, de forma espiralada possui lâminas pontiagudas, cortantes e penetrantes”. Ai de quem se atrever a ultrapassá-la. Além de cortante, ela é carregada de certa quantidade de volts de energia elétrica.
Utilizada em ações militares para impedir a ultrapassagem de certo perímetro, concertina é considerada a evolução do arame farpado. É feita de aço galvanizado ou inoxidável. Encontrar ferramenta convencional para cortar uma cerca feita de concertina não é fácil.
Quando me surpreendi com as casas de Montes Claros dotadas de concertina a minha impressão era de estar em um campo de batalha. Deu até medo andar na rua. A fobia contamina. E, então, me lembrei do vaticínio de Darcy Ribeiro sobre o dia em que estaremos presos em condomínios vigiados por homens armados e os chamados bandidos em liberdade.
Esse dia chegou. Chegou para as grandes cidades, onde as concertinas enfeiam a paisagem e dão margem a imaginações várias sobre o ponto de degradação alcançado pela sociedade brasileira.
Se tivesse havido lá atrás atitudes visando investimentos socioeconômicos, distribuição equitativa de renda e massiva atenção à educação entre outras iniciativas será que os governantes e a sociedade não teriam evitado tudo isto?
Em meus 50 anos de jornalismo tive tempo suficiente para constatar, denunciar e alertar o quanto toda essa parafernália de segurança é muitas vezes mais cara do que o investimento em gente humana, tendo em vista evitar os males hoje sofridos por toda sociedade na atualidade. O monstro foi construído por nós mesmos. E, agora, estamos sofrendo as consequências da imprevidência humana.
Quanto a Grão Mogol, cinco anos depois de ter conhecido a cidade, observo a cada dia o aumento do número de cercas elétricas. E, ultimamente, concertinas. Da minha janela, sem sair do lugar, olhando em direção ao Poço das Moças observo uma casa recém-construída já com uma cerca de concertina. A mesma fobia estampada no rosto de quem vive em cidade grande aos poucos contamina também grãomogolenses.
Em outras palavras, embora cidade pequena, com menos de seis mil habitantes, Grão Mogol já vem sendo atingida pelos males das metrópoles. Vejo, contristado, os sinais dessa realidade agressiva. Ela leva as pessoas a desconfiarem de todo estranho encontrado pela frente e culmina na deterioração das relações humanas.
Se essa fobia se instalar de fato, levando os grãomogolenses a superestimar o problema da violência urbana, Grão Mogol já terá então perdido a paz e o sossego, hoje em dia quesitos fundamentais contra a neurose da guerrilha urbana encarnada e travada diuturnamente em todos os quadrantes do Brasil.
Felizmente, a cidade conta com a eficiência do Pelotão da Polícia Militar, sob o comando do tenente Ricardo Batista de Souza. Pragmático, ele projeta para Grão Mogol uma companhia da Polícia Militar. O que é uma garantia maior, além da proteção natural da geografia e da topografia da cidade nascida nas dobras da Serra do Espinhaço, Serra Geral chamada.


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Por Alberto Sena - 23/2/2017 10:06:59
Medo de ver o sol nascer quadrado

Alberto Sena

Faz tempo narrei o episódio abaixo em epígrafe. Ouso tocar nele de novo porque os leitores já devem tê-lo esquecido e, portanto, irei relembrá-lo. E todos haverão de convir comigo, a repetição se justifica por si mesma.
Entretanto, antes, devo esclarecer, me motivou a contar de novo o episódio uma foto do coronel José Coelho de Araújo, delegado de polícia à época responsável pelo esclarecimento de um “intrincado caso” envolvendo certo menino de dez anos e outros da mesma idade.
Na foto publicada (no Facebook) por Wagner Gomes, destacada do arquivo fotográfico de Dona Maria das Dores Guimarães Gomes (Dona Dorzinha), o coronel Coelho, como era mais conhecido recebia uma placa de homenagem prestada por senhoras da sociedade montesclarina, “tendo ao fundo Yvonne Silveira e ao lado Dona Maria Avelar Tonelli, Dona Graice Quintino Vieira e Dona Arlete Macedo”.
Não há nenhuma relação entre essa foto e o episódio a ser recontado. A foto do delegado, além de ter despertado a lembrança do episódio, é usada nesta ocasião só para ilustrar, porque o ocorrido se deu faz muito tempo e foi uma surpresa deparar-me agora com essa foto dele ainda mais novo.
Vamos ao episódio, sem mais preâmbulo. Pelos meus cálculos, tudo se deu em 1960. Faz, portanto, 57 anos para ser exato. A idade do menino era de dez anos. O estilingue sempre pendurado ao pescoço, continha várias marcações no gancho para contar o número de caças abatidas. Uma loucura! O menino jamais faria isso novamente.
Estava ele em meio a um grupo de outros meninos, cada um armado com o seu respectivo estilingue. O lugar era a Rua João Pinheiro, em Montes Claros, nas imediações de uma barroca, hoje inexistente, ao lado do então “campo do União”. De repente, no momento em que passava pelo grupo um caminhão caçamba do Departamento de Estrada de Rodagem (DER), todos ouviram o estalido de vidro trincando e partindo em pedacinhos.
Um dos meninos do grupo havia atirado uma pedra de estilingue no parabrisa da caçamba. O motorista parou o caminhão, e, antes mesmo de inquirir quem havia feito tamanha bobagem, um deles se distanciou do grupo e jogou o estilingue no lado de dentro da cerca do quintal vizinho. E ficou como quem tinha coroinha de santo acima da cabeça. Como o autor da façanha não aparecia, o menino, que nada tinha a ver com isso, mas não delatou o autor, saiu de cena. Todos se dispersaram.
Para surpresa dele, ato quase contínuo, noutro lugar da mesma rua, quando tratava de aprimorar a pontaria tendo como alvos lagartixas, ele ouviu os chamados apreensivos de uma das irmãs: “Vai correndo lá pra casa porque um soldado fardado foi procurar você e papai está uma fera”.
O menino foi sem entender direito o porquê de a polícia ter ido procurá-lo. Não havia feito nada de errado. Em casa chegando, levou palmada nos fundilhos e soube da “intimação” de um policial para comparecer à delegacia de polícia a fim de esclarecer o caso do parabrisa da caçamba.
No dia e hora marcados, ele foi levado pelo pai à delegacia. Os outros meninos, ele nem soubera se também foram. O coração dele só faltava sair pela boca. Tinha medo de ficar preso. E já se imaginava preso em meio aos outros presos. Como é que faria para comer e tomar banho? Um horror!
O delegado era o coronel Coelho, o da foto compartilhada do arquivo de Dona Dorzinha. Quando o menino adentrou com o pai na sala do delegado, os dois se cumprimentaram com um abraço e, em seguida, o delegado fez a seguinte pergunta:
- O que este menino está fazendo aqui?
O pai explicou a situação e o coronel Coelho, o surpreendeu ao dizer:
- Isso aqui não é lugar para criança. Quantos anos ele tem?
O pai respondeu:
- Dez.
O delegado pediu desculpas. Ficou nervoso. Disse:
- Criança não pode ser intimada a comparecer a uma delegacia de polícia.
O menino ouviu as palavras dele aliviado. Pensou não mais correr o risco de ser preso e pagar por algo que não fizera.
De mão dada com o pai, ele foi embora da delegacia pisando em nuvens, livre do tormento do medo de ficar lá para ver o sol nascer quadrado.

(Nunca ele soube se o caso fora, afinal, deslindado ou se ficara por isso mesmo.).



82191
Por Alberto Sena - 17/2/2017 11:12:45
CORTADOR DE UNHAS

Alberto Sena

Quando pré-adolescente sempre quis ter um cortador de unhas. Recordo-me como se fosse hoje, o meu irmão mais velho possuía um, marca “Trim”. Achava interessante o cortador de unhas dele. Quis emprestado e ele me explicou, “por uma questão de higiene”, não ia emprestar porque cada um tinha de ter o seu. Entendi.
Antes, quem cortava as minhas unhas era o meu pai. As minhas e as dos irmãos mais novos. Fazia uma fila. Ele empunhava uma tesourinha e cortava as unhas das mãos e dos pés. Recordo-me que na escola, no então Grupo Escolar Gonçalves Chaves, em Montes Claros, os alunos tinham de exibir as mãos sobre um lenço em cima da carteira com as unhas devidamente aparadas.
Quem não tinha as unhas das mãos aparadas ela mesma cortava. Perante a classe, isto era “uma vergonha”. Acaso isso acontecesse comigo e ao contar lá em casa, o teto seria capaz de cair. Pai e mãe cuidavam de todos com o maior esmero. A minha camisa com o distintivo do grupo era engomada, branquinha de fazer gosto. As pessoas elogiavam o zelo de minha mãe.
Voltando ao cortador de unhas, quando o meu irmão cortava as unhas dele ficava observando e achava o instrumento a coisa mais prática e rápida do que a tesourinha do meu pai. Pai faleceu quando a família morava na Rua Corrêa Machado, em frente ao campo de futebol do União, time antecessor do Cassimiro de Abreu. Eu tinha à época 11 anos.
O campo do União tornou-se para nós meninos da vizinhança um verdadeiro paraíso. De manhã, logo cedo, depois do café, íamos para o campo e só retornávamos quando uma das minhas irmãs gritava de cima do barranco: “Mamãe chamando pra almoçar”. Isto, em época de férias escolares, porque os estudos sempre foram prioridade lá em casa. E as professoras eram exigentes.
No campo do União havia arquibancada de madeira. Era pequena, mas parecia suficiente para abrigar os torcedores. Na época, ficávamos lá vendo o treino dos jogadores como Marcelino, Moe-de-Ferro, Bispo, Bonga, Felipe Gabrich e outros.
Num certo dia, sentado no alto da arquibancada de uns cinco patamares, vi algo brilhar no chão e como achava ser alguma coisa interessante, quase num salto desci para ver o que era. Era um cortador de unhas. Estava meio enferrujado porque decerto perdido havia mais tempo e o cortador de unhas sofreu os danos das intempéries. Estava semi-enterrado no chão.
Apanhei o cortador de unhas como se fora troféu. O corte estava afiado ainda e fiquei feliz porque daquele dia em diante podia cortar as próprias unhas. Não tinha dinheiro para comprar um novo e mesmo se tivesse não sabia em qual loja encontrar.
Para usá-lo lavei-o bem, porque me lembrei das palavras do meu irmão – “por uma questão de higiene, cada um deve ter o seu”. Como eu não sabia de quem era, tive o cuidado de esterilizá-lo em água fervente. Por um bom tempo utilizei-o da melhor maneira e até andava com ele no bolso para o caso de ter de cortar as unhas. Tinha sempre na lembrança a exigência das professoras do antigo primário – “unhas cortadas e lenço no bolso”.
Que fim levou o meu cortador de unha nem sei. Outros cortadores de unhas eu adquiri ao longo da vida. Mas, o melhor mesmo, eu o trouxe de Nova Iorque (EUA), em 1992, quando fui fazer a cobertura das reuniões preparatórias para a Cúpula da Terra, na Organização das Nações Unidas (ONU), evento realizado no Rio de Janeiro, batizado Rio-92.
Comprei vários, um para mim, para os filhos e nem sei quem mais, a US$ 0,10 cada. O meu, perdi-o anos depois dentro do carro, em Belo Horizonte. Lembro-me, estava com ele e por descuido o deixei cair. Desconfio de que esteja debaixo do assento do passageiro, onde é o meu lugar, porque não dirijo. Quem dirige é a mulher. Desse estresse do trânsito – e de nenhum outro – eu não sofro.
Um dia desses, quando o carro precisar ser levado à oficina, eu vou pedir ao mecânico para retirar o assento de passageiro só para verificar se o meu cortador de unhas “made in USA” está debaixo dele. Tenho quase certeza, eu o encontrarei lá.


82185
Por Alberto Sena - 14/2/2017 09:45:50
DENTRO DA NOITE

Alberto Sena

Tomei banho, vesti calça jeans, raridade naquela época. Passei brilhantina nos cabelos e dei boa noite à minha mãe. Ela me perguntou: “Aonde você vai?” Perguntou só por perguntar, porque a resposta era a de sempre, “puraí’. Eu não tinha um lugar certo para ir naquelas noites. Ia a vários lugares em Montes Claros, dependia dos encontros com os amigos e as amigas.
Na época, o ponto era na porta da sorveteria Cristal. De lá a turma se arrancava para alguma festa ou outro programa. As opções eram poucas. Aumentaram depois da expansão de Montes Claros para os lados e a partir de quando se embonecou de metrópole de fato sem ser de direito.
Nem sei por que me vieram essas lembranças. Revelo com toda tranquilidade, não tenho saudade da vida vivida. Embora soubesse ser feliz porque me alegrava viver em Montes Claros até ver os amigos, um a um indo embora em busca de outro modo de viver. Na cidade grande.
Quem vive de passado sofre. Saudade vira doença, o banzo. Banzo era a doença dos negros escravos africanos arrancados do seio familiar e do torrão natal para trabalho forçado nos engenhos nordestinos e nas minas gerais. De tanta saudade da pátria querida, eles morriam de banzo.
No entanto, gosto das lembranças do meu viver. Não sei como isso funciona com as outras pessoas, mas comigo trago na mochila muitas estórias. Com o passar do tempo elas viram histórias. Quem não tem nada para contar da vida vivida não viveu. Ou não prestou atenção às vivências e fica pelos cantos à medida do avanço da idade.
Vivi pouco tempo em Montes Claros. Foi do nascimento até aos 22 anos. Depois de iniciar no “O Jornal de Montes Claros”, aos 17 anos, aos 22 já estava na Redação do EM, trabalhando com gente do mais alto nível intelectual, a começar pelo jornalista e escritor Wander Piroli. Mais tempo eu vivi em Belo Horizonte, portanto. Amo aquela cidade. Mas, do modo em que está, interessa-me ir lá só de vez em quando.
Nunca Montes Claros saiu de mim. Penso que deve ter tido maior peso o fato de ser o meu torrão natal, nascido pelas mãos de Irmã Beata. Alguma influência pode ter havido também devido a época em que eu nasci no pós-guerra. Lembro-me, menino, de ouvir a preocupação dos mais velhos quanto a falta de querosene no mercado, combustível de lampiões e de lamparinas. Ouvia falar também de “certo presidente Vargas” que se suicidara e conversas sobre o fim da guerra.
O mais marcante nessas conversas de guerra foi a morte do meu tio José, irmão da minha mãe. Ele foi para o Nordeste, salvo engano Natal, no Rio Grande do Norte, onde tomaria um navio. Ia lutar na Itália. Mas antes de embarcar, o tio morreu afogado, não sei se no mar ou em rio.
Na família pouca informação nós tivemos dele, a não ser um retrato ao lado de um colega, e outro moldurado e posto na parede da sala lá de casa. Ele fazia uma pose bonita. Apoiava o queixo no punho fechado da mão direita.
O menino tinha o maior orgulho do tio José. De certo modo achava melhor ele ter morrido antes de lutar na guerra. Aliás, eu nunca me senti bem com essa história de guerra. Não entendia porque precisava haver guerra. Como ainda não entendo. Um irmão matando o outro. Olha que coisa mais triste para uma criança.
Numa vez em que vi a fotografia na revista O Cruzeiro, de um homem franzino, vestido só de túnica branca, calçado com sandálias e um cajado na mão fiquei impressionado. Era a figura do Marátma Gandhi libertador da Índia do jugo inglês. Soube depois, muito depois, quando li a biografia dele e outros escritos. Gandhi, a “Grande Alma”.
O jovem logo abandonou a brilhantina. Ouviu o ritmo e as vozes de certo grupo de Liverpol. Eles fizeram meus cabelos crescerem livres sacudidos pelos ventos. Irreverentes, identifiquei-me com eles e segui em frente em buscar de sonhos outros.
Por sorte minha ou talvez porque fui marcado pelo toque das mãos de Irmã Beata, afinal, encontrei razão maior de viver décadas depois ao viajar a Israel, a serviço do jornal, onde pude seguir as pegadas do Homem de Nazaré até o Gólgota.
Considerando a relatividade temporal, tudo se deu num átimo. Ainda me vejo na porta da sorveteria Cristal no aguardo dos amigos e das amigas para outros rumos tomar dentro da noite.


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Por Alberto Sena - 27/1/2017 10:56:53
Eucalipto estraga clima da região . “Deserto verde” expõe a ganância de empresários sem visão ambiental

Alberto Sena

Grão Mogol, município distante da capital quase 600 quilômetros, já foi muito mais longe de Belo Horizonte, na época em que era considerado “fim de mundo”. Tanto é verdade que décadas atrás brotou na cabeça de alguém a ideia de encher de eucalipto a região, pois que ninguém iria se importar com a região, mesmo em detrimento da fauna, da flora e do clima locais.
Só o ex-governador Newton Cardoso, tem uma monocultura de eucalipto na região, que para ser percorrida leva horas de carro. O ex-governador, se não é o maior explorador de eucalipto na região e uma dos maiores. Comparado com o que leva daqui, ele deixa pouco ou quase nada para o município.
Mas não é só ele o responsável pelo “deserto verde” na região. Em pé de igualdade com estão empresas como Vale do Rio Doce (Floresta Rio Doce), Plantar, Rima, Calsete e outras, além do famigerado “fazendeiro florestal”. Todos contribuíram para tornar ainda mais árida as áreas integrantes do Polígono das secas (as secas eram cíclicas, agora, com os eucaliptos, são permanentes). Essa corrida ao eucalipto originou sérios problemas de grilagem de terras.
EM ABUNDÂNCIA – Os mais antigos personagens de Grão Mogol contam, antes da vinda dos eucaliptos, o clima da região era outro, bem mais agradável. Chovia em abundância, até além do período considerado normal. A sede do município tinha fama de possuir clima temperado comparável a certos lugares da Europa. Os rios esbanjavam água, os ribeirões e córregos também.
Atualmente, a não ser de madrugada, quando a temperatura cai um pouco, Grão Mogol ficou quase tão quente quanto está Montes Claros. A luz solar incide nas pedras e estas refletem o calor ajudando tornar os dias e as noites muitas das vezes quase insuportáveis. A vantagem é que, aqui, venta devido às serras, e em Montes Claros vento é quase só o do ventilador ou do ar condicionado.
POUCA CHUVA – Nos últimos cinco anos choveu pouco na região. Nesta temporada também. Os córregos, ribeirões e rios quase todos “cortam poço” anualmente. Muita coisa mudou na região e o eucalipto é apontado como o principal responsável por isso. Por isso e por muito mais, porque destruiu a flora e afugentou a fauna.
Em eucalipto nada aparece além de “formigas e caturritas (aves predadoras de lavouras que usam as árvores de eucalipto como abrigo, mas não se alimentam delas)”, como explica em estudo específico Rafael Said Bhering Cardoso, Mestre em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Os impactos negativos do eucalipto são por demais conhecidos. É necessário as autoridades responsáveis colocarem um basta na ganância empresarial e impedir a expansão dos maciços. É fundamental não pensar só economicamente, mas ter visão mais ampla dos prejuízos que uma monocultura de eucalipto provoca. Quem ganha é só o empresário. Hoje, do plantio a colheita, tudo é mecanizado.
TRINTA LITROS – A quem sabe ler e raciocinar basta dizer, um pé de eucalipto isoladamente visto em meio ao maciço consome por dia 30 litros de água. E o que isso pode gerar adiante senão um déficit hídrico nas regiões onde são cultivados eucaliptos? É o que acontece aqui, na região de Grão Mogol. Numa linguagem popular, os eucaliptos chupam a água da região.
O problema é grave. Ressecamento do solo significa maior exposição à erosão. O eucalipto visando unicamente “maior viabilidade econômica possível” empobrece o solo e o expõe. Terra é gente como a gente. Terra sente dores, como a gente. Terra empobrece também. Todo agricultor sabe disso. Para recuperar a terra é necessário alto investimento. A biodiversidade diminui e a diversidade da fauna também.
Para contrapor ao discurso falso de oferta de “empregos e reflorestamento”, a especialização da atividade gerou grande desemprego e põe em risco até mesmo a cultura de um povo. Esse problema pode acabar por gerar grande impacto social na região. Tudo isto sem nada falar da transformação da paisagem, quando as florestas heterogenias são substituídas por monocultura de eucalipto. Clones que, a cada ano vai transformando um paraíso natural em “deserto verde”.


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Por Alberto Sena - 18/1/2017 09:46:00

BEMQUERER REAPRENDENDO A VOAR

Alberto Sena

Emocionante. Esta palavra resume a garra, a força de vontade e a convicção do empresário Lúcio Bemquerer. Ele fez uma cirurgia na medula, na Santa Casa de Montes Claros e se recupera fazendo fisioterapia. Quem o viu logo após a cirurgia, muito bem sucedida, tinha a impressão de que o Bemquerer iria começar a mexer com os pés meses depois.
A evolução de Lúcio surpreendeu o próprio médico (...) que o operou. Surpreendeu o filho dele, Marcos Bemquerer e surpreendeu a mim também, porque três dias depois de operado, ele já mexia com os pés. Agora, vendo-o fazendo fisioterapia, é motivo de admiração ao fazer a comparação do antes com o agora. Quem o conhece se emociona.
Ele senta na cama, fica em pé na janela, movimenta-se com o andador e, no ritmo em que vai logo estará andando dentro de um quadro de normalidade. Ele já pretende passar fins de semana em Grão Mogol, a fim de respirar os ares do lugar onde nasceu e construiu o maior presépio natural do mundo, o Presépio Mãos de Deus.
O fisioterapeuta Guilherme Ruas está tão otimista em relação à recuperação do paciente tanto quanto o próprio Lúcio. É importante lembrar, ele fez uma cirurgia na medula e todos sabem o quanto ela é fundamental. Significa dizer, a recuperação não acontece como num passe de mágica. É necessário querer se recuperar – e ele quer – porque o corpo no momento está assim, mas a cabeça funciona a mil quilômetros por hora.
Lúcio sempre foi homem ativo. Em Belo Horizonte, onde dirigiu a Associação Comercial de Minas (ACMinas), como consultor principal da Prosper e diretor executivo do Fórum de Líderes da Gazeta Mercantil, o empresário sempre se destacou pela agilidade na tomada de iniciativas para solucionar questões empresariais.
Quando na ativa, acometido do problema na medula, só diagnosticado há cerca de oito meses, o que ocasionou a cirurgia na Santa Casa, o empresário foi convidado a ser ministro de Estado, a ser candidato a governador e também prefeito. Ele não aceitou nenhum dos convites por se achar empresário por vocação sem a necessidade de se envolver com a política.
De tudo que fez por Grão Mogol, Montes Claros e Belo Horizonte, o Presépio Natural Mãos de Deus, construído por ele já aposentado e de volta a terra natal, talvez seja a sua maior obra, porque foi como tivesse atendido a um sinal vindo do céu como um bólido.
Lúcio vive cada dia como se fora o primeiro ou o último. Hoje ele está melhor do que ontem. E assim vai. Essa certeza o empresário tem, como também possui todo o tempo do mundo para fazer reflexões pessoais enquanto sente o corpo responder aos comandos dos exercícios dirigidos pelo fisioterapeuta, um trabalho de dedicação e amor, torcendo o corpo dele de todo jeito.
Dentro de mais um pouco, certamente, um novo homem ressurgirá vestido na pele dele. E quando isto acontecer, Bemquerer será a prova inconteste de que quando se quer alguma coisa, principalmente relacionada com a recuperação da saúde, o denodo e a vontade suprema agindo dentro dele geram o milagre. Eis o homem em sua saga. Como a mitológica ave chamada Fênix, ele está reaprendendo a voar.


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Por Alberto Sena - 4/1/2017 14:12:17
FUNERÁRIA NO CENTRO DE POLÊMICA

Alberto Sena

A notícia de possível instalação de uma funerária na Praça São Sebastião, próximo ao Hospital Afrânio Augusto Figueredo, em Grão Mogol, é o epicentro de uma polêmica que vem atanazando a vida de seus vizinhos. O estabelecimento ainda nem foi instalado e já incomoda. Encontra-se em processo de reforma do imóvel, onde até há pouco tempo funcionava o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) transferido para o Bairro Bandeirantes, próximo ao ginásio Quita Benquerer.
Em Psicologia há um vocábulo – “Misoneísmo” – que, traduzido, quer dizer, “medo do novo” ou do “desconhecido”. Geralmente isso acontece com todo tipo de gente. Trocando em miúdos, é algo que costuma causar “frio na barriga”. Comum é ouvir isso das pessoas, quando não têm idéia do que irá acontecer diante de um desafio, um concurso, por exemplo, com poucas vagas, e a necessidade de obter êxito.
O mais alto grau de “misoneismo” é o medo da morte. Ninguém sabe dizer o que poderá acontecer depois de batermos as botas ou abotoarmos o paletó ou ainda partirmos desta para outra, quiçá, melhor, e assim por diante. Há várias maneiras de dizer a mesma coisa. Os vivos de modo geral não gostam de tratar do assunto. Têm medo. Uns têm medo nem tanto da desencarnação, mas como a morte vem, se por doença lenta, sofrida ou não.
Tudo relacionado à morte aflige qualquer cristão ou sacristão, para não dizer todo humano vivente. Basta ver o carro da funerária para as pessoas ficarem com palpitações. A possibilidade de ser instalada em determinado lugar uma funerária, é motivo de arrepio para muita gente. Para os vizinhos, então, nem se fala.
No caso em tela, o imóvel está em reforma para instalação de uma filial da Funerária Avelar, de Montes Claros. O imóvel tem por vizinhos o Asilo São Vicente de Paulo, de um lado, e do outro, a casa do empresário Lúcio Bemquerer, o construtor do Presépio Natural Mãos de Deus, um benfeitor grãomogolense. Quase por unanimidade, as pessoas estão contra a instalação de uma funerária naquele local.
Além de depreciar os imóveis vizinhos – dizem vozes que se levantam contra a funerária naquele ponto – se for instalado velório, irá trazer dissabores para a vizinhança porque a atividade exige cuidados especiais e a área é residencial. Os contrários ao empreendimento ali acham muito mais viável a instalação da funerária noutro lugar e até sugerem a Avenida Domingos Arruda.
Hoje, no período da manhã, dois jovens trabalhavam na reforma do imóvel. Eles já elevaram a parede na fachada e estão cuidando do telhado. Disseram que o dono do empreendimento está disposto a seguir em frente com a obra, mas nesse meio tempo cresce o descontentamento contra a funerária naquele ponto da Praça São Sebastião.


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Por Alberto Sena - 29/12/2016 14:22:22
Sem Juiz, delegado, padre e, talvez, promotora

Grão Mogol, uma das Comarcas mais antigas, município onde viveram o Barão Gualtér Martins Pereira e Francisco Sá, este responsável por trazer linha férrea ao Norte de Minas, terra natal de José Afonso Bicalho, atual secretário de Estado de Fazenda, reclama da falta de respeito das autoridades do governo de Minas, da justiça mineira e da Diocese de Montes Claros, que deixaram o município com um braço amarrado a uma perna.
Contra o governo de Minas os grãomogolenses reclamam da falta de um delegado de polícia. Corre por aqui a notícia de que a delegada Maria Angélica Fernandes Almeida Prado, em férias, não retornará mais a Grão Mogol no dia 8 de janeiro, como era previsto. Ela foi definitivamente absorvida pela Superintendência Regional da Polícia Civil sediada em Montes Claros. Para substituí-la viria “um delegado de Bocaiúva”. Vários inquéritos continuam parados na delegacia de polícia porque dependem de instruções de um delegado.
Contra o judiciário, a cidade reclama da falta de um juiz de Direito permanente. Uma montanha de dez mil processos no Fórum local aguarda um juiz que possa dar andamento normal ao trâmite processual. Em Grão Mogol, as pessoas até já se acostumaram com essa falta de atenção do judiciário, o que demonstra descrença na justiça. Dizem: “O juiz que mais tempo ficou aqui, permaneceu por dez meses. O mais recente, Wagner Mendonça Bosque, vinha fazendo bom trabalho e talvez porque tenha demonstrado eficiência, foi transferido para a Comarca de Mantena, no Vale do Rio Doce.
Contra a Diocese de Montes Claros a reclamação é devido à retirada dos dois padres, Diogo e Alexandre. Eles chegaram recentemente e não devem nem ter se acomodado direito na Casa Paroquial e já estão de saída. Em menos de três anos, quatro padres por aqui passaram, os dois mencionados e os padres Geraldo Magela e Ailton.
Entretanto, o que está ruim pode piorar um pouco mais se a promotora Gerciluce de Brito Sales Costa, recém-chegada a Grão Mogol também for embora. Pelo menos é o que se ouve dizer. Ela já estaria pensando nisso. E se isso acontecer, estará de fato escancarada à demonstração de negligência como Grão Mogol é tratada.
Quem se habilitar conversar com um cidadão grãomogolense sobre essa situação tragicômica não terá a menor dificuldade em encontrar um. Todos reclamam, uns com os outros, mas alguma virose, como os médicos costumam dizer, os impede de tomar uma atitude política de pôr cobro a essa situação vexatória.
Os próprios advogados integrantes da Ordem dos Advogados (OAB), Seção de Grão Mogol, os mais interessados em ter uma justiça que de fato funcione, tinham de intensificar as reivindicações a quem de direito para resolver essas questões. São pedras no caminho do trabalho deles e na vida dos seus clientes. Se não reclamam, os gestores acham estar tudo funcionando às mil maravilhas.


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Por Alberto Sena - 21/12/2016 08:19:10
REFLEXÃO NATALINA

Uma séria reflexão sobre o comportamento dos seres chamados humanos é imprescindível seja feita aproveitando o ensejo do Natal e do Ano Novo. Acompanhe o raciocínio, depois cada um faça a sua reflexão e tire as conclusões. Todo ano quando principia o final, nós nos apressamos em trocar mensagens várias – “Feliz Natal” (*), “Boas Festas”, “Feliz Ano Novo”. Entra ano sai ano é a mesma coisa. Tanto que essas mensagens ficaram comuns e até parecem ter perdido o encanto.
Ao refletir sobre isso, chega-se à seguinte conclusão: esses desejos contidos nas mensagens perdem o viço porque não possuem força suficiente para gerar consequências positivas. Foram, como se diz, “só de boca”, não saíram realmente lá do fundo do coração ou da alma, a maioria das mensagens é para cumprir formalidade ou demonstrar ser atencioso com o outro. Nada além. Ao passar o Natal e o Ano Novo também tudo volta à rotina de antes; e morre como promessa não cumprida.
Com a falta de atitude, com a falta de prática diuturna do poder intrínseco e mágico das palavras contidas nas mensagens enviadas e recebidas, tudo acaba nisso só. Nós que viemos de longe e já faz tempo podemos perguntar: o mundo de hoje é melhor do que o mundo de décadas atrás?
A resposta é sim e não. Sim porque a evolução tecnológica trouxe uma série de condições favoráveis à melhoria da qualidade de vida, porém, o lado negativo é demasiadamente negativo ao ponto de pôr em risco a vida no planeta. Ninguém, em sã consciência, irá discordar disso.
Enquanto as palavras e as mensagens se vão desgastando com o tempo, o mundo só deteriora. E um dos principais problemas dos dias atuais é a falta de segurança sob todos os aspectos e principalmente a insegurança pública nacional e internacional.
Há várias maneiras de desejar “bom dia” a alguém. Evidentemente, depende de como a pessoa vai por dentro. Mas se todos nós desejássemos mesmo que o outro tivesse um dia bom ao ponto de dar-lhe a atenção merecida, como ser da raça humana, o mundo seria melhor, porque o movimento no sentido de melhorar o mundo começa dentro de cada um de nós.
Será que estou cuidando de mim, dos meus pensamentos, das minhas palavras e das minhas ações devidamente, dentro de uma percepção holística? Claro, em meio a nós há, certamente, gente desnudada de egoísmo que faz “milagres” ao transformar as palavras em ações cotidianamente. Essas pessoas dão a Terra o necessário equilíbrio.
Quanto mais melhoramos os recursos de comunicação, mais nos distanciamos uns dos outros. Vivemos um paradoxo irremediável, porque assim caminha a humanidade, mergulhada no consumismo, mundo de obsolescência programada, no qual as pessoas têm importância se possuírem bens materiais.
E assim, quanto mais falamos, só da boca para fora em paz, menos paz o mundo tem. Nada adianta vestir camisa branca em nome da paz. Quanto mais invocamos o amor, mais a Humanidade sofre com o desamor. Há alguma coisa errada. As guerras aí estão cada vez mais estúpidas devido à facilidade de matar. Mata-se até em nome de “deus”, como se Deus fosse ruim ao ponto de ordenar a morte de alguém ou de uma população inteira.
Posso me considerar “defensor do otimismo” e quero continuar acreditando na Humanidade porque sempre há Esperança, a mãe da Fé. Mas, pela leitura da caminhada humana, se não houver o resgate dos “valores verdadeiros”, se os homens e as mulheres habitantes do planeta não derem uma guinada de rumo, a tendência da Humanidade, semelhante a uma grande boiada, é ir inexoravelmente para o corredor do frigorífico, destino reservado a todo gado de corte.

(*) Feliz verdadeiro Natal a todos. Vamos homenagear o aniversariante durante o ano inteiro e em uníssono cantemos parabéns pra Ele. O mais disso são firulas.


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Por Alberto Sena - 12/12/2016 09:35:20
DO PEQUI NADA SE PERDE

Comi os primeiros pequis, hoje, no almoço. Huuummm... O meu organismo agradece. Todo ano, pequi e manga são duas coisas pedidas pelo cérebro e o corpo pedem. Inda mais sendo, como eu sou “filho de pequi” – foi meu pai que me ensinou a comer –, não posso de modo algum deixar de ingerir a vitamina “A” do pequi mais as vitaminas do complexo “B12”, os sais minerais e a gordura natural desse fruto conhecido no sertão norte mineiro como “carne do sertanejo”.
É por demais importante saber roer o pequi. Há o roedor amador e o roedor profissional. Evidentemente, me coloco na categoria de “profissional” e quem se interessar em saber como é o profissional roedor de pequi, é o seguinte: quem rói o pequi e o faz mudar de amarelo para branco sem necessariamente atingir os espinhos.
Costumo dizer, do pequi nada se perde. Até mesmo os espinhos podem espetar a língua de algum desavisado. Não deixa de exercer a sua função específica, embora já seja possível produzir pequi sem espinho. O que, particularmente, acho bom e não bom. Por que acabar com o meticuloso trabalho de alguém com uma pinça pinçar um por um os espinhos da vida na língua do roedor açodado?
Quem conhece de pequi sabe, é um alimento completo. Dizem as bocas mais sensuais, o pequi é afrodisíaco. Nove meses depois da safra surgem os “filhos de pequi”. Meu caso. Numa contagem regressiva a partir de setembro são noves meses; certinho. E quem quiser saber se é ou não “filho de pequi”, basta fazer a mesma contagem. Neste momento alguém faz pausa para contar nos dedos. Aposto.
Entretanto essa pretensa qualidade de ser afrodisíaco não existe. É fruto da mentalidade fértil de roedores contumazes para valorizar o fruto, considerado por mim e por milhares, bendito. O que há é o seguinte: no sertão, muitas das vezes o sertanejo passa alguma dificuldade de bem se alimentar e por via de consequência corre o risco de ficar fraquinho. Mas aí, aí, vem à safra de pequi, e ele enche o bucho e fica firme para arrotar a energia do indigitado. “Sacumé?”
E tem mais. Acontece de famílias, parentes e amigos se reunirem para catar pequi à luz do luar – sim porque pequi a gente cata; no pé ele ainda não está bom. Cata aqui, cata acolá, surgem namoros, casamentos e até “ficâncias”. Então vêm as chusmas de pimpolhos.
Não gosto de dizer isso não, mas a verdade deve ser dita: dei e reconheço isso, mesmo porque se eu não reconhecer talvez ninguém reconheça por mim porque não está escrito em lugar nenhum; dei grande contribuição para o surgimento da Lei que proíbe o abate de pequizeiro no território nacional. Quando repórter na capital, durante mais de duas décadas todo ano viajava pelo Norte de Minas a fim de produzir matérias sobre o pequi.
Foram tantas as reportagens, até incomodar o então superintendente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), atual Ibama (década de 80), salvo engano, porque passado tanto tempo, o nome dele seria Antônio Gonçalves. Ele me telefonou de Brasília dizendo: “Acabo de assinar uma portaria proibindo o abate de pequizeiro em todo o território, baseado nas suas reportagens”.
Senti um arrepio. Finalmente aconteceu o que muitos de nós defensores do pequizeiro sempre buscamos. O pequizeiro posto no pedestal como o fruto mais importante do Cerrado. Cerrado que se vai minguando a cada ano devido ao fogo e a sanha do agronegócio.
A portaria virou Lei com o passar do tempo. Entretanto não basta haver uma Lei se não houver fiscalização capaz de coibir os abates clandestinos. O importante é evitar e não só punir depois de pequizeiros tombarem em função da ganância dos empresários rurais. Entre os sertanejos há um acordo tácito de não abater pequizeiro.
A árvore é linda. Paradoxalmente, delicadeza rústica. O tronco é protegido por uma espécie de cortiça, como soe acontece com a vegetação do Cerrado apropriada para se proteger dos rigores do Sol do sertão. As folhas são grossas expondo a beleza rústica da copa que se abre para receber as emanações cósmicas. Pra mim, o sabor do pequi vem do alto.
É fundamental dizer sobre a procedência dos primeiros pequis grandes, avermelhados, saborosos que comi no almoço. Vieram do Mercado Central de Montes Claros. Montes Claros que não produz pequi, mas leva a fama. Como leva a fama de ter requeijão, de Salinas; e marmelada, de São João do Paraíso.


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Por Alberto Sena - 23/11/2016 21:27:21
TELHADO DE HISTÓRIAS

Alberto Sena

Telhado deste tipo, utilizado nas casas antigas, em estilo colonial, é para mim como cachoeira de recordações de quando vivia a infância em Montes Claros, na Rua Marechal Deodoro e na Rua São Francisco, década de 50. Data vênia, se me permitem, gostaria de registrar aqui, em primeiro lugar, por intermédio desse telhado da foto, a importância de ter passado a infância na casa da Rua Marechal Deodoro.
Aqui, com as minhas mangas de camisa, presumo, a casa teria sido sede de fazenda. Era uma casa grande, pelo menos em minha lembrança, e levando-se em consideração o número de filhos trazidos ao mundo pelos nossos pais – 11 – seis mulheres e cinco homens. Um dos irmãos não durou nem um ano. Morreu naquela casa, muito antes do meu nascimento, porque sou o décimo e ele o quinto.
A casa não tinha forro de teto. As telhas ficavam à mostra, com as vigas e os caibros. Quando chovia chuva acompanhada de ventania, os ventos pareciam uivos de lobos. O ar condicionado era natural. Entrava pelas gretas das portas e janelas ou por cima, por debaixo do telhado.
O mais importante de tudo era o pomar da casa. A princípio eram 22 jabuticabeiras. Uma mangueira, manga comum, uma delícia. Havia laranjeiras, inclusive um pé de laranja da terra. Minha mãe fazia doce. Tinha mamoeiro, goiabeira e figueira. É devido ao tamanho da casa e o pomar que presumo ter sido aquela casa sede de fazenda.
Ali foi o meu mundo da fantasia. Tinha a impressão de poder comunicar com os elementos da natureza. Eles pareciam sair das raízes das árvores. Ficavam escondidos atrás de alguma moita ou de um tronco. O contato telúrico era de primeiríssimo grau.
A família viveu na casa da Rua Marechal Deodoro em duas ocasiões. Esta que acabo de narrar foi a primeira. Na segunda vez, derrubaram a metade das jabuticabeiras. A mangueira continuava no lugar, mas o quintal havia sido reduzido pela metade. Construíram um muro pintado de branco. Não tínhamos mais a liberdade de ir ao Ribeirão Vieira, ainda límpido, no limite do nosso quintal.
A casa da Rua são Francisco era semelhante, estilo colonial, portas e janelas verdes, parede creme e telhado igualzinho a este da foto. O ar condicionado era o mesmo. Quando chovia chuva forte, com relâmpagos e trovões, nós nos enfiávamos debaixo da mesa de jantar e ficávamos na expectativa de o teto desabar.
Mas, em compensação, o quintal se revelou fascinante para todos nós, principalmente os mais novos. Não tinha tanta frutífera, mas era o suficiente para a meninada brincar e brincar de caubói e de heróis outros debaixo do mar de fedegoso que sucedia às chuvas de fim de ano. Ou na mangueira de manga comum onde cada um tinha o seu galho. Havia outra de manga-umbu, um coqueiro macaúba e um pé de urucum.
Ali a fase foi outra. Vieram os jogos de bolinha de gude e finca. As brincadeiras de esconde-esconde, salva bandeira e histórias mil lidas nas revistas em quadrinhos porque a essa altura já estudava o antigo “primário”.
Isto e muito mais um telhado como esse da foto me faz recordar. Já o telhado de telhas inglesas não me traz, pelo menos no momento, tanta recordação. Telhado de vidro eu nunca tive. Foi depois de mudarmos da casa da Rua São Francisco que a velocidade da vida começou a aumentar, mas nem tão celeremente como aconteceu na década de 70.
Fui pra Beagá e lá fiquei 43 anos morando em apartamento. Para um “filho de quintal”, morar em apartamento é no mínimo um suplício. Foi então que, afinal, descobri Grão Mogol. E junto com a amada, escolhemos, aqui, como morada. Até quando Deus quiser. O comando é todinho Dele.


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Por Alberto Sena - 21/11/2016 11:05:30
PLUTA E OS FILHOS DA PLUTA

Alberto Sena

Ela vive na rua. Exatamente aonde, não sabemos. Mas foi dar a ela comida a primeira vez e pronto, a cadela se apaixonou por nós. Não sai da frente de nossa casa. Ela era só pele e osso. Hoje está bem melhor. Pelo menos os ossos já não estão mais expostos.
Como é que chama a cadela? Ela veio sem nome. Sem coleira. Muito menos sem uma identidade, alguma coisa escrita pendurada no pescoço. Chegou acompanhada da fome. Simplesmente. Desde ontem estamos tentando encontrar um nome pra ela. Hoje cedo encontramos um. Pluta.
Alguém a abandonou por aí. E ela deu de ficar prenhe. Nasceram quatro filhos da Pluta. Lindos. Raramente vemos Pluta com os seus filhos. Talvez possa ter alguma relação entre o fato de a cadela ter sido abandonada e os cuidados dela com os filhos nem tão ortodoxos assim. Pelo jeito, eles estão ao deus-dará.
Toda vez que abrimos a janela da frente de casa, Pluta está em primeiro plano e, por via de conseqüência, é a primeira a ser vista, olhando para cima, com aquele olhar famélico. A gente tenta conversar com ela e ela parece que entende. Principalmente os gestos, a cadela parece entender feito uma gente-humana.
Pluta deve saber fazer leitura labial, basta dizer alguma coisa e com a mão fazer um gesto de “peraí” pra ela se acomodar no chão, na rua. E lá a Pluta fica esperando até aparecer o prato de comida. Não deixamos a comida em frente à nossa casa justamente pra Pluta não ficar à nossa porta, mas não teve jeito. Ela fica o dia quase inteiro por ali, sempre esperando alguma coisa. Quanto mais come mais Pluta quer comer. O estômago dela deve estar furado.
Infelizmente, não dá para resolver o problema de Pluta e dos filhos da Pluta porque o que tem de cães abandonados em Grão Mogol, proporcionalmente ao que há em Belo Horizonte (mais de 30 mil), deve ser algo equivalente. Acho que passa da hora de encontrar uma solução humana para o problema.
Enquanto isto, os filhos da Pluta me fazem recordar da década de 70, na capital, quando os primeiros “menores abandonados” surgiram nas ruas da cidade. Eram poucos. Se as autoridades tivessem tomado uma medida preventiva, eles não teriam virado “pivetes”, nem seriam em seguida “trombadinhas” e muito menos “assaltantes a mão armada”.
Com os cães abandonados que se vão multiplicando a cada ninhada nas ruas de Grão Mogol, daqui a pouco nós vamos trombar em filhos da Pluta nas curtas calçadas das estreitas ruas. Pior, a maioria com os ossos das costelas expostos como a denunciar ao mundo uma faceta da crueldade humana.


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Por Alberto Sena - 17/11/2016 14:51:35
ENTRE NUVENS E PEDRAS

Alberto Sena
(Para a amiga Marijô Rodrigues)

Vivo nas nuvens. Alimento-me de flocos como se algodão-doce fosse. Mas com os pés no chão. Amo contemplar as nuvens. É exercício importante para a mente. É também lenitivo para a alma. Faço isso conscientemente. Naturalmente.
Contemplar nuvens, enfim deve fazer bem pra você, como faz pra mim. Enquanto vejo olhos caídos no chão, o meu olhar se eleva aos céus. É fundamental retirar os véus. Enxergar as pessoas sem máscaras.
Amo contemplar pedras. Se líquen possui, então, gosto de apreciar os desenhos. Pratico o exercício da pareidolia. Há pedras que são humanos petrificados. Como muitos por aí estão. Nas ruas. Aos maus bocados.
Se quisesse, se o meu dinheiro desce, em momentos tão soturnos da nossa contemporaneidade, estaria em Nova Iorque, ou em Beijing. Senão, na Vinte de Março, na cidade de São Paulo. Só pra ver gente em quantidade.
Em minha vida, apesar da pouca idade, vi muita; mas muita gente mesmo. Com alguns humanos convivi. Harmoniosamente. Com outros, profissionalmente. Mas, hoje, a essa altura da idade, busco viver. De preferência longe da grande cidade
Agora, prefiro as nuvens e as pedras contemplar, sem arredar pé do chão. Muitos não vivem de acordo com a sua querência. Meu caso é particular. Faço, aqui, a diferença, e para me fazer bem entender, tudo tem a ver com a minha crença.
Creio em Deus, criador de tudo. Enfim, sinto Deus em mim. Num bendito dia, Marijô, Ele lhe soprou a vida. E fez a mesma coisa em mim. Vivamos, pois. Em meio às nuvens, sejam elas de qual cor for. E sobre as pedras. Nelas heras medram.


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Por Alberto Sena - 15/11/2016 08:58:24
CARTA À SUPERLUA

Alberto Sena

Querida SuperLua, eu senti muito não poder vê-la. Criei tanta expectativa em torno da sua chegada! Fiquei imaginando-a pertinho de mim. Cheguei a sentir seu calor, mesmo sabendo ser mero reflexo do Sol. Senti-a ao alcance de um zoom da minha maquininha de tirar retratos.
Mas, infelizmente, não deu certo. E esclareço logo, querida, para evitar disse me disse. Não a vi simplesmente porque aqui, em Grão Mogol, onde toda Lua nasce nua, o Tempo não permitiu. E com razão. A época é de chuva. Esqueci-me de fazer um trato com ele.
Nuvens nimbostratus cobriram o céu de modo que o Sol em nenhum momento conseguiu encontrar uma fresta através da qual pudesse me dar um fio de esperança de mais tarde, ao anoitecer, surgirem estrelas em quantidade e a possibilidade de contemplar, oh, querida, a sua performance super.
Uma SuperLua reúne numa todas as luas. Assim imagino. Recordo-me das luas sob as quais furtivamente fiz com a rapaziada serenatas para moiçolas guardadas a sete chaves, em época de mais glamour e romantismo. No momento do calor amainado, quando galos cantavam ao longe canto entrecortado por latidos de cães, nós ousávamos soltar a voz.
Sem contar às vezes, quando menino, ouvia as mais absurdas estórias relacionadas com o seu poder, Lua Super, poder de “levar crianças teimosas” para servir de petisco ao dragão. Inda bem que são Jorge sempre aparecia para evitar a tragédia.
Escrevo-lhe, oh SuperLua amada, a fim de saber o que posso fazer para vê-la brotar por detrás da Serra Geral. Amanhã, o seu status se mantém? Se sim, hoje à noite, quando me recolher para dormir ao som dos pingos de chuva que agora caem sobre o telhado, espero sonhar com a possibilidade de ver o dia raiar.
Farei um trato com o Sol. A ele pedirei audiência a fim de saber a ciência de como fazer para amanhã à noite eu abrir uma enorme fresta no céu para ter o prazer de ver resplandecer o clarão da super amada Lua?


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Por Alberto Sena - 5/11/2016 12:32:57

ENCONTRO MARCADO COM O “HOMEM DA CAVERNA”

Alberto Sena

Encontrei o “Homem da Caverna”. Quem acompanha o caso, se recorda, me refiro ao homem que viveu, e pode-se dizer, ainda vive, numa caverna, antes com a mulher e os filhos, lá no Curral de Pedras. Atualmente, ele vive em Montes Claros, no Bairro Major Prates, e anda as voltas com a papelada para entrar com ação na Justiça a fim de receber indenização dos 210,6 hectares que foram incorporados à área do Parque Estadual de Grão Mogol.
Jovecino (e não Juversino, como foi publicado noutra matéria) tem sobrenome Silva Ribeiro e é muito conhecido na sede do Município e também no interior, porque ele se diz “cabo eleitoral do prefeito Jéferson e do prefeito eleito, Hamilton Gonçalves – Cuta”. Hoje em dia, ele vem a Grão Mogol uma ou mais vezes por mês, a fim de dar uma espiada na caverna e na área onde plantou mais de 20 mangueiras, 13 cajueiros e 70 cafeeiros.
Jovecino diz ter posto os pés naquelas terras pela primeira vez em finais de 1988. Quando ele chegou lá, o Curral de Pedras já existia e, segundo disse, ninguém sabe ao certo a história "porque antecede até ao surgimento de Grão Mogol".
Lá, ele manteve 15 homens vasculhando a área em busca de diamantes. Disse ter encontrado muitos, mas hoje não é um homem rico porque pôs tudo a perder, porém assumiu um novo estilo de viver baseado na religião evangélica.
Ele guarda muitas histórias de quando garimpava naquelas terras. Uma vez à noite, ele e a ex-mulher dele viram uma bola furta-cor cortando os ares até a uma distância de uns cem metros. A mulher ficou apavorada, mas ele não, simplesmente entendeu ser aquilo “uma manifestação do diamante”. Jovecino está convencido de que onde tem diamante é possível deparar com situações como essa.
Outra, segundo contou, foi ter ouvido vozes e até gritos no meio do mato sem haver ninguém por perto. Isso se chama “lefrozia”, mas não soube explicar a pronúncia nem a grafia certa nem o que venha a ser. (No dicionário não achei nada parecido). “Acho que está relacionada com os escravos”, disse.
O meu encontro com o “Homem da Caverna” foi em Grão Mogol, ali na Praça Ezequiel Pereira, conhecida por Praça da Matriz, pouco antes do meio-dia. O Sol ardia na moleira. Procuramos uma sombra a fim de prosear um pouco e escolhemos uma das janelas fechadas da igreja, onde eu pudesse ter apoio para fazer anotações.
Em realidade, como se poderá constatar pelas fotos, o “Homem da Caverna” nada tem de cavernoso. Pelo contrário, parece gostar de cuidar bem da aparência. Ele não tem timbre de voz gutural como se imagina deviam ter os homens pré-históricos.
Com 66 anos, divorciado da mãe dos seus três filhos e dois enteados, Jovecino ama aquelas terras e só não vive mais lá porque a área virou parque. Entretanto, como ainda não foi indenizado, mantém o vínculo até mesmo por conta da ação que pretende impetrar a fim de receber o que lhe é devido. “Tenho muita saudade dali”, diz ele.
Perguntei o que há por lá de mais perigoso, e principalmente para as crianças, pois ficaram com ele na caverna e nas proximidades até completar a idade escolar, Jovecino disse: “Cobra cascavel”. De vez em quando apareciam alguns filhotes de onça. como acrescentou. Por medida de precaução, as camas eram feitas de varas acima do chão, “porque cascavel rasteja, não sobe”.
Ficamos de nos encontrar noutra ocasião para irmos juntos à caverna onde espero fazer fotos dele na entrada com as roupas que sempre usou quando de fato lá morava e garimpava. E também para tentar encontrar novamente a lapa onde diz ter achado um pote de barro com a data do ano de 1837 e o deixou no mesmo lugar.


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Por Alberto Sena - 3/11/2016 08:25:42

Renascer de um homem chamado Benquerer

Alberto Sena

Hoje, ele está aposentado, mas quando se encontrava na ativa, enfrentando o dia a dia como empresário no ramo de consultoria, a vida dele era uma correria. Quase ao mesmo tempo em que estava aqui tinha de pegar um avião e voar pra São Paulo, Rio de Janeiro ou capitais do Nordeste. Se pudesse computar o tanto de vôos realizados ao longo da sua vida empresarial, certamente daria várias voltas ao redor do globo terrestre.
O nome dele sempre foi sinônimo de prestígio. Nasceu em Grão Mogol, de onde saiu pré-adolescente e foi para Montes Claros, onde lançou a revista Encontro, publicação além daquela época, 1960. Logo se transferiu para a capital, onde viveu a maior parte da vida, e lá ganhou o mundo. Trouxe benefícios para Montes Claros, Grão Mogol e Belo Horizonte. Depois de uma vida bem vivida profissionalmente, aposentado, ele fez o caminho de volta ao interior de si mesmo retornando à terra natal.
O nome dele é Lúcio – Lúcio Marcos Bemquerer. Ele já foi atleta, jogou no Ateneu de Montes Claros, enfrentou o Botafogo, no Maracanã, numa preliminar de Brasil e Checoslováquia. Foi sondado em diversas ocasiões tanto para ser candidato a governador de Minas Gerais como também para prefeito de Belo Horizonte e ministro de Estado.
Ele não aceitou entrar na política em nenhum momento. A política dele sempre foi como empresário, e mesmo aposentado, em Grão Mogol, criou o que considera como a sua obra maior, o Presépio Natural Mãos de Deus, que completará cinco anos em dezembro.
Lúcio submeteu-se a uma cirurgia na medula, há cerca de seis meses. Foi para ele o seu principal desafio. Pelo que se pode ver hoje, saiu-se vencedor, porque a sua recuperação surpreendeu, inclusive, os médicos da Santa Casa de Montes Claros que o operaram.
Com denodo, o empresário vem cumprindo todas as etapas da recuperação. Quando os médicos acharam que ele só iria movimentar alguma parte do corpo em meses, com três dias o paciente demonstrava disposição de viver e se recuperar ao movimentar os dedos dos pés.
Esforçando-se ao máximo nos exercícios de fisioterapia, Lúcio já está iniciando os primeiros passos em andador. Mantém boa disposição, inclusive de humor, ao ponto de inverter os papéis, empurrou a cadeira de rodas com a esposa, Wilma Nunes, nela sentada. Daqui a pouco, ele estará de volta a Grão Mogol.
Ao que tudo indica, nem Mal de Parkinson ele tem. O problema que vinha carregando por mais de 13 anos era, simploriamente dizendo, na medula. Ao ser operado na Santa Casa de Montes Claros e depois de passado todo esse período em recuperação, não há a menor dúvida de que um homem novo chamado Lúcio Marcos Bemquerer retornará, andando com os próprios pés a Grão Mogol para retomar a frente do Presépio Natural Mãos de Deus.


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Por Alberto Sena - 15/10/2016 12:15:43
(...) Fiquem atentos ao programa do jornalista e escritor Fernando Gabeira, na GloboNews. Ele vai apresentar o Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão Mogol, obra construída pelo empresário Lúcio Bemquerer, em oito meses e 19 dias. Gabeira esteve em Grão Mogol recentemente com o objetivo de conhecer o presépio. Ele veio diretamente do Rio de Janeiro e ficou encantado com a beleza da cidade e os seus arredores. Gabeira colheu farto material em Grão Mogol e deverá apresentar tudo a partir das 18h30 deste domingo. Ele é um nome conhecido nacional e internacionalmente. Projetará o presépio e Grão Mogol no Brasil e no mundo. Gabeira foi candidato a presidente da República, e, na ocasião, obteve boa votação. Além de intelectual, ele foi deputado federal. É importante os grãomogolenses de modo geral compreenderem e valorizarem o torrão onde pisam. O turismo – e o turismo religioso incluso – é a vocação de Grão Mogol. Está em curso o processo de fazimento, por parte do Sebrae, de um projeto de turismo envolvendo conjuntamente Botumirim, Cristália, Itacambira e Grão Mogol. (Clique aqui para ler toda a mensagem na seção Colunistas)


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Por Alberto Sena - 13/10/2016 14:52:14
PRESÉPIO MÃOS DE DEUS NO MONTES CLAROS SHOPPING

O Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão Mogol, pôs um braço dentro do Montes Claros Shopping, na Avenida Donato Quintino, 90, onde instalou um estande até janeiro do ano que vem. No espaço cedido em parceria com a direção do estabelecimento, o construtor do presépio, o empresário Lúcio Bemquerer, instalou um aparelho de TV para mostrar o vídeo da obra abençoada pelo Papa Francisco e distribuir o material de divulgação, além de exposição de posters com lindas imagens do presépio. Alaor Santos, o superintendente do shopping se mostrava entusiasmado com a idéia de apresentar o presépio dentro do estabelecimento. A iniciativa está relacionada com o projeto da direção intitulado "Bem Cultural", que pretende mostrar os valores da região em termos de música, teatro, exposição de artistas plásticos, entre outros. No caso do presépio, como disse Alaor, o estande já podia ter sido montado há mais tempo, mas a cirurgia a que Lúcio se submeteu adiou a parceria. Como afirmou, a permanência do braço do presépio no shopping poderá ser até quando "ele quiser e puder manter quem fique no estande durante o período que achar necessário". O shopping funciona das 10h da manhã às 22h. Lúcio ficou radiante com a oportunidade de apresentar o Presépio Mãos de Deus, dentro do Shopping Montes Claros. Essa parceria somada à divulgação que o jornalista e escritor Fernando Gabeira fará no seu programa na GloboNews poderá catapultar a frequência do presépio daqui para frente. É o que se espera. Ainda em cadeira de rodas, o empresário vem fazendo fisioterapia diariamente e pela boa recuperação que vem tendo, em breve estará em condições de se levantar e andar com autonomia. Ontem, Bemquerer recebeu a visita do poeta, folclorista, repentista, dono de um Grammy Latino, Téo Azevedo, que tem uma parceria com o presépio, no livro "A Folia de Reis no Norte de Minas, Vales do Jequitinhonha e Mucuri. O livro conta a história do presépio como referencial turístico religioso do Norte de Minas. Ele se fazia acompanhar por sua esposa, Lola Chaves, seresteira de mão cheia. O gerente financeiro do shopping, Gustavo Carvalho, esteve também com Bemquerer e se mostrava entusiasmado com a parceria. Percebeu que a presença do presépio no estabelecimento despertou a atenção do público pela objetividade das informações e a beleza plástica dos posters em exposição


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Por Alberto Sena - 5/10/2016 16:19:31
Grão Mogol

Em busca da cara de un "fake"

Alberto Sena

Logo cedo, aproveitando o bom tempo, essa chuva bendita, criadeira, fui à sede do Pelotão da Polícia Militar de Grão Mogol, a fim de fazer o BO – Boletim de Ocorrência – para dar início a abertura de inquérito policial a fim de apurar a procedência e autoria de um vídeo levado ao ar por um “fake”.
O vídeo mostrava – ainda mostra, porque tenho uma cópia que será entregue à delegada Maria Angélica – fotos de pessoas alegres, em congraçamento, aqui em Grão Mogol.
O “fake” capturou no Facebook uma foto minha com a minha esposa, foto sacada em um restaurante holandês, quatro anos atrás, quando nem ainda cogitávamos morar em Grão Mogol, e, isoladamente incluiu no vídeo. Pelo menos no nosso caso, ele mexeu com as pessoas erradas e deve pagar por isso.
O “fake”, a meu ver, praticou “crime cibernético”, por pelo menos duas infrações: usou a nossa imagem sem autorização para fins impróprios, e nos causou danos morais. Se em Grão Mogol há o costume de pessoas covardes praticarem esse tipo de crime, e ficar por isso mesmo, conosco é diferente. Não estamos aqui para passarmos por isso.
Nós – eu e ela – podíamos estar em qualquer lugar do mundo a essa altura da vida. Mas conhecemos Grão Mogol há quase três anos e escolhemos como o lugar ideal para vivermos, devido as suas belas paisagens, o ar puro, a vida sossegada, vida simples e simplificada.
Particularmente, como jornalista profissional, autônomo, presto serviço à Prefeitura de Grão Mogol e ao Presépio Natural Mãos de Deus. Além disso, por conta própria, no meu caso particular, simplesmente porque me apaixonei por Grão Mogol, me sinto na obrigação de divulgar a região, assim como divulgo Montes Claros, minha terra natal (poderíamos viver em Montes Claros, mas a ir para lá melhor seria permanecer em Beagá, onde vivi 43 anos e mantenho o apartamento como o deixei). De modo que divulgo Grão Mogol várias vezes por dia, desde quando aqui cheguei até hoje.
Isso ninguém fez por Grão Mogol em tempo algum. Nem fará, só por paixão. Isso talvez possa gerar ciúmes ou algum sentimento negativo por parte de gente desqualificada, assemelhada aos cães vadios em um monte de capim – eles não comem o capim nem deixam o boi comer.
Em outras palavras, quem produziu e divulgou o vídeo não faz o que faço por Grão Mogol, independentemente de gente do tipo covarde, que joga pedra e esconde a mão. Fico imaginando, se uma pessoa desta capaz de usar desse tipo de artimanha, alma sórdida, se acaso vier um dia a conseguir algum poder, é capaz de tomar as atitudes mais horríveis.
Temos nossas suspeitas quanto a procedência – de onde veio o vídeo – e quem o produziu. O próximo passo é entregar o material do “fake” fotografado e o pen drive com o vídeo à Polícia Civil para abrir o competente inquérito policial.
Tenho meio século de exercício profissional, em Montes Claros e na capital, com Prêmio Esso de Jornalismo e outros mais nas áreas de Agropecuária e Meio Ambiente.
Agora, vem um energúmeno desse tentar nos nivelar a ele. Inda mais causando constrangimento a mim e à minha esposa, companheira de todas as horas, belo-horizontina de nascimento. Ela não tem costume de vivenciar situação desta. Eu tenho.
Durante dez anos fiz cobertura do setor de polícia em Montes Claros, para O Jornal de Montes Claros, e para o jornal Estado de Minas. Como repórter, conheci o lado ruim da vida ao ponto de ser capaz de identificar um “fake” desse. Estarei, como repórter, acompanhando e reportando o passo a passo das providências.

VEJAM NO QUE DEU CASO DE “FAKE” EM MIRABELA

Um caso do perfil “fake” que gerou uma sentença do juiz eleitoral de Mirabela (MG), Francisco Lacerda de Figueiredo, não é igual ao caso do “fake” de Grão Mogol, mas serve para ilustrar o nosso caso. Em decisão liminar nos autos do processo número 248-65.2016.6.13.0185, ele determinou que o Facebook exclua o perfil “Pedro Fagundes Dias”, por se tratar de um perfil “fake” e por ter sido criado com a finalidade de denegrir a imagem do candidato a prefeito de Mirabela, Carlúcio Mendes Leite.
No nosso caso, o autor do “fake” retirou o vídeo do Facebook, logo que a notícia da nossa tomada de providências circulou. Só que ele fez isso depois de termos fotografado tudo e copiado o vídeo em pen drive. O BO já foi feito no Pelotão da Polícia Militar de Grão Mogol e agora vamos entregar tudo à delegado Maria Angélica para abertura de inquérito.
Mas, voltando ao caso de Mirabela, o juiz também determinou que o Facebook forneça, no prazo de 48 horas, os dados cadastrais de quem criou e mantém o citado perfil, repassando os números de IP`s utilizados, tanto no registro do perfil, quanto nas postagens realizadas.
O autor das postagens, após a sua identificação, o que ocorrerá nos próximos dias, está sujeito à multa de até R$ 30 mil, como prevê a Lei Eleitoral.
É importante esclarecer que quem compartilhou as postagens consideradas caluniosas, difamatórias e injuriosas, também está sujeito às penalidades da lei, caso o ofendido acione a justiça em relação a eles.


81844
Por Alberto Sena - 22/9/2016 15:23:38

Gabeira, repórter por excelência

Alberto Sena

A primeira vez que encontrei Fernando Gabeira foi em 1989, quando ele se candidatou a presidente da República, e fomos “abraçar” o Morro da Pedreira, na serra do Cipó, a 100 quilômetros de Belo Horizonte. O morro, todo feito de mármore, estava sendo devastado. Havia mais de cem pessoas. Eu, como editor de Meio Ambiente de jornal, fui cobrir o evento. O morro foi salvo da destruição.
Ao final do abraço no Morro da Pedreira travei conhecimento com Gabeira, mineiro de Juiz de Fora. Ele precisava de uma carona até ao aeroporto da Pampulha e fomos conversando, entre uma cochilada e outra dele devido ao cansaço causado pela campanha política.
Poucas semanas depois nos encontramos de novo em um congresso de Jornalismo, em Brasília, onde ele falou para centenas de jornalistas do Brasil inteiro e lembrou ao público, em certo momento, um texto com o qual a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) me deu um prêmio de reportagem com a matéria intitulada, “O roubo do Rio Verde revolta a Jaíba”.
Tanto tempo depois, nos reencontramos aqui, em Grão Mogol, onde ele veio fazer uma reportagem para a GloboNews a respeito do Presépio Natural Mãos de Deus. Para Grão Mogol, que será divulgada, além do presépio, a vinda de Gabeira tem significado marcante porque ele é um nome nacional e internacional.
Impressionante é a vitalidade dele. Tendo como auxiliar Maurício Lucindo de Souza, Gabeira monta o tripé da câmera de filmar ou saca da câmera fotográfica para fazer uma tomada. Parece um jovem repórter em início de carreira tamanha mobilidade.
Ele começou a gravar sobre o presépio na casa do feitor da obra, o empresário Lúcio Bemquerer, que, em cadeira de rodas se recupera de uma cirurgia na medula. Uma das tomadas foi dentro de casa e outra fora, diante da bela paisagem da Serra do Espinhaço.
Gabeira quis saber da história do presépio desde o início. Os circunstantes tiveram que guardar silêncio total para não empanar a entrevista porque os aparelhos são de alta sensibilidade.
Selecionei alguns momentos do fazimento da entrevista como também dos intervalos, quando acontecia de Gabeira até ajoelhar na sala para apanhar uma lente na sacola (Vejam as fotos).
Marcante nele, sem falar da competência, da independência profissional, da história trazida na sua mochila de vida, é a simplicidade dele, sob todos os aspectos – na fala clara, calma e objetiva; na maneira de vestir, no modo racional de trabalhar.
Que ele possa voltar a Grão Mogol outras vezes, com mais vagar, pois a região possui atrativos que uma pessoa com o olhar crítico dele, trabalhando em um canal de televisão de tamanha visibilidade poderá mostrar ao mundo as maravilhas do nosso sertão.


81835
Por Alberto Sena - 20/9/2016 19:33:26
Gabeira vem conhecer o presépio

Alberto Sena

O Presépio Natural Mãos de Deus receberá, amanhã, a visita de Fernando Gabeira, mineiro de Juiz de Fora, jornalista, escritor, ambientalista, ex-deputado federal por quatro legislaturas. Ele vem do Rio de Janeiro a Grão Mogol exclusivamente para visitar o presépio.
Gabeira, como é chamado, é um especial exemplar da raça humana. Ele será recepcionado, pessoalmente, pelo empresário Lúcio Bemquerer, depois de quatro meses em Montes Claros, onde se submeteu a uma cirurgia e está em processo de recuperação.
Atualmente, Gabeira tem um programa na GloboNews, e vem a Grão Mogol armado de sua câmera a fim de mostrar as particularidades do presépio considerado o maior do mundo.
Gabeira é especial porque ele ocupa-se com o semelhante Por tudo que já fez (e faz), o nome dele está na história do Brasil pela ação política contrária aos governos militares.
Sem sombra de dúvida, Gabeira irá internacionalizar o presépio Mãos de Deus, pois tem intercâmbio com gente de várias partes do mundo por onde viveu como correspondente de jornais brasileiros.
Gabeira viveu na Suécia – e por extensão na Europa como um todo. Conhece o mundo inteiro. Viu, como jornalista, a queda do Muro de Berlim e fez coberturas jornalísticas de grande repercussão.
Ele escreveu mais de dez livros, um deles até virou filme – “O que isso, companheiro”! Levado às telas pelo cineasta Bruno Barreto. Fez um outro exaltando as grandes lutas de mulheres mineiras, intitulado “Planeta Minas”, no qual registrou Dona Tiburtina, que comandou a política de Montes Claros em seus primórdios. Publicou também “Entradas e Bandeiras”, entre outros.
Gabeira é considerado, nacionalmente, como uma das nossas “reservas morais”, tanto como um dos representantes da nossa espécie e como político, ambientalista, jornalista, escritor. Repórter por excelência.
Grão Mogol pode se orgulhar da visita de Fernando Gabeira. Para quem ainda não o conhece, veja a entrevista dada por ele a Alberto Dines, no Observatório de Imprensa, em 2013. Belíssima entrevista.


81824
Por Alberto Sena - 16/9/2016 09:36:54
O ÓLEO MARIFLOR E A PANÇA DE DEBA

Alberto Sena

Tenho um irmão que é piadista militante. Ele sempre chega com alguma piada ou enquanto conversamos arruma logo um jeito de contar mais uma e assim juntos, porém, separados, eu aqui e ele lá em Montes Claros, vamos vivendo a vida da melhor maneira possível. Às vezes rindo, noutras vezes dando gargalhadas.
José Venâncio Batista, Zé Venâncio chamado, é o quinto na escala de cima para baixo dos 11 filhos de José Batista da Conceição (Zé Bitaca) e Elvira de Sena Batista. Feita a apresentação, preciso acrescentar, Zé Venâncio, na década de 60, foi um bom praticante do ludopédio chamado também de “esporte bretão”, que se foi abrasileirando de tal forma e já faz algum tempo é chamado de futebol.
Mas, já naquela época gloriosa de 60, apesar das incertezas vividas pelos brasileiros, a partir de 1964, o País vivia os albores do surgimento da arte de jogar com os pés, e o esporte passou a ser chamado de “futebol arte”, pós taça Jules Rimet. Foi quando o mundo viu um sujeito de pernas tortas a bailar “garrinchando” com a bola no pés. E o mundo viu também surgir Pelé, hoje o “Rei do Futebol” – fu-té-bol, conforme dicção dele.
Zé Venâncio era bom jogador de futebol. Aliás, foi o futebol que o levou a trabalhar no Banco Econômico da Bahia. O banco possuía um time de futebol e outro de futsal. Além disso, ele era exímio jogador de pingue-pongue, com “puxadas com rosca” ou “cheia de graxa”, como costumávamos dizer, imbatíveis. Era tentar responder e o adversário mandar a bolinha na rede.
Para situar melhor o clima político da época, em Montes Claros, a situação era a seguinte: havia um homem epitetado Deba, Hedelberto Freitas chamado, que na década de 50 e 60 entrante, era temido, tinha muita influência política, mandava e desmandava na cidade. O que Deba falava, estava falado.
Dizem as más línguas que a casa dele era um reduto onde se homiziavam pistoleiros. Era lá na casa dele e também na Jaíba. Jaíba era considerado na época como “fim do mundo”, lugar onde os pistoleiros recorriam para fugir da polícia. Nem a polícia tinha coragem de ir atrás deles. Era um tempo da lei do mais forte.
O certo é que nada acontecia na cidade sem que Deba tivesse ciência e participação. Ele era um homem alto, dono de um corpanzil de não fazer inveja a ninguém, dotado de barriga proeminente. Ao mesmo tempo em que era temido, era amado. Enfim, um homem controvertido, mas respeitado.
Havia em Montes Claros, nessa mesma época, um fábrica de óleo de cozinha chamada Mariflor, cujo dono era Oldemar Santos, um empreendedor de renome na cidade. A fábrica de óleo Mariflor mantinha uma publicidade na Rádio Sociedade Norte de Minas, ZYD-7, um dos baluartes da comunicação social de Montes Claros da época.
A rádio possuía um programa chamado “Clube dos Calouros”, que proporcionava a interatividade dos ouvintes. Como o rádio era o único meio de comunicação, em toda casa havia um ou mais rádios. Os montesclarinos ficavam com os ouvidos grudados no aparelho. Havia até quem nem acreditava como é que podia caber tanta gente dentro de um aparelho tão pequeno.
Naquele bendito dia, a rádio estava lançando um concurso para premiar quem fizesse a melhor frase sobre o óleo Mariflor, feito de algodoeiro. Apareceram vários candidatos ao concurso. Um por um, os candidatos foram-se apresentando, até chegar a vez de Zé Venâncio, rapazote até então.
“E com vocês, Zé Venâncio com a sua frase” – disse o locutor da época Adelchi Ziller. Antes, porém, anunciou o comercial do óleo Mariflor, como sendo o melhor para mesa e cozinha. Evidentemente, Zé Venâncio meio nervoso, expectante, não via a hora de o espaço comercial acabar.
Ziller voltou a anunciar: “E com vocês...”. Zé Venâncio apossou-se do microfone e lascou a frase vencedora do concurso: “A boca de Deba disse e a barriga dele confirmou, o melhor óleo é o óleo Mariflor”. Zé Venâncio saiu da rádio correndo abraçado com seis latas de óleo Mariflor. Dona Elvira, senhora mãe dele e minha, ficou agradecida.


81810
Por Alberto Sena - 5/9/2016 08:22:28
Porque Montes Claros pulsa em mim

Alberto Sena

Não consigo não falar de Montes Claros todas as vezes em que volto à cidade, seja apenas para “buscar fogo” ou para outra necessidade.
Amo Montes Claros. É a minha terra. Nasci na Santa Casa de Misericórdia, quando misericórdia fazia parte do nome, pelas mãos de Irmã Beata. E porque amo Montes Claros, julgo-me no direito de, volta e meia, pôr o dedo em suas feridas. É para ver se ainda há remédio para evitar mal maior.
Toda vez que vou a Montes Claros volto de lá assustado com tudo que vi, senti e ouvi.
Vi o quanto a cidade mudou nos últimos 40 anos por meio dos olhos de Raquel Mendonça, com quem me encontrei casualmente na Rua Padre Augusto, quando dobrei a esquina vindo da Rua Doutor Santos. Vi nos olhos dela a luta incansável, cotidiana, tentando salvar o que resta de memória física, urbana, de Montes Claros.
Senti o quanto a “Vovó Centenária” (1957) se transmudou ao me encontrar casualmente com Pedro Narciso, ex-deputado, o primeiro secretário de Estado do Abastecimento, secretaria criada pelo governador Hélio Garcia. Nós nos encontramos dentro de uma agência bancária da Rua Doutor Santos.
Foi, então, que, conversa vai conversa vem, ele me deu a notícia da queda sofrida pelo também ex-deputado Genival Tourinho, 83 anos, peça importante de resistência ao regime de 1964. Num simples escorregão, dentro de casa, durante a madrugada, ao se levantar a fim de beber um copo d’água, causou-lhe um acidente com consequências na cabeça e no rosto.
Ouvi o quão barulhento está o Centro da cidade, ao conversar com Cica, irmão de Artur, com os quais bati bola e joguei homéricas peladas no campo do União, quando morei na Rua Corrêa Machado, 238, região desfigurada como de resto toda cidade está, na terceira geração de transformação urbana.
Não via Sica fazia mais de quatro décadas e em meio à barulheira da Rua Doutor Santos, em frente a uma agência bancária, pudemos trocar um dedo de prosa sobre o quanto o campo do União foi importante para nós. Tinha magia, diversão sadia, estávamos em contato telúrico permanente. Era uma pelada atrás da outra em meio ao pó vermelho principalmente no meio-campo e na entrada da grande área de ambos os lados.
Enquanto nós dois trocávamos lembranças, na Rua Doutor Santos, um vendedor ambulante de CD pirata disputava com o som de uma loja em frente a fim de saber qual fazia mais barulho somado à voz de um “locutor”, microfone em punho, debulhando os preços e os artigos de uma loja.
Montes Claros precisa urgentemente reduzir os decibéis dos ruídos. É o carro-forte que, numa ré, arranca o espelho retrovisor do lotação. O lotação segue e o carro-forte fica estacionado com o motor ligado em frente a agência bancária. Ali, as pessoas conversam aos gritos.
Por quase todas as calçadas viam-se filas e mais filas, principalmente nas portas dos bancos. E o mais barulhento de tudo, as bicicletas com caixa de som encaixada na frente empurrada tranquilamente pelo condutor, como quem não quer nada.
Ambulantes com carrinhos de frutas transitam por todos os lados, o que particularmente considero ponto positivo pelo valor nutritivo das frutas, que os brasileiros não consomem tanto – eu como todos os dias de cinco a mais pedaços de frutas diferentes. Isto é um bom remédio para evitar o médico, a farmácia, o hospital e o laboratório.
Deixei por último a parte mais gostosa. Mesmo que tenha sido rapidinho, fui ao Mercado Central e comprei uma marmelada coberta de folha de bananeira e um tijolo de requeijão de Salinas. Apesar do preço salgado, sem querer rimar com Salinas, mas rimando, valeu a pena.
Montes Claros é, de fato e de direito, uma cidade incrível – se não existisse, teríamos de criar uma urgente. Possui a fama de ser a terra do pequi, mas não produz o melhor pequi; tem fama de fazer o melhor requeijão, produzido em Salinas; a carne de sol não vai ao sol.
Apesar de possuir todos os males das cidades consideradas grandes, Montes Claros prima por um comércio forte, lojas de roupas e de sapatos da melhor qualidade. Em meio ao caos aparente, uma Montes Claros moderna se desenvolve a olhos vistos. Os montesclarinos viventes na terrinha amada não precisam buscar mais os centros maiores para encontrar o que precisam, como em tempos nem tão antigos assim.


81796
Por Alberto Sena - 29/8/2016 09:11:03

MONTES CLAROS

Mergulho em memórias da Praça de Esportes

Alberto Sena

Esta foto da Praça de Esportes de Montes Claros é importante. Muito. Para mim e para várias gerações que me antecederam ou vieram depois da minha. Para quem acaba de chegar e não conhece a Praça de Esportes, convém fazer a leitura da foto a fim de, juntos, possamos usufruir do sabor e da cor de nossas lembranças de um tempo rico, tanto quanto é o tempo de hoje. Cada tempo possui as suas próprias riquezas. E há tempo para tudo, segundo o Eclesiastes bíblico.
Vê-se daqui, em primeiro plano, a quadra de futsal. Olha, incontáveis vezes dei bicudos naquela bola pesada. Eu só, não, há um lista de companheiros. De tão enorme, não dá para listar aqui a quantidade de amigos com os quais joguei futsal e enfiei bolas debaixo das pernas de muitos deles.
Claro, eu os estou provocando. Alguns deles estão no Facebook e se não me deixarem mentir sozinho, cairão de pau em riba de mim, mas mesmo assim vou citar os nomes de alguns. Os que não forem citados, por favor, sintam-se como se tivessem sido, porque eu prezo a boa memória, mas haja memória para guardar nomes de pessoas as quais não vejo desde muitos anos do século passado.
Eis uma lista parcial: Adauto, Helton Veloso e todos os irmãos dele. Até Wagner, que ocupou a Fundação Dom Cabral; os Gomes, Wagner, Eduardo (Doinha) – Zé Carlos, não, porque tive o gosto de jogar com ele; Felipe, João Carlos e Ricardo Gabrich; Rubens Sena, “primo velho de guerra”, que já não está mais no meio de nós; Cláudio e Cléber Veloso; Aloísio, João José e Chico Gomes; Ronaldo e Roberto Lima; Cezinha, Reinaldinho... E vai por aí afora. Ou adentro.
Essa quadra me leva a lembrar uma passagem na vida de jovem de 18 anos, quando fazia o Tiro de Guerra. Politicamente falando, o Brasil vivia período de governança militar. E até parecia, na época, que os sargentos do TG 87 estavam fazendo exercer mesmo o poder. Eles eram rigorosos. Pra não dizer que exageravam.
Uma maneira de desforrar deles era jogando futsal nessa quadra da Praça de Esportes. Era bola debaixo da pernas deles ao ponto de apelarem com a gente.
A qualidade da foto não está tão boa assim ao ponto de reconhecer quem está nela retratado. Pode ser que Maria Helena Flávio Almeida, casada com o craque Nicomedes Almeida, que também usufruía das benesses da praça como um todo. Pode até ser que ele a tenha conhecido lá.
Adiante, lá está a piscina olímpica. Muitas e muitas vezes assisti a realização de campeonatos, época do grande Sabu, treinador de natação. O grande Wilson também era de muita competência, simpatia e presteza. Gostava demais de ver nadadores saltarem do trampolim fazendo acrobacias. As pessoas dependuravam no cerco à piscina feito de canos de ferro e dali ficávamos contemplando a paisagem proporcionada pelas moiçolas de então com os seus maiôs e biquínis.
No imóvel do lado ficavam os vestiários masculino e feminino. Nós andávamos sobre estrados de madeira sempre úmidos.
Observem bem, essa área retrata um tico do que era Montes Claros de então. Quem quiser e puder se dar ao trabalho, seria interessante ir lá hoje sacar uma foto do mesmo ponto e fazer as comparações.
Reparem quanto de coqueiros há. São coqueiros macaúbas, originários do nosso sertão. Vejam a quantidade de arbustos, que bem podem ser fícus recortado plantado no interior da praça, mas lá longe se podem ver também árvores com copas de mangueiras.
Há muito estou fora da minha querida Montes Claros. Por isso posso me arriscar dizer que a foto atual mostrando a mesma praça, no mesmo ponto, seria totalmente diferente.
Numa circunstância desta, o importante é pelo menos ter uma foto para pendurar na parede e depois fazer a leitura dela retratando um tempo bem vivido, como bem vividos todos os tempos podem ser, dependendo de como a pessoa é por dentro.
Não podia deixar de lembrar do porteiro da Praça de Esportes, Lourenço, Lourinho chamado. Amigo, muitas das vezes deixava a gente entrar mesmo estando em atraso com a mensalidade. Por pouco ele não nos pegou numa situação embaraçosa, em meio aos fícus da antiga quadra de tênis.


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Por Alberto Sena - 22/8/2016 08:16:22

MONTES CLAROS

Nem tão antigamente, na Escola Normal

Alberto Sena

Este prédio da antiga Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, de Montes Claros, tem enorme importância para uma pá de gente, simplesmente porque guarda parte da história de vida de gerações de estudantes que lá esfregaram seus respectivos fundilhos nas carteiras individuais. Três fileiras, uma carteira atrás da outra. O quadro onde os professores escreviam a giz, chamado negro, era verde.
Por meio do exercício da boa memória, companheira minha de toda hora, posso me ver, a mim e aos colegas, bem nessa sala com janelas para o Beco da Vaca, no andar de cima. Uma espichada no fio de memória, e nele vem nomes de pessoas da turma, como os irmãos Ricardo e Fernando Deusdará, Virgínia Barbosa, Saulo Wanderley, Marco Antônio Rocha, Oselita Barbosa, Antonilda Canela. Lembro-me, inclusive, de Carlos Alberto Prates e Alberto Graça, mas estes foram de passagem como cometas.
Recordo pessoas conhecidas que pela Escola Normal daquela época, década de 60, lá estudaram. Mas a intenção desta vez é debulhar lembranças do sobrado em si. Não vem ao caso mergulhar em sua história porque a essa altura seria chover no molhado. Se bem que em se tratando de Montes Claros, chover seria bom considerando a secura do tempo e a nossa precisão de águas dos céus para nos abençoar.
Olho para o sobrado neste estado denunciado pela foto e fico a imaginar o quão importante – e ponha importância nisso – foi a restauração dele para servir hoje de abrigo ao Museu Regional do Norte de Minas (MRNM), depois de ter sido Fafil.
Como no momento juntos espichamos o fio de memória, imaginemos – eu, tu, nós, vós, eles – que em vez de ter sido restaurado, o sobrado estivesse ruindo como se fora um gigante se exaurindo diante dos olhos indiferentes das autoridades e da população. Um escândalo. Só os escombros.
Percebem o vazio? Do espaço e das lembranças de milhares de pessoas que subiram e desceram aquelas escadas de madeira e assoalho, fazendo ruído semelhante ao do gado transportado em vagões da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB).
Já nem sei mais o que existe da Montes Claros de ontem em meio à cidade que cresce para cima, como se ganhar o epíteto de “capital” fosse sinal de progresso e desenvolvimento – de fato é, mas pelas metades. Que progresso e desenvolvimento são esses que privilegiam poucos em detrimento de muitos?
Aqui, no meu bestunto, tenho seguinte opinião: as cidades tinham de ser feitas tendo em vista o bem estar das pessoas. Lugar onde os cidadãos indistintamente pudessem usufruir de espaços, jardins, parques. Sem tanta máquina poluidora dos ares. A Organização Mundial de Saúde (OMS) fez recentemente o alerta: os ares das grandes cidades estão envenenados.
Montes Claros construída nesse planalto corre esse risco. As pessoas passam a morrer a partir das narinas – porque pela boca tanto se pode morrer de morte natural como envenenado pelos agrotóxicos utilizados nas lavouras.
Penso, aqui, com as minhas mangas de camisa, que precisava informar a quem interessar possa, o sobrado foi construído em 1886 para ser residência e comércio do coronel José Antônio Versiani (Juca Versiani), o que deve ter pesado na hora de decidir sobre a sua restauração.
Mas me respondam uma coisa: por que outros imóveis antigos não receberam nem recebem o mesmo tratamento dado ao sobrado da Escola Normal? E as casas da Rua Justino Câmara, ali perto, por que não foram restauradas? Além de formarem conjunto bonito, se restaurados fossem, são como testemunhas mudas de um tempo em que se podia enxergar os céus de Montes Claros, agora empanados pelos edifícios, onde o morador do apartamento de cima não conhece o de baixo.
Enfim, a história desse sobrado está umbilicalmente ligada à história de Montes Claros e, por extensão, a história do sertão norte-mineiro. Inda bem que hoje a imagem dele é diferente desta fotografia. Assim, no olhômetro, a impressão é a de que ele correu sério risco de desabar.
Na época de estudante, na referida sala com janelas para o Beco da Vaca, durante a aula de História, dada pelo professor Pedro Santana, de repente uma parte do antigo forro desabou após um estalido denunciador. Foi aquela correria para fora da sala achando que o resto em seguida cairia sobre nossas cabeças.
Se me permitem dizer, a essência da intenção era mesmo mostrar a importância da restauração do que para nós representa a nossa própria memória. Uma pessoa sem memória está acometida pela “Doença do Alemão”, conhecida por Alzheimer. Uma cidade sem memória é uma tristeza. No mínimo.


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Por Alberto Sena - 15/8/2016 08:23:37

Montes Claros

Com a chave na ignição da memória

Alberto Sena

O acervo de fotos antigas iniciado por Dona Dorzinha – Maria das Dores Gomes Guimarães – e levado adiante pelo filho dela, Wagner Gomes, é sem dúvida de grande importância. Principalmente para mim. Por que? Simples, porque a cada foto exposta me leva a pôr na ignição da memória a respectiva chave pretérita. Cada foto tem uma chave diferente.
Ao me deparar com essa fotografia da Rua Doutor Veloso, fundos do Cine São Luís, logo acionei a chave própria e abri um dos escaninhos da década de 60. Estava tudo lá. Bem guardado. Inclusive lembranças dos filmes vistos e revistos. Era um cine pequeno, menor que o cine Coronel Ribeiro e menor, mais ainda, do que o cine Fátima. Mas passava cada filme!
Perscrutando a foto com o olhar tipo Alain Delon, os olhos grudam nas paredes do Clube Montes Claros onde noites foram passadas e repassadas no escurinho da pista de dança. Naquela época – só os românticos vão entender isso – o gostoso era dançar coladinho. Tenho comigo uma intrigante suspeição, a pedra de toque do esfriamento do calor humano de hoje em dia começou a partir de quando os casais passaram a dançar separados.
Baseado nas experiências do filósofo Anes Otrebla, é possível presumir isso. Porque se antes o contato era corpo a corpo, depois que os casais passaram a dançar separados foi literalmente cortado o cordão umbilical. E deu no que deu. Hoje o contato é virtual. E ponha virtual nisso. Vivemos os tempos glaciais do Poquémon Go. O que tem de gente tropeçando na rua ou caindo em cada buraco, está no “og nomeuqop”.
Quem viveu a época documentada pela foto, se vai recordar de que em frente ao clube, na porta de um prédio, era a trincheira de Gerinha Português, Cici Santamaria, Waltinho Fernandes, Fernando Arrupiado, Saulo Wanderley, Marco Antônio Rocha, Marco Aurélio Rocha e outros mais.
A turma fazia a diferença. Salvo engano, todos eles nascidos no pós-guerra. Ainda baseado nas filosofadas de Otrebla, a geração nascida até 1949 é bem diferente da que veio na década de 50. Aquela sofreu forte influência da Juventude Transviada estimulada pela rebeldia de James Dean e de filmes como “Amor Sublime Amor”. Mas ao mesmo tempo era uma geração romântica.
Gerinha Português, qual galinho garnisé, e a turma dele viviam uma briga nem tão surda contra outro chefe de turma Gerinha, o Malandro, dos Morrinhos, famoso por jogar capoeira. Quando circulava a notícia de que haveria embate entre uma turma e outra, crescia dentro da gente uma expectativa nervosa e ao mesmo tempo um sentimento de torcida para que eles se enfrentassem mesmo a fim de mudar a rotina da cidade. Mas nunca presenciei nem soube se realmente eles chegaram às vias de fato.
No prédio do Clube Montes Claros, onde o carteado era jogado e infelicitou a vida de muitos perdedores, havia do lado da Rua Presidente Vargas um cômodo onde funcionava a sapataria de Sebastião, Tião Boi chamado. O Tião era personagem interessante. Se ele não existisse, seria necessário criá-lo.
Enquanto punha meia sola nos sapatos, às vezes com a boca cheia de pregos e ia cuspindo um após pregar o outro na sola de couro dos sapatos, ele punha para fora a sabedoria intrínseca ao técnico estrategista em futebol de salão, hoje futsal. A sapataria era frequentada pela juventude da época, em meio ao cheiro de chulé de sapatos masculinos e femininos.
Só duma coisa Tião não gostava de falar nem de ouvir. Aliás, duas. Bastava pronunciar a denominação “jia” (anuro leptodactilideo) para ele ficar com o corpo quase todo empolado. Tinha ojeriza só de ouvir falar jia. A outra, bastava a simples menção com os dedos insinuando que ia fazer-lhe cócegas dos lados das costelas. Tião só faltava morrer de cócegas. Virava fera.
Mas o gostoso mesmo era comer filé a cubana no restaurante Mangueirinha, tarde da noite, depois de vividas todas as pelejas noturnas. O Mangueirinha ficava – ou ainda fica? – na Rua Padre Augusto quase com Rua Afonso Pena. Tomando a direção contrária a dos personagens da foto, era só entrar à direita logo depois do Clube Montes Claros para “tirar a barriga da miséria” no Mangueirinha. Como o próprio nome diz, lá havia uma mangueira, manga comum. Uma delícia. As mangas. E a comida, claro.
Como dizia no início deste texto, indubitavelmente uma foto desse tipo é da maior importância. Quem concorda comigo que levante o dedo.


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Por Alberto Sena - 11/8/2016 08:30:24

Montes Claros

Confesso, na Praça de Esportes Vivi

Alberto Sena

A foto número 4.175, do acervo de Maria das Dores Gomes Guimarães, Dona Dorzinha apitetada, com Martinha Abreu e Carmen Netto, ambas esperando pelos respectivos namorados, é emblemática. Incontáveis vezes sentei-me naqueles degraus de escada vistos ao fundo, tendo acima uma espécie de portal com bougainvilles.
No imóvel visto ao fundo funcionou, na década de 50, uma rinha de galo, onde aves se esfolavam em meio aos gritos dos apostadores. Penas voavam e não raramente dos galináceos escorriam sangue e alguns que levavam a esporada fatal estrebuchavam ali mesmo para decepção do seu dono.
Até que um dia, já na década de 60, o então presidente da República, Jânio Quadros, empunhando a sua vassoura como emblema de campanha, mandou fechar todas as rinhas do País e proibiu, definitivamente, as brigas de galos. Essa proibição acabou sendo o maior feito dele, depois da renúncia malfadada, da qual o Brasil se ressente até hoje.
Aquela árvore imensa lá atrás – dê uma espiada na foto para apreciar – é uma pé de jambo vermelho. Ali na Praça de Esportes havia – não sei se ainda há – vários jambeiros vermelhos. Naquela época em Montes Claros, até parecia que só existia jambo vermelho. Foi muito depois, já longe, é que descobri a existência também de jambo amarelo, por sinal, muito mais saboroso do que o vermelho.
O gramado onde Martinha e Carmen sentadas esbanjam charme, era – não sei se ainda é – o que chamávamos de “pista”. Tinha o formato arredondado e era ali onde travávamos os maiores embates por meio de “peladas” que revelaram muitos craques.
Quase todas as tardes lá estavam jovens como eu disputando par ou ímpar para escolher os seus times. As peladas começavam por volta das 16h e iam até o Sol se pôr. Tinham o sabor de liberdade. Naquele tempo, as rivalidades praticamente não existiam ou pelo menos não se percebia como percebemos hoje em dia.
A “pista” servia para uma pá de atividades além da tradicional “pelada”. De manhã, debaixo do Sol ardente de Montes Claros, se podia arremessar tampas de cera Parquetina em partidas individuais e em duplas. E todo acontecimento cívico tinha ali uma atividade, que tanto podia ser um desfile de escolas ou disputa de corrida.
Naquele época, a Praça de Esportes era o centro do mundo. Não havia Automóvel Clube nem os outros clubes atuais, a não ser o Clube Montes Claros, na esquina das ruas Doutor Veloso e Presidente Vargas.
Então, tudo acontecia na Praça de Esportes. Próximo ao pé de jambo vermelho havia seis pilastras encimadas por um telhado onde se encontravam à disposição dos associados duas mesas oficiais de pingue-pongue. Era uma festa.
Havia quem, como eu, que era viciado em pingue-pongue. Disputas homéricas aconteciam. Cortadas zuniam para alegria dos que em volta das mesas assistiam os craques. Disputavam-se campeonatos de pingue-pongue. Nomes como Bichara, Zé Venâncio, João José, Jáder, entre outros, eram invejados na arte de “pingueponguear”.
Sem falar, claro, que a Praça de Esportes era o lugar mais procurado pelos namorados. Tanto é verdade que essas duas beldades da foto ali estavam à espera dos seus respectivos.
A Praça de Esportes ali está, como sempre esteve, mas perdeu o seu charme. Ao longo do tempo a sua magia desvaneceu-se e embora esteja aberta, funcionando, foi motivo de polêmica quando o então prefeito Luiz Tadeu Leite cismou de vender parte do terreno.
A Praça de Esportes deve continuar ali, integralmente. Precisava ser valorizada, incrementada, não para resgate do charme e da magia, mas como alternativa para muitos praticarem esportes.
Nada mais posso dizer, porque, afinal, saí de Montes Claros faz mais de 40 anos, mas Montes Claros nunca saiu de mim.
Então, esta é uma oportunidade para reafirmar: confesso que vivi intensamente em Montes Claros. E aproveito para fazer aqui a minha declaração de amor por essa cidade, onde está enterrado o meu umbigo. Onde fiz levas e mais levas de amigos.


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Por Alberto Sena - 12/7/2016 10:19:46
OS OITENT’ANOS DE WALDYR SENNA

Alberto Sena

Os 80 anos de Waldyr Senna foram comemorados na tarde de hoje, 10 de julho, na fazenda Saracura, município de Juramento, onde ele e a sua Dizinha – Maria Luísa Rodrigues Batista – receberam parentes e amigos.
A fazenda Saracura é sinônimo de paraíso. Bastante florida, zelosamente cuidada pelo casal, os convidados tiveram recepção primorosa, com almoço farto, baseado em arroz com pequi da melhor qualidade.
Depois que Waldyr soprou as velas do bolo, arrodeado dos filhos e netos pronunciei um discurso representando todos os irmãos, por meio de um “improviso” que tive o cuidado de levar por escrito e, nesta oportunidade, transcrevo-o para o conhecimento de quem interessar possa. Veja abaixo:

“Ao dar-nos o privilégio de comemorar com você, Waldyr, os seus oitent’anos, quero lhe dizer, em meu nome e em nome dos nossos irmãos:
O que temos de melhor a lhe oferecer como presente neste dia é a nossa gratidão.
Gratidão por tudo que fez por nossa família – e ainda faz – desde aquela manhã de 15 de janeiro de 1961, quando o nosso pai morreu. Evidentemente, você já tem a sua recompensa em vida, e damos graças a Deus por você.
Costumo dizer, Deus me deu quatro mães. A mãe biológica, Elvira, e as outras mães – peço vênia para citar os nomes delas e também homenageá-las neste seu dia, Waldyr – minhas irmãs Tê, Elza e Ladinha.
E tive dois pais, o pai biológico – Zé Bitaca – meu grande amigo. O outro é você, Waldyr, que nos assumiu, naquela época, dando exemplo de irmão, no sentido lato da palavra, algo raro neste mercado atual da raça humana.
Mas a sua importância vai muito além do que fez por todos nós. A palavra gratidão apenas resume e revela o nosso reconhecimento do seu valor. E revela também a nossa sinceridade.
A sua contribuição para o engrandecimento da nossa Montes Claros, para o desenvolvimento da nossa cidade em todos os segmentos da vida cotidiana é inestimável. A sociedade montesclarina sabe e reconhece isso.
Além de ter sido bom filho, grande irmão (às vezes meio ranzinza, mas isso é o de menos); além de ser bom marido, pai e avô também bom, você foi responsável pela formação profissional de diversas pessoas, à frente do O Jornal de Montes Claros.
Não que o fizesse de caso pensado. Não. Simplesmente porque os seus exemplos e o seu tino jornalístico de nascença influíam na vida minha e na de muita gente num tempo em que se podia praticar o jornalismo verdadeiro.
Você foi – e ainda é – o candeeiro a iluminar os caminhos dos seus semelhantes.
Hoje mesmo, você, em companhia de sua querida Dizinha, sua companheira até que a vida os una ainda mais, porque no Universo existe só vida; veja o quanto você e ela influem diariamente no comportamento político, socioeconômico e educacional de um sem número de jovens estudantes do Colégio São Mateus. A sua sina, meu irmão, a sina do casal, pelo que se pode constatar, é formar gente.
Você, Waldyr, foi e ainda é um exemplo para todos nós. Você é sinônimo de “trabalho”. Ignoro quem trabalhe mais do que você. Lembro dos tempos do O Jornal de Montes Claros. Você trabalhava de manhã, na redação, ia almoçar em casa e seguia para o Banco do Brasil. Depois do expediente bancário, voltava ao jornal. Só então ia para casa.
Abro, aqui, um parêntese para lembrar uma curiosidade: (A chave da porta de entrada ficava atrás da placa do jornal, do lado de fora, ao alcance de qualquer pessoa. Imagina se hoje isso seria possível, ali no número 103 da Rua Dr. Santos, naquela casa velha onde era a antiga redação do jornal?)
Nós nos orgulhamos de você, Waldyr, e o mais maravilhoso de tudo é estar aqui, sentindo todo o calor humano que nos envolve, neste lugar esplendoroso, fazenda Saracura, de histórias tantas, que para Dizinha caberiam em livros, aqui estamos para comemorar os seus oitent’anos.
Para quem chega, nesta data, à primeira metade de uma vida operosa, cheia de histórias para contar aos netos e aos bisnetos daqui a pouco, você se encontra em bom estado de conservação e ainda tem muito jovem pela frente à espera de sua metodologia de formar gente humana, política e eticamente tendo em vista o bem comum.
Desejamos-lhe paz, saúde e alegria de viver. E que Deus o abençoe e guarde. Sempre".


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Por Alberto Sena - 2/7/2016 12:26:56
UM “SCHERLOCK” SEM “HOLMES”

Alberto Sena

Aproveitando a oportunidade de participar da reunião ordinária do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, como “um investigador do tempo”, fiz algumas incursões pelas imediações da Rua Corrêa Machado, onde morei por último antes de embarcar de mala e cuia para a capital mineira, em fevereiro de 1972. A intenção era encontrar resquícios daquela rua de antigamente, quando se iniciava a urbanização do terreno onde antes era o “campo do União”.
Armado de minha inseparável câmera fotográfica semiprofissional, adentrei a área a partir da Rua João Pinheiro. Primeiro passei, acompanhado de Silvia Batista, pela esquina das ruas General Carneiro e João Pinheiro, onde era a casa da “tia Ambrozina”, de lembranças tantas. Ela era mãe de Rubinho e Magela Sena Almeida. A casa deu lugar a um prédio. Não encontrei nenhum resquício dela. Mas, em frente, do outro lado da rua constatei, ainda em pé, uma casa em estilo colonial da época em que vivia em Montes Claros e não hesitei em fotografá-la.
Embora quase tudo estivesse mudado, pude encontrar a casa de “dona Tina”, já falecida, quando beirava os cem anos de idade, na Rua Corrêa Machado. Ela era avó de Eustáquio, um vizinho com o qual brincava ainda na adolescência, jogando bolinha de gude e finca no período das águas. A casa de “dona Tina” ainda está em pé. A única diferença notada foi uma grade azul instalada por motivos óbvios.
Mais adiante, na esquina das ruas Corrêa Machado e Dr. Veloso encontrei a marca do lugar onde havia um poste de ferro que a menininada usava para atanazar a vida de dona Pequenina, que em texto anterior tratei-a como sendo “dona Pequena”. Era uma mulher pequena, cabelos brancos. Nutria orjeriza dos capetinhas que batiam no poste com pedras, arrancando dele o ruído de metal parecido com o de sino.
Ainda na mesma esquina, do outro lado, a casa de Nêgo Rô continua em pé, protegida por um muro alto. A mangueira é a mesma, nesta época já com frutos em meio às flores. Nêgo Rô era um rapaz bom de bola. Com ele jogámos peladas no campo do União, além das indigitadas bolinhas de gude e finca. Soube poucos anos atrás que ele já não está mais no meio de nós e nem sei se a família dele ainda mora no local.
Embora tenha feito uma incursão de “investigador do tempo”, as visitas foram “an passant” porque não havia tempo de incomodar os habitantes da casa com perguntas como: a família de Nêgo Rô ainda mora aqui? O que aconteceu com ele, prematuramente levado do meio de nós? Entre outras curiosidades.
Lembro que foi o pai de Nêgo Rô, fazedor de casas, pedreiro chamado, quem fez o forro de madeira da casa onde moramos no número 238 da Rua Corrêa Machado. Vejo ainda agora a cena dele e de mais ajudantes instalando o madeirame para pregar as tábuas do foro. Antes do forro, uma das minhas diversões era subir até o telhado usando o umbral da porta.
Subimos a Rua Corrêa Machado e entramos na Rua Camilo Prates. Pouco depois da esquina ainda encontrei a casa de Juquinha, que nascera com deficiência, mas tinha cabeça inteligente e durante bom tempo ele foi técnico dos nossos times de futebol. Em frente a casa dele morava Zezinho, mas a casa de Zezinho não mais existe.
Seguindo pela Rua Camilo Prates, entramos à direita na Rua General Carneiro, até a passagem de nível do trem da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil. Pouco antes morava a família de Roberto Câmara, com quem jogava pingue-pongue e tinha prosas inteligentes. Hoje, Roberto é médico do coração. Grande figura, devo a ele e mais alguns ex-atiradores do TG 87, a não exclusão “por indisciplina”. Tinha 58 pontos perdidos e com mais dois seria excluído. Tinha de fazer exército em Beagá.
Fotografei duas casas no local. Numa delas morava Roberto, estou certo disso. De lá fomos pela Rua Bocaiúva, sentido Praça Coronel Ribeiro. A meio quarteirão lembrei das partidas de pingue-pongue jogadas na União Operária. A casa continua a mesma.
Um quê de tristeza mesmo abateu-me ao deparar com a casa onde morou a família de Josimar e Jarbas Oliveira, no chão. Era uma casa em estilo colonial, feita de adobe. Quando estudávamos na Escola Normal, quase que diariamente passava na casa dele para irmos juntos ao antigo prédio atrás da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José, hoje abrigando o Museu Regional do Norte de Minas, sob a batuta da operosa Marina Queiroz.
Ao final da incursão, pude concluir que, de “investigador do tempo”, não passei de um “Scherlock” sem “Holmes”.


81679
Por Alberto Sena - 24/6/2016 10:53:00
CARTA AOS FILHOS MEUS

Alberto Sena

Espero encontrá-los bem. Com saúde espiritual, mental e fisicamente. Por aqui, tudo vai indo sob as graças de Deus, na pessoa do seu filho Jesus Cristo. Não tenho o que me queixar, “s’eu queixo é de burro”. Tendo paz, saúde e alegria de viver, essa tríade me basta.
As mangueiras de Grão Mogol estão lindas – precisavam ver. Floridas, nesta época do ano, tornam-se um atrativo espetacular. Cada mangueira é um universo dos que possuem o dom de voar. Vocês precisavam estar aqui para contemplar tudo isso.
Pela quantidade de flores, este ano vamos chupar muita manga até o cotovelo fazer bico. Mas, a gente sabe, Maalali, filha amada – você que vive na Alemanha, é cidadã alemã e ensina português a alemães precisava saber também disso – daqui a pouco os ventos irão fazer a seleção natural dos frutos. Se toda essa quantidade de flores virasse frutos, não haveria mangueira para suportar o peso das mangas.
Ano passado, oh, Matheus, primeiro dos homens filhos meus, ao contrário do ano retrasado, as mangueiras de Grão Mogol não deram muitos frutos. Aqui, imagina você, artista de rock pop em Orlando, nos EUA, as mangas costumam perder, em quantidade.
Até parece, caríssimo Rahvi, você que se encontra aí em Foz do Iguaçu (PR), as crianças e os adultos daqui já se enjoaram de chupar manga. Imagina, se estivesse, aqui, na safra o quanto você poderia se lambuzar de manga. De Foz aqui é um pulo. Os daqui talvez prefiram trocar por refrigerante um copo duplo de suco de manga natural. Pode uma coisa desta, Rahvi, meu cinegrafista e ator preferido?
As mangueiras é que fazem a arborização da cidade. Quase todas as casas têm quintal. Deste pormenor importante, Pedro, você que de Beagá aqui veio sabe como biólogo e economista prestes a se diplomar pela UFMG, quintal não está dando sopa em nenhum outro lugar.
O quintal da dona Valda, só para citar um exemplo, é uma beleza. Você a conheceu na sua estada em Grão Mogol. Ela mora na Rua Hilário Marinho, próximo ao Presépio Natural Mãos de Deus. Sozinha plantou tudo. Possui dezenas de qualidades de frutíferas no quintal. É lá onde moram os passarinhos. Um dia, ela me disse, “se tirar de mim o meu quintal, eu morro”.
Aqui, oh, filhos meus, os ares são puros. Não há nenhuma fábrica cuspindo fumaça envenenada na atmosfera. As paisagens são lindas. O viver é simples e simplificado. Não há aquele estresse próprio das cidades grandes.
O trânsito de veículos é pequeno, mas os caminhões são barulhentos. Com a possibilidade de conclusão do processo de tombamento do Centro Histórico de Grão Mogol, até agosto, como prometeu a presidente do Iepha, o trânsito de veículos pesados deverá encontrar alternativa para evitar comprometer o patrimônio local, casario de final do século 18.
Estamos a pouco mais de 20 dias do Festival de Inverno Circuito Turístico Lago de Irapé, evento organizado pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) em parceria com a Prefeitura Municial de Grão Mogol.
Quão bom seria se os quatro pudessem aqui estar para o Festival de Inverno, de 19 a 24 de julho. A expectativa começa a crescer com reservas antecipadas nos hotéis e pousadas da cidade.
É estimada a vinda de mais de 30 mil pessoas a Grão Mogol nos seis dias de festival. Dentro da programação haverá o terceiro “Festival da Canção”, que distribuirá R$ 15 mil em prêmios aos ganhadores. Vocês, meus queridos, que tanto gostam de música, iriam se divertir muito, estou certo disso.
A abertura do festival, na noite de 19 de julho, será no Presépio Natural Mãos de Deus, pela segunda vez. A primeira vez foi em 2014, seis meses depois de inaugurada a obra que já recebeu mais de 70 mil visitas e é considerada o maior presépio do mundo na categoria natural e a céu aberto.
Só para vocês não reclamarem por ainda não ter falado de política, se é que se pode chamar de política o que se vê por aqui. Estamos no epicentro de um terremoto de 10 graus na escala Richter. Particularmente, tenho fé, uma hora as placas tectônicas irão se acomodar e um Brasil novo surgirá.
Mas, aqui, em Grão Mogol, se vocês querem saber, o pessoal acha que tem muito candidato a prefeito – cinco até agora – para poucos votos – nove mil eleitores. Mas já ouço falar em composições. Quanto aos vereadores, há quem esteja entre a cruz e a caldeirinha, com receio de não se reeleger. Não basta ser candidato a prefeito ou vereador, é imprescindível ter proposta, dizer a quê vem.
É isso, filhos meus. Mais adiante, quando a política local pegar no tranco enviarei mais notícias. Abraços e beijos.


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Por Alberto Sena - 20/6/2016 10:58:52
DONA PEQUENA E O POSTE DE FERRO
(Para Roberto Lima, pela lembrança)

Alberto Sena

Dona Pequena, como o epíteto sugere, era de baixa estatura. Devia ter um metro e meio de altura. Parecia velhinha, velhinha. Mas não devia ser erada, nós meninos é que achávamos ser ela muito antiga, quiçá, uma bruxa daquelas montadas em vassoura de piaçava. Mas nem tão bruxa ela era a coitada.
Dona Pequena morava com uma filha adotiva – ou era neta? – uma menina ainda adolescente, na esquina das ruas Doutor Veloso e Corrêa Machado, em Montes Claros da década de 60. Na época, por vários motivos que daqui a pouco serão do conhecimento de todos, ela era famosa no pedaço. Fama gerada pelo azedume das reações dela. Do adulto mais antigo à criança ao abandonar a mamadeira, ninguém ignorava a nossa personagem.
Em frente da casa de dona Pequena havia um poste de ferro antigo, sem nenhuma serventia. A não ser para infernizar a vida dela e o porquê quem aguardar um pouco irá saber. O poste devia ter sido esquecido após a substituição por postes de cimento daquela época. O poste de ferro era, enfim, um suplício para dona Pequena. Evidentemente, na época menino nenhum tinha essa compreensão do quanto o poste indigitado infernizava a vida da mulher.
Não que representasse para ela perigo de cair sobre a casa. Nada disso. Menos ainda por culpa do poste em si, estático ali na esquina preto feito breu. A meninada encapetada descobriu, bastava bater no poste com uma pedra para extrair dele um som metálico e dona Pequena, incomodada, nervosa, cuspindo impropérios saía na porta com os cabelos brancos em pé.
Havia no quintal dela duas ou três goiabeiras. Goiabas vermelhas e brancas. As goiabeiras também ajudavam a preencher os dias de dona Pequena porque volta e meia um menino trepava no muro para apanhar goiaba. E a velhinha rodava a baiana. Soltava xingamentos deliciosos a três por dois para regozijo dos meninos.
Naquela época, na Rua Corrêa Machado havia um campo de futebol. Era do time do União, que dera origem ao Cassimiro de Abreu eterno rival do Ateneu. Quando a família mudou-se para aquela rua, o campo já começava a ser desativado, porque o Cassimiro de Abreu construíra um estádio no Bairro Todos os Santos.
Mas algumas partidas de futebol eram jogadas ali. Lembro-me bem de jogadores como Marcelino, ex-Atlético Mineiro; o irmão dele, Moedeferro; Bispo e o irmão Bonga, Hélio Guimarães, Felipe Gabrich e outros. De vez em quando a bola ultrapassava o muro e caía dentro do quintal de dona Pequena. Ela, além de não devolver a bola, esbravejava como gente grande.
Afora essas partidas de adultos, o campo ficava a maior parte do tempo por nossa conta. Nas férias escolares então, o dia inteirinho a meninada ali jogava as famosas peladas. Arremessava tampa de cera Parquetina um para o outro, a longa distância. A tampa traçava no ar curva quase ao rés do chão e subia até as mãos do parceiro. Uma gostosa brincadeira. Era um paraíso lúdico o campo. Só o abandonávamos para irmos à matinê das duas horas no Cine Coronel Ribeiro, na praça do mesmo nome.
Mas ao passarmos pela porta da casa de dona Pequena, inevitavelmente, tínhamos de arrancar do poste de ferro três sons metálico, pelo simples prazer, se se pode dizer assim, de incomodar a velhinha e ouvir os xingamentos dela. Até que ela saísse na porta, a meninada já estava longe dando gargalhadas.
Os irmãos Roberto e Ronaldo, que moravam na mesma rua, mas um pouco mais distante da casa de dona Pequena, além de outros pivetes como Osmar, Eustáquio, Dedinho e os demais, todos eram cúmplices na tarefa cruel de incomodar dona Pequena. O mister fazia parte do mundo infantil ou pré-adolescente da meninada de então. É bom dizer, esses pecados já receberam há muito tempo a absolvição.


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Por Alberto Sena - 2/6/2016 09:31:40
A MORTE DIGNA DE UM BRAVO JORNAL

Alberto Sena

Recebi do amigo virtual Carlos Roberto Veloso, de Montes Claros, “in box”, a mensagem seguinte: “Fazendo uma arrumação e triagem de meus guardados antigos, encontrei a última edição do “O Jornal de Montes Claros”, publicada em 11 de março de 1990”.
“Como esse informativo foi a fonte de iniciação para muitos jovens de nossa cidade, inclusive aonde você dedicou os primeiros passos profissionalmente, gostaria de saber se interessa ter esse exemplar. Se OK, informa-me que irei passar-lhe”.
Respondi positivamente, claro, a mensagem e informei o meu endereço e ele ficou de me enviar o exemplar da derradeira edição do “O Jornal de Montes Claros”.
Disse-me mais Carlos Roberto: “Lembro de você e de outros como Robério, Berginho, Tanajura, Robson etc. trabalhando no Jornal. Na época meus pais eram amigos do escrivão Liz Paixão”.
(Liz Paixão era um homem magro, meio casmurro ou casmurro e meio, mas competente como escrivão de polícia. Quando fui cobrir polícia para o JMC, ele e Guedes revesavam na oitiva dos envolvidos em inquéritos).
“Fui por intermédio de Liz Paixão prestar serviços na Delegacia de Polícia (lembra do capitão e depois major Abdo?) e os jovens repórteres cobriam a área policial. Na época do movimento de 1964. Enviar-lhe-ei o exemplar na próxima semana, visto estar indo hoje para minha propriedade rural”.
Disse eu então a Carlos Roberto recordar sim da época “e do major Miguel Abdo; tinha uma filha conhecida”. Desejei-lhe um bom final de semana, evidentemente agradecendo pela gentileza.
Neste 31 de maio, ele me enviou outra mensagem afirmando ter postado nos correios “o último exemplar do Jornal de Montes Claros, espero já tê-lo recebido”. Não havia recebido ainda e disse a ele, “vamos aguardar até amanhã”.
Neste 1° de junho recebi o envelope pardo em mãos, das mãos do jovem dos correios. Estava no portão, conversava com uma pessoa e ele chegou. Sorrindo entregou-me o envelope. Tratei imediatamente de enviar uma mensagem ao amigo: “Acabo de receber o jornal. Agradeço-lhe muito”.
Ele, então, respondeu-me: “(...) Tenho certeza que, com você, estará em boas mãos”. Agradeci “pela confiança”, afinal, havia me enviado a última edição do jornal onde iniciei em 1969, aos 17 anos. Trinta e oito anos depois de criado, em 1990, o jornal “escola” formador de jornalistas ainda em atividade na grande imprensa, publicava a última edição.
Em Belo Horizonte, ao ingressar na redação do jornal “Estado de Minas”, ouvi dizer pela primeira vez o quão melancólico e triste é o fim de um jornal. Era a agonia do “Diário de Minas”. Quase concomitantemente, ao fim do “Diário Católico”, que se tornou “Jornal de Minas”. O “Diário da Tarde”, já extinto, cria relegada pelo Diários Associados por causa do “Estado de Minas”, durante os seus 77 anos, além do “Diário do Comércio” representavam a mídia impressa diária da capital. Na época em que a notícia era prioridade.
Surpresa mesmo foi quando os Diários e Emissoras Associados” criaram o “Jornal de Shopping”. Era para ser um jornal “de compras”, como queria o diretor Executivo dos Diários Associados, na época, Camilo Teixeira da Costa. Mas o editor do jornal, Wander Piroli, jornalista e escritor consagrado deu aos leitores um semanário de qualidade, que concorria com o “Jornal de Casa” aos domingos.
Dos jornais citados, só o “Estado de Minas” e o “Diário do Comércio” não morreram, mas entraram no estágio de agonia, da mesma forma como aconteceu aos outros. O fechamento do “Jornal de Shopping”, em 1982, foi de modo agressivo. O jornal já estava na gráfica dos Diários Associados para ser impresso, na noite de sexta feira. Circularia no final/início de semana.
A surpresa estava na primeira página. A direção do DA pôs uma nota informando aos leitores ser aquela edição a última, sem dar dar a menor satisfação ao Piroli e a redação. Nem se pode comparar esse ato do DA, indigno, com a maneira digna como o jornalista Oswaldo Antunes, dono do “O Jornal de Montes Claros” anunciou, em editorial primoroso, intitulado “Calar antes do fim”, a edição derradeira.
Vale a pena reler o texto. Começa assim: “Este será o último número do Jornal de Montes Claros, depois de trinta e oito anos de trabalho e de bravura...”


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Por Alberto Sena - 30/5/2016 09:38:20
TRILEMA

Alberto Sena

Aconteceram de duas uma: ou a terra tremeu outra vez ou foi uma ocorrência sobrenatural, porque justificativa plausível para o estalo na parede do apartamento do hotel onde nos hospedamos, em Montes Claros, não havia, pelo menos naquele momento.
Concomitante ao estalo, o quadro pendurado na parede assinado por Márcia Nascimento, mulher do dono do hotel, inclinou para um dos lados. E o celular de Sílvia Batista oscilou como se tivesse sob interferência. A luz do apartamento piscou três vezes.
Diante das circuntâncias, não pensamos duas vezes: “Pode ser um tremor de terra”. Montes Claros deu para isso nas últimas décadas. A terra passou a tremer ou alguma ação antrópica provoca os abalos. De duas uma. Ou as duas.
Entreolhamos-nos e sugeri abandonarmos o apartamento. “Imediatamente”. Sílvia fez menção de retornar para apanhar o celular e desaconselhei. Numa situação anormal, ao voltar para buscar alguma coisa pode ser fatal.
“Vamos descer pelas escadas”. Numa hora dessa, embora nunca tivéssemos vivido nada igual, não se deve tomar o elevador. Enquanto descíamos as escadas não notamos nada de anormal, mas ainda assim fomos até a portaria e como tudo parecia normal, concluímos ter sido uma ocorrência sobrenatural.
Mas assombração não existe, pelo menos do tipo fantasmagórico como líamos quando crianças nas revistas em quadrinhos. Relutamos um pouco se devíamos ou não falar com os atendentes da portaria do hotel. “Melhor falarmos”, concluímos.
- Com qual frequência acontece tremor de terra em Montes Claros? – Perguntei e Cláudio, um dos funcionários do hotel respondeu:
- Há muito tempo não temos notícia de nenhuma ocorrência por aqui. Recentemente ocorreu na região de Belo Horizonte – ele disse.
- Sim. Mas, pergunto porque ouvimos um estalo e em seguida o quadro pendurado na parede do apartamento inclinou para um dos lados – disse a ele.
Cláudio olhou-nos com olhos inquiridores e respondeu em seguida:
- Deve ser a pressão do gás – concluiu.
Naquele momento o hotel era reabastecido de gás. Devia ser 8h. O caminhão estava nas dependências do hotel. Segundo o funcionário, o estalo pode ter sido causado pela pressão do gás no início da operação de reabastecimento.
Cláudio podia ter razão. Ou pelo menos a conclusão dele parecia ter certa lógica. Retornamos ao apartamento e deixamos o quadro inclinado na parede, da maneira como ficou após ouvirmos o estalo, como sinal de que algo de anormal aconteceu.
Se antes havia um dilema, ao final nos deparamos com um trilema: teria sido abalo de terra, algo sobrenatural ou pressão do gás?
Por acaso, a televisão estava ligada baixinho nos assombrosos acontecimentos políticos lá de Brasília, relacionados às gravações de Sérgio Machado.


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Por Alberto Sena - 27/5/2016 09:37:19
VOLTA AO PARAFUSO

Alberto Sena

Por esses dias encontrei-me diante da Escola Estadual Gonçalves Chaves, em Montes Claros, na Praça João Alves, nem sei quantas décadas depois de sair a última vez pelo seu portão. Recordei-me então de quando menino de sete anos de idade entrei a primeira vez no prédio, por esse mesmo portão. Naquela época, ano de 1956, a nomenclatura era Grupo Escolar Gonçalves Chaves, e o curso era chamado “Primário”.
A família morava na Rua São Francisco, quase esquina de Rua Corrêa Machado. Por determinação expressa de dona Elvira, minha mãe querida, Lúcia, uma das minhas seis irmãs levou-me à presença da diretora do grupo, dona Maria Celestina Almeida.
A diretora me conduziu a uma sala e me submeteu a um teste de seleção. Do teste recordo-me de uma figura apresentada por ela. Era uma casa de portas e janelas azuis. Fincada no chão e apoiada no telhado da casa havia uma escada de madeira. E no telhado, por incrível possa parecer, havia um porquinho. A pergunta era: “Como o porquinho chegou ao telhado?” Respondi na bucha: “Subindo pela escada”.
Selecionado para a sala da professora dona Bernadete Costa, mãe do ainda futuro jornalista Robson Costa, que aos 17 anos encontrei no O Jornal de Montes Claros, e mais tarde, com 22 anos, com ele convivi na redação do jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte – depois Robson foi para o Estadão/Jornal da Tarde, São Paulo, onde faleceu aos 38 anos.
Dona Bernadete era professora rigorosa e eficiente. Com ela aprendi a ler e a escrever. Era uma mulher pequena, magra. Tinha voz cheia de autoridade. Quem não cumpria à risca com as obrigações “cortava doze” com ela.
Toda segunda-feira, os alunos devidamente enfileirados diante das escadas do prédio cantavam o Hino Nacional com hasteamento da Bandeira Nacional. Em seguida, os alunos selecionados declamavam poesia de Olavo Bilac, Cecília Meirelles, Casimiro de Abreu, entre outros.
Por esses dias, em Montes Claros, com Lúcio Bemquerer, a fim de apresentar o Presépio Natural Mãos de Deus aos integrantes do grupo de oração São Pedro, no condomínio Vila Rica, onde mora dona Milene Maurício, que organizou tudo, pude recordar daquela época em que Montes Claros esbanjava sossego. De vez em quando passava uma sedan preta, carro de praça chamada.
O prédio da Escola Estadual Gonçalves Chaves ainda conserva algumas das suas caraterísticas originais. Pelo menos na fachada. A grade do muro parece a mesma, mas escondida por uma tira de latão de fora a fora, que não deixa ver o lado de dentro.
Na área do lado direito do prédio, na parte externa, onde havia enorme cruzeiro em um pedestal de cimento, cruzeiro encontrado enterrado quando do início da sua construção, simplesmente desapareceu. A área tornou-se um estacionamento de carros.
O relógio estava a caminho do meio-dia. Vários jovens chegavam ao prédio para o início de mais um dia de aula. Não havia ninguém na entrada para nos dar informações. E como não queríamos – Sílvia e eu – chamar a atenção dos alunos e parecer estarmos invadindo o colégio, preferimos nos conformar com a visão externa do prédio.
Mas a intenção era entrar e rever as salas de aula. E, principalmente, o pátio no centro do prédio. Para chegar ao pátio era preciso descer alguns degraus de escada. Pelo que pude apurar depois, o pátio já não existe. Tudo foi nivelado e ocupado.
Uma avalanche de lembranças perpassou-me a cabeça. No curso primário antigo sempre fui bom aluno. Tanto que só fiz prova final uma vez em todo o período para terminar a quarta série primária. Fazia parte do grupo de alunos com notas suficientes para ser aprovado sem precisar fazer provas finais.

Ser aprovado com antecedência, entrar em férias antes do restante da turma redundava numa alegria sem tamanho. Ao receber a notícia de que poderia ir para casa gozar férias antecipadas, ao sair do portão da escola arremeçava a pasta ao alto com os cadernos e caixa de lápis de cor e gritava a todo pulmões: “Estou de férias, passei de ano”.
Era quando tinha o dia inteirinhozinho para viver a trabalheira de jogar bolinha de gude e finca porque a essa altura do calendário chegara o período das águas. A terra estava úmida e as ferramentas necessárias afiadas para traçarem linhas no chão como quem risca e rabisca sonhos.
Ali na Praça João Alves diante do prédio da Escola Estadual Gonçalves Chaves, décadas depois, por um momento pareceu-me ouvir o vozerio dos colegas de então, na hora do recreio, chutando bola de meia em meio à poeira vermelha do pátio externo, hoje todo ocupado.


81596
Por Alberto Sena - 25/5/2016 08:09:28
BEM QUERER EXPÕE PRESÉPIO NO VILA RICA

Alberto Sena

Por momentos, perpassou o interior do salão de festas do Edifício Vila Rica, em Montes Claros – Avenida Mestra Fininha, 536, ao lado da Santa Casa – a sensação da presença de anjos e querubins se elevando acima das cabeças de cerca de 40 pessoas do grupo de oração São Pedro, ali sentadas na expectativa de ouvir o empresário grãomogolense, Lúcio Bemquerer falar do Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão Mogol.
Antes de tudo, necessário se faz contar, dona Milene Antonieta Coutinho Maurício, viúva do médico João Valle Maurício, residente no edifício teve a ideia de convidar Bemquerer para fazer a exposição sobre a sua obra. Ela organizou tudo: fez cartazes (ver fotos) com o presépio e afixou-os na parede ao lado de um lindo altar com um oratório centenário e representações da Sagrada Família e dos Reis Magos.
Tudo leva a crer, os anjos e os querubins surgiram a partir do altar, escapados do oratório. Ou teria sido do interior de cada uma das pessoas que lotaram o salão de festas? Pode ter sido de ambas as partes, tamanha a sensação de paz irradiada, sentida por todos como se existisse um só coração pulsante.
Quando Bemquerer chegou, acompanhado de Wilma Nunes, às 18h em ponto, uma hora antes da apresentação, conforme dona Milene recomendara, tudo já estava pronto. As cadeiras brancas estavam nos devidos lugares à espera dos integrantes do grupo de oração. E o aparelho de televisão instalado pelo neto dela, Artur, filho de Liliane Maurício, esposa de João Carlos.
Toda segunda-feira, há reunião na casa de alguém, do grupo de oração. Na noite deste 23 de maio foi a vez de dona Milene receber o grupo. “Gosto sempre de apresentar algo diferente na minha vez”, disse ela. Cuidadosa, forrou o altar e as mesas com toalhas de linho bordado e engomado. Sobre a mesa maior expôs diversas quitandas e duas sopeiras cheias de vaca atolada, sucos, refrigerantes e café para serem servidos ao final.
Dando início a mais um encontro, dona Milene se encaminhou à frente de todos acompanhada da coordenadora do grupo de oração e ambas abriram a sessão “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Entoaram orações e depois de fazer a apresentação rápida de Bemquerer, foi exibido o DVD de cinco minutos com a história resumida do presépio, de quatro anos completos, já visitado por mais de 70 mil pessoas.
Após a exibição, quando abriu espaço para perguntas, Cruz, um dos integrantes do grupo quis saber se Bemquerer “é devoto de São Francisco de Assis” e se a devoção o fizera criar o presépio, “porque foi São Francisco quem fez o primeiro deles”. Bemquerer respondeu não ter sido essa a motivação e confirmou a notícia da criação do primeiro presépio por São Francisco, em 1223, em Creccio, na Itália. “Por isso nós o homenageamos com uma escultura em pedra sabão, no presépio”, disse.
O poeta Wanderlino Arruda, convidado por Milene, amigo de longa data de Bemquerer teceu comentários a respeito dele e do presépio, visitado já faz tempo, deixando-o encantado com a obra única no mundo. Como membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, Wanderlino aproveitou para informar sobre a posse de Bemquerer, em solenidade a ser realizada em Grão Mogol proximamente, como membro do instituto.
Em meio aos circunstantes houve quem dissesse: “Se essa maneira de divulgar o presépio inventada por dona Milene tiver sequência noutros condomínios de Montes Claros, será de grande valia”. A construção do presépio foi todinha com recurso próprio, mas a partir da sua inauguração deixou de ser particular para se integrar ao patrimônio da humanidade, enfatizou Wanderlino.
Ao final, em meio à confraternização, observou-se com evidência maior a manifestação dos anjos e dos querubins. Eles, em uníssono, cantavam loas, numa experiência real de integração dos céus com a terra, tendo em vista apaziguar os espíritos por meio da prática diuturna da certeza da existência de uma irmandade universal.


81579
Por Alberto Sena - 19/5/2016 08:13:39

MEMÓRIA DE UMA RUA DESFIGURADA

Alberto Sena

A foto em epígrafe postada por Wagner Gomes, em nome da mãe dele, dona Maria das Dores Gomes Guimarães, de memória viva no meio de nós, espelha com a clareza do Sol montesclarino, a minha, a nossa Montes Claros. Os pronomes possessivos estão no singular e no plural porque gerações de montesclarinos ainda vivos têm essa imagem epigrafada na memória.
A foto retrata a Rua Doutor Santos, trecho compreendente entre as ruas Barão do Rio Branco e Dom João Antônio Pimenta, Centro da cidade. Seria o caso de alguém se interessar em sacar uma foto desse mesmo trecho e ângulo a fim de fazer uma comparação. À exceção da casa onde morou a família de Sinhozinho Batista, tudo hoje está diferente.
Mas, apesar da voracidade do tempo a causar transformações – e não podia ser diferente porque a vida não é estática – a minha, a nossa Montes Claros resiste em meio a metrópole dia a dia desenhada pelos que na cidade ficaram e nela vivem. Talvez quem ficou não perceba o quanto quase tudo mudou.
Enquanto a cidade estava circunscrita às famílias que deram a Montes Claros personalidade marcante, envolta em seus probleminhas corriqueiros, evidentemente, a vida era menos, muito menos estressante comparada aos dias atuais. Os montesclarinos de então tinham tempo suficiente para dar caloroso “bom dia” às pessoas e com elas trocar figurinhas e conversar abobrinhas. Isto foi muito antes do quesito “insegurança pública” influir no comportamento dos cidadãos.
As famílias eram conhecidas por apelidos. Era Fulano, filho de Sicrano, igualzinho ao que ainda vigora em Grão Mogol, onde na lista telefônica consta os apelidos dos assinantes, porque pelos nomes próprios as pessoas não são reconhecidas. Montes Claros perdeu isto e muito mais com o advento da BR-251.
Não se pode negar, a rodovia, há anos clamando duplicação, trouxe benefícios para Montes Claros e região e ao mesmo tempo transporta a produção de bens de toda ordem no seu movimento pendular noite e dia. Mas escancarou a cidade de tal maneira que, sem um plano diretor para pôr ordem na casa, cresceu desembestadamente, e, agora, tem muito a reclamar.
Reclamações à parte, melhor retomar lembranças porque quem tem o que recordar vive muitas vezes a experiência positiva do passado sem necessariamente mergulhar nas águas do saudosismo, mas só pelo prazer de reviver porque possui histórias para contar.
Recordo-me que nesse trecho da Rua Doutor Santos moravam as famílias de Mário Viana, dentista prático; Jair Aminthas, este pai de Aminthas, Marcos e Fátima. Adiante, na esquina, Sinhozinho Batista, pai de Alcebíades Batista, a quem solicito neste momento uma consultoria, por ser ele especialista em matéria relacionada com a famosa rua.
“A primeira casa à direita” – diz ele – “é dos nossos vizinhos, sr. Didi e dona Nonô; depois da casa de meus pais, era a casa de nossa querida amiga, dona Fininha; tinha a barbearia de Osmar e Cachangá, o Bar Guarani, de Vadiolando Moreira, a lavanderia Estrela, a Vidraçaria de Rosental Caldeira, uma pensão, a casa de dona Duca, a Gráfica Orion, a casa de Francisco Peres e outros vizinhos”.
Agradecido pela consultoria do amigo, retomo a narrativa para dizer que do lado esquerdo da rua recordo-me da família do médico Cristiano Borém e do também médico João Valle Maurício/Milene, pai/mãe de Mânia, Nair, Vitória e Liliane. Ao lado moravam Carlos Meira e família. Em frente, do outro lado da rua, Gílson Peres, Gílson Capeta, que fazia jus ao apíteto.
A Rua Doutor Santos era a veia aorta da cidade. Teve várias fases antes de chegar na atual, totalmente modificada e por demais barulhenta, com briga de sons dos comerciantes, cada um querendo fazer mais barulho do que o outro ao expor as suas mercadorias.
Entretanto, agora, no estertor, surge uma luz no final do túnel: a salvação urbanística de Montes Claros pode vir a ser a recente escolha da cidade para estudo internacional sobre planejamento urbano, proposição da Unesco, via professor suíço Jean-Claude Bolay, com a parceria da Unimontes. Esperança sempre haverá.


81527
Por Alberto Sena - 28/4/2016 09:46:16
GRÃO MOGOL

MENOSPREZO AO DIAMANTE VERDADEIRO

Alberto Sena

Pode ser falsa impressão, e se for, antes de mais nada peço desculpas, mas a minha impressão é a de que os grãomogolenses residentes em Grão Mogol, na sede do Município, menosprezam o turismo. Quando poderiam ganhar com essa atividade tão lucrativa.
Deviam, ao contrário de menosprezar, provocar a implantação da indústria turística, que nada polui e oferece uma cadeia de empregos diretos e indiretos, além de especializações, elevando ainda mais o nível socioeconômico e cultural da cidade e região.
O turismo praticado em todos os seus segmentos, profissionalmente, seria a redenção dessa urbe incrustada em pedras.
Senão vejamos: diante de potencial turístico enorme de Grão Mogol e região, intrinsecamente perceptível entre as fraldas da Serra do Espinhaço, Serra Geral chamada; diante da beleza maltratada do Ribeirão (do Céu) do Inferno, balneário inexplorado, que poderia estar sendo utilizado como fonte de renda para várias famílias, tendo em vista o turismo latente; diante das reclamações recorrentes de falta de opções de emprego, os grãomogolenses parecem não enxergar o verdadeiro diamante; diante do costume quase coletivo de todos irem “para a roça” em todo final de semana; diante das histórias de Grão Mogol impregnadas nas pedras e nas paredes do seu casario no Centro Histórico; diante de tudo isso e muito mais, a impressão é a de que os grãomogolenses menosprezam o diamante que têm nas mãos.
Importante é pensar grande. A gente é o que é por dentro. O que pensa. Se pensa pequeno, será pequeno. Se grande pensa, cresce. O importante é ser. O ter é consequência. Tanto é verdade que, há mais de dois mil anos Jesus Cristo nos legou a sublime observação: “Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai, porque sai do seu coração”. Se o coração sofre o mal da pequenez, o indivíduo não pensa grande. É fundamental mudar o pensamento. Abrir os olhos para as possibilidades socioeconômicas e políticas.
Caso contrário, Grão Mogol estará fadado a um destino injusto e sombrio por apatia e inoperância dos homens e das mulheres que a fizeram. Diante das várias opções oferecidas a partir do turismo devidamente estruturado, com infraestrutura para receber visitantes do Brasil inteiro e estrangeiros com dólares e euros.
A única pessoa que encontrei em Grão Mogol atuando numa das várias opções do potencial turístico da cidade e região é o guia Paulo Henrique. Ele, por iniciativa própria, estudou e estuda a história de Grão Mogol enquanto guia os turistas que aqui aportam.
E podiam ser muito mais, milhares, toda semana, mas sem infraestrutura para receber visitantes, os que se aventuram a vir correm o risco de morrer de fome porque as portas do comércio se fecham e principalmente as dos restaurantes. “Foram todos para a roça”.
O turista para vir a Grão Mogol precisa antes ter assegurado lugar onde possa encontrar refeição. Dezenas de vezes já ouvi de turistas no final de semana as mais lamentáveis observações à falta de uma recepção da cidade ao turista, e mais ainda aos que vêm com disposição de gastar dinheiro e nada encontram para levar de lembrança.
A não ser o Presépio Natural Mãos de Deus, nenhum outro lugar de Grão Mogol oferece tratamento de primeira, profissional, como é encontrado nos países de primeiro mundo.
Por esses dias, a cidade recebeu seis personalidades importantes que poderão multiplicar (ou não) o nome da cidade como “a bola da vez” na rota do turismo mineiro e nacional. São eles: Mauro Guimarães Werkema, psicólogo, jornalista, administrador de empresa, ex-diretor-presidente da Belotur, em Belo Horizonte, assessor do prefeito Márcio Lacerda; Luiz e Ângela Mitraud, ele consultor e ex-secretário de Estado de Fazenda, e ela funcionária da Receita Federal, aposentada; Alencar Peixoto e Beth Pimenta, ele médico mastologista em Belo Horizonte e ela empresária, ex-proprietária da marca de perfume Água de Cheiro; e Ângela de Alvarenga Batista Barros, presidente do conselho administrativo da Montreal e presidente da Rede Cidadã.
Eles gostaram de tudo. Ou quase tudo. Quem salvou o quesito alimentação foi o atendimento da cozinha e a sobremesa de um restaurante fora da cidade, localizado na margem direita da estrada de Grão Mogol, sentido Montes Claros; e a pizza da Laura.


81509
Por Alberto Sena - 25/4/2016 11:43:55
REENCONTRO MAIS DE 60 ANOS DEPOIS

Alberto Sena

A casa já não existe mais. Ficava na Rua Marechal Deodoro, logo atrás da Praça de Esportes, em Montes Claros. Mas as lembranças permaneceram. Inda bem. E agora são resgatadas a partir do reencontro de dona Catarina Eleutério Maia, ex-vizinha na Rua Marechal Deodoro, seis décadas depois, no Presépio Natural Mãos de Deus. As lembranças permaneceram, mas estão parcialmente cobertas, como se os personagens saíssem de uma névoa tênue.
No lugar da casa há hoje uma oficina mecânica. Seria capaz de percorrer, neste instante, todos os seus cômodos de paredes impregnadas de histórias perdidas por falta de registro. Na frente da casa havia calçada alta, com uma escada para adentrar a porta principal. Havia até uma pilastra de cimento para servir de amarra às alimárias.
A casa teria sido sede de uma fazenda. Até mesmo pelo quintal enorme com um pomar de 22 jabuticabeiras, mangueira, goiabeira, laranjeira, mamoeiro e o Ribeirão Vieira correndo límpido ao fundo. Esse mesmo ribeirão transformado em cloaca urbana.
Ela, dona Catarina Eleutério Maia, hoje com 75 anos de idade, à época, devia estar com seus oito anos de idade. E Beto, como era chamado, vivia, os seus primeiros anos de vida. “Já peguei você nos braços”, ela revelou.
Essa revelação foi uma surpresa. E como coincidência não existe, a interpretação mais plausível sobre esse encontro inesperado com dona Catarina ainda está por concluir. Éramos vizinhos de quintal separado por um muro. Ela era cunhada de dona América Eleutério, casada com um irmão dela. O marido de dona América era Afrânio.
Dona América e o senhor Afrânio tiveram filhos e um deles, Amílcar, foi amigo de infância. O outro amigo do menino era Flávio, filho de dona “Negrinha”. Dona “Negrinha” aplicava injeção na bunda do menino quando acontecia de ficar doente. Era enfermeira. Parteira. Para deixar dona “Negrinha” aplicar-lhe injeção, o menino recebia CR$ 1,00, por vez. Era para não espernear nem chorar.
Dona América veio do Sul de Minas, cidade de Bom Despacho e se radicou em Montes Claros, onde tornou-se pessoa querida e influente. Ela não mais está no meio de nós faz mais de dez anos, como informa dona Catarina, com quem Beto se encontrou por esses dias, no Presépio Natural Mãos de Deus, em Grão Mogol.
Naquela época, as crianças nem precisavam sair de casa para se divertir. Viviam o tempo dos quintais. Tinha tudo neles. Tinha a magia das manhãs. Tinha os passarinhos se esgoelando no canto. Tinha as mangueiras, as jabuticabeiras, as laranjeiras. E coelhos. Sim, muitos. Numa ocasião, o menino correu atrás de um e o pegou com as próprias mãos.
Foi assim, mãe lavava roupa no tanque do quintal distante um pouco da casa. De repente, ela ouviu algo se mexer numa moita próxima. Mãe percebeu logo: “Tem um coelho aqui, corre”. E o menino correu. Abriu os braços diante do arbusto e o coelho, esperto como ele só, fugiu.
Corre daqui, corre dali, Beto cercou o coelho no canto de um muro. Ele olhava o coelho nos olhos e o coelho o olhava nos olhos também esperando um momento propício para dar pinote. Mas dessa vez o menino foi mais esperto e o coelho foi exibido à mãe como um troféu. “É meu”.
A conselho da mãe, o menino pôs o coelho dentro de um caixote e o fechou com tiras de madeira. No final do dia, ele quis pôr o caixote com o coelho dentro de casa, mas a mãe achou melhor que ficasse do lado de fora. No dia seguinte, o menino encontrou só alguns pedaços do pelo do coelho e manchas de sangue nas tiras de madeira do caixote.
Dona Catarina se recorda muito bem de que naquela época Montes Claros era uma cidade tranquila, como Grão Mogol ainda é hoje em dia. “A vida aqui, em Montes Claros, está difícil e perigosa”, ela disse pelo celular em conversa neste domingo. Dona Catarina tinha acabado de chegar da roça onde o rigor da seca maltrata a fazenda Canoas. Ela tem saudade da Montes Claros pacata, de quando não havia insegurança pública para infernizar a vida.
P.S.: Essas lembranças emergiram a partir do encontro com dona Catarina Eleutério Maia, mais de seis décadas depois, no presépio de Grão Mogol, o maior do mundo.


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Por Alberto Sena - 18/4/2016 08:14:57
CASA DE HAROLDO LÍVIO EM REFORMA

Alberto Sena

Maria do Carmo Santos Oliveira, viúva do escritor, cronista e historiador, Haroldo Lívio de Oliveira, falecido em janeiro de 2015, já faz alguns dias encontra-se em Grão Mogol cuidando da reforma da casa deixada por ele, na Rua Luiz Gonçalves, 74, no Centro Histórico. Soube disso porque moro na mesma rua, algumas casas adiante, e vi a movimentação de pedreiros e pintores. Por esses dias coincidiu de estar passando na porta no momento em que Maria do Carmo chegava da rua.
Ela mostrou-me a casa toda por dentro. Nunca havia entrado lá e confesso, tinha curiosidade em saber como é o interior da casa. Vendo a fachada imaginava lá dentro. Nada sei sobre a história da casa. Pode ter sido sede de uma fazenda. A partir do seu estilo percebe-se ser antiga. No mínimo “uns 200 anos”, diz Maria do Carmo.
Uma casa com tanta história leva a gente a pensar na Grão Mogol de 200 anos atrás. O movimento da cidade devia ser superior ao de hoje devido à corrida ao diamante. Homens, principalmente, todos garimpeiros indo e vindo, estrangeiros de várias partes chegando ávidos por fazer fortuna. A Pedra Rica, a primeira ocorrência no mundo de diamantes incrustados foi chamariz.
A casa é de pedras, como de pedras são diversas casas de Grão Mogol. Umas estão com as pedras à mostra e noutras as pedras estão escondidas por argamassa de reboco. A casa onde Haroldo Lívio viveu dias memoráveis como cidadão honorário grãomogolense guarda histórias impregnadas nas paredes, no telhado e no chão que Maria do Carmo e as filhas, Fabíola Belkis, Luciana e Clarissa Mônica agora têm a missão de levar adiante.
Esta é a primeira reforma da casa desde que Haroldo a comprou. “Ele nunca tinha tempo de reformar”, disse ela. Como se trata de um patrimônio historicamente importante e é um bem estimativo, Maria do Carmo se armou de coragem e veio a Grão Mogol com a disposição de só ir embora depois de a reforma acabada.
Com a autoridade de quem sabe o que quer fazer ali na casa, ela contratou o mestre de obras Carlito Gomes. Ele assumiu a empreitada e aos poucos a casa foi ganhando feições renovadas, a começar da fachada, pintada de branco com janelas azuis, o que ficou melhor. Toda a fiação elétrica sob risco de um curto-circuito, foi substituída.
O muro da frente da casa foi substituído. Ganhou portão para entrada de carros no pátio onde estão pés de manga ubá e espada, além do jardim. Nele estão sendo afixadas lanternas para realçar o aspecto noturno coerente com a aura de Grão Mogol, uma das mais impressionantes cidades históricas mineiras.
Ao contrário das paredes de casas construídas atualmente, estreitas e de tijolos furados, as paredes levantadas antigamente são largas, seja em casas de pedras, de adobe ou de enchimento. As paredes da casa da família de Haroldo têm meio metro de largura.
Com o seu toque feminino, Maria do Carmo refez o muro de pedras nos fundos da casa até meia altura e nele instalou uma cerca de arame farpado, para preservar a visão exterior.
A casa dá fundos para o Ribeirão (do Céu) do Inferno. Os móveis são antigos, compatíveis com o seu interior. “Acontece de recebermos 20 pessoas duma vez”, conta Maria do Carmo. O mais incrível é que todos ficam bem acomodados. Na cozinha, as enormes panelas confirmam a hospitalidade dela. Têm poder para alimentar um batalhão.
Maria do Carmo procede como se estivesse contando com a aprovação de Haroldo. Teve um momento, antes de convidar para tomar café com bolos, queijos e outras guloseimas, que ela perguntou: “Você acha que o Haroldo aprova isto”? “Sem dúvida alguma”, respondi. E emendei: “Essa reforma significa que vai se mudar para Grão Mogol”? Ela disse que não, mas “virei com mais frequência”.
Acredito, quem parte não leva memória alguma da vida terrena, mas na hipótese de haver alguma possibilidade, a essa altura Haroldo sorri de satisfação pela maneira como Maria do Carmo conduz o processo de fazimento da reforma, como uma arquiteta em plena atividade.


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Por Alberto Sena - 14/3/2016 09:10:54

ENCONTRO COM BONGA, 4 DÉCADAS DEPOIS

Alberto Sena

Vi a silhueta de um homem alto através da porta de vidro. Vi também quando ele bateu na porta com os nós dos dedos. Mais próxima, Sílvia foi atendê-lo. Ouvi-o falar o meu nome. Pelo tom de voz não consegui identificar quem seria ele. Por minha cabeça não passou o nome de ninguém da convivência no dia a dia.
Era o Bonga, epíteto de João Bispo. Reconheci-o logo no primeiro instante. Havíamos acabado de chegar duma subida à Serra do Espinhaço, de modo que ele me encontrou de short como costumo ficar em casa para aliviar do calorão. Eu não via o Bonga fazia umas quatro décadas. Ele era o técnico do juvenil do Cassimiro de Abreu, no bairro Todos os Santos, década de 60. Com ele atuei nos áureos tempos do futebol montesclarino.
Pelo jeito, Bonga continua o mesmo Bonga de sempre, fisicamente. Com algumas marcas decorrentes do tempo, sujeito ao qual todos estamos, mas o mesmo homem de aparência séria, compenetrado naquilo que fazia e ainda faz. Brincava quando o momento era de brincadeira, mas quando era para valer, brincadeira ficava de lado.
Ele se ocupava tanto com os seus pupilos que baixou logo uma portaria verbal que, evidentemente, era desobedecida às escondidas: “No meu time ninguém fuma”. Imagina uma proibição desta numa época em que era considerado chique sair cuspindo fumaça como cano de descarga de carro. Quando via alguém fumando, ele tomava o cigarro e o maço. Era desse jeito.
Em compensação, o juvenil do Cassimiro de Abreu formado por ele ficou invicto dezenas de partidas. Fomos bicampeões em Montes Claros em cima do rival Ateneu. Ostentamos faixas e tudo mais. Bonga tratava o time como se fosse profissional. Não faltava nada. O time revelou craques como Duílio, Zoca, Adilson, Carlinhos, Helton, entre outros. Duas torsões de tornozelo seguidas me fizeram abandonar a carreira de ponta direita, quando em alta velocidade ia até a linha de fundo e servia os companheiros de ataque.
Bonga demonstrou possuir boa memória, recordou-se do apelido que me dera: “Invisível”, por causa das minhas carreiras pela ponta direita. Disse-me ele ter guardado os registros das partidas, dia, hora, resultado, os gols marcados e os autores. Certamente, ele guardou também fotos e será interessante poder um dia reencontrá-lo em Montes Claros para rever os registros da época, boa época, quando a cidade era tranquila, mas prenunciava o que seria décadas depois.
Bonga veio a Grão Mogol com a família – Francimeire Araújo Bispo, a esposa; Franciele Araújo Bispo, a filha; e o amigo Edson Luiz, Lula chamado – convidados para o casamento de Maria Fernanda, filha de Élcio Paulino. O carro que o levaria de volta a Montes Claros estava na porta com o motor ligado. Portanto, não houve tempo para mais conversas além da troca de número de telefone.
Apenas disse ele que trabalha no mesmo ramo de conserto de motores. Na época em tela a oficina dele era um ponto de encontro dos jovens aficionados do futebol. O mesmo acontecia na sapataria de Tião Boi, que era técnico de futebol de salão, hoje futsal chamado. Além de consertar motores, o Bonga trabalha com os irmãos Maristas, no Colégio São José.
Se a memória do Bonga é boa, a minha é ótima. Recordo-me como se tudo estivesse acontecendo agora o dia em que fomos de ônibus ao Rio de Janeiro para enfrentar o juvenil do Botafogo, em General Severiano. Foi uma viagem e tanto. Resultado, perdemos a invencibilidade, 4 a 1.
Bonga chamou o mesmo time do Botafogo a Montes Claros e no Estádio João Rebello nós empatamos em zero a zero. O mais importante é que o nosso goleiro, Duílio, agarrou dois pênaltis. O Botafogo levou Duílio, que, segundo soube, atuou também pelo Flamengo e nunca mais ouvi falar dele.
Bonga se despediu. Antes, porém, pelo celular, Sílvia sacou fotos. Depois, ele desceu os 22 degraus da nossa escada como se ainda fosse o goleiro do time titular do Cassimiro de Abreu, juntamente a seu irmão, Bispo, zagueiro, com a mesma postura ereta dos tempos do “campo do União”, década de 50, e de “Todos os Santos”, década de 60.
P.S.: O “campo do União” ficava em frente a nossa casa, na Rua Corrêa Machado, 238, e ia até os fundos da casa de Bonga, na Rua João Pinheiro. Era um lugar mágico. A vida seguia lenta, pachorrenta.


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Por Alberto Sena - 22/2/2016 08:20:45
O FUTURO MUDOU QUASE TUDO

Alberto Sena

Informa a nota: “Vendido o lote do tradicional restaurante Skema, no Bairro Todos os Santos, ao lado do Orfanato Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. No local, agora ou mais adiante, será construído um prédio”.
A notícia me remeteu, num átimo, aos novos tempos da adolescência, em Montes Claros, década de 60, quando próximo dali surgia o campo do Cassimiro de Abreu, onde por algum tempo atuei como ponta direita do chamado “Time de Bonga”. Vezes incontáveis transitamos por ali. O pensamento perpassava o interior daquele prédio do orfanato e ficava imaginando o que se dava ali dentro onde centenas de meninos e meninas despossuídos de pais viviam.
Na Montes Claros da época não havia a Avenida Sanitária. Uma ponte sobre o Ribeirão Vieira gasta pelo uso e tempo fazia a ligação com o Bairro Todos os Santos. Ali morou por mais de quatro décadas o meu irmão Waldyr Senna. O Ribeirão Vieira corria com mais velocidade e menos poluição, para não dizer que é cloaca a céu aberto. Ali ainda era um lugar onde adolescentes da época, estilingue pendurado no pescoço, encontravam mato e rolinha para caçar.
Mas o futuro, hoje presente, era uma certeza. Um dia chegaria. Chegou. E quase tudo mudou. Vieram os prédios de apartamentos, vieram os muros altos, as cercas elétricas também vieram. Só não contávamos, lá atrás, com toda essa parafernália de segurança, quando o jornalista Fialho Pacheco fez a previsão. Ou a cidade se livrava das amarras para cumprir com a sua vocação de metrópole, ou implodiria, previu ele, em finais da década de 60, das vezes em que esteve em Montes Claros na condição de repórter do jornal Estado de Minas, e conversávamos em frente ao “O Jornal de Montes Claros” extinto, na Rua Doutor Santos, 103, Centro, onde é hoje uma agência bancária.
O atual vaivém de carros em meio às motocicletas comparáveis a mosquitinhos, e gente, muita gente a trombar umas nas outras sobre as calçadas curtas onde os pedestres fazem verdadeira ginástica para não serem apanhados por um veículo qualquer, desembestado, esse movimento era previsto. A diferença é a de que na época havia mais bicicletas do que motocicletas. Hoje é o contrário. Motocicletas e carros predominam.
Tudo se resume numa palavra: sina. Esta era e é a sina de Montes Claros que se foi crescendo intempestivamente ao ponto de se tornar uma cidade – para mim é difícil dizer isto – inóspita, como inóspita Belo Horizonte se tornou. Uma é onde nasci e vivi 22 anos. A outra me acolheu durante 43 anos. Amo as duas cidades, mas de longe. Para morar, não mais. Não se depender da minha própria iniciativa, mas ninguém pode afirmar, com certeza, nada sobre o dia de amanhã.
Vezes sem conta atravessava aquela ponte e isso faz tanto tempo que a ponte nem deve existir mais. E tanto tempo sem retornar ao bairro a essa altura da corrida temporal, o Bairro Todos os Santos deve estar todinho tomado. Sem sequer um palmo desocupado. Mais um prédio vai surgir. A exploração imobiliária é implacável. É ela uma das responsáveis pela extinção da memória do patrimônio público. Uma cidade sem memória é como alguém acometido de Alzheimer.
Isso tudo não quer dizer saudosismo. Não. Quer dizer consciência da necessidade de preservar a memória coletiva. Com algumas raras exceções, Montes Claros não se ocupou com a preservação da sua memória, do seu patrimônio histórico, senão a Rua Doutor Santos – e outros lugares – não teria sido modificada a tal ponto de não ser reconhecida por montesclarinos ausentes da cidade a partir do Anos 70. E como Montes Claros possui história, que se vai perdendo na voragem do tempo. N’algum momento alguém haverá de recolher retalhos dos feitos de antepassados e a história da nossa época, daqui a meio século, quando os que vierem depois chamarem esse nosso tempo de passado.


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Por Alberto Sena - 25/1/2016 11:26:25
Um cometa passou por aqui

Alberto Sena

Ele estava durango kid. Telefonou-me dizendo se eu conhecia alguma pensão próxima da Santa Casa de Belo Horizonte. Precisava fazer exames pra massagear o marca-passo do coração. Havia a possibilidade de ter de trocá-lo. E de certo modo, ele parecia tenso. E não era para menos, mesmo em se tratando de uma pessoa experiente em matéria de vencer dificuldades.
Entendi tudo isso como sendo uma maneira matreira da parte dele de se convidar pra ficar lá em casa. Só que não estávamos preparados para receber hóspede algum a começar do fato de não haver quarto disponível. Pensei rapidamente nas opções de improvisar alguma coisa e disse a ele.
Expliquei e ele entendeu se sujeitando a passar mal lá em casa. Tive que arranjar um colchão e o estendi no terceiro quarto que faço de escritório. Reposicionei o sofá empurrando-o para o outro lado e mesmo que mal servido, ele disse estar bem acomodado.
Não sei se ele pegou ônibus lotação para chegar lá em casa ou se veio da Rodoviária a pé. Pelo jeito, suado como estava, meio ofegante, deve ter vindo a pé para economizar a passagem.
Parecia esfomeado. A hora do almoço já havia passado e as louças já estavam na geladeira. Ele disse que não precisava esquentar nada. Tinha o costume de comer comida gelada. “Comigo não tem esse negócio, não”, disse. Eu fiz de conta que não ouvi e o pedi pra esperar um pouco e esquentei toda a comida. Ele se serviu e comeu feito um frade ou um mago?
Satisfeito, foi ao escritório dar uma vasculhada nos livros hibernados na estante. Gostou do que viu. Folheou alguns clássicos da literatura e, enfim, pegou um livro de Guimarães Rosa, Sagarana, se não me engano e pediu licença pra ler. Leu enquanto eu trabalhava.
Sílvia não estava em casa. Quando ela chegou, ao final da tarde, preparou um farto café e mais tarde um jantar com caldos, de modo que ele, com o jeito característico, por todos conhecidos, filosofou com pôde. Debulhou o esoterismo e até mesmo desceu aos tempos em que os ditos bruxos foram executados em nome da inquisição, na Idade Média. Falou das décadas passadas quando se embrenhava pelo sertão vivendo todas as dificuldades possíveis e correndo todos os riscos trabalhou pelas bandas do Piauí em lugares sem lei. Aliás, lei havia, a do mais forte.
Sobrevivera, claro. E a prova disso era o fato de estar ali à mesa conosco. A conversa se estendeu até mais tarde e já com sono, ele e nós fomos dormir. Durante à noite percebi que ele foi ao banheiro e se levantou cedo. Encontrei-o sentado no sofá lendo um livro.
Conversamos sobre literatura. Ele falou dos planos de publicar uns livros. Ainda disse a ele que o estilo dele estava mais para Gabriel Garcia Marques e pareceu ter ficado lisonjeado. O texto dele tem sustança. É como uma iguaria condimentada. Ele sabe ser incisivo quando assim é necessário. Tem humor. Pra dizer a verdade, o texto dele tem todos os ingredientes necessários para pescar o leitor desde a primeira frase.
Sílvia o levou de carro ao Hospital das Clínicas. Perguntou se queria que ela o esperasse. Ele disse que não precisava e só retornou lá em casa pra buscar os pertences. Recusou carona até a Rodoviária, optando por ir de lotação porque ainda estava cedo para tomar o ônibus de volta para Montes Claros.
Depois desse dia encontrei-o outras vezes em Belo Horizonte e em Montes Claros. Juntamente a outros companheiros, participamos do livro “Os filhos do dragão cospem fogo”.
Era irrequieto. Parecia ter necessidade de estar sempre fazendo alguma coisa. Parecia ter pressa. Sabia que as extravagâncias feitas na juventude e no período vivido no Nordeste lhes deixaram uma marca indelével: marca-passo no coração.
Intelectual, ele tinha o dom de conquistar as pessoas com a sua cultura e maneira fácil de lidar com os semelhantes. Tinha mente religiosa. Sabia retirar da Bíblia Sagrada e de outros livros os ensinamentos que mais tarde poderiam lhe valer mais uma crônica para satisfação dos seus seguidores, desde os frequentadores do Café Galo ao leitor que se encontra no mais recôndito do sertão norte-mineiro.
Ele foi um cometa. Passou no meio de nós. O cometa se foi, mas deixou rastro de luz para iluminar pessoas de boa vontade.


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Por Alberto Sena - 12/1/2016 09:06:35
VAMOS PESCAR NO RIO VERDE GRANDE

Alberto Sena

Tinha de dormir cedo para acordar no dia seguinte cedinho porque íamos pescar no Rio Verde Grande, a poucos quilômetros do centro de Montes Claros. Se não me engano, o nome dele era Dezinho, melhor, o apelido. O nome dele mesmo nunca soube. E não será agora que me vou recordar se acaso tivesse ouvido falar na época, pois se muito o menino devia ter uns cinco anos de idade.
Dezinho era namorado de Rosa. Rosa era amiga de Ladinha, Geralda Batista chamada, minha irmã da primeira leva de três, nesta ordem: Terezinha, epíteto Tê, a primeira; Elza e Ladinha. As três estão hoje com mais de 80 anos. Mas naquela época, Ladinha ainda era uma moça vistosa, amiga inseparável de Rosa. O menino não passava de “uma companhia”, senão “uma vela”, pra ninguém dizer que estavam sozinhas com Dezinho.
Ele era “chofer de praça”, possuía um automóvel tipo sedã preta bem lustrada. O ponto de “carro de praça” era ali na Praça Doutor Carlos, debaixo duma latada de, se não me engano, bougainville. Há duas espécies, uma que se alastra como chuchu em cerca e outra que vira árvore. O bougainville da Praça Doutor Carlos alastrava sobre armação de madeira elevada por pilastras. A praça era linda, naquela época. E nossa. Hoje em dia tenho dúvidas de quem a praça é.
Naquela época, depois de sair de Montes Claros pelo Alto São João, além da linha férrea próxima ao Parque de Exposições João Alencar Athayde, nada mais havia a não ser o aeroporto com uma pista pequena donde dava pra descer avião teco-teco. Recordo-me até de um camarada aviador namorado de uma moça perto de casa. Toda vez que ele ia a Montes Claros ficava fazendo gracinhas pra namorada, mergulhando de avião próximo ao teto da casa dela. O menino via a hora de o avião cair.
A estrada até o Rio Verde Grande tinha cascalho e poeira. Era gostoso ver a paisagem passar – e passava rápido. Ficava em dúvida às vezes, se era a paisagem passando ou éramos nós dentro do carro chique de Dezinho. O rio era de fato grande. E caudaloso, pelo menos aos olhos do menino, que desde então apreciava o canto dos passarinhos e o prazer da contemplação.
No rio já estavam outras pessoas, amigos e amigas de Dezinho, de Rosa e de Ladinha. Os homens saíam armados de vara de pescar. Demoravam um tampão pescando e voltavam com dourados dos grandes, traíras e surubins. Era um rio piscoso.
Eu disse “era” porque hoje em dia o Verde Grande já não faz jus ao nome. Deixou de ser verde pra assumir outra cor; grande não é mais, e muito menos piscoso. Depois de outras idas e vindas ao rio, o menino virou adulto e nunca mais retornou lá a não ser em 1988, quando repórter de jornal, em Belo Horizonte soube que o rio “cortou poço” pela primeira vez devido à ganância de um empresário.
Ele fizera três projetos agrícolas – dois de agricultura (algodão e feijão) e um de pecuária de corte. E tomando como exemplo o que vira na Califórnia, instalou 11 pivôs centrais de 500m de raio em seus projetos todos às margens do rio. Resultado, quando ele ligava os pivôs chupavam toda a água. Abaixo dele ninguém mais recebia uma gota.
Nessa viagem a Jaíba, o fotógrafo Eugênio Pacceli foi comigo. Fizemos reportagens denunciando o ato megalomaníaco do empresário. A manchete dada pelo então editor, Mauro Werkema, foi: “Roubo do Rio Verde Grande Revolta a Jaíba” (Reportagem premiada pela Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas). O empresário ficou pê da vida porque passou a ser chamado de “ladrão de rio”.
No dia seguinte à publicação da reportagem, o rio voltou a correr normalmente e com o passar do tempo, o empresário percebeu a burrada feita, pois o Verde Grande não tinha vazão para alimentar 11 pivôs como ele vira na Califórnia onde os rios são alimentados pelo derretimento de geleiras. No final das contas, ele quebrou. E ajudou a quebrar a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) que financiou os três projetos.
A essa altura da vida, ficaram nítidas na memória as imagens de Dezinho e dos amigos dele com dourados e surubins, em pescaria exitosa, e o rio seco devido à ganância de um empresário igual a muitos responsáveis diretos hoje pelo estrago ambiental prestes a comprometer a vida aqui e no planeta.


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Por Alberto Sena - 28/12/2015 09:24:04
Montes Claros vítima de si mesma

Alberto Sena

Ano passado tive de fazer a mesma coisa, fui a Montes Claros atender a exigência do INSS “para fazer prova de vida”. Dizer que estou vivinho da Sílvia. A não realização do procedimento “acarretará na suspensão do crédito do benefício”, advertia. Um ano já se passou e continuo não entendendo por que Grão Mogol não tem agência da Caixa Econômica Federal (CEF).
Grão Mogol é município muito mais velho do que a maioria dos que o cercam e, no entanto, é relegado como se uma agência lotérica fosse suficiente para resolver as questões bancárias. Não, não é suficiente, tanto não o é que tive de me arrancar daqui “para fazer prova de vida” numa agência bancária de Montes Claros.
Em Montes Claros, logo cedo, fui à CEF na Rua Dr. Santos, lá aonde décadas atrás havia uma casa em estilo colonial, sede do extinto “O Jornal de Montes Claros”. Precisava me informar sobre o horário de abertura da agência. Eram 8h e já havia fila na porta. Informaram-me que o banco abriria as portas às 11h.
Achei que era como em Belo Horizonte, onde os bancos abrem as portas aos clientes às 10h. Resultado, eu tive que ficar perambulando pelas ruas àquela hora ainda calmas. Voltei à agência pouco depois das 9h e encontrei uma fila enorme e nela entrei até que fui informado de que “para prova de vida o atendimento é às 10h”.
Entrei na agência e fiquei na fila própria dos “prioritários”. Enquanto aguardava a recomendação de ir ao andar de cima, fiquei imaginando ali dentro onde ficava a redação do JMC daquela época, final da década de 60, início da de 70. Vi a sala de Oswaldo Antunes, de Waldyr Senna e Lazinho Pimenta na redação catando teclas. Pude tornar a ver a oficina com o Tião Camurça no comando da impressora.
Ali em pé, vendo o vaivém de gente, foi como um exercício de regressão. Por algum tempo, nem sei precisar, me vi ali na porta da casa velha de propriedade do empresário, poeta/escritor Luiz de Paula Ferreira. Vi-me à entrada da casa em conversas com Demerval, Baiano chamado; Rui e Toninho Barbosa, filhos do advogado Orestes Barbosa, ao mesmo tempo em que observava o movimento da rua de então.
Naquela época, a Rua Doutor Santos era uma passarela de moças bonitas. Aliás, Montes Claros sempre foi lugar de mulher bonita. Essa fama corre o Brasil. Ao contrário de hoje, naquela época os carros desciam a rua. O trânsito de veículos era pequeno e não havia os ônibus lotação. Potencialmente, sabia-se que a cidade iria “explodir”, mas ainda oferecia boa qualidade de vida.
Ao deixar a agência bancária dei de cara com a realidade nua e crua. Posso resumir numa palavra o que vi e ouvi: loucura. Há muito não ouvia tanto barulho. Era o motor do carro-forte estacionado à porta da agência; era a disputa de som entre uma casa comercial e outra próxima; era o som do vendedor de DVD pirata; era o ciclista levando uma caixa de som estridente com propaganda (ridículo isso, só aumenta a poluição sonora); eram os palhaços contratados por uma operadora de celular gritando, distribuindo panfletos logo jogados no chão.
Uma loucura, eu repito. Fiquei com vontade de sair correndo para longe dali. Toda essa barulheira somada ao vaivém de transeuntes disputando espaço com carros, ônibus, motocicletas e bicicletas. Foi à própria constatação do que fora previsto décadas atrás sobre o futuro de Montes Claros. A diferença é a de que, naquela época, ninguém podia imaginar a possibilidade de a cidade tornar-se inviável.
Para fugir do hospício, quer dizer, da barulheira dali da porta da agência bancária, onde esperava condução, desci a Rua Dr. Santos e passei pela Praça Dr. Carlos. Que decepção! E pensar que foi uma das praças mais bonitas de Montes Claros. Fiquei devera contristado. Mas mais ainda fiquei ao chegar à Praça Dr. Chaves, chamada também Praça da Matriz. Transmudada para pior, fonte seca, mal cuidada. Nem parecia a praça daqueles bons tempos da Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, no sobrado onde é hoje o Museu Regional do Norte de Minas.
Em determinados pontos da cidade o trânsito se parece com o de certos lugares da Índia vistos em vídeo circulante na internet. A essa altura, é de duvidar da eficácia de um plano diretor anunciado pela administração atual. Será que vai conseguir pôr termo à desumanização da cidade? Montes Claros perdeu o time. É vítima de si mesma, isto é, de seguidas administrações malfadadas.


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Por Alberto Sena - 18/12/2015 16:24:22
Tesouro no chão da Praça Janjão

Alberto Sena

Hoje de manhã, quando ia ao Rodomercado – a feira lá ficou melhor do que na Praça Beira-Rio, mas precisa de uma disciplina, nada no chão, tudo em bancas – e na altura da Praça Coronel Janjão, eu encontrei no chão um tesouro.
Toda pessoa gostaria de encontrar esse tesouro porque é muito mais precioso do que o brilho do diamante. Brilha mais do que ouro exposto ao Sol. Não me é possível avaliar o valor desse tesouro encontrado no chão porque não se trata de um bem material, mas espiritual. Algo que faz despertar quem às vezes necessita ouvir uma palavra para abrir os olhos espirituais e se transformar para mudar o curso da própria vida. E do mundo.
Encontrei um envelope bem lacrado com cola, sem destinatário nem remetente. Nada escrito no frontispício nem do outro lado. Primeiro olhei quem pudesse tê-lo perdido. Não vi ninguém por perto com cara de quem perdeu um envelope. Certamente, quem o deixou cair ia ao correio ou pode tê-lo recebido de alguém, em mãos, por isso nada nele havia sido escrito.
Apalpei o envelope e pelo tato percebi haver dentro dele papel dobrado, como se dobra o papel de carta. Sem saber a quem entregar o envelope, fiquei diante de duas opções. Uma largá-lo no chão para quem o deixou cair encontrar. Outra era abrir o envelope. Tendo que escolher entre uma coisa e outra, optei por abrir o envelope.
Dentro dele havia um manuscrito datado de 30 de outubro de 2005 – às 12h. O papel já estava amarelado pelo tempo. Cinco anos e quase dois meses. Logo de cara identifiquei o manuscrito como uma oração escrita por alguém como um verdadeiro desabafo. A caligrafia era de quem nunca havia treinado naqueles cadernos de desenhar letra, senão seria mais fácil de ler o manuscrito.
E por ser eu um reles mensageiro, comparável a um cano de PVC (o importante é a qualidade da água que jorra do cano) me senti na obrigação de transmitir o conteúdo do texto, que, se abrir os olhos de uma só pessoa e aliviar o coração de alguém, já terá sido importante tê-lo publicado.
Por minha conta e risco, resolvi dar um título à oração encontrada no envelope:
O TESOURO
“Senhor Deus do Universo, criador do céu e da Terra e de tudo existente neles, escutai a minha prece: não me abandone Senhor. Dá-me uma maneira honesta de ganhar o meu sustento, para que eu possa assegurar a minha sobrevivência até o final da existência e também assegurar a sobrevivência dos meus. Peço nem mais nem menos, meu Deus. Peço o equilíbrio financeiro, para que eu possa ficar livre das preocupações materiais e entregar a minha vida ao próximo, principalmente aos mais necessitados. Tome conta de mim Senhor, por inteiro, espiritual, mental e materialmente. Faça em mim a sua vontade. Abuse de mim. O Senhor que cuida de mim desde o meu nascimento não irá me ouvir, agora, que, eu creio, me sinto mais próximo Dele? A minha confiança está no nome do Senhor, que fez o céu e a Terra. Como a corsa suspira em busca de água, aqui estou suspirando pelo Senhor para que me livre, a mim e os meus, dos infortúnios. Amém”.
Se me permitem dizer, essa oração encontrada nas circunstâncias relatadas me recordou algo saído de livros do escritor alemão, Herman Hesse, Prêmio Nobel de Literatura, autor de O Lobo da Estepe, Sidarta, Demian e outros livros de ótima leitura principalmente para os jovens.
E por falar em jovens, Herman Hesse é considerado o pai do movimento hippie, dentro do espírito “paz e amor”. Paz e amor deveriam ser os presentes mais cobiçados neste Natal de Jesus Cristo. Se quem estiver lendo este texto ao final parar alguns minutos a fim de fazer uma reflexão sobre si mesmo e a qualidade dos seus pensamentos, e também sobre o crucial momento vivido pela Humanidade, no planeta em processo de desconstruindo, será possível, então, encontrarmos maneira de construirmos um mundo melhor para os nossos filhos, netos, bisnetos etc.
“Paz e amor” não surgirão só porque nós os queremos. Como num passe de mágica. “Paz e amor” precisam ser buscados e praticados concomitantemente numa relação recíproca, como numa via de tráfego de duas mãos, uma vai e outra vem.
Amemos de verdade. Com sinceramente, e seremos amados. Mas um não deve ficar esperando o outro tomar a iniciativa de amar. Tome a iniciativa. Ame. E então estaremos participando da transmutação do mundo. Para melhor. Seguramente, bem melhor.


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Por Alberto Sena - 14/12/2015 08:17:59
GRÃO MOGOL
“PEQUISOLOGIA”; SURGE ESPECIALIDADE NOVA

Alberto Sena
“Pequisologia” é a especialidade de quem se forma “pequisólogo”. Todos nós podemos nos tonar “pequisólogo”. Quem não conhece essa especialidade nova pergunta e respondo alto e em tom bom: pra ser “pequisólogo” o camarada deve saber tudo sobre pequi, o alimento mais rico em vitaminas (em 100 gr de polpa possui 200 mil Unidades Internacionais (UI) de vitamina ‘A’), vitaminas do complexo B, gorduras e sais minerais.
O primeiro passo dado por quem se interessar a registrar no currículo mais essa especialidade, é gostar de pequi, condição “sine qua non”. Devemos partir deste princípio, ninguém se dispõe de boa vontade a se especializar naquilo que não gosta. E se por acaso alguém se sujeitar a ser “pequisólogo” sem gostar de pequi, será semelhante àquele obrigado pelos pais a se formar em Direito sem ter a menor vocação.
Evidentemente, um “pequisólogo” formado contrariado nunca será daqueles de fazer parar o trânsito. Tempos atrás, na safra quase todas as casas de Montes Claros cheiravam a pequi na hora do almoço. Era divertido, e ao mesmo tempo estimulante do apetite. A gente ia passando às portas rumo a casa para almoçar e o cheirinho gostoso de pequi penetrava as narinas e batia no fundo do estômago esfomeado.
Voltando à nova especialidade, convém informar, um bom “pequisólogo” não pode ter no currículo o registro do uso de garfo e faca pra comer o primeiro pequi. Quem fez isso jamais será “pequisólogo” daquele de fazer sentir a aproximação do cheiro ao dobrar a esquina.
Para tornar-se bom “pequisólogo” é preciso ser, como se diz, “filho do pequi”. Dizem ser o pequi afrodisíaco. Não, não é. Pequi não contém nenhuma substância afrodisíaca. Afirmo baseado no depoimento do médico Hermes de Paula, autoridade no assunto. Ele dizia não haver nada disso.
E explicava: o pequi sendo fruto rico alimenta bem o sertanejo. E bem alimentado, ele faz filho um atrás do outro. Na apanha do pequi no sertão acontece também de amigos, vizinhos e outros embrenharem-se mato adentro e daí surgirem namoros, casamentos e nove meses depois os filhos do pequi. Portanto, é fundamental ser filho do pequi. E quem quiser saber se o é basta fazer os cálculos.
A safra de pequi começa no final do ano, mês de dezembro. Faça contagem regressiva. Entrego o meu caso como exemplo. Nasci em setembro. Pelas minhas contas, fui concebido em dezembro, safra de pequi. O meu caso com o pequi foi amor à primeira roída.
Na safra, em final de semana, lá ia meu pai e eu ao mercado fazer a feira e comprar pequi. Essa época do ano parece ser a mais completa de todas porque é safra não só de pequi, mas de manga e outras frutas de época. Aqui, em Grão Mogol, a gente pode bem verificar isso. E, é claro, aproveito ao máximo, porque comer frutos de época é muito mais saudável.
Mas o pequi tem o seu lugar em qualquer circunstância. Com ele não tem meio termo. Ou gosta dele ou não. Quem gosta, ama. Quem não gosta, detesta. Mas é preciso haver compreensão, saber da importância do pequi sob todos os aspectos, não só quanto à questão gastronômica.
Pequizeiro não é encontrado em todo o Cerrado, embora seja endêmico do Cerrado. Já foi sacramentado na literatura/poesia/música/repente etc. Merece estar aonde se encontra, nos píncaros da fama. Tornou-se hoje tão famoso que ganhou a 25ª versão da Festa Nacional do Pequi.
Do pequi nada se perde. Da castanha branquinha e saborosa se pode fazer uma porção de pratos. Pequi vira licor, doce e não sei mais o quê. Até os espinhos têm serventia para espetar a língua de algum desavisado. Se bem que já inventaram pequi sem espinhos.
De tudo isso e algo mais os interessados na nova especialidade – “pequisologia” – devem saber antes de se submeterem ao vestibular. As vagas para o curso novo são pouquíssimas. Podem ser contadas nos dedos de uma das mãos. Só quem tem quatro dedos numa das mãos não poderá fazer inscrição, em qualquer pequizeiro encontrado no sertão.
Ser “pequisólogo” depende também do estado de espírito de cada candidato. Quem tiver espírito de porco, não obterá êxito. Pior ainda será se o espírito de porco for de porco-espinho, porque bastam os do pequi. Ora, bolas e bolotas!


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Por Alberto Sena - 9/12/2015 15:13:16
GRÃO MOGOL
PRESÉPIO MÃOS DE DEUS FAZ 4 ANOS

Alberto Sena

O Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão Mogol, completa hoje, 9 de dezembro, quatro anos. Recordo-me do dia em que o construtor da obra, o empresário Lúcio Bemquerer já radicado na cidade ligou dizendo:
- “Vem ver a loucura que estou fazendo aqui”.
- “O que você está fazendo?”
Ele respondeu:
- “Um presépio”.
Descreveu as proporções do presépio, realmente “uma loucura”. Lúcida, claro.
Vivi em Montes Claros até aos 22 anos e já estava em Beagá fazia uns 40 anos sem conhecer Grão Mogol, embora desde criança ouvisse falar do “lugar infestado do bicho barbeiro” àquela época. Vim ver atendendo ao convite dele. Vi Grão Mogol pela primeira vez, e posso dizer, fiquei porque gostei, senão me apaixonei pela cidade. Foi um caso de “amor à primeira vista”.
As obras do presépio já estavam sendo iniciadas quando aqui cheguei. Vi os operários trabalhando com entusiasmo porque iniciavam uma obra perene, abençoada. Imagino hoje o quanto os operários devem se sentir orgulhosos por terem participado da construção do presépio. A obra ocupou seis lotes. E antes mesmo de ser concluída em oito meses e 19 dias, já era considerada “o maior presépio do mundo”.
Na relatividade do tempo, até parece foi ontem quando tudo começou. O presépio trouxe a Grão Mogol mais de 60 mil pessoas, gente da região e de todas as partes do Brasil e de diversos países. Recebeu uma carta do Papa Francisco com Bênçãos Apostólicas para quem visitou e para quem visitar a obra, isto é, para sempre enquanto durar a saúde do planeta.
Não se tem a menor dúvida de que o presépio marcou uma nova era para Grão Mogol. Tornou-se referência e o principal ponto de turismo religioso. Desperta nos visitantes reações várias de emoção e mesmo de pequenos milagres que Lúcio Bemquerer admite sem admitir atribuindo tudo à fé de cada um.
O presépio conta do princípio ao fim a história do nascimento do Menino Jesus, por meio de esculturas em cimento e pedra sabão. São oito as estações. Na primeira delas Maria ouve a notícia de que será mãe do Salvador ao receber a visita do Arcanjo Gabriel postado no alto de uma pedra.
Evidentemente, a estação mais expressiva é a Manjedoura com as esculturas de São José, do lado de fora da lapa; Maria e o Menino Jesus, na estrebaria, observado por Rei Mago Gaspar, um boi e um burro a certa distância. Importante é dizer, as pedras enormes da lapa estavam ali há milhares ou milhões de anos à espera da pessoa ungida, predestinada, a fazer dali um presépio inaugurado em 9 de dezembro de 2011.
O presépio fez a distância de Belo Horizonte reduzir. De lá veio gente multiplicadora de opinião. E perceptivelmente a obra influi no comércio da cidade porque virou atração. Muitos vêm a Grão Mogol para conhecer o presépio e conhecem a cidade, usufruem das belezas naturais da região, embora o contrário também aconteça de pessoas virem conhecer Grão Mogol e visitam o presépio.
É de se esperar que o presépio, com o passar dos anos, tenha movimento semelhante ao da Lapa do Senhor do Bonfim, na Bahia, senão a afluência do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida, interior de São Paulo. O importante é que o lugar é santo e a cada dia vem sendo santificado mais. A visitação santifica os lugares santos. Por isso o presépio é hoje o mais importante lugar santo do Norte de Minas.


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Por Alberto Sena - 2/12/2015 11:34:20
GRÃO MOGOL
AVE, DONA PALMIRA

Alberto Sena

Admirável a performance de Dona Palmira na solenidade de posse da Academia Feminina de Letras de Montes Claros. Além de possuir memória de aliá, demonstrou vitalidade de “moça nos seus 90 anos”, como disse Ivana Ferrante Rebello, doutora em Literatura, em seu comentário no Facebook. Quanta competência para interpretar poema tão longo. Foram mais de oito minutos.
Dona Palmira eu a conheço só de nome. Não tive o privilégio de com ela conviver em nenhum momento. E, confesso, gostaria de conversar com ela, usufruir de sua fala de mãe, de professora, de escritora. Gostaria de um dia ouvir as histórias dela em volta de uma panela de arroz com pequi e carne de sol, se for do agrado dela.
Como sertaneja, imagino, ela gosta de pequi, e sabe, em 100 gr da polpa estão concentradas 200 mil Unidade Internacionais (UI) de vitamina ‘A’. Nenhum outro alimento há que contenha tanta vitamina ‘A’, além de outras vitaminas do Complexo B, gorduras e sais minerais.
Sei Dona Palmira professora de gerações em Porteirinha, cidade bela do Norte de Minas, donde viera morar em Montes Claros. Mãe do jornalista e escritor Itamaury Teles, que entrou na minha vaga no “O Jornal de Montes Claros”, década de 70. Nunca fui apresentado a ela porque em 1972 deixei a cidade pra viver 43 anos em Belo Horizonte.
Nunca vi interpretação tão bonita. De fato recordou-me o tempo de ginásio na Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, quando a nossa professora de Português, Dona Yvonne da Silveira declamava “José”, de Carlos Drummond de Andrade, e “Essa Negra Fulô”, de Jorge de Lima.
Quanta força na voz e vigor nos gestos de Dona Palmira. Nunca convivi com ela, mas acho, posso fazer a leitura dela como mulher, mãe, professora, amiga dos amigos por meio da interpretação do poema. O poema, eu não consegui ouvir o título nem a autoria. Mas em pauta está não o poema, mas a belíssima interpretação dela.
Por meio do vídeo na internet, por mim compartilhado tão maravilhado fiquei com a atuação dela, acho ter vivido um bom tempo e posso dizer, não é comum uma pessoa memorizar um poema desse tamanho. Menos ainda, acredito uma pessoa de 90 anos.
Dona Palmira é mulher vivaz. Quem foi aluno dela deve se sentir orgulhoso de ter sido orientado por uma mulher da estatura intelectual dela. Parecia estar em casa – e estava em casa – com segurança e domínio de toda a situação. Praticamente, prescindiu do microfone. Imagino ser ela “mulher de fé” como a minha própria mãe, Elvira de Sena Batista. Aliás, todas as mães se parecem quando chegam a certa idade. Dona Palmira são todas as mães juntas.
Aqui, no meu Grão Mogol há quase dois anos, no sossego da caverna ocupada nas dobras da Serra do Espinhaço, eu fico a imaginar Dona Palmira na escola desasnando os alunos. Como pesquisadora, imagino-a vivamente interessada em historiar o passado a fim de preservar a memória. Memória que ela possui suficiente para gravar poemas grandes e pequenos.
Fico a imaginar a vitalidade dela em casa, envolvida com os filhos, numa época em que a eclosão do “ouro branco” estava ainda por acontecer – ou já havia acontecido? – em Porteirinha.
Imagina você, leitor atento conhecedor dessa mulher, o que são mais de oito minutos numa comparação temporal? Faça o teste. Você vai ficar de olho no relógio acompanhando a passagem de um minuto. Um minuto é às vezes uma eternidade. O mundo poderá ser destruído em um minuto, levando-se em conta a quantidade de armas armazenadas pelo egoísmo e a ganância dos povos. Imagine mais de oito minutos, quantas vezes isso poderia acontecer.
Mas Dona Palmira não estava ali pra destruir o mundo. Nada. Muito antes pelo contrário. Ali, ela estava para demonstrar juventude. A sua garra de viver e de construir. Deve ser ela mulher aprendiz de todo dia, embora carregue na cacunda muita experiência. Aprende com os livros e na própria escola da vida.
A plateia testemunha da interpretação de Dona Palmira, pelo que o vídeo mostrou, era formada pela nata da intelectualidade monsteclarina. A maioria atenta, não desgrudava os olhos dela e ela, com o vigor de quem é grande, gigante até, embora de baixa estatura, poderia senão igualar, superar o gosto de viver de Dona Yvonne, que ascendeu aos céus aos 100 anos.


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Por Alberto Sena - 17/11/2015 08:12:47
GRÃO MOGOL
MUNDO DE APARÊNCIAS

Alberto Sena

Antes, muito antes de ser encontrado no mercado em caixas “tetrapak”, como se dá hoje em dia, podendo durar semanas nas prateleiras dos supermercados, o leite era vendido em latões transportados da roça no lombo de cavalos.
O cavaleiro, geralmente um vaqueiro, vendia o leite nas ruas de Montes Claros gritando a plenos pulmões: “Olha o leiiiteirooo...” Ele não tinha buzina de borracha que faz “func func”, como fazem em Grão Mogol os vendedores de pão em cima de motocicletas.
Tanto chegava suado o cavaleiro como o cavalo. Cada um cheirava mais do que o outro. Era, em realidade, uma mistura de cheiro de leite derramado e de urina do cavalo. Quando o animal urinava, era um jorro parecido com torneira aberta. Quando não vinha acompanhado da obra do bicho parecida com pelotas de minério de ferro.
Os cheiros impregnavam a calça, a camisa, o chapéu e as botinas do vaqueiro. E a partir disso se podia avaliar a higiene na ordenha das vacas. Mas tudo ficava bem com a fervura do leite. Inclusive o risco de ser acometido de aftosa e outras doenças decorrentes. Na época não tinha outra maneira. Era desse jeito.
As mães deixavam os afazeres e iam para a porta das casas com o vasilhame a fim de comprar leite do leiteiro. “Olha o leiiiteiiiro...” Esgoelava lá fora. O leite era vendido desse jeitim: depois de receber dinheiro e dar o troco, o vaqueiro de mão suja e suada enfiava no latão uma lata de um litro e despejava no vasilhame trazido pela freguesa. Geralmente eram as mulheres. O importante é que o leite vendido naquela época era verdadeiro, “in natura”.
O leite tinha de ser fervido, logo, senão azedava ou “cortava”, diziam. E “cortava” mesmo. Era para ser consumido rápido. A ordenha tinha sido feita de manhã cedo e o produto devia ser vendido logo senão era prejuízo na certa para o pecuarista de leite, muitas vezes chamados “gigolôs de vacas”, sempre que o preço sofria majoração.
É por ser produto perecível que a gente deve questionar esse leite vendido em caixas “tetrapak”. Quem dera se naquela época os pecuaristas tivessem facilidade de conservar o leite. Nessa embalagem agora estão nos oferecendo também sucos com gosto da fruta. Um perigo. Por causa disso e de outros fatores conheceremos uma geração de obesos devido ao consumo de produtos com gosto de fruta, mas é veneno a conta gota.
Voltando ao leite, com o surgimento do processo de pasteurização, o produto podia ficar na geladeira e durava mais tempo. Mas lá em casa, mãe Elvira não deixava de ferver o leite. Mal sabia ela que, segundo o Maratma Gandhi – revelação feita em sua biografia – “leite de vaca acelera o processo de envelhecimento”. E mais dizia ele: “Leite de vaca é para o bezerro”.
Evidentemente, sempre pus mais fé e confiança nas palavras de Gandhi, a “Grande Alma”, do que nas palavras de quem disse um dia numa roda de amigos – e desatei a rir: “Leite de vaca faz crescer cabelos nos ouvidos”. Houve quem passasse bom tempo estudando a possibilidade de leite de vaca fazer crescer cabelos nos ouvidos.
Foi quando aqueloutro matutou durante bom tempo sobre essa antes desconhecida propriedade do leite – de fazer crescer cabelos nos ouvidos – que acabou inopinadamente chegando a uma conclusão: “Isso só pode ser conversa de bebum. Uma maneira de fazer como os políticos fazem há décadas, legislar em causa própria pra não beber leite e enfiar a cara só na cachaça”.
Não estou aqui contra o consumo de leite. Há um ramo da economia e consumidores dependentes do produto e dos seus derivados. Passei por aqui só mesmo porque vi pela janela um homem montado a cavalo. A figura dele me recordou a dos leiteiros dos anos 50.
Quem viveu o período e vivo ainda está poderá fazer as comparações com os dias de hoje. As pessoas tomam leite aguado e sucos só com gosto de fruta. As crianças, em sua maioria, conhecem o ovo, mas não sabem da galinha. Comem a carne de boi, mas nunca viram, ao vivo e em cores, um boi. Nem sabem se ele faz “mooommm” ao mugir.
Sinceramente, não gostaria de nascer hoje neste mundo onde quase tudo parece ser, mas não é.


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Por Alberto Sena - 30/10/2015 14:05:08
GRÃO MOGOL
PRESÉPIO CAUSA EMPOLGAÇÃO EM BH

“Foi um encantamento só” o resultado da apresentação do vídeo sobre o Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão Mogol, por parte do seu construtor, o empresário Lúcio Bemquerer, para 15 importantes personalidades influentes de diversos segmentos e principalmente do circuito turístico de Minas Gerais a fim de divulgar a obra.
A apresentação, no Clan Glass Business Tower Hotel, ao lado da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), empolgou os presentes e despertou neles o interesse de conhecerem a obra. Em novembro próximo, um grupo deles virá a Grão Mogol a fim de conhecer “in loco” a grandiosidade do presépio abençoado pelo Papa Francisco.
Beth Pimenta, empresária fundadora da Água de Cheiro e do Hotel Fazenda Capetinga, uma das participantes do encontro disse por meio de telefone celular, diretamente de Belo Horizonte, ter achado o vídeo sobre o presépio “muito bom, todos ficaram encantados com a apresentação e se interessaram em ir a Grão Mogol, a fim de conhecer a obra”.
Além dela, também viram a apresentação do vídeo, a ex-deputada Maria Elvira, a deputada Luzia Ferreira (PPS), a escritora Tereza Casasanta, autora, entre outros, do livro “Criança e Literatura”, o presidente do Conselho Administrativo do Minas Tênis Clube, Sérgio Bruno Zech, Gilson Siqueira, da diretoria da ACMinas e a diretora de Promoção Turística da Belotur, Stela de Moura Kleinrath, entre outros. Stela se comprometeu em divulgar, no âmbito da Belotur, um kit sobre o presépio distribuído a cada um dos participantes do encontro.
Cada kit é composto do DVD sobre o presépio apresentado na ocasião; uma revista com reportagem bastante ilustrativa sobre a obra; a carta do Papa Francisco, com bênçãos para quem já visitou e para quem ainda visitará a obra; o livro e o CD do poeta e repentista Téo Azevedo, com a história completa do presépio; e vários prospectos comparando o presépio aos pontos de turismo religioso de Fátima (Portugal), Lourdes (França) e Caminho de Santiago de Compostela (Espanha).
Foi, segundo Lúcio Bemquerer, um encontro dos mais produtivos, iniciativa que ele pretende abraçar daqui para frente junto a agências e operadoras de turismo, de modo a diminuir a distância entre a capital e Grão Mogol, que além do presépio possui belezas que o Brasil e o mundo precisam conhecer.


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Por Alberto Sena - 26/10/2015 08:19:08
MONTES CLAROS DE QUANDO
OS CÃES ANDAVAM DEVAGAR

Alberto Sena

Recordo-me, com frequência, da constatação do meu filho Rahvi, nascido em Belo Horizonte, quando ele tinha uns três anos de idade e o levei de trem de ferro a Montes Claros. De mão dada com ele íamos pela Rua Dr. Veloso rumo ao Centro da cidade. Na confluência com a Rua General Carneiro, próximo ao Asilo São Vicente de Paulo, vinha um cachorro vira-lata e Rahvi chamou-me atenção: “Pai, aqui, até os cachorros andam devagar, não é?” Corria a década de 80.
Confesso que nunca havia reparado isso. Até o ano de 1972, quando de mala e cuia deixei Montes Claros para viver 43 anos em Belo Horizonte, nunca havia reparado que na minha cidade “até cachorro” andava devagar, de tão pachorrenta era a vida na época. Claro que quando deixei Montes Claros, Rahvi ainda não existia, pois veio à luz na década de 80. Mas a observação dele foi importante porque de lá para cá pudemos usá-la como termo de comparação para avaliarmos o quanto a cidade cresceu e também o quanto a velocidade desse crescimento aumentou o corre-corre da vida diária.
Morando em Belo Horizonte, evidentemente voltei a Montes Claros diversas vezes, mas a maior parte foram visitas, como diria mãe Elvira, “pra buscar fogo”. Com o passar do tempo, a cidade sofreu transformações e muitos nem se deram conta disso. As referências e os amigos se foram, cada um cumprindo o seu destino, de modo que não tinha mesmo como notar esse crescimento assustador, que fez de Montes Claros uma capital crescente tanto horizontal como verticalmente.
Constatação ao contrário da que fez Rahvi na década de 80, eu pude fazer noutro dia, já morando em Grão Mogol, ao procurar o endereço de uma agência de publicidade “atrás do Parque Municipal” de Montes Claros. Qual não foi o meu espanto ao constatar que a cidade havia ultrapassado longe os limites do parque?
Na década de 70, entre a cidade e o Parque Municipal havia só mato e a Rodoviária que o prefeito Toninho Rebello mandara construir. Não sei se em muito ou pouco tempo, considerando a relatividade temporal, a cidade simplesmente inchou. E se antes “até cachorro anda devagar”, nas últimas décadas os montesclarinos e os cães se deram conta de que era necessário imprimir velocidade senão ficariam pra trás ou seriam atropelados.
Os lances de Montes Claros de hoje que vemos na televisão não nos dão a impressão de ser a mesma cidade. Parece mesmo com uma capital com os seus edifícios mirando as nuvens. O calor quase insuportável de antes está devera insuportável hoje porque a cidade virou uma bolha de calor. O calor do Sol é refletido pelo asfalto e pelo concreto armado dos prédios, assim como acontece atualmente com Belo Horizonte.
Rahvi é adulto hoje. Casou-se e é pai de uma linda menina de um ano. Ele certamente nem irá se recordar mais da expressão marcante pronunciada quando menino. É possível que, quando a minha neta estiver com três aninhos, e se em vez de mim Rahvi a levar pela mão na mesma confluência de Montes Claros – ruas Dr. Veloso e General Carneiro – e se acontecer de um cão vira-latas surgir de repente, ela, a minha neta, dirá justamente o contrário: “Pai, aqui, até cachorro anda em alta velocidade, não é?”
O que as administrações anteriores da cidade deviam ter feito há muito tempo, é um Plano Diretor para pôr ordem na casa, o que só agora vem sendo anunciado pelo prefeito Ruy Muniz. Se bem que o melhor prefeito de Montes Claros, Toninho Rebello tentou fazer um Plano Diretor, mas por motivos que desconheço foi impedido de executar.
Pelo que noticia a jornalista Márcia Yellow, da assessoria de comunicação do prefeito, reuniões neste sentido têm sido feitas discutindo, inclusive, como preservar córregos e nascentes. Após essa fase de reuniões técnicas serão realizadas reuniões com a participação popular. Resta saber se, de fato há tempo de resgatar córregos e nascentes neste torrão árido que os ditos entendidos estão augurando um futuro que, particularmente, não gosto nem de pensar.
E por falar nisso, aonde foram parar os rios da nossa adolescência, como Melo, Lajinha, Carrapato, Pai João, entre outros? O Vieira, que nos tempos de infância passava ao fundo do nosso quintal, e era limpo bem podia ser tratado com carinho, virou cloaca a céu aberto.


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Por Alberto Sena - 13/10/2015 15:22:24
REENCONTRO DE LEMBRANÇAS

Alberto Sena

Não via Reinaldo Nunes de Oliveira, da Emater-Minas, Reinaldinho chamado, desde a década de 70, quando ele, salvo engano, deixou Montes Claros para estudar Agronomia na Universidade Federal de Viçosa (UFV), Zona da Mata mineira onde vivi pouco tempo. Quando nos conhecemos, no século passado, Montes Claros era cidade tranquila. Podia-se sair a qualquer hora do dia ou da noite sem insegurança pública. A violência e a neura dela se limitavam as grandes cidades, mas já apresentavam sinais do que seria num futuro então longínquo, hoje presente nu e cru para todo montesclarino constatar.
Somos da geração Beathes. Vivíamos a Montes Claros vibrante dos melhores tempos, quando o Automóvel Clube foi construído ali na Praça João Alves e deu mais movimento à vida pachorrenta da cidade. E posso até dizer que participei da construção do Automóvel Clube porque adolescente fiz cobrança de sócios proprietários inadimplentes por meio duma empresa chamada Zeta Incorporações, regiamente pago com comissão. Isso garantia a manutenção do jovem a caminho da maioridade.
Reinaldinho, bem mais do que eu, incorporou de fato o espírito dos “besouros” ingleses, e junto a amigos comuns, era baterista de uma banda. Recordo-me, foi naquela época quando surgiu o grupo “Os Brucutus”, com Ricardo Milo, Hélio Guedes (Patão), João Batista Macedo, Haroldo Tourinho e Beto Guedes. Este já mostrava a genialidade das canções que faria, como Sal da Terra, verdadeiro hino ao amor e a vida.
Ele, Reinaldinho, tanto quanto eu, vivemos intensamente os dias e as noites de Montes Claros. Tanto tempo depois, reencontrá-lo, desta feita em Grão Mogol trouxe-me ele uma avalanche de recordações. Naquela época, ninguém imaginava o que seria no futuro “quando crescesse”. Não nos preocupávamos com isso. Aliás, futuro era algo tão impalpável que nos contentávamos com o prazer de viver o presente.
O lado melhor da vida montesclarina se resumia às horas-dançantes nos clubes, época em que os hormônios se encontravam em ebulição. Automóvel Clube, Clube Montes Claros, Max Min, Pentáurea, Lagoa da Barra – não havia maneira melhor de viver senão curtir os ares juvenis com as moiçolas atraentes desta cidade.
Reinaldinho deu-me notícias de vários amigos comuns. Foram boas notícias e notícias não boas de amigos com os quais vivemos naqueles áureos tempos. São os reveses da vida. Quem Deus tenha pena de todos nós.
Em dado momento, Reinaldinho fez a seguinte pergunta: “Por onde andará Rosalina Fonseca, tem notícia dela?” E foi então que debulhamos uma espiga de milho de recordações do quanto ela era de vanguarda. Nunca mais tivemos notícias dela. Recordei-me de tê-la encontrado em Beagá na década de 70. Ele, sim, era amigo dela. Pessoalmente nunca tivemos relação de amizade, mas evidentemente, era mulher cobiçada naquela época em que os montes ainda eram claros e vivíamos os melhores anos de uma cidade pacata.
Mas, afinal, a que veio Reinaldinho a Grão Mogol? Ele, como coordenador técnico da Emater-Minas em Montes Claros estava acompanhado da pedagoga Beatriz Cristina, da Coord. Regional de Bem Estar Social da Emater para tratarem, aqui, do “Programa Brasil Sem Miséria”. A Unidade Regional de Montes Claros cuida de 22 municípios, dentre eles, Grão Mogol.
Segundo Beatriz Cristina, “estamos atendendo 1.744 famílias de agricultores distribuídas em 20 municípios; as famílias cadastradas receberam ou receberão um fomento no valor de R$ 2, 4 mil para investirem em projetos produtivos que foram planejados junto a técnicos da Emater”.
Os dois, Beatriz e Reinaldinho visitaram o Presépio Natural Mãos de Deus. Era noite. As luzes do presépio disputavam brilho com as estrelas. Acompanhei-os pelas rampas dando informações a respeito de como o presépio foi construídos em oito meses e 19 dias e inaugurado em 9 de dezembro de 2011.
Impressionados, os dois se despediram, uma hora depois de chegar, resumindo o presépio como obra de “um predestinado”. Quanto à nossa amizade antiga, Reinaldinho não foi capaz de resumir em uma hora o que se passara me colocar a par dos acontecimentos montesclarinos sucedidos nesse intervalo de meio século da nossa existência.
Em virtude disso, o amigo ficou de retornar a Grão Mogol noutra ocasião, com mais vagar. Isto é, se ele não se perder “lá onde o vento faz a curva”, a fim de colocarmos a nossa conversa em dia.


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Por Alberto Sena - 1/10/2015 08:43:31
PAPA FRANCISCO DESMORALIZA O CAPETA

Alberto Sena

O Papa Francisco ainda será considerado o “Papa dos Séculos”. Depois de tudo já dito por ele e de tanta polêmica levantada, por último, saiu-se com mais esta: não há fogo no inferno. “Ora, bolas”, diria o poeta Mário Quintana.
Se não há fogo no inferno, então muda tudo. D’agora pra frente os montesclarinos, que estão ardendo debaixo de um Sol abrasador, não poderão mais dizer: “Aqui, tá fazendo calor dos infernos”. Não poderão mais, porque o Papa falou, não há fogo no inferno.
E se não há fogo, fiquei pensando com a manga esquerda da camisa, como é que ficará daqui pra frente o italiano Dante Alighieri com a Divina Comédia, belíssimo livro que deixa a gente de boca aberta, encabulado como é que pode um humano escrever livro de tamanha beleza poética e profundidade, mergulhando ao imo desta raça bípede implume. Nele, Dante trata do inferno de fogo.
Muda ou não muda tudo, essa declaração do Papa? Ninguém mais vai poder desejar ao próximo “arda nos quintos dos infernos seu fdp”. E agora? Como é que ficarão as coisas? Então, aquela figura diabólica do capeta, como é que fica agora se não há fogo no inferno? Evidentemente, não mais será usada aquela figura horrorosa e abrasadora com um tridente espargindo fumaça pra tudo quanto é poros.
O Papa, com toda a sua autoridade papal, vai me desculpar, mas ele não devia chutar o balde assim, a não ser que tenha ido lá pra ver com os próprios olhos e sentir o clima do lugar. E “adondé” que irão agora os mitos e as crendices? Ora, com efeito, diria a minha bondosa mãe Elvira. E agora?
O importante é saber quem é o responsável por nos ter incutido esse medo de ao morrermos irmos arder num inferno de fogo. Por que e pra quê será que fizeram isso com os ditos cristãos ao longo dos milênios? Muita gente deve ter problemas psicológicos e psicossomáticos por causa dessa figura mais parecida a um arquétipo.
E querem mais? O Papa disse que Adão e Eva “não são reais”. Essa declaração dele faz mudar ainda mais as coisas. A gente já ia começar a acreditar que a Humanidade nascera de um casal, Adão e Eva, e vem o Papa e estraga tudo. Essa história é uma mera metáfora, pois como é que pode um casal gerar essa quantidade de gente, mais de sete bilhões de almas vivas?
E se a gente considerar que a Igreja Católica já foi hegemônica e se considerava “dona de Jesus”, vem o Papa e diz que todas as religiões levam a Deus. Se ele falasse isso umas décadas atrás a Terra tremeria do ocidente ao oriente.
Essas declarações do Papa se parecem com a recente declaração da Nasa sobre a existência de água em Marte. Parece brincadeira, os norte-americanos gastaram até hoje fortunas de dólares para descobrir o que a Bíblia Sagrada já afirma a não sei quantos milênios – “as águas do alto”.
A vida surgiu na água, senão não haveria a necessidade de uma bolsa cheia dela pra nos dar a vida. No Oriente Médio as pessoas sabem retirar água do ar. Claro que há água em todo o universo.
Posso estar errado e se o leitor achar que estou mesmo, por favor, me corrija, mas melhor teriam feito os norte-americanos se investissem juntamente a outras potências, na solução dos problemas dos humanos na Terra. Isto feito, depois, na minha ignorância, acho, justificaria investigar o que há ao redor do nosso planeta até os confins das estrelas.
E voltando ao Papa Francisco, ele tem se mostrado simples, tão simples ao ponto de substituir o trono por um de madeira, modesto, num claro exemplo compatível com a sua origem religiosa.
Entretanto, o que mais chamou a atenção foi o comentário de um internauta sobre essa questão de troca de trono. O que Francisco fez ao optar por um trono de madeira seria, na comparação dele, a mesma coisa de “possuir uma BMW e um fusquinha e só usar o fusquinha, mas continua dono da BMW”. Não sabe ele que o Papa não é dono do Vaticano.
No frigir dos ovos – comam ovos todos os dias, é o alimento mais completo – o Vaticano, com toda a sua portentosa riqueza, deixaria Jesus Cristo, ao retornar, ele que não tinha nem aonde recostar a cabeça, sem entender o que fizeram do Cristianismo Verdadeiro.


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Por Alberto Sena - 21/9/2015 11:56:50
Reencontro no Presépio Mãos de Deus

Alberto Sena


O reencontro fora marcado algumas vezes, mas por motivos vários não acontecera. Entretanto, desta vez, nada impediria o reencontro dos dois amigos fraternais de data longa, de quando jovens se estavam definindo na vida profissional, em Montes Claros. Dois dos fundadores da famosa revista Encontro, com Décio Gonçalves e Konstantin, na década de 60. Na época, a cidade seguia celeremente rumo aos primeiros 100 mil habitantes.
Tanto tempo depois, eles – Waldyr Senna Batista e Lúcio Marcos Bemquerer – se reencontraram em Grão Mogol. O pretexto foi o de conhecer o Presépio Natural Mãos de Deus, que em dezembro próximo completará quatro anos, abençoado pelo Papa Francisco.
Waldyr veio de Montes Claros a Grão Mogol neste final/início de semana, acompanhado de Dizinha – Maria Luísa Rodrigues Batista – a esposa, tendo como ajudante de ordem o filho médico André Senna. Nenhum dos três conhecia Grão Mogol.
O reencontro dos dois amigos se deu às portas do hotel Paraíso das Águas, ali pelas 11h da manhã de sábado. As marcas do tempo estão em cada um, inevitavelmente. Ambos realizaram muito durante o percurso de tempo passado desde os embates estudantis em Montes Claros e o reencontro em Grão Mogol, neste sábado.
Não dá pra citar tanta realização, mas da parte de Lúcio Bemquerer, segundo ele próprio costuma dizer, a maior realização é o Presépio Natural Mãos de Deus, o maior do mundo.
Da parte de Waldyr, que durante décadas atuou primorosamente no jornalismo de Montes Claros, a maior realização, se se pode ousar dizer por ele, é o Colégio São Mateus, no Bairro Todos os Santos, em Montes Claros, com 1.200 alunos, de 1º ao 9º ano, modelo de escola que administra com a educadora Dizinha, numa relação de confiança mútua de meio século de casamento.
O teor das conversas dos dois amigos não foi revelado espontaneamente. Nem lhes foi perguntado. Mas no mínimo aguçaria a curiosidade saber do que conversaram décadas depois de um distanciamento provocado pelas circunstâncias da vida. Um ficou em Montes Claros praticando jornalismo escorreito. O outro foi para Belo Horizonte onde fez Sociologia na UFMG e foi presidente da Associação Comercial de Minas (ACMinas).
Depois da recepção no hotel, Waldyr, Dizinha e André foram levados a conhecer a Matriz de Santo Antônio, a Capela Nossa Senhora do Rosário e, em seguido, o presépio. Até parece que o clima temperado veio por encomenda.
Do presépio, todos foram almoçar salmão com alcaparras, arroz, batata sauté e salada de verduras, tudo regado a vinho tinto seco da adega de Lúcio Bemquerer, e cerveja. Inclusos, Geraldo Fróis, do horto da Prefeitura de Grão Mogol, e Delmira Ribeiro, administradora do presépio. O almoço foi servido pela “chef de cuisine” Sílvia Batista, com sobremesa de doce de leite e de limão galego. Tudo uma delícia!
Antes de os três visitantes irem para o hotel, eles, acompanhados de Gê Fróis, Delmira e a “chef” Sílvia posaram para uma foto tendo ao fundo Herman Melville, o jumento irmão de propriedade do velho Juca, que, pretensiosamente pretende-se internacionalizá-lo, de modo a atrair turistas do mundo inteiro só para sacar uma foto com ele.
O mais importante de tudo foi o prazer de entabular conversações de alto nível com os ilustres visitantes e Lúcio Bemquerer perpassadas pela política nacional, economia, educação, literatura, artesanato, entre outros temas pertinentes, inclusive com boas ideias para solução da crise nacional. Que na previsão mais otimista de Waldyr, deverá durar “uns cinco anos”.
Dizinha, Waldyr e André foram recepcionados por Lúcio Bemquerer e Delmira Ribeiro, em casa dele, na noite de sábado e na ocasião os dois amigos aos poucos foram pondo quase em dia temas que o tempo conservou nos escaninhos da memória de cada um.
Quanto ao presépio Mãos de Deus, Dizinha fez questão de percorrê-lo à noite, sozinha, a fim de apreciar, com mais vagar a beleza das luzes, que o fazem brilhar feito estrela no firmamento. Ela fez orações na Manjedoura e na Sala das Preces, dirigidas a Nossa Senhora das Graças.
Waldyr e André ficaram devera impressionados com a predestinação de Lúcio Bemquerer de encontrar um presépio de tamanha importância em pleno sertão, na linha imaginária que delimita o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha.


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Por Alberto Sena - 16/9/2015 14:31:30
AOS SESSENTA E SEIS

Alberto Sena

Fazer 66 anos não dói. Tem cor. Mas é indolor. Tem cheiro. Sabor. Perfume. Lume. Mas não dói.
Isto eu posso assegurar porque me vejo, aqui, diante de um número 6 olhando para o outro 6. Gêmeos?! Meia/meia. Isto significa dose dupla. Multiplicação. Isto é bom. Acredito.
Gostei do número. Posso até brincar com eles. Assim: 6 vezes 6 – 36; 6 mais 6 – 12. E assim: 6 e 6; 6 com 6; 6 a 6. Um 6 sozinho. Ou ainda um 6 bem adiante do outro 6, como fazemos, eu e ela, em longas caminhadas, mochilas nas costas.
Se eu viro 66 de cabeça pra baixo, 66 vira 99. E, então, 33 anos antes vejo o número de anos que viverei. Quem viver verá. O número 33 tem significado grande. Cumpri as duas primeiras partes de 33. Resta a derradeira parte os 33 para completar os 99.
Elucubrações à parte, vamos em frente, se possível, com muita arte. Porque viver, meu amigo (a) é arte. É preciso ser artista. Da nossa parte, achamos importante o que vamos absorvendo de bom no decorrer dos anos.
O número 6 nos transmite uma porção de coisas, dentre as quais a vontade de reler a peça teatral de Luigi Pirandello, intitulada: “Seis personagens à procura de um autor”.
Linda peça. Lida peça.
Boa a bessa. Recomendo.
Estou feliz com os 66. Tudo graças ao bom Deus. Desejo um 66 feliz pra quem é de 66. E pra quem aos 66 chegar, antecipadamente, eu felicito. Desejo paz e amor.
Tim-tim... Com vinho tinto seco – argentino, chileno, francês, espanhol, italiano e ou, por incrível parecer possa, de Andradas (MG), da Casa Geraldo.
Paz, saúde e alegria de viver. Pra mim e pra você – ou pra você e pra mim? Melhor assim.


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Por Alberto Sena - 8/9/2015 15:32:46
Nasceu no âmbito do Facebook uma página intitulada “Pela duplicação da BR 251”. Jonas Antunes, de Montes Claros, que dentre outras muitas qualidades é sobrinho de Oswaldo Antunes, dono do lendário O Jornal de Montes Claros, JMC chamado, criou a página e estamos com ele e quem mais interessar possa alimentá-la no Facebook.
“Pela duplicação da BR-251”. A ideia é concentrar nessa página tudo que acontecer daqui para frente na rodovia, que leva a pecha de uma das malditas do Brasil diante do quadro de sucessivos acidentes que roubam preciosas vidas humanas.
O que mais nos deixa indignados é que morrem famílias na rodovia e tudo parece ficar do mesmo jeito, como se nada tivesse acontecido, como se nada mais pudesse ser feito a não ser registrar estatisticamente mais um acidente que a mídia noticia. E pronto. Esse é um exemplo gritante da banalização da vida humana.
O movimento “Pela duplicação da BR-251” não tem caráter político partidário. Mas é um movimento político porque a gente sabe que abaixo de Deus é a política que determina o nosso modus vivendi. É a política que tem a obrigação de atender o mais breve possível a nossa exigência, porque é exigência de uma coletividade, de milhões de pessoas que se utilizam da BR-251 todo dia.
De Grão Mogol, por exemplo, diariamente sai um ônibus com estudantes que fazem algum curso em Montes Claros. Os estudantes vão e voltam depois das aulas. Essa turma corre risco diuturnamente porque a rodovia recebe carga pesada sobre o asfalto em muitos pontos esburacados.
Não pedimos, exigimos a duplicação da BR-251, já. Daqui pra frente todo acidente registrado naquela importante via a responsabilidade é e sempre será do governo federal, que se mostra omisso diante do quadro avassalador da rodovia.
Não podemos mais ficar paralisados diante dos acontecimentos sem tomarmos atitudes. Não basta ter vontade política para resolver os problemas. É necessária ação política. Sem desviarmos da meta – Pela duplicação da BR-251 – vamos nos unir até alcançarmos o objetivo.
A nova página foi criada para ser ponto de convergência de todos os problemas registrados na BR, que leva o nome de Júlio Garcia. Não dá mais pra ficarmos como espectadores inoperantes. Vamos fazer todo possível para incomodar o governo federal até conseguirmos a duplicação da rodovia. A meta (o objetivo, a finalidade) é: a duplicação já, da BR-251.
Só quem depende dela sabe o quanto essa rodovia que corta Montes Claros trouxe de bom e de ruim para a cidade. Por um lado, contribuiu para o seu crescimento, mas por outro recebeu gente dos quadrantes do Brasil, nem todos de boa índole.
O mais dramático, entretanto, é o que acontece no dia a dia da rodovia que regurgita carretas, cegonheiras, caminhões e carros de passeio. Se por um lado deparamos com motoristas irresponsáveis ou movidos a rebites, que fazem ultrapassagens em locais proibidos e causam acidentes como o que se deu dia 5, sábado, por outro lado, a rodovia é estreita para a quantidade de veículos que nela trafegam.
Há muito tempo a BR-251 já devia ter sido duplicada. No caso particular dos montesclarinos e grãomogolenses, todos deveriam se unir nesta página para exigir a duplicação da rodovia. Postem fotos e textos sobre ocorrências registradas nessa rodovia e juntos seremos fortes para, enfim, fazer o governo federal se mexer. Basta de conversas. Queremos ações práticas já. Pela duplicação da BR-251.
Já presenciamos várias cenas que poderiam gerar graves acidentes nessa fatídica rodovia. O mais recente foi semana passada quando retornava a Grão Mogol vindo de Montes Claros. O motorista de uma carreta saiu do posto de gasolina como se no local tivesse um semáforo aberto pra ele.
De duas, uma: ou o camarada é irresponsável de nascença e devia estar preso para não pôr em risco a vida de ninguém, ou ele estava à base de rebites, opção mais provável para explicar a ação dele. Se o motorista do nosso carro não fosse competente, nós teríamos nos enfiado debaixo da carreta, simplesmente atravessada na nossa frente.
O motorista pisou no freio e ainda jogou o carro para o acostamento onde ficamos esperando o louco terminar a manobra para seguir em frente. O ar cheirava pneus. E o motorista da carreta ainda esbravejou-nos alguma coisa e fomos adiante certos de que escapamos por um triz. (Visite a página "Pela duplicação da BR-251", que em dois dias teve mais de 15 mil acessos).


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Por Alberto Sena - 31/8/2015 08:39:20
SER MONTESCLARINO É...

Ser montesclarino é... Condição para quem nasce em Montes Claros. Mas quem possui título de cidadão honorário também pode se sentir montesclarino. E mesmo quem não possua título e tenha nascido noutro lugar pode se sentir de Montes Claros, se de fato e com sinceridade amar e contribuir para melhorar a vida das gentes desta capital do Norte de Minas.
Sei de quem nasceu noutro lugar e porque mora em Montes Claros faz tempo, diz ser montesclarino. Uns negam o próprio torrão aonde vieram à luz. Claro, há quem faça isso porque ser de Montes Claros confere à pessoa mais brilho do que se confessasse ter nascido noutro lugar.
Isto é facílimo de explicar. E de entender. É que Montes Claros, por ser cidade-polo, pra onde converge gente de todos os cantos do Brasil, possui luz própria, e, naturalmente ilumina quem mora nesse Arraial das Formigas. Cidade plana, atualmente cresce pra cima.
Montes Claros deu ao mundo grandes personalidades que elevaram o nome da cidade aos pícaros da música, da literatura e de vários outros segmentos da vida humana.
Mas o fato de alguém ter nascido em Montes Claros não quer dizer que seja de fato montesclarino, se o cidadão não possui a garra para defender e gostar da cidade como patrimônio seu. Montes Claros necessita disso, inda mais em momentos tão incertos como os tempos prenunciados.
Ser monsteclarino.. É gostar de pequi. Ou não. Porque ninguém é obrigado a gostar de pequi. Quem gosta, gosta. Quem não gosta, detesta. Nem aguenta sentir o cheiro. Mas ainda assim deve ajudar a defender o consumo de pequi. E defender o pequizeiro, naturalmente. O seu abate é proibido no território nacional.
Por um motivo simples: 100 gr da polpa de pequi contém 200 mil Unidades Internacionais de vitamina “A”. Além de outras vitaminas, sais minerais e gorduras. A vitamina “A” é de suma importância para manter em pé o esqueleto.
Pequi, fruto do pequizeiro, é alimento forte. Garante saúde ao sertanejo. E é fonte de renda. Do pequi se pode extrair o óleo. Faz-se paçoca, doce, licor. O pequi é fruto abençoado e por tudo isso mesmo quem não o aprecia deve ajudar a defender o pequizeiro, que no sertão vem sendo abatido para virar carvão.
Ser monsteclarino é.. Gostar também dos demais frutos do Cerrado santuário de fauna e flora sem igual, donde nascem o Rio São Francisco e as veredas que o alimentam. Rio da “Unidade Nacional”, fadado ao desaparecimento até 2030, segundo estudos científicos. O Cerrado vem sendo destruído sorrateiramente por grandes projetos agropecuários.
Ser montesclarino é... Gostar das festas do Divino. É ser catopé por dentro. E se possível mostrar-se catopé por fora com as vestimentas próprias e as fitas multicoloridas esvoaçantes. É dar vivas ao Espírito Santo, o Paráclito, deixado pra nós por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ser montesclarino é... Gostar de serestas. É gostar de gostar de ter nascido em Montes Claros e querer sempre defender a cidade maltratada, coitada, em administrações públicas passadas. E que não pode cair em mãos estranhas. Jamais.
Ser montesclarino é... Exercitar a capacidade de nos indignarmos, conforme recomenda-nos um dos melhores frutos da nossa terra, o professor Darcy Ribeiro. Montes Claros ruma celeremente a caminho do cumprimento de sua vocação prenunciada desde antanho.
Ser montesclarino é... Ser hospitaleiro, mas não bobo como em passado nem tão distante, quando gente safada caia de paraquedas na cidade e fazia misérias. Principalmente políticos indignos que são como aves de arribação. Quando (faz bom tempo) principiam as eleições, eles vêm; quando (faz mal tempo) acabam as eleições, eles vão.
E não querem nem saber de outra coisa a não ser locupletarem com o dinheiro público. Mas com os exemplos do juiz Moro muitos deles estão presos ou com as barbas de molho. Haja molho pra tanta barba.
Ser montesclarino é... Ocupar-se com a preservação da história e da memória da cidade para que as gerações atuais e as que ainda virão possam valorizar a terra conhecendo o seu passado para construir no presente um futuro mais promissor.
Ser montesclarino, enfim, é... Ser gente, simplesmente. Não existe um padrão pronto e acabado, mas algumas características próprias dos antepassados, como caráter, ética, honradez... Tudo na paz. De Deus. Se a violência atualmente amedronta, ela veio de fora, porque a índole nossa é pacífica.
Ser montesclarino é...


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Por Alberto Sena - 20/8/2015 09:03:37
Gaiola Onírica


Comprei uma gaiola. Quiseram vender-me gaiola dourada, feita de arame. Optei por uma, a mais simples, de bambu trançado.
A intenção é engaiolar sonhos dispersos. Daqui pra frente, todo dia, abrirei a portinhola da gaiola. O sonho propenso a se realizar ganhará asas. Liberto voará a fim de se concretizar
Imagino: sairão da gaiola os sonhos metamorfoseados em borboletas. Borboletas azuis, preferencialmente.
Da gaiola sairá sonho encarnado em passarinho de canto mavioso. Suspeito também, da gaiola sairá o sonho maior, do tamanho do condor.
Asas abertas impregnadas da porção mágica de amor, o sonho maior, o amor na pele de condor, escapado da dimensão onírica, primeiro voará às alturas como soe ele acontece de alcançar.
Depois de alto voar, muito alto mesmo; depois de costurar os ares; depois de tecer os rios e cerzir os mares, molhado do sereno das noites dos lugares, coberto pelo brilho da Lua Cheia se dará a conhecer ao mundo. Condor coberto do pó de amor
Oh mundo imundo. Quando tudo isso acontecer, cada sonho vier a transformar a vida, não terei mais necessidade de engaiolar sonhos dispersos.
Enfim, todos estarão próximos de mim. Uns ao alcance da mão. Outros límpidos bem na palma da mão. Desnecessário será, então, a gaiola onírica. Transmudada em viola, saber-me-ei trovador. Irei cantar a vida. Com todo ardor sob o calorão do Sol do sertão generoso, a todos levando a mensagem da alegria.
A mensagem do condor. Sem dor. De amor.


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Por Alberto Sena - 7/8/2015 16:09:13

“UM DOS MAIS BELOS POSTAIS DE OUTRORA”

Esta foto antiga da Praça Governador Raul Soares, mais conhecida por Praça da Estação Ferroviária, é verdadeiramente um marco para Montes Claros e o Brasil de hoje. A praça era realmente “um dos mais belos postais de outrora”. No tempo em que o meio de transporte predominante era o trem da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) ligando Montes Claros a Belo Horizonte.
Dessa importante fotografia vista com senso mais arguto é possível fazer várias leituras se nos ativermos aos detalhes que nos deixam espavoridos se compararmos a realidade atual de Montes Claros e do Brasil com a daquela época, década de 40. Quem poderia prever o que aconteceria depois do ano 2000?
Mas, vamos com a interpretação da foto. Em primeiro plano o que vemos é a estátua de Francisco Sá, personalidade marcante da nossa história. Ele trouxe a Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) para Montes Claros. A maioria das pessoas passa pela Avenida Francisco Sá, nem de leve imagina quem seja aquele homem de bronze em pé sobre pedestal e com a mão direita estendida. Menos ainda sabe o nome original da praça.
Francisco Sá nasceu no município de Grão Mogol, em Brejo de Santo André, hoje pertencente ao município de Francisco Sá, antigo Brejo das Almas, no dia 14 de setembro de 1862. Ele era engenheiro, jornalista e político. Foi deputado provincial, ministro de Viação e Obras Públicas dos governos Nilo Peçanha e Artur Bernardes, e da Agricultura, Indústria e Comércio de Nilo Peçanha. Foi deputado geral, deputado federal e senador de 1906 a 1927.
Em síntese, eis o homem. Atrás da estátua dele, estacionados, estão os primeiros carros de Montes Claros. Quantos de nós andamos nessas “furrecas?” Eram os “fordinhos”. E dentro da leitura da foto, o que se vê claramente é o incipiente trânsito de carros, como que nada queria acabou caindo nas graças de Juscelino Kubitschek (JK) quando presidente.
Ele comprou o “lobby” da indústria automobilística norte-americana e, de lá pra cá, o Brasil sofre hoje as mazelas do excessivo número de carros nas ruas das grandes cidades, sem infraestrutura para suportar volume descomunal de veículos.
Isto sem falar da quantidade de vidas abatidas em acidentes automobilísticos ocorridos diariamente. Sem falar da poluição atmosférica causada pelo monóxido de carbono, carbono que, juntamente ao metano, deverá varrer a humanidade da face da Terra, segundo renomados cientistas, até 2040.
Em toda parte do mundo desenvolvido, as ferrovias têm o seu lugar. Aqui, não, é relegada. Países muito menores que o Brasil, como Japão e Israel, são cortados por ferrovias. Aqui, sucatearam as ferrovias e certos políticos detentores dos meios automobilísticos e rodoviários sempre legislaram em causa própria em detrimento da ferrovia.
Imagina se de Norte ao Sul, de Leste a Oeste o Brasil fosse cortado por estradas de ferro. Não seria para prescindir das rodovias, mas para equilibrar o volume de tráfego. Basta percorrer as rodovias brasileiras para constatar o quão perigosas são e não têm a devida manutenção.
E como se tudo isso não bastasse, a foto antiga nos mostra o quanto era bela a Estação Ferroviária da Central do Brasil. Imagina, se essa estação estivesse em pé nos dias de hoje seria um imóvel digno de ser bem utilizado. Tanto pela beleza arquitetônica quanto pela necessidade de preservação da memória coletiva. No lugar dela foi construído imóvel horroroso. Mas, pelo menos, o antigo galpão da Estrada de Ferro Central do Brasil foi conservado e será transformado em “espaço cultural”.
Montes Claros possui histórias e bem podia ganhar dinheiro com elas como os europeus fazem. Bremen, na Alemanha, tem por base econômica os personagens do texto dos Irmãos Grimm intitulado “Os Músicos de Bremen”. Um burro, um cão, um gato e um galo são os personagens da história que eles criaram. E por todo canto se veem réplicas dos personagens. E Bremen vive praticamente disso.
E olhe, Montes Claros tem personagens marcantes que bem podiam post-mortem ser valorizados e exaltados dentro de um projeto cultural/ turístico para atrair gente de todos os cantos do mundo, a fim de que possa fazer jus ao epíteto de “Cidade da Cultura”.
P.S.: Só para citar alguns personagens da nossa história: Dona Tiburtina, Deba, Cyro dos Anjos, Cândido Canela, Darcy Ribeiro, Dona Yvonne Silveira e mesmo Tuia, que era grãomogolense, mas povoou o imaginário de gerações de montesclarinos.


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Por Alberto Sena - 3/8/2015 14:36:46

VIVER NÃO É PRECISO, RECORDAR TAMBÉM NÃO

Alberto Sena

Saudosismo não faz bem à saúde de ninguém. Inútil alimentar saudade do que já foi vivido. Pode virar doença de banzo. Mata. Ademais é viver de passado. Gostoso é recordar. Mas sem o sentimento de saudade porque se era feliz e sabia. Saudade dói, além do mais. Nada a reclamar da vida.
Quem conjuga e procura praticar o verbo “ser” é diferente de quem “é importante” porque conjuga o verbo “ter” em primeiro lugar e pessoa. Quando alguém diz “fulano está bem de vida”, é de se perguntar: “Ele está bem de vida por que goza de integridade espiritual, psíquica e física?”
Raciocine comigo: de que vale a pessoa se matar para enricar, alguns com dinheiro público, e depois ter de gastar tudo para tratar da saúde comprometida pela ganância material, consumista? Passará a vida gastando o dinheiro que amealhou com médico, laboratório, hospital e farmácia. E ainda corre o risco de tornar-se rabugento, insatisfeito consigo mesmo. O importante é ter o suficiente para viver dignamente. Com boa qualidade.
Só quem não tem história para contar guarda silêncio consigo mesmo. Quem possui história de vida sente necessidade de externá-la porque é como passar a vida em revista permanente. E pode ser que as histórias contadas façam bem a alguém. O mais importante é dar de si ao próximo nem tanto das posses.
Qual criança nascida na última década teve o privilégio de incluir em sua caixa mágica infantil, personagens tão marcantes como os das gerações das últimas cinco décadas? Aonde as crianças de hoje verão o que era visto naqueles anos, em Montes Claros de então, personagens míticos como a “boneca de Leonel?” (Foto).
As crianças daquela bendita época exercitavam a mente desde cedo porque só havia o incipiente rádio para estimular a imaginação delas. Atualmente, as nossas crianças recebem tudo pronto. Não precisam criar imagens que povoavam a mente da infância de então ao escutar uma novela pelo rádio. Ouviam-se as cenas e as imagens ficavam por conta dos ouvintes.
Veja que a boneca não era pequena. Dela e doutras coisas dependia o ganha-pão de Leonel Beirão de Jesus e companheiros. Ver essa boneca que ele utilizava como meio de fazer propaganda de lojas em Montes Claros era um privilégio. Claro que dentro dela havia alguém, que o professor Marcelo Valmor Ferreira afirma que “era Chico Preto, marido de Dona Maria Canela”.
Se para o espanto de todos acontecesse de Leonel Beirão de Jesus ressurgir dos mortos e aparecer para a meninada de hoje com a sua magnífica boneca, qual seria a reação delas? Poderia ser a mesma das crianças daquela época porque a personagem é arquetípica. Só que naquela época as crianças saíam atrás da boneca. Ela parava em determinados pontos quando se curvava e dava uma volta de 360 graus sobre a meninada. Era uma gritaria só.
Para a escritora Carmen Netto, que viveu bem as incursões de Leonel Beirão de Jesus e a sua boneca, ele era “é figura memorável com a inesquecível boneca (...) alegrando as ruas e nos momentos de sofrimento administrando à funerária, não deixando nenhum indigente sem o enterro digno”.
Foi contado noutra ocasião que Leonel tinha relacionamento estreito com a Polícia Civil de Montes Claros. Um dos filhos dele, rapaz fazendo o Tiro de Guerra foi morto com um tiro no peito pela polícia. Na época, a necropsia dos mortos assassinados era nas dependências do necrotério de Leonel, que viu o filho estirado numa maca com uma pequena perfuração do lado esquerdo do peito.
A foto da boneca, como informa Marcelo Valmor é do acervo de dona Maria das Dores Guimarães Gomes, e está registrada sob o número 800. “Belíssima, autêntica e rara foto da boneca de Leonel, tendo à frente Leoni Filho (Leléu) segurando o Rodrigo (filho de Iran e Leila Rego) no colo”.
Este seria um parágrafo desnecessário, mas a vontade de fechar esse texto com o que se lerá adiante foi maior: particularmente, você gostaria de ter nascido nos dias de hoje, se fosse possível fazer essa opção? Há dúvidas e controvérsias quanto a isso. Mas que antes as crianças eram muito mais livres presas em quintais, em contato com fadas, gnomos e outros elementais da Mãe Natureza, disto ninguém há de duvidar.


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Por Alberto Sena - 30/7/2015 11:43:34

RECORDOS DUMA FOTO

Alberto Sena

A foto em epígrafe possui grande significado. Traz recordações da década de 60. Montes Claros se revelava pequena para a quantidade de sonhos de muitos nascidos nessa bendita terra. Vivemos nela até os primeiros quatro anos da maioridade, depois de cumprir um ano de “Tiro de Guerra” – “atirador Sena, número 10, deste TG 87 se apresentando”.
Em Montes Claros havia apenas o esqueleto do prédio onde é hoje o hotel Monterrey, este da fotografia nem tão antiga assim, na confluência das ruas Dom Pedro II e São Francisco, que tanto deu o que falar. E outro na Praça Dr. Carlos.
Quem hoje vê Montes Claros nem imagina ser a mesma cidade retratada na foto. O casarão onde funcionava o mercado, na Praça Dr. Carlos ainda estava em pé. Sumiu da paisagem. Daí também a importância da foto que integra o acervo de dona Maria das Dores Guimarães Gomes enriquecido por Wagner Gomes.
Dele tenho boas recordações. Às vezes, ainda na fase ginasial da vida, íamos ao mercado depois da aula chupar melancia, mexerica. Mercado sempre me atraiu. Desde menino frequento mercado, ganhei gosto. Foi meu pai quem me levou a primeira vez ao mercado. Depois que ele morreu às vezes minha mãe me mandava ao mercado fazer a feira.
Aconteceram algumas vezes de gazetearmos aulas na Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, e, às escondidas, entrávamos no prédio cujo esqueleto ficou ali longo tempo “abandonado”, obras paralisadas. A diversão era ir até o último andar e de lá arremessar aviõezinhos de papel. Embalados pelos ventos, os aviõezinhos alcançavam distâncias enormes para um apetrecho de papel.
Uns voavam até o casarão do mercado. Outros chegavam ao casarão da sede do “O Jornal de Montes Claros”, na Rua Dr. Santos, 103, onde anos depois trepidaria sobre uma máquina de datilografia Remington redigindo as primeiras matérias num incipiente jornalismo. No lugar foi construída uma agência bancária.
As abas de papel funcionavam como asas dos aviõezinhos e nelas iam as nossas rebeldias e a vontade de voar não como Ícaro, mas como o 14 BIS de Alberto Santos Dumont. O espírito James Dean misturado ao dos Beatles impulsionava o ritmo do viver de logo mais.
Era gostoso e de certo modo perigoso apreciar lá de cima os aviõezinhos. Embalados pelo vento a imaginação nos remetia a viagens ao redor do planeta, como visão de um futuro factível. Como é lindo o “Planeta Azul” identificado pela primeira vez por Yuri Gagárin, o russo que orbitou a Terra.
Como via principal da cidade, à época, a Rua Dr. Santos parecia se estreitar cada dia mais. Os anos se foram passando como o trem da estrada de ferro da Central do Brasil nas consecutivas viagens a Belo Horizonte.
Houve noites em Montes Claros que não se via sequer um dos amigos nos locais costumeiros de encontro. Para onde teriam ido?! Foram embora estudar em Belo Horizonte, destino de quase todos eles.
Os montesclarinos eram facilmente identificados nas ruas da capital, ali pelas bandas da Tupis ou na Goiás onde havia a Lanchonete Nacional, o Bar do Chico e a redação do Jornal Estado de Minas. Ou no Lucas, no edifício Arcanjo Maleta, frequentado por intelectuais, escritores, jornalistas que faziam a redação do EM da década de 70/80.
Saí de Montes Claros, mas Montes Claros nunca mais saiu de mim. Filho criado em liberdade em quintais das casas onde a família morou, a infância foi um sonho bom em contato telúrico de primeiro grau, os pés descalços com direito a bicho de pé e ouvidos ligados ao canto dos passarinhos e frutas no pomar, colhidas à mão. Numa das casas onde nós moramos na Rua Marechal Deodoro, só jabuticabeiras havia duas dezenas.
Teve também os bons tempos da Praça de Esportes, na adolescência, com peladas na pista gramada e futebol de salão hoje futsal; pingue-pongue e tantos outros momentos mágicos que nem há recordação de algo entristecedor. Como disse um amigo “não tenho nada a queixar, “s’euqueixo” é de burro”.
Em vida a gente absorve montanha de coisas. Dá pra ficar encabulado como pode amontoar tanta coisa dentro da caixa craniana e ao mesmo tempo senti-la vazia. Oca, como um cano de PVC. A água vinda por meio do cano não é do cano. O cano é mero canal. Daí jorrar caudal de lembranças de uma simples foto antiga.


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Por Alberto Sena - 18/7/2015 20:46:10
GRÃO MOGOL – FESTIVAL DE INVERNO
EIS A “NOTA” ANTECIPADA PARA A ORGANIZAÇÃO
Alberto Sena
O II Festival de Inverno de Grão Mogol – Circuito Lago de Irapé termina amanhã e já na véspera se pode avaliar “o dever de casa” que Marina Ribeiro Queiroz, coordenadora do evento pela Unimontes em parceria com a Prefeitura Municipal, disse na abertura estar entregando aos participantes, diante da Matriz de Santo Antônio, como boa professora/aluna devota que é. E ainda em discurso, ela disse aguardar “a nota”.
Como testemunha ocular sei o quanto é custoso sob todos os aspectos organizar evento desta magnitude, em um lugar distante 600 quilômetros da capital e 150 quilômetros de Montes Claros, uma cidade imantada pelo magnetismo das pedras, “pedras falantes”, incrustada na Serra do Espinhaço, na linha imaginária entre o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha.
Antecipadamente, dou o meu testemunho da garra profissional e do amor que cada membro da organização do festival dedicou, tanto do lado da Unimontes como da Prefeitura de Grão Mogol. Evidentemente, problemas não faltaram, mas são inerentes a empreitadas desta envergadura. Todos os obstáculos se tornaram como se diz fichinha diante da meta traçada.
Como disse Marina Ribeiro Queiroz, que “ninguém ouse impedir a realização do Festival de Grão Mogol” e mais ainda: o festival deve ser internacionalizado. O potencial turístico de Grão Mogol é uma vocação natural, e isso motivará cada vez mais a melhoria da infraestrutura para atrair turistas europeus e de todas as partes do mundo em busca do clima agradável, da boa qualidade de vida, do sossego que precisam ser preservados.
O que aconteceu e acontecerá até amanhã em Grão Mogol é algo de uma preciosidade maior do que a do diamante responsável pelo surgimento da cidade em meados do século 18. Posso dizer sem o menor receio que Grão Mogol ganhou um banho cultural. Muitos grãomogolenses não o tomaram e o porquê de não o terem tomado precisa ser considerado diante da relevância da programação oferecida.
Pelo que se viu e ouviu nesses dias, com infraestrutura simples, mesmo porque o importante não é o invólucro, é para todo grãomogolense se sentir privilegiado. A partir da abertura do festival, em frente da Matriz, até amanhã, posso adiantar, o festival é deveras uma joia e prenuncia o quanto de melhor veremos e ouviremos no III Festival de Inverno de Grão Mogol – Circuito Lago de Irapé, em 2016.
Turmalina, Cristália e Botumirim, como integrantes do circuito, brilharam com os números propostos, mas outros municípios do circuito não participaram. Como repórter que acompanhou os trabalhos e fez cobertura “in loco” de vários, pois ainda não foi conseguido o dom da ubiquidade e não se pôde estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, alguns não participaram e não usufruíram da visibilidade natural e principalmente política e cultural de um evento desta natureza.
Grão Mogol sozinha é Grão Mogol sozinha. Mas Grão Mogol com Montes Claros, Turmalina, Cristália e Botumirim já formam um grupo forte sob todos os aspectos. Quando houver a participação dos 13 municípios, o festival mostrará talentos ainda mais diversificados do circuito e este será muito mais forte e capaz de, politicamente, atuar em benefício do seu povo.
Para manter a sequência do festival é fundamental que a Unimontes, a Prefeitura de Grão Mogol e os demais municípios do circuito mantenham a parceria. As sementes lançadas ano passado frutificaram e os frutos são a garantia da multiplicação dos eventos daqui por diante.
E afinal, qual é a nota a dar à organização do festival? Em primeiro lugar, não precisa de nota porque quando se referiu ao evento como “dever de casa” e pediu a “nota”, Marina Ribeiro Queiroz simplesmente utilizou-se de uma expressão figurativa. Ela e sua equipe mostraram competência, profissionalismo e sintonia para trabalhar em parceria com a equipe do secretário de Cultura Rogério Figueiredo, pela Prefeitura de Grão Mogol.
P.S.: Evidentemente, nada disso teria acontecido se não houvesse da parte do reitor da Unimontes, João dos Reis Canela, e do prefeito Jéferson Figueiredo, a tomada da iniciativa, que visa integrar de fato os municípios do Circuito Lago de Irapé.
Fotos: o batuque do Grupo de Maracatu, de Montes Claros ecoou fundo na alma de quem foi à Praça Coronel Janjão


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Por Alberto Sena - 15/7/2015 14:20:55
GRÃO MOGOL – FESTIVAL DE INVERNO

VENHAM, VAMOS ABRAÇAR A SERRA DO ESPINHAÇO

Alberto Sena

Se você vive no planeta chamado terra, você é cidadão do mundo. Possui os direitos e deveres. O planeta Terra é gente como nós. Só não é gente-humana. Mas sente dores, empobrece, perde o viço, morre. Toda vez que alguém explode bomba na Terra, dessas que abrem buracos enormes, a terra sofre e precisa se acomodar. Isto gera tremores, com calafrios, daí em Montes Claros as ocorrências registradas. Anos e anos a indústria cimenteira explodiu dinamites na Terra, qual gente aguenta? Imagina se eu/você estivesse inerte no chão e alguém explodindo traques desses comuns no seu/meu corpo.
Quanto tempo o corpo meu/seu duraria? Nós humanos precisamos frear essa avassaladora exploração da Terra, e é preciso que esse grito parta daqui, de Grão Mogol, dos píncaros do Maciço do Espinhaço, que amanhã será abraçado simbolicamente por quem quiser e puder participar da Caminhada Ecológica Trilha do Vau, das 8h às 11h. Venham conosco abraçar a Serra do Espinhaço. Compartilhe esta notícia para que muitos participem. Queremos centenas de gentes. No momento do abraço, eu, Alberto de Sena Batista, como representante da Mãe Natureza, declamarei o poema que ela me ditou, palavra por palavra, poema que segue abaixo:
(Venham. Contribuam com a sua participação deste grito que ecoará numa progressão geométrica pelo mundo. Participem. A concentração inicial será em frente à Academia de Saúde, às 8h).

ABRAÇO A SERRA DO ESPINHAÇO

Alberto Sena

Grão Mogol!
Este nome retumba na alma
com energia e força
de muitas pedras.
Cidade histórica inigualável,
pacata, bela, calma.
Nasceu envolvida
no abraço gostoso,
abraço protetor,
abraço carinhoso
da Serra do Espinhaço

Grão Mogol!
Tantos filhos aqui gerados
pelos séculos afora.
Uns aqui ficaram.
Muitos daqui foram embora.
Podemos citar o nome de vários.
Mas um a todos representará
os que bem fizeram por merecer:
Lúcio Bemquerer

Para Grão Mogol,
ele voltou
e aqui implantou,
como homem intrépido,
o maior presépio
do mundo
Presépio abençoado
pelo Papa argentino,
Francisco chamado

Foi Bemquerer
quem primeiro enxergou
da Serra do Espinhaço
o gigantesco
abraço a Grão Mogol.
E nesta oportunidade
em reconhecimento
da bondade
de Mãe Natureza
aqui estamos,
de mãos dadas,
os corações ardentes,
a fim de agradecer
a Deus por essa dádiva

Neste histórico momento
tomamos a liberdade
de chamar a atenção
da Humanidade
por meio da energia
e da força deste abraço
ao portentoso monumento natural
Serra do Espinhaço

Juntos
Aqui estamos
no II Festival de Inverno
imbuídos da energia
transformadora
contida neste abraço
para em nome da Humanidade,
impulsionados pelo amor universal
darmos o nosso grito:
Basta de destruição ambiental.

O Planeta não é de ninguém.
Ninguém tem o direito
de fazer da Terra quintal
de suas loucas experiências.
Oh, homens de burras cheias
de dinheiro,
desprovidos de siso,
sem consciência ambiental.
Urge acabar com a destruição,
enquanto há tempo.
Se é que ainda nos resta algum tempo

A partir deste Grão Mogol,
diante da monumental
Serra do Espinhaço
deixamos registrado ao mundo
o nosso simbólico abraço
em agradecimento
ao abraço carinhoso
do poderoso Maciço
do Espinhaço

Que o mundo veja
este abraço
como o mais forte
e derradeiro alerta
pela salvação da Terra
pelo bem da humana raça
Raça que muito peca e tanto erra.


80241
Por Alberto Sena - 8/7/2015 09:54:56
O PODER DO APITO DO TREM

Alberto Sena

Fui ler a postagem de Marcelo Walmor Ferreira sobre a intenção da Prefeitura de Montes Claros abrir “a partir de agosto próximo o processo licitatório para converter o galpão da antiga Rede Ferroviária em espaço cultural” (foto) e um turbilhão de lembranças perpassou-me a cachimônia, coisas de mais de meio século.
Recordei das inúmeras, sim, inúmeras porque foram tantas quantas são as estrelas que os olhos abarcam em noite de Lua Cheia às vezes em que por ali passei durante o tempo vivido intensamente em Montes Claros, ciente da certeza de que foram dias felizes.
Quantas vezes por ali passei levado pelos arroubos da adolescência e numa época romântica, quando nem tudo era permitido e os namoros eram em casa, às vezes diante da mãe ou de “uma vela”. Mas eram estimulantes os flertes, às vezes redundavam em encontros fortuitos.
Quantas vezes eu passei por ali? Passei e vi o movimento dos operários ao retirar ou pôr fardos de algodão, que, numa época gloriosa, fora batizado de “ouro branco” e fez a fortuna de muita gente. Uma delas, a do empresário Luiz de Paula Ferreira, poeta, escritor, cronista, que vive no meio de nós, porém refugiado em si mesmo.
Em período mais recuado ainda, e de certo modo arriscado, ou pelo menos havia esse temor a envolver a ousadia, em meio a amigos, subia na calçada do galpão para espiar lá dentro. Homens fortes e sem camisa iam e vinham com ou sem fardos. Fardos amontoados até o teto. No ar flutuavam fuligens de algodão.
Quantas vezes por ali passei indo para o campo do Ferroviário onde jogava futebol e pelo caminho via as máquinas da Central do Brasil num pavilhão enorme fazendo manobras. Naquela época, viajar de trem era a coisa mais agradável do mundo. Debruçar na janela e ver as paisagens, ver o mato passar em velocidade. Ouvir o ruído característico das rodas do trem sobre os trilhos, ferro sobre ferro a arrancar faíscas.
E como em matéria de lembranças, uma puxa a outra, me vejo no presente tentando conter o riso devido à lembrança da piada pronta contada pelo amigo Geraldo Fróis, daqui de Grão Mogol, sobre a primeira vez em que ele viajou de trem, quando era puxado por Maria Fumaça.
Fróis menino de uns sete anos de idade. Vestia a melhor roupa que possuía, e juntamente a parentes chegou à estação. Estava se achando o rei da cocada preta e logo se encaminhou para a plataforma a fim de espiar a chegada da máquina, correndo o risco de cair lá embaixo.
Ele viu a máquina chegando cuspindo fumaça por todos os canos e sentiu uma alegria enorme, ia contar tudo depois aos amigos e certamente muitos ficariam com inveja dele diante de tamanha ousadia de ficar na beirada da plataforma. O trem vinha e o maquinista deve ter visto Fróis muito na beirada da plataforma, então acionou o apito.
Quem conhece o apito de máquina Maria Fumaça sabe, é estridente. E foi tão estridente, como conta Fróis, que o menino deve estar correndo até hoje com medo. Ele viu um monstro e saiu da estação num estirão, desceu a Avenida Francisco Sá e só foi alcançado na porta da Catedral. Risos.
Trem quando apita, o apito parece ecoar na alma. Peguei um pedacinho do fim da máquina Maria Fumaça. Em seguida veio à máquina a óleo, cujo apito parecia mais com o de navio ao sair ou chegar ao porto. O amigo Marcelo Walmor acha que transformar o galpão em espaço cultural poderá facilitar “a permanência dos trilhos em pleno centro da cidade”.
Acho louvável também a iniciativa, mas ouso ir um pouco além: o ideal é voltar com o trem. Naquela época era possível sair de Salvador, de trem passando por Montes Claros até Belo Horizonte e de Vera Cruz chegar ao Rio de Janeiro. O trem continua sendo importante meio de transporte. Só o governo brasileiro não enxerga isso.
Implantar uma estrada de ferro moderna, de modo a transportar carga e passageiros, como foi no passado ainda vivo nas lembranças de gerações. Um trem veloz. As sugestões estão em todos os países que levam a sério o transporte ferroviário.
Transporte que o presidente estradeiro Juscelino Kubitschek desestimulou e ainda hoje certos políticos com interesses no sistema rodoviário insistem em desestimular. Mesmo diante do caos do trânsito nas rodovias brasileiras.


80196
Por Alberto Sena - 3/7/2015 10:21:04
No jogo de perde e ganha há 158 anos

Alberto Sena

Recordo-me não como se estivesse acontecendo agora porque vejo tudo semioculto por tênue cortina, mas tenho lembrança de quando Montes Claros comemorou 100 anos. À época o menino tinha sete anos. Estava no início do “1º ano primário”, no Grupo Escolar Gonçalves Chaves. A família morava na Rua São Francisco, quase esquina de Rua Corrêa Machado.
Montes Claros era cidade sossegada à semelhança do que é hoje Grão Mogol. As ruas tinham trânsito incipiente de carros. Todo dia ouvíamos canto das rodas de carro de boi. Ouvíamos os reclames do vaqueiro condutor do carro puxado por quatro, seis ou mais juntas de boi. A vara comprida com prego pontiagudo na extremidade, o ferrão, ele a usava para despertar o boi sonso. “Ôaaa... Vemcá Fedegoso”, dizia um entre muitos nomes.
O pão nosso de todo dia era entregue em domicílio. Vinha de bicicleta. O verdureiro e o vendedor de frutas passavam todo dia na rua e o leiteiro montado a cavalo também. Com dois latões de leite dos lados do lombo do animal, o leiteiro gritava: “Olha o leeeiiiteeeirooo”. As donas de casa saíam à porta e o leiteiro enfiava uma lata de um litro dentro dos latões.
Em carne e osso, espichando o pescoço pra ver as encenações folclóricas no Estádio João Rebello, em pleno ano de 1957, no auge dos atrativos que à época oferecia, ali estava o menino vendo disputa de argola ou aliança. Era mais ou menos o seguinte: em determinado ponto do gramado do estádio havia uma aliança presa num barbante pendurado numa haste. O cavaleiro vinha a galope com um lança e aquele que conseguisse arrancar a aliança ganhava prêmio.
Lembro-me de o estádio cheio, tanto nas arquibancadas como na parte de baixo, ao redor do gramado. Nós, meus pais e irmãos, ficamos mais ou menos no meio da lateral do gramado, no lado contrário as arquibancadas. Alguma coisa me incomodava ali, mas não me recordo o quê. Talvez, o fato de ser menino e como era muita gente, não respeitaram o direito dele à visão do que se passava no campo. Mas ainda agora ouço o tropel de cavaleiros catando aliança na ponta da lança.
Passaram-se, portanto, 58 anos do Centenário de Montes Claros. Ridículo seria querer comparar a cidade de então com a metrópole de hoje. Evidentemente, desde aquela época a vocação de Montes Claros era essa mesma consumada mais de meio século depois dos vaticínios. Isso significa que houve tempo suficiente para as administrações públicas adequarem a cidade de modo a assegurar o bem-estar da população. Não é verdade?
No entanto, todos fizeram como se dizia em textos de antigamente, “ouvidos moucos” e chegamos ao gigantismo sem infraestrutura capaz de garantir qualidade de vida para a população. As ruas nasceram estreitas e estreitas se proliferam e com isso os problemas socioeconômicos agravados com a passagem da BR 251, que trouxe toda sorte de gente e de problemas para Montes Claros, e um dos principais é a violência promovida pelo tráfico de drogas.
A cidade completa 158 anos. A história do seu surgimento todo montesclarino sabe. Foi a partir duma fazenda fundada em abril de 1707, pelo então integrante da bandeira de Fernão Dias Paes Leme, Antônio Gonçalves Figueira. Ele iniciou uma fazenda de gado e a iniciativa prosperou e virou Vila de Montes Claros de Formiga, em outubro de 1831. Em julho de 1857, a vila foi elevada à cidade de Montes Claros.
A planura envolta pelos montes claros determinou a sua vocação de cidade polo. E polo continua sendo, agora vestida com vestes várias, multicoloridas. Mas continua vovó e mora no meu coração, porque entre tantas alegrias vividas, nunca encontrei por onde andei lugar de céu mais maravilhoso. De dia, é a luz sertaneja. E à noite o espetáculo do Luar do Sertão.
Apesar dos percalços, oh Montes Claros, a senhora é bela na feiura porque assim quiseram e assim parece ainda querer hoje os homens e as mulheres. Cidade bela aos olhos do coração porque é a terra onde nasci. E se em alguma ocasião ponho o dedo nas mazelas é porque a quero, muito, mas aí viver não dá mais. Se a minha cidade soube ganhar em fama o mundo na rudeza das décadas, perdeu em sossego, segurança pública e qualidade de vida.
Mais, muito mais Montes Claros perdeu. Perdeu os quintais. Perdeu o canto e o encanto dos passarinhos.


80136
Por Alberto Sena - 22/6/2015 08:22:42
O QUE FIZERAM COM O ESTÁDIO JOÃO REBELLO

Alberto Sena

Quando pai morreu, em 15 de janeiro de 1961, eu tinha 12 anos. Recordo-me bem. Mas não é da morte de pai que pretendo tratar aqui. Mas de pai vivo.
Então, vou reiniciar o texto com outro começo: quando pai estava conosco, era ele o meu melhor amigo. Gostava de sair de mão dada a ele para ir à feira, para ir a pé a fazenda Aliança, do sr. Indalício, e para ir ver o Ateneu jogar, no estádio João Rebello.
É justamente do Ateneu que pretendo falar. Era torcedor do time porque pai me levava com ele para assistir aos jogos. Recordo-me como se tudo estivesse acontecendo agora, quando pai me levou pra assistir ao jogo do Ateneu contra o time do América, do Rio de Janeiro.
Naquela época, década de 50, o futebol montesclarino era aguerrido. Dum lado tinha o Casimiro de Abreu e do outro o Ateneu. Tinha o Ferroviário também, mas Ateneu e Casimiro eram o clássico daqueles anos. Clássico que o copidesque de O Jornal de Montes Claros, Lazinho Pimenta, apelidaria anos mais tarde, de “clássico come fogo”.
Mas é do jogo Ateneu versus América carioca que pretendo tratar. Logo ao correr da notícia do jogo pela cidade, assim que o time carioca chegou, o goleirão Pompeia desafiou os atacantes do Ateneu. Prometia prêmio pra quem marcasse gol nele.
Putz... Foi um senhor desafio este. Os jogadores treinaram bastante a fim de fazer o goleirão quietar o facho, conforme expressão em voga na época. Recordo-me, fui com pai, de mão dada, para não me perder em meio à multidão. O coração batia no peito igualzim coração de passarim. “Quero ver quem vai marcar gol no goleirão”, fiquei pensando com os meus botões – naquela época, toda camisa tinha botões.
Não me recordo mais de quanto foi o placar. Lá do escaninho da memória, o mais profundo deles, me vem alguma lembrança. O jogo terminara empatado. Mas o mais quente da partida foi a defesa de um pênalti por parte de Pompeia.
Vou contar como foi. O atacante – não sei se Manoelzinho ou Manoelito – foi derrubado dentro da grande área e o juiz não titubeou, marcou pênalti, para alegria de Pompeia que, assim, podia encarar o desafio feito. Pênalti a gente sabe, é meio gol. Claro que se pode perder feio um pênalti.
Há jogadores que perdem sem querer e há os que perdem querendo, só para chatear o técnico, como fez aquele ex-atacante do Cruzeiro que confessou ter perdido um pênalti quando jogava num time paulista, só pra sacanear o técnico. Coisa feia.
Também não me recordo mais quem foi escalado pra bater o pênalti. Mas foi uma sensação danada. Olhei para pai e vi no rosto dele que ele também estava sentindo a mesma emoção. O Ateneu tinha a chance de superar o desafio do goleirão e só faltou mesmo uma música de sensação pra fazer o coração saltar pela garganta.
O atacante já estava a postos. Pegou a bola com as duas mãos e ajeitou-a na marca do pênalti. Olhou pra Pompeia no meio do gol com os braços parecendo asas de condor abertas. O atacante caminhou para a bola depois do apito do juiz e chutou-a a meia altura. Sabe o que Pompeia fez? Segurou a bola com a mão direita. Uma só mão. A bola encaixou-se na mão dele. Parecia ter cola nela. Foi aquela tristeza. O goleirão tinha mãos de gato.
Lembrei-me de tudo isso provocado pela foto da entrada do estádio chamado João Rebello toda tomada por mato. Se do lado de fora está assim, faça ideia do lado de dentro. E fico, aqui, em Grão Mogol sem entender o porquê de a cidade deixar um estádio importante como esse se perder assim no tempo, carcomido pelas intempéries.
Tantos foram os clássicos ali disputados. Tantos foram os craques ali revelados, Manoelzinho, João Batista, Manoelito, Jomar. Sobre Manoelito sempre se contou, ele jogara ao lado de Pelé, no time santista. Era tão craque como o Rei do futebol, diziam as boas línguas. E porque era bom de bola, queria ganhar o mesmo que Pelé. Aí não deu né? Nem tico nem taco, Manoelito, com seu tom fino de voz, teve de ir cantar noutro terreiro, quer dizer, jogar noutro time.


80118
Por Alberto Sena - 18/6/2015 11:24:06

Da Distância Se Enxerga Melhor

Muitas das vezes é necessário distanciar das coisas para visualizar e entendê-las melhor. Isto vale para uma porção de atribuições no dia a dia. Particularmente, adoto isso no caso de escrever um texto. Não dou por concluído sem antes ler e reler o que faço. Tiro ou acrescento alguma coisa. Dou uma saída e volto ao texto até achar que está no ponto.
Em se tratando do Brasil e das suas mazelas, quando a gente tem a oportunidade de distanciar do País por meio de uma viagem ao exterior, entende melhor a terra onde nós brasileiros nascemos. Apesar de tudo, dos maus políticos, da corrupção, das desigualdades que insistem em imperar, não há lugar melhor pra gente viver que no Brasil.
Como estou fora de Montes Claros, minha terra natal, há mais de 40 anos, embora esteja sempre retornando à querida urbe, posso dizer com toda sinceridade como a vejo e com mais propriedade se estivesse morando o tempo todo com os conterrâneos.
Antes de prosseguir convém fazer algumas ressalvas. O intuito não é culpar ninguém nem criticar nenhuma das administrações públicas do passado nem a atual. Mas o crescimento desordenado de Montes Claros, sem um plano diretor, torna a cidade feia. Por mais que a queiramos bonita, não posso deixar de fazer essas considerações, sem a paixão que sempre alimentei e alimento pela terra natal.
Hoje, retornei a Montes Claros naquela base do “bate e volta” a fim de participar do lançamento do II Festival de Inverno de Grão Mogol – Circuito Lago de Irapé, na sede da Unimontes, que se iniciava quando saí fui morar em Belo Horizonte. Funcionava no sobrado antigo da Escola Normal Professor Plínio Ribeiro. Pra mim foi uma surpresa adentrar ao campus da Unimomentes.
Mas a gente nota que Montes Claros com o seu porte de capital do Norte de Minas, não perdeu o verniz amarelo avermelhado que sempre impregnou as suas estreitas ruas. Não perdeu e a gente nota que o verniz aumentou de intensidade, nem o pó de asfalto o escondeu. Parece que as ruas estão empoeiradas como eram no tempo aí vivido.
Outra coisa que deixa devera contristado é o trânsito de veículos. Montes Claros não nasceu para comportar trânsito de veículos tão intenso. As ruas estreitas foram feitas para charrete, carroça, originariamente. Tomadas de carros, motos e bicicletas – e muita gente – palmilhar as ruas ficou difícil.
Além disso, no ‘centrão’, ali pelas bandas da Praça Doutor Carlos até a Praça de Esportes, a poluição visual proporcionada pelas placas do comércio em geral, é de causar má impressão a todo ser visitante. E decepciona quem ouviu falar, viu na TV ou ouviu pelo rádio as maravilhas de Montes Claros cidade cantada em verso e prosa.
Vendo tudo isso e principalmente o trânsito de veículos, tem-se uma visão estapafúrdia de Montes Claros em futuro próximo. A continuar esse trânsito insuportável de veículos, logo chegará a hora em que os montesclarinos ficarão parados nas ruas dentro dos carros.
É incrível pensar que o carro feito para dar conforto e velocidade aos acontecimentos humanos se vai tornando um inimigo supermortal. O carro pode matar de várias maneiras, e por último está matando os montesclarinos de estresse, tensão, irritação e mau humor. As pessoas irão o tempo todo desejar que os carros venham adaptados com hélice para sair dos congestionamentos.
Outra coisa que é motivo de tristeza: ao chegar a Montes Claros pela Rua Justino Câmara foi constatado casas em estilo colonial em processo de desabamento. Casas que podiam ser recuperadas e servir de amostras da cidade quando o modus vivendi era outro, bem diferente, pacato, lento, pachorrento.
Os jovens das gerações de hoje não terão nem ideia de como Montes Claros era. Vão achar que sempre foi assim, congestionada, poluída visualmente, perigosa desde que ganhou a BR 251, que o tempo provou ser, como diria sr. Nilo, açougueiro lá da Rua São Francisco, do tempo nem tão longínquo assim, quando se era criança, “isto é faca de dois gumes”. Trouxe o progresso a qualquer preço. E é mesmo.


80066
Por Alberto Sena - 8/6/2015 11:30:51
ABRAÇO DO ESPINHAÇO PARA CHAMAR ATENÇÃO DO MUNDO

Alberto Sena

O empresário grãomogolense Lúcio Bemquerer, o construtor do Presépio Natural Mãos de Deus, o maior do mundo, enxerga Grão Mogol como cidade abençoada abraçada pelas dobras do Maciço do Espinhaço, Serra Geral chamada.
A observação dele é também feita por quem vê na formação topográfica do perímetro urbano em meio à geologia “sui generis”, que de Grão Mogol faz um ponto singular no tempo e no espaço, uma forma de proteção da cidade.
Diante dessa observação surge a ideia de promover, a propósito do Festival de Inverno 2015 – Grão Mogol – Circuito Lago de Irapé, um movimento da sociedade grãomogolense, apartidário e ecumênico de abraçar a Serra do Espinhaço, como forma de
agradecer e reconhecer a estratégica proteção do maciço que praticamente atravessa o Brasil.
E, mais do que isso, a intenção é chamar a atenção do mundo para a maneira estúpida como o ambiente é tratado no dia a dia, o que pôs em risco a sobrevivência humana no planeta.
Estamos diante das previsões apocalípticas feitas por cientistas, quanto ao “fim de Humanidade em 2040”, em virtude do excessivo teor de carbono e metano na atmosfera.
Convém que parta de Grão Mogol a iniciativa de demonstrar ao mundo a necessidade de fazer algo para retardar ao máximo o fim da Humanidade, porque segundo os mesmos cientistas, o processo
foi deflagrado e é irreversível. Como flecha lançada ao espaço não volta mais às mãos do arqueiro.
Em sinal de reconhecimento e agradecimento por estar plantada nesta região abençoada por Deus, rica em paisagens, dotada de ar puro, sossego, riqueza debaixo da terra e gente acolhedora na
superfície, vamos de mãos dadas abraçarmos simbolicamente as serras do Espinhaço.
Vamos chamar a atenção do mundo para a iminência do perigo.
Dentro de 35 anos, a vida humana será varrida do planeta por culpa única e exclusivamente do imediatismo irresponsável do poder econômico. Somos boiada rumo ao abatedouro.
Quantas pessoas serão necessárias para abraçar o Maciço da Serra do Espinhaço? Será que os seis mil habitantes de Grão Mogol serão suficientes para dar um abraço na Serra Geral?
Evidentemente, não será necessário abraçar literalmente as serras.
O importante é reunir o maior número possível de grãomogoleses (ou não) para, simbolicamente, abraçarmos a Serra do Espinhaço.
Imaginemos a maior parcela da população grãomogolense e quem mais aderir ao movimento, em determinado dia e hora marcados pela Unimontes e a Prefeitura de Grão Mogol, todos de mãos dadas uns aos outros possam formar enorme círculo humano de
modo a circundar a cidade num abraço simbólico.
A iniciativa será um prato cheio para as TVs do Brasil, quiçá do mundo. E quem quiser saber da justificativa da iniciativa, as faixas dirão algo como: “Abraçamos o Espinhaço para agradecer a maneira carinhosa como as serras nos abraçam”.
Salvo melhor juízo, “O abraço do Espinhaço”, poderá encerrar a programação do Festival de Inverno que Marina Ribeiro Queiroz, da Unimontes, e Rogério Figueiredo, da Secretaria de Cultura da
Prefeitura de Grão Mogol estão ultimando para julho, de 14 ao dia 19.
Para estimular a participação da juventude ao abraço, os alunos das escolas municipal e estadual de Grão Mogol e demais cidades do Circuito Lago de Irapé deverão ser chamados a participar.
Homens, mulheres e crianças de todas as idades. Todos que tiverem condições de se locomover. Os cadeirantes interessados em participar também serão convidados a enriquecer o movimento holístico.
O objetivo deve ficar bem claro: “Por meio deste abraço, Grão Mogol abraça a salvação do mundo”. Esta Terra maravilhosa a nós dada por Deus como morada. Mas, infelizmente, não soubemos tratá-la com o carinho devido a partir do progresso a
qualquer preço, que decretou o início do nosso fim.


79919
Por Alberto Sena - 14/5/2015 08:53:01
“COM VOCÊS, VARGAS VILAÇAAA...”

Alberto Sena

Seria ideal reunir em um só lugar as pessoas que de fato foram importantes na nossa vida. Imagina se pudéssemos alugar um clube a fim de pôr lá dentro os que nos ensinaram tanto, muitos sem até mesmo saber disso, e nos apoiaram nos momentos certos ao longo da vida, como se houvesse um script.
Supondo ser possível fazer isto, todo lugar seria pequeno para caber tanta gente, desde os amigos da tenra infância, aos da adolescência e aos desta fase adulta até os dias de hoje. Seria uma maravilha poder rever cada um. Os ainda vivos e os que já não estão mais no meio de nós.
Listaríamos o nome de cada um deles e delas e iríamos fazendo uma chamada. Um dos primeiros a serem chamados a partir desta data seria Antônio Vargas Vilaça, radialista, jornalista, figura humana sem tamanho, com o qual convivemos profissionalmente durante mais de uma década e quem muitos exemplos bons deu como gente. Como soe acontece na existência de cada um, a vida simplesmente nos separou depois de uma convivência diuturna.
Mas o amigo de tantos momentos vibrantes desde então ganhou um lugar no nosso coração, assim como todos os companheiros daquela época em que o processo de fazimento de jornal tinha mais solidariedade e romantismo até, longe dessa neura permanente chamada “passaralho”.
Vargas Vilaça terminou de cumprir a missão terrena dias atrás. Mas só agora soubemos da notícia, por intermédio de outro amigo e colega, Carlos Felipe, de quando a redação do jornal Estado de Minas era na Rua Goiás, 36, Centro de Belo Horizonte, uma rua expressiva, senão passarela por onde transitava gente daqui e do mundo inteiro.
Juntos, nós vivemos um período em que politicamente o País se encontrava numa ditadura militar. Muitos tinham medo da própria sombra. Tinha-se a impressão de que em cada esquina, em cada bar e em cada condomínio havia alguém vigiando. Os dedos-duros estavam por todos os cantos e o Dops era o lugar onde os filhos gritavam e os pais não ouviam.
Naquela época, esteja Vargas agora onde estiver ele deve se lembrar de que, apesar de soturna foi uma época criativa porque se tinha a necessidade de narrar para os leitores os acontecimentos de maneira a mais clara, porém de modo a burlar os censores o tempo todo de olho nas repartições da Polícia Federal.
Naquela época, década de 70, iniciando carreira depois de ter dado os primeiros pontapés na redação do O Jornal de Montes Claros, e Vargas Vilaça mais experiente em matéria de cobertura do setor de polícia, ele foi uma das personalidades marcantes que nos serviram de exemplo como integrante da raça humana. Homem de coração maior do que o corpo, trabalhador incansável, ora trepidava sobre as teclas duma máquina de datilografia, na redação do jornal, ora era na redação da Rádio Guarani.
Um guerreiro o Vargas Vilaça. Naquele tempo, a rádio, pertencente aos Diários e Emissoras Associados, era vibrante, noticiosa. Tinha os Linces da Guarani, que ficavam o tempo todo de olho na notícia, e Vargas era um deles. Repórter possuidor de ricas fontes, invariavelmente “furava” os companheiros de outras rádios ao dar as notícias em primeira mão.
A Editoria de Polícia do Estado de Minas, chefiada por Wander Piroli, ficou menor ainda com a partida de Vargas. Primeiro foi Fialho Pacheco, depois Marcos Andrade. Wander em seguida nos deixou. E agora é o Vargas. Numa hora desta tem-se a convicção de que há um fila. E ninguém escapa dela. Mas bem que certas pessoas, como o Vargas, por exemplo, podiam escapar.
Mas a gente compreende a inexistência da morte. Só vida há. Como a dimensão na qual vivemos não é eterna, e levando-se em conta o dizer de Jesus Cristo, “na Casa do meu Pai tem muitas moradas”, Vargas foi mais um dos nossos a atravessar o umbral da porta. Partiu para outro plano. Vive.


79911
Por Alberto Sena - 13/5/2015 08:16:34
GRÃO MOGOL

157 ANOS DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA

Entre as melhores cidades pra se viver; sossegada transpira história e beleza natural
Um ano e dois meses vivendo em Grão Mogol, respiramos o ar puro e sentimos na própria pele o microclima que faz desta uma das melhores cidades pra se viver, achamos que temos elementos suficientes para falar dela, que nesta quinta-feira, 14, completará 157 anos de emancipação política.
Grão Mogol é um dos mais antigos municípios do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha. Já foi tão grande que englobava Montes Claros e até Bocaiúva. Ainda hoje é grande e se parece com um estado. Quem pode dizer bem isso é o prefeito Jéferson Figueiredo, que, em quarto mandato, espalhou obras na sede e no município inteiro e inspeciona tudo “in loco”.
Quem quiser dar-se ao trabalho, basta percorrer a sede do município e os distritos para verificar a presença da Prefeitura Municipal por meio de obras de grande utilidade pública.
Uma delas é o Sistema de Abastecimento de Água de Barrocão, com investimentos da ordem de R$ 1 milhão, recurso suficiente para realizar importante sonho dos moradores daquele próspero distrito. E a barragem de Vereda Bonita, que os moradores aplaudem como a realização de mais um sonho, para vencer o rigor do estio.
Em passado distante Grão Mogol ficava muito mais longe da capital. Hoje, os 600 quilômetros que separam este município de Belo Horizonte não são empecilho para que se possa ir atrás das obras e dos recursos para desenvolvimento da sede e dos distritos. Brasília também fica hoje muito mais perto de Grão Mogol do que antes.
Quando um ano e dois meses atrás saímos de Belo Horizonte e viemos direto pra Grão Mogol, desde o primeiro dia iniciamos um processo de divulgação da cidade e do Presépio Natural Mãos de Deus, que as pessoas nos acham grãomogolenses.
Mas é justamente assim que nos sentimos – grãomogolenses. E é por isso que temos necessidade de divulgar as belezas e as riquezas de Grão Mogol porque achamos que não devem ficar restritas à apreciação só das pessoas residentes, mas do mundo inteiro. O mundo inteiro está carente de tudo isso.
Neste globo em convulsão, onde os problemas se agravaram com o tempo devido ao aumento da população mundial, não há nada de novo debaixo do Sol. Violência, concorrência desenfreada, consumismo exacerbado. Lugares como Grão Mogol nos levam a pensar que estamos em outro mundo.
A cidade não padece das situações que se vão tornando as metrópoles cada dia mais inóspitas. Aqui não tem o desassossego gerador de psicoses. Nas metrópoles, antes de sair de casa as pessoas precisam olhar para os lados. Todos são suspeitos, não importa a cara, a cor nem a roupa, a apreensão toma conta das pessoas que correm o risco de ser assaltadas a qualquer momento.
Isto não ocorre em Grão Mogol. Aqui há segurança pública. Aqui se pode sair de casa a qualquer hora do dia ou da noite. A cidade mantém costumes antigos de troca de oferendas entre os vizinhos. Todos se conhecem e sabem da vida de cada um. Não que sejam fofoqueiros, mas porque a proximidade é tão calorosa que até sem querer sabe-se da vida de cada um.
Em termos de administração pública, a cidade experimenta ritmo desenvolvimentista, o que pode ser notado por meio do incremento do comércio e do surgimento de empreendimentos com o Presépio Natural Mãos de Deus, o Hotel Paraíso das Águas e o Balneário do Córrego.
O comércio se diversifica para atender às demandas mais exigentes. As pousadas, como o Solar Polydoro e a do Eti se vão a cada dia se aprimorando para bem atender aos turistas que vêm a Grão Mogol nos finais de semana.
O Centro Histórico da cidade, já tombado no âmbito municipal, está em processo de tombamento pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA). Daqui pra frente, a tendência é de cada vez mais Grão Mogol se destacar no cenário turístico dentre as cidades históricas mineiras.
“Grão Mogol é a bola da vez” em desenvolvimento socioeconômico e cultural. A opinião é do empresário Lúcio Bemquerer, filho desta terra. Como consultor formado em sociologia e economia, ele sabe muito bem o que está dizendo.


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Por Alberto Sena - 5/5/2015 16:06:56
QUATRO NOMES PARA UMA SÓ RUA

Alberto Sena

A Rua Direita é a rua mais bonita de Grão Mogol. Em verdade, ela é uma só, subdividida em mais três nomes. É a mais antiga rua. Ela é a principal e se chama assim desde os primórdios do garimpo que deu origem a essa cidade sob a proteção das serras do Maciço do Espinhaço.
Mas por que “Rua Direita?” Você pode perguntar, e com toda a razão, porque a existência de uma Rua Direita sugere a possibilidade de haver uma “rua esquerda”. Este não é o caso da nossa Rua Direita. O nome nasceu espontaneamente como acontecia naquela época nas demais cidades históricas, onde o prédio da igreja católica era o referencial de tudo.
Quando alguém perguntava: “Onde fica a rua?”, a resposta era: “Fica à direita da igreja”. O que remonta também, ou principalmente, à passagem bíblica sobre Cristo, que subiu aos céus e está sentado à direita do Pai. É uma rua curiosa essa. Originalmente, as águas pluviais corriam no meio dela e não nos cantos do meio-fio, como acontece nas demais cidades.
Mas na década de 80, a Prefeitura em vez de registrar de fato e de direito o nome da rua como Rua Direita, nome histórico, optou por homenagear Manoel Cristiano Relo, um juiz de Direito que atuou em Grão Mogol na década de 30.
O nome de Manoel Cristiano Relo foi dado também ao prédio do Fórum de Grão Mogol por Élcio Paulino, quando teve nele um cartório. Como o prédio não tinha nome e Paulino precisava enviar correspondências, aproveitou e lançou o nome do juiz. Ele garante que se for pesquisado na Prefeitura o nome de Manoel Cristiano Relo como sendo o nome do Fórum, não haverá registro.
A Rua Cristiano Relo (antiga Rua Direita) fica no meio das três ruas. No sentido Norte, ela tem hoje o nome de Luiz Gonçalves, pai do atual vice-prefeito de Grão Mogol, Hamilton Gonçalves. Luiz Gonçalves foi prefeito.
Nessa rua o escritor, cronista, historiador e grande figura humana, Haroldo Lívio de Oliveira viveu dias de tranquilidade. Ele nasceu em Brasília de Minas, mas viveu grande parte da vida em Montes Claros, e como era apaixonado por Grão Mogol, de onde se tornou “cidadão honorário”, comprou uma casa antiga na Rua Luiz Gonçalves e nela ele viveu bons momentos.
Mas é preciso lembrar que essa rua já levou o nome do Barão de Grão Mogol, o coronel Gualtér Martins Pereira. Em seguida, foi batizada de Rua Rio Verde.
A parte Sul da Rua Cristiano Relo (Rua Direita chamada) é Rua Hilário Marinho. No frigir dos ovos ficou com a parte mais bonita da bonita rua. Você poderá perguntar em seguida: “Mais bonita por quê?” Porque nela estão dois empreendimentos que a tornam a mais bela rua de Grão Mogol: o primeiro deles é o Presépio Natural Mãos de Deus, o maior do mundo.
O outro é o Horto da Prefeitura Municipal de Grão Mogol, tido por Geraldo Fróis, o responsável pelo maravilhoso viveiro, “como uma das boas ideias do prefeito Jéferson Augusto Figueiredo”. No Horto da Prefeitura “bougainvilles” multicoloridos enchem os olhos e a alma dos circunstantes.
Mas, afinal, quem foi Hilário Marinho? Ele era pai de Amadeu Ferreira Paulino e avô de Élcio Paulino, dono do restaurante Casarão, em Grão Mogol. Hilário foi uma figura que se poderá resumir numa palavra: “Factótum” – era um “faz tudo”. Foi escrivão de cartório, juntamente a Amadeu, médico e dentista praticante.
Ele possuía licença do Conselho de Medicina para trabalhar. Nas horas de folga, se armava das ferramentas próprias e ia garimpar. Era assim Hilário Marinho, que, volta e meia ministrava “aulas públicas” também, aulas precursoras da “escola pública” dos tempos de antigamente.


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Por Alberto Sena - 28/4/2015 11:12:43
Ideia de desnudar fachada
dos prédios repercute bem

Alberto Sena


O desnudamento da fachada dos prédios do centrão de Montes Claros tem tudo para tornar-se uma realidade. A repercussão da ideia vai ganhando corpo à medida que as pessoas fazem comentários o mais variados.
É perceptível a vontade que os montesclarinos têm de se verem livres das placas, dessa poluição visual agressiva. Essa agressão, inconscientemente ou não, fere a alma das pessoas. Os comerciantes devem apoiar a ideia até mesmo porque irão atrair mais clientes, e outra coisa: isto influirá positivamente no estado de espírito da clientela.
Basta só imaginar como poderia ficar o centrão livre das placas. Não é acabar com elas, é padronizá-las, diminuir de tamanho. Ninguém compra o que precisa só porque a casa comercial tem placa maior do que a do vizinho. Precisamos todos nós montesclarinos de boa vontade, pensar em melhorar a qualidade de vida da cidade visando o bem-estar da população.
A noção de desenvolvimento de um país, um estado ou um município não pode ser medida baseada só no aspecto econômico. A economia é um item, o emprego outro item, mas a qualidade de vida é fundamental porque mexe com todos simultaneamente, assim como a má qualidade possui poder semelhante, porém devastador.
É só ter um tempinho para reparar como a cidade está. Imagina se a quantidade de carros rodando simplesmente dobrar. Ficarão todos dentro dos carros parados na rua, cuspindo monóxido de carbono por todos os canos. Gastando gasolina à toa. Sem falar do que é o principal: as pessoas se vão irritando, irritando e o estresse se vai aumentando, aumentando e os surtos de raiva e ódio irão matando uns aos outros.
O amigo virtual Deocleciano Dourado comentou a respeito do assunto lembrando que o ex-governador Jaime Lerner, internacionalmente conhecido pelas suas incursões na área de urbanismo e meio ambiente, fez uma simulação “com alguns imóveis, virtualmente, para mostrar como ficariam, e ficaram lindos”.
O que Deocleciano acha ser o mais difícil poderá ser o mais fácil, “convencer os lojistas a retirarem aquela bagunça da porta das lojas”. Desde que, por meio de um projeto bem estruturado, haja argumentos convincentes. Com o desnudamente, os comerciantes serão os primeiros a ganhar.
Outro amigo virtual, Carlos Diamantino Alkmim, considerou “uma ideia que precisa ser concretizada; um modelo para outras cidades do Norte de Minas. Avante!”. Me lembrei dos tempos do Zorro: “aiô... Sílver, avante!”. É preciso, sim, ir avante, mas a campanha não irá avante sozinha. Precisa ter quem a conduza. E pelo visto, Itamaury Teles é a pessoa indicada para tocar essa empreitada de grande significado.
“Realmente, no centro da nossa cidade existem várias fachadas lindas, porém cobertas com placas”, lembrou Teles. Ao que “Tatá Sociólogo” emendou: “Na Rua Rui Barbosa e Coronel Antônio dos Anjos, nos fundos do antigo mercado, existem várias; dia desses deparei com uma delas na esquina das ruas São Francisco e Rui Barbosa (cantina do pão de queijo?) desnudada, enquanto se trocava uma placa”.
Hamilton Trindade deu o chute inicial da campanha ao enviar ao prefeito Ruy Muniz e o seu secretariado, um ofício: “São Paulo e Belo Horizonte, anos atrás, tomaram esta providência, o que continua valendo. Determinar a troca das placas maiores e de dimensões que tiravam a visão das construções da cidade, no centro e depois nos bairros. Estabeleceu-se por projeto, enviado à Câmara, em Código de Posturas, o tamanho das placas a serem permitidas para cada estabelecimento de comércio e de serviços, sem se tirar a beleza de casas e prédios históricos. Com isso todos os estabelecimentos passaram a ter placas de tamanho uniforme, se permitindo com isso, se visualizar a arquitetura das construções e com isso, também se obrigaram a restaurar as construções carcomidas pelo tempo ou pelo descuido. (...). Montes Claros e a sua história ganhariam e muito. O Itamaury Teles, do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros poderia ser convidado a participar, efetivamente, do processo. Ele postou observação a respeito no fabebook”.
Ronaldo Lima Neves, Roberto Lima e Maria Helena Flávio Almeida consideraram a ideia “ótima”, mas Ivana Ferrante Rebello foi incisiva, ela que em parceria com o jornalista Jorge Silveira, acaba de lançar o livro sobre o prefeito Toninho Rebello, que, se vivo fosse, endossaria a ideia, rapidinho.
Disse Ivana: “Endosso plenamente essa ideia; as cidades andam demasiadamente poluídas, descaracterizadas, com suas identidades camufladas pelo excesso de apelos comerciais, letreiros desiguais etc. Montes Claros carece de uma medida urgente, pois o centro da cidade padece de feiura e falta de equilíbrio; o que se vê é sujeira, passeios mal cuidados (cada um que se responsabilize pelo seu), fachadas empobrecidas por uma avidez de derrubar belas construções e construir caixotes modernosos horríveis e sem personalidade. Dou inteiro apoio e parabenizo pela feliz iniciativa!”


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Por Alberto Sena - 27/4/2015 08:34:14
DESNUDAR A FACHADA DOS PRÉDIOS

Alberto Sena

Eis uma boa ideia. Poderá dar feição nova ao centrão de Montes Claros, desnudar a fachada dos prédios, padronizar ou senão reduzir o tamanho das placas comerciais para a fachada aparecer com toda beleza e esplendor.
Eis uma medida com o meu apoio explícito, se é que o meu apoio vale de alguma coisa. Acho até uma questão de boa educação e respeito para com todos nós, montesclarinos ou não, agredidos visualmente por essa quantidade de placas que torna a cidade feia.
Montes Claros não é cidade feia. Possui ruas estreitas, mas é porque nasceu duma fazenda de Antônio Gonçalves Figueira. E de lá pra casa nunca teve um Plano Diretor para cuidar do traçado urbano. Houve uma tentativa com o prefeito Antônio Lafetá Rebello. Só.
Nem posso falar muito sobre como estão os prédios do centrão de Montes Claros porque estou ausente já faz um tempão, mas ainda deve haver prédios com fachada inteira original, e muitas delas com arquitetura de época, de quando Montes Claros foi internacional com os seus cassinos que atraíam gente de todos os cantos e principalmente mulheres ávidas por dinheiro. Mas isso é outra história.
Uma campanha municipal pela revelação da fachada dos prédios de Montes Claros pode estar embrionariamente ligada à série “Caminhando e Clicando”, do jornalista Itamaury Teles, que flagrou, num clic, a beleza da fachada “de um antigo prédio da Rua Presidente Vargas” (ex-Rua XV do “footing” montesclarino).
De fato, como constatou Teles, “a fachada revela sua beleza de há muito escondida e que merece ser preservada. Faz bem aos nossos olhos uma nesga que seja da velha cidade ainda remanescente em nossas memórias saudosistas”.
Pelo que pude acompanhar daqui da caverna do Maciço do Espinhaço, em Grão Mogol, a ideia já está repercutindo em Montes Claros. Hamilton Trindade é um dos que já se pronunciaram a favor. Ele até sugeriu fazer “uma cruzada para que se desnudem as belas e históricas construções no centro de Montes Claros com placas menores sem se esconder as belezas arquitetônicas”. Quem aderisse receberia incentivo no pagamento dos impostos municipais e, quiçá, nos estaduais.
O importante é levar avante a ideia e formalizá-la por meio de um projeto devidamente estruturado, porque já faz um bom tempo Montes Claros vem ganhando ares de capital. De direito ainda não, mas de fato a cidade é a capital do Norte de Minas. Mas em suas ruas estreitas estão escondidos restos de belezas antigas e poderiam ser mostrados até para realimentar a memória e estimular o turismo.
O prédio cuja fachada foi desnudada fica próximo de onde era o Viche – ou era Vixe? – um dos bares precursores de uma onda romântica e por isso mesmo gostosa da década de 60. Pena que durou pouco tempo. Era uma casa pintada de branco com janelas e portas azuis, recuada do portão de entrada, na Rua Presidente Vargas. As mesas e cadeiras foram colocadas nessa área e ali casais namoravam tomando caipirinha. Um lugar gostoso.
Na minha singela opinião, o assunto merece ser tratado em reunião de pauta dos jornais, das rádios e das TVs de Montes Claros. As placas escondem as belezas arquitetônicas dos prédios. Se a mídia montesclarina adotar a ideia, logo será realidade. E nos dará gosto ver a fachada dos prédios ao redor da Praça Dr. Carlos. Vai melhorar muito a cara da área.
Talvez fosse o caso de avançar mais. Pensar em tombar todos os prédios antigos de Montes Claros. Com o tombamento, muitos deles teriam o condão de mostrar traços de uma época em que a cidade era branda. Impossível impedir o desenvolvimento. Mas é preciso pôr ordem nisso. Por uma questão de postura.
Tomara vingue a ideia de desnudar a fachada dos prédios. Se depender de mim, filho da terra sempre amada de perto e de longe, agora nem tão longe quanto antes. Qualquer coisa nesse sentido pode contar comigo. Irei armado de caneta e papel. Se for preciso irei até de gravador em punho, para, juntamente a outros que comungarem da ideia, transformar o visual do centrão de Montes Claros. Para o bem da memória coletiva e satisfação pessoal dos que aqui estão e dos que nascerão nesta terra de Figueira.


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Por Alberto Sena - 20/4/2015 08:27:04
MONTES CLAROS

NO SOBRADO DA FACIL, MEIO SÉCULO DEPOIS

Alberto Sena

Havia meio século não entrava neste sobrado da Rua Coronel Celestino, 75 – Centro, Montes Claros. Olhou pelo retrovisor da vida e fez as contas de cabeça. A última vez que aqui esteve o governador de Minas era Magalhães Pinto, em 1965. Recordou-se disto porque no último ano de governo dele foi iniciada a construção do novo prédio da Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, na Avenida Mestra Fininha. Juntamente a alguns colegas de escola pararam o carro do governador na Praça da Matriz para cobrar dele a construção do novo prédio da escola. O governador sorriu, fez com a mão o gesto de positivo.
A construção do sobrado foi iniciada em 1886. Era para servir de moradia e comércio para o coronel José Antônio Versiani (Juca Versiani). De lá pra cá, o sobrado serviu para várias atividades. Atualmente abriga do Museu Regional do Norte de Minas (MRNM), no Corredor Cultural Padre Dudu. Mas, a palavra mágica que abriu a caixinha azul da memória foi o nome Escola Normal Oficial Professor Plínio Ribeiro. Neste momento ouviu os próprios passos e a voz possante dos professores dentro das salas de aula.
Ao subir as escadas de madeira recordou-se dos estalidos estranhos vindos do forro de madeira, até que um dia de manhã desabou parte dele quase em cima da cabeça do professor Pedro Santana. Ou foi de Juvenal? Há controvérsias, mas o desabamento parcial do forro aconteceu durante a aula. Todos saíram da sala correndo e a partir daquele dia se criou a neura: “O sobrado está prestes a desabar”. De fato, necessitava era de uma reforma, como essa reforma que deu a ele vida nova e perene. Ficou muito chique o sobrado das lembranças mil.
Inda bem que foi salvo da sanha urbanística destruidora atuante há muitos anos em Montes Claros. Enquanto se aproximava do sobrado, vindo de Grão Mogol, pôde observar com um vergão de tristeza as casas antigas da Rua Padre Teixeira indo abaixo, quando podiam ser restauradas como foi o hoje conhecido “sobrado da FAFIL”.
Recordou-se da cena da colega que, em plena aula do professor Francolino teve a ingenuidade de perguntar: - Professor: é verdade que se a gente deixar um fio de cabelo dentro d’água durante muito tempo ele pode virar cobra? Austero como era Francolino se limitou a responder: - Faça a experiência.
A classe inteira engoliu o riso, porque naquele tempo “bullying” era só uma palavra da língua inglesa que soa parecido com o nosso bule de café.
Houve alguma mudança na parte interna do sobrado, na divisão das salas. E não podia ser diferente, havendo necessidade de readequá-lo para as funções às quais serviu ao longo do tempo depois da bendita restauração. Mas as nove portas e nove janelas lá estão. Toda a imponência do sobrado foi conservada. Cabe agora cada um contar a sua história, rebuscar sua memória.
Como naquele tempo as mulheres costumavam usar vestidos ou saias, as frestas do soalho tinham o condão de mostrar aos jovens, em plena fase de ebulição hormonal, estrelas multicoloridas. Até que tudo ficou manjado e o céu tornou-se noite eterna à semelhança do breu.
De um momento para o outro, os ruídos de passos no soalho foram se assomando ao ponto de reconhecer no vaivém de estudantes e professores, Dona Yvonne, que acabava de cumprir a sua gloriosa missão e partia para uma das moradas da Casa do Pai. Sentiu isto por meio das lufadas de vento que entravam pelas janelas abertas. Pensou: “O ar condicionado aqui é natural, como sempre”.
Deu de cara com o professor Márcio Aguiar, de Português, e num átimo se recordou do caso que ele contou no primeiro dia de aula. “Vocês nunca mais irão se esquecer disto: um assaltante apontou a arma para um professor de Português e disse: Te mato, passa-me todo dinheiro”.
Ao que o professor, calmamente respondeu ao assaltante: “Mata-me, faça tudo que quiseres, mas nunca empregues um pronome oblíquo no princípio da frase”. De fato, nunca se esquecera deste ensinamento.
Um turbilhão de lembranças perpassou-lhe a cabeça. Lembrou-se do sinal para início das aulas. Recordou as escorregadelas pelo corrimão da escada. Ouviu ecos distantes de quando a moçada esbanjava juventude pisando o surrado soalho de madeira antiga. Soalho pisado e repisado por milhares de pessoas de destaque ao longo do tempo. De gente que, neste instante, acaba de ler este texto e começa a rebuscar as próprias lembranças da vivência neste sobrado eterno.


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Por Alberto Sena - 13/4/2015 10:40:23
ORAÇÃO A SÃO FRANCISCO

Alberto Sena

São Francisco, meu queridíssimo São Francisco, o senhor que é de Assis e foi o inventor do presépio no ano de 1223, em Greccio, na Itália, para a Humanidade lembrar sempre do nascimento de Jesus Menino, com todo o respeito e devoção imploro a sua intercessão para, juntamente a nós todos que amamos a Mãe Natureza, pedir a Ele, o verdadeiro Filho de Deus para impedir o fim do “Rio da Integração Nacional”.
Faço isso, hoje, São Francisco, mas já tomei outras atitudes antes e vo-las contarei tim tim por tim tim no decorrer desta oração, faço isso hoje atendendo ao apelo do membro do Conselho da Bacia do Rio São Francisco, Antônio Jackson Borges, que integrou a expedição “Vidas Áridas” idealizada pelo jornalista Délio Pinheiro. Borges disse, em entrevista, bastante assustado com tudo o que viu de degradação do rio: “A nossa única esperança é apelar pra Deus”.
E é neste sentido, São Francisco, porque o rio leva o seu nome, que tomo a liberdade de me dirigir ao senhor em oração. O senhor que é o Patrono Mundial da Ecologia; o senhor que conversava com os animais e eles ficavam de orelhas em pé para ouvir o que os homens e as mulheres não queriam ouvir; o senhor que conversava diretamente com Deus, na pessoa de Jesus Cristo, numa relação de intimidade tamanha que Deus atendia quase ao mesmo tempo os seus pedidos; o senhor que realizou, em nome de Jesus, milagres tanto quanto o próprio Jesus em pessoa realizou – ou mais porque viveu muito mais tempo – interfira neste processo em favor do salvamento do rio que se afoga na lama humana.
Perdoa-nos, oh São Francisco, o senhor que sofreu na própria carne as mazelas da vida humana tudo por amor a Jesus, o senhor conhece bem a raça. Não leve em conta o egoísmo do qual derivam os demais pecados, a hipocrisia, a ganância, o consumismo etc. porque é por causa de tudo isso que o Rio São Francisco agoniza senão morreu. Ainda está vivo porque corre em muitos pontos, mas morreu em decorrência do exacerbado amor ao “deus dinheiro”.
Peça ao Filho, Jesus, para falar ao Pai, que nos envie o Espírito Santo para Ele realizar o milagre da ressurreição do Rio São Francisco, por amor ao seu nome santo, oh São Francisco de Assis.
Como o senhor bem sabe, não foi por falta de avisos que tudo deu no que deu. Desde a década de 70, logo após a realização da primeira Cúpula da Terra, em Estocolmo, São Francisco, vimos alertando a sociedade e as autoridades dos governos, por meio de reportagens publicadas no jornal Estado de Minas e em outros veículos, sobre a situação degradante como o nosso irmão rio era tratado.
Fomos às nascentes do Rio São Francisco, lá em São Roque de Minas, Serra da Canastra, a fim de averiguar denúncias contra o garimpo clandestino que desviava o bendito, poucos quilômetros abaixo. Percorremos um trecho do rio e pudemos constatar com os próprios olhos a quantidade de homens utilizando bombas hidráulicas. Ali, o rio ganhava aspecto de mar, perdera o curso.
Em vários pontos canos de grossos calibres derramavam águas imundas dos dejetos humanos no curso do rio. Irrigantes retiravam descontroladamente as águas sem o menor respeito aos ribeirinhos que do São Francisco viviam e vivem ainda hoje, apesar da sua agonia.
Em Pirapora, onde uma noite dormimos no vapor Benjamim Guimarães pudemos constatar a quantidade de canos cuspindo esgoto bem dentro da cidade, naquele ponto onde os banhistas costumam (será que ainda há água para tanto?) frequentar as duchas em meio às pedras pretas donde se vê a ponte de ferro, marco de Pirapora.
Como se pode depreender, São Francisco, o problema da degradação do rio é antigo. Antes de nós, outros já deviam ter constatado a degradação, e de lá para cá a sociedade e os governos tiveram tempo suficiente para evitar o fim do rio, mas o egoísmo, a ganância, o faz de conta dos governos, a irresponsabilidade, a omissão e a indiferença dos homens e das mulheres mineiras de Minas e do País afogam o rio na lama. Foi uma destruição premeditada, lenta e gradual, tal e qual as torturas vividas por um personagem kafkaniano.
O senhor, São Francisco, que abandonou toda a possibilidade de obter uma vida material farta para se entregar de fato a Jesus. O senhor me desculpe, mas não podia deixar de lhe falar sobre isto: já que os brasileiros acabaram com o rio, sem o menor repeito e consideração, não seria o caso de o senhor fazer alguma coisa, na prática, para não deixar a nossa irresponsabilidade comprometer o seu santo nome, São Francisco?


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Por Alberto Sena - 27/3/2015 08:11:12

PÓLVORA PARA A REVOLUÇÃO DE 30

Alberto Sena

Desde criança se ouvia dizer sobre este incidente ocorrido em Montes Claros, que teria contribuído para pôr mais fogo no rastilho de pólvora da chamada Revolução de 30, incidente esse protagonizado por Dona Tiburtina, mulher do dr. João Alves, que dá nome à praça em frente à Escola Estadual Gonçalves Chaves.
Foi tempos depois que se soube do que havia de fato acontecido ali. A comitiva na estação esperava o vice-presidente da República, o mineiro Mello Vianna. Mas a oposição tentou assassiná-lo neste dia. Segundo dizem o trem que transportava o vice-presidente voltou de ré até Bocaiúva para evitar o assassinato.
Ouvindo os adultos em roda de conversa, eles diziam que da noite para o dia foram encontrados vários cadáveres na praça. Mas tudo era contado à boca pequena. Os adultos pareciam ter receio de falar sobre o assunto. Diziam que em Montes Claros dessa época era comum encontrar gente assassinada e o cadáver abandonado no meio da rua.
Mas o tempo voou nas asas dos anos e Montes Claros passou um grande período como cidade pacata, até que, impulsionada pelo movimento característico da sua posição geográfica no mapa brasileiro, a urbe explodiu como previu anos depois de Tiburtina, década de 70, o jornalista Fialho Pacheco. Infelizmente, já faz alguns anos, os assassinatos voltaram não com a conotação política de então, mas com a força da turbulência dos nossos dias.
Observando a foto enviada por Joaquim de Paula ao acervo de fotografias de Dona Maria das Dores Guimarães Gomes, nem de longe lembra a Montes Claros de hoje. Reparem a elegância das pessoas. Veja que o costume da época era usar chapéu. Todos os homens de terno, colete e gravata. As mulheres com roupas chiques, como era costume dizer à época, “roupa de ver Deus”. Hoje, o costume é usar boné. Boné com a aba pra frente ou pra trás. Quem deixa o boné com a aba pra frente é um tipo e outro é o que deixa a aba do boné pra trás.
Enquanto os adultos falavam a respeito dos tempos em que a política dos coronéis era acirrada, em Montes Claros, com dona Tiburtina e, depois, Deba, que comandava os pleitos locais, crescia na imaginação infantil uma série de imagens. Qual devia ser naquele tempo a sensação de abrir a porta ou a janela da casa e encontrar na rua cadáveres insepultos? Ficava pensando que o mau cheiro devia ser enorme e que os urubus tratavam de consumir com os restos mortais.
Como soe acontece com a raça humana, muitas das vezes as aparências enganam. Olhando com acuidade a foto, a impressão é a de que tudo ali está em ordem. As pessoas bonitas, elegantemente vestidas, aguardam a chegada de alguém que certamente daria mais impressão ainda de normalidade à vida.
Será que em meio a essas pessoas que aguardavam na estação o vice-presidente da República, o mineiro Mello Vianna, imaginavam o que estava preste a acontecer? Pode ser que sim ou não, dependendo da capacidade de cada um para captar as energias envolventes da atmosfera socioeconômica e política daquela época.
Hoje a estação onde essas pessoas aguardavam os acontecimentos já não mais existe. Como não mais existe o trem de passageiros que vinha de Salvador, na Bahia, atravessava o Jequitinhonha e adentrava Montes Claros rumo a Belo Horizonte e o Rio de Janeiro. Era um trem demorado que saía pingando pela estrada de ferro afora, mas era um trem importante, se ainda corresse seria uma mão na roda para desafogar as perigosas rodovias desta parte Leste do País.
Foi o “presidente estradeiro”, Juscelino Kubitschek quem determinou o fim do trem de passageiros ao investir pesado a fim de trazer para o Brasil a indústria automobilística norte-americana.
Não só a indústria automobilística veio no bojo dessa iniciativa que hoje vivemos e nos faz parecer, pelo menos nas grandes cidades, réplica do modus vivendi norte-americano, como bem disse o escritor italiano Luigi Pirandello, ao então repórter Assis Chateaubriand: “Cheguei do Brasil há pouco tempo e foi uma pena constatar, vocês imitam os norte-americanos com os arranha-céus”.
A importância das fotos, dos filmes e o que mais possa marcar épocas é de grande valia para assegurar a saúde da memória de cada um e coletiva, hoje em dia. Se naquela época quando Dona Tiburtina imperava, se tivéssemos uma reportagem contando tim tim por tim tudo que se deu naquela fatídico dia, poderia ser que a história contada fosse outra.


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Por Alberto Sena - 20/3/2015 11:32:40

ESCOLA NORMAL

Alberto Sena

As fotos do acervo de dona Maria das Dores Guimarães Gomes postadas no Facebook têm o condão de transportar qualquer pessoa, seja cristão, sacristão, evangélico ou budista, senão o ateu também, ao tempo em que fomos igualmente felizes e tínhamos a certeza de que éramos felizes.
Mirem-se nesta foto. É o pátio da Escola Normal Professor Plínio Ribeiro. Quem viveu os bons tempos de Montes Claros, já naquela época gloriosa, quando repisávamos os mesmos caminhos de muitos viventes sobreviventes da geração nascida na década de 50, vai se recordar de muitos acontecimentos ali vividos.
Montes Claros de então era uma cidade pacata, mas com a nítida vocação de ser o que é hoje, a capital duma região para onde convergia quase tudo do que vinha do Nordeste brasileiro. Uns iam para São Paulo e acabavam aportados na cidade e dela se tornavam tipos humanos.
Escola Normal. Por que escola normal se todas as escolas são normais? Anormais são as escolas que não cumprem rigorosamente o seu papel de escola normal, aquela em cujo ambiente existam profissionais que, apesar dos percalços se sentem no dever de transmitir o melhor que sabem para a formação de novos valores.
A Escola Normal era normalíssima. Claro, acontecia de vez em quando de ouvir estalidos vindos do telhado, mas não chegavam a assustar até que um dia... Um dia o telhado deu um estalido mais forte e mais alto e uma parte desabou quase na cabeça do professor Pedro Santana.
O ruído das passadas dos estudantes no piso de madeira do sobrado era comparável ao movimento do gado nos vagões de trem quando a Central do Brasil corria nos trilhos. Mas depois que soava o sinal, o silêncio tomava conta de tudo e só se ouvia mesmo a voz dos professores. Era um tempo de concentração e aprendizado.
Pedro Santana saía e vinha Francolino. Francolino saía e vinha dona Yvonne. Dona Yvonne saía e vinha Juvenal. Vinha dona Dulce Sarmento, vinha Simeão Ribeiro e depois Monsenhor Gustavo com o seu Latim. Era um encanto esse sobrado encantado, que mais encantado ficou depois de restaurado. Inda bem que este foi salvo. Imagina se no lugar da Escola Normal tivesse hoje uma oficina mecânica?!
Mas era mesmo no pátio onde o burburinho de fato acontecia e as rodas se formavam em conversas rápidas, porém corpo a corpo porque naquela época nem se vislumbrava algum sinal de informática. A escrita era na munheca e os professores gastavam mesmo o português até ficarem roucos. Como roucos também ficavam os alunos de tanto ouvir.
Havia uma casinha do lado direito de quem vê a foto onde era a cantina. A cantina vendia sanduíche, pão de queijo e o tradicional cafezinho. Às vezes, dependendo do despertar matinal, nem tempo de comer alguma coisa dava e era então que se tirava a barriga da miséria ali na cantina.
Mas nem sempre se podia fartar, porque estudante que se preza não tem dinheiro pra ficar esbanjando. Mas sempre havia alguém pra compartilhar a merenda. Um dia era um noutro dia era outro e assim a solidariedade era praticada em pequenas gotas e talvez por isso tenha sobrevivido ainda nos dias atuais.
Gostoso mesmo, na hora do recreio, era a oportunidade de conversar com as colegas. E era cada colega. Uma coisa era vê-las de uniformes de saia azul e blusa branca. Mas nas oportunidades que tínhamos de encontrá-las devidamente maquiadas e de minissaia muito usada na época, era surpreendente.
Os estudantes da época, de fato eram politizados. Politicamente falando, eles reagiam por meio do Diretório Acadêmico. Pagávamos uma contribuição para isso. Houve uma vez, pouco depois do desabamento de parte do telhado, que paramos o carro do então governador Magalhães Pinto, em visita à cidade, ali na Praça da Matriz, e quase em coro, reivindicamos:
- Governador, nós queremos novo prédio para a Escola Normal.
O governador nos deu tempo suficiente para observarmos que de fato ele não tinha sequer um fio de cabelo na cabeça, sorriu e fez pra nós o sinal de positivo. Foi uma glória, saímos correndo pra contar aos outros a nossa peripécia.
Estudamos em quase todas as salas desse imponente sobrado que é cheio de histórias. Por ali passaram personalidades que muito ajudaram Montes Claros a ser a cidade que é hoje, dotada de uma Universidade Estadual, conhecida e reconhecida em todo o território nacional.


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Por Alberto Sena - 17/3/2015 11:19:31

Foi nesta casa onde tudo começou

Alberto Sena

Enfim, eis a foto do casarão antigo onde funcionou a redação do O Jornal de Montes Claros, na Rua Dr. Santos 103, no Centro da cidade, lá onde é hoje uma agência bancária. Uma coisa é falar da casa onde durante décadas funcionou o JMC ou o Mais Lido, uma escola prática de jornalismo que fez história.
Outra coisa e dizer que desta casa cuja foto foi tomada emprestada do acervo de Maria das Dores Guimarães Gomes, representada pelo filho, Wagner Gomes, que a recebeu de André Antunes, filho de Oswaldo Antunes, dono do jornal, desta casa saíram para os grandes jornais brasileiros uma pá de profissionais.
Tudo isto se deu no tempo em que a imprensa escrita era feita por meio de máquinas linotipos. Inclusive uma delas foi salva no último momento, quando ia para o ferro velho. Foi comprada pela Casa da Imprensa, por intermédio de Felicidade Tumpinambá. Era a linotipo operada por Walter Andrezzo e Milton Ruas, no Mais Lido, linotipo essa que irá para o Museu Regional de Montes claros, com lugar já reservado, como me informou a pró-reitora de extensão da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Marina Ribeiro Queiroz.
Olhando a foto, que tem enorme valor histórico, vejo o quanto eram frágeis as pilastras de madeira que sustentavam o telhado. Naquela época, observando a casa tanto por dentro como por fora, sempre achava que carecia de uma reforma.
Do lado direito de quem vê a foto ficava a casinha de madeira azul onde vivia Tuia. Tuia era de Grão Mogol. Quando a fedentina dele chegava a um ponto insuportável, era necessário convocar Leonel Beirão e outros cidadãos mosteclarinos de boa vontade para dar banho em Tuia e era então que se podia fazer uma faxina no quartinho de madeira.
Dentro dessa bendita casa, que se não me engano era de propriedade de Luiz de Paula Ferreira, na parte da frente funcionava o escritório de advocacia do dr. Orestes Barbosa, pai de Rui Barbosa e Toninho, este já falecido.
O jornal funcionava na outra parte. Tinha saleta de recepção que dava para a oficina, onde havia duas linotipos e toda a parafernália para fazer as edições três vezes por semana. No fundo ficava a máquina impressora no seu vaivém lento, porém efetivo.
Na outra porta existente na entrada ficava a secretária do dr. Oswaldo e logo a redação onde se podia enxergar trabalhando Lazinho Pimenta, Robson Costa, Carlos Lindenberg, Paulo Narciso, Reginauro Silva, Adroaldo, Felisberto Versiani, Avay Miranda, Robério Antunes, José Versiani, Luiz Ribeiro entre outros.
A sala adiante da redação era do secretário Waldyr Senna, de cuja máquina de datilografia Remington saía faíscas devido à velocidade imposta pelas pontas dos dedos dele às teclas esverdeadas.
Se mais havia – e havia, era o quartinho lá onde dona Maria e José Branco dobravam os jornais e os entregavam a uma turma de meninos. E os meninos saíam correndo e gritando as manchetes do jornal. Cada um no afã de alcançar o leitor mais rápido do que o outro.
O Jornal de Montes Claros – e a imprensa local de modo geral – teve grande influência na cidade e região, principalmente no período efervescente da Sudene. Politicamente, o jornal se manteve como trincheira uma sentinela da cidade.
Em termos profissionais, o jornal funcionou até quando funcionou depois que mudou para a Avenida Dulce Sarmento, onde encerrou as atividades, como uma escola prática de Jornalismo. Pelo menos esta era a fama do JMC na redação do jornal Estado de Minas, na década de 70. Lá já se encontrava uma meia dúzia de montesclarinos, todos originários do Mais Lido.
Mas, de volta a casa número 103, naquela bendita época, a Rua Dr. Santos era como uma passarela. E não havia diversão maior, nos momentos de folga, do que ficar ali naquela porta, escorado numa frágil pilastra espiando o vaivém das moiçolas exuberantes. Teve uma que até torceu o tornozelo e teve de gessar o pé porque ao se virar e olhar pra trás escorregou no meio-fio.
Não se pode, jamais, deixar de recordar que a janela da redação dava acesso a uma área externa onde uma goiabeira solitária volta e meia nos brindava com uma deliciosa goiaba branca. A colheita era na base de quem chegasse primeiro. E adivinha quem chegava primeiro?
Daqui do alto do Maciço do Espinhaço ainda dá para ouvir o burburinho da redação do JMC, onde tudo começou.


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Por Alberto Sena - 5/3/2015 15:44:13
Grão Mogol

John of Dolla

Alberto Sena

Veio do interior do estabelecimento comercial de “cereais, armarinhos e bebidas” cheiro delicioso de arroz quando o aroma de alho semitorrado exala por todos os quadrantes.
O lugar é meio sombrio devido ao teto baixo e o emaranhado de produtos em oferta. Pilhas de caixotes ajudam ainda mais a escurecer o ambiente.
João Gomes Alves, de 59 anos, lá no fundo, atrás do balcão, refogava o arroz no fogão preparando o próprio almoço de logo mais. Ele é um tipo factótum, ali no estabelecimento comercial, um faz tudo.
Com ele não tem essa conversa de “tempo para descansar”. Conhecido em Grão Mogol como “João de Dola”, ele correu os olhos pelo recinto e disse: “Isto aqui, pra mim, é um descanso permanente”.
O cheiro de arroz se misturou aos demais cheiros do interior do estabelecimento comercial. É lá onde João de Dola trabalha diuturnamente há 20 anos, na Avenida Domingos Arruda, 43 – bairro Bom Gosto.
A esta altura é de bom alvitre perguntar: mas o que tem João de Dola nessa narrativa que se vai criando a cada palavra? “Tem tudo” é a resposta. A começar do nome do estabelecimento comercial: “Bar e Mercearia John of Dolla”.
As pessoas passam na porta e ao lerem o letreiro do bar, quem não conhece a história que há por trás, fica com a pulga atrás da orelha querendo saber o porquê do nome.
Em plena cidade de Grão Mogol, terra por onde transitaram bandeirantes errantes em busca de esmeraldas e só encontraram turmalinas; e garimpeiros de várias partes do mundo em busca de diamantes, faz sentido encontrar um estabelecimento comercial com nome tão peculiar.
As pessoas podem muito bem especular a respeito do sugestivo nome do estabelecimento – “Bar e Mercearia John of Dolla”. Podem pensar que talvez o proprietário tenha descendência inglesa ou norte-americana, senão é originário de algum outro país onde se fala o inglês.
Não. Não é nada disso. Quem conta a história do nome do bar é o próprio João de Dola, nascido e criado em Grão Mogol, homem simples, com jeito de quem está de bem com a vida. Casado, separado, pai de três filhos, vestido com camisa de um clube esportivo chamado “Fly Emirates”, ele conta enquanto a panela de arroz arde no fogão.
Tudo começou a partir do apelido do pai, Teodolino Gomes Soares, conhecido por Dola. Aliás, aqui, em Grão Mogol, quase ninguém é conhecido pelo nome de batismo. Até na lista telefônica da cidade constam os apelidos dos assinantes.
João chamado, logo passou a ser conhecido como João de Dola. Foi João de Dola pra cá, João de Dola pra lá, até que um amigo frequentador do bar, e, infelizmente já falecido, chamado Gê de Oto, então funcionário do Banco do Brasil, recebeu a luz do novo nome e tornou o apelido do amigo compreensível internacionalmente.
Gê de Oto, num belo dia chamou o amigo a um canto e pediu pra raciocinar com ele, dizendo: “O seu nome é João, filho de Dola, João de Dola chamado. Então, nós vamos passar o seu apelido – João de Dola para o inglês”. Claro que João não estava entendendo patavina sobre aonde o amigo queria chegar.
Foi quando Gê de Oto disse, num tom professoral: “Deixa comigo”. E deu o passo seguinte: “Daqui por diante você será chamado por todos em Grão Mogol – e quicá no mundo inteiro – por John of Dolla”.
E desse dia em diante, John of Dolla foi chamado o envaidecido João de Dola, satisfeito com o novo apelido.
Ele pode até não ganhar fama internacional porque, afinal, vive no interior. Se ele vivesse na capital, a essa altura o nome Bar e Mercearia John of Dolla talvez estivesse correndo de boca em boca pelo mundo inteiro.
Mas pelo menos é possível ser lido em qualquer lugar do globo porque o inglês é a língua internacional, e numa eventualidade, pode ser que o estabelecimento comercial dele se sobressaia em alguma coisa, no ramo de “cereais, armarinhos e bebidas”, e vença o mundo.
João de Dola é hoje bem diferente porque não há quem não entre no estabelecimento comercial dele só para saber o porquê do nome estampado na parede.
Quem chega à cidade dá de cara com o letreiro em tinta preta: Bar e Mercearia John of Dolla.
Quem entra no estabelecimento dele não sai de mãos abanando nem de estômago vazio, porque tem sempre um algo mais para servir. Esse é o John of Dolla, ao seu dispor.


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Por Alberto Sena - 25/2/2015 14:17:05
Linotipo Histórica a caminho do museu

Alberto Sena

Em Jornalismo há uma expressão denominada “suíte”, que anda meio sumida do dia a dia da mídia em meio à azáfama dos assuntos atropelando uns aos outros. Quem não é do ramo jornalístico não tem obrigação nenhuma de saber o que é “suíte”, que nada tem a ver com suíte de residência dotada de quarto e banheiro conjugado. Nada disso. Quem está com o jornal à mão não imagina como é feita cada edição. Uma trabalheira só.
Suíte é o acompanhamento da notícia até o desfecho. É quando a reportagem acompanha o desenrolar dos fatos. Foi numa série de suítes que ganhamos um Prêmio Esso de Jornalismo – Tito Guimarães Filho comigo, em defesa do operário Jorge Defensor, torturado à época pela polícia, no governo do general Ernesto Geisel, no plano federal, e Aureliano Chaves no governo de Minas. Pela primeira vez a Esso premiou “a notícia”, porque foi um semestre de acompanhamento diário.
Abaixo segue então um exemplo de suíte, esta sobre a linotipo histórica que a Casa da Imprensa de Montes Claros comprou, por intermédio da presidente Felicidade Tupinambá. Na ocasião furei toda a imprensa montesclarina, como nos velhos tempos do O Jornal de Montes Claros e Estado de Minas publicando a notícia em primeira mão. E me recordo bem do título do texto: “Casa da Imprensa de MOC compra a linotipo histórica”. E abaixo do título, no que em jornalismo de redação chamamos de “bigode”, lembrei da etapa seguinte: “Só falta a Unimontes fazer a parte dela recebendo a máquina no Museu Regional”.
Aproveitei que Felicidade Tupinambá foi visitar a linotipo histórica com Anselmo e Waldemiro, no que é o segundo passo para deixar a máquina no ponto de ser levado para o museu, e resolvi fazer a tal suíte da matéria anterior.
Anselmo, segundo informou Tupinambá, se comprometeu a dar uma boa limpada e lubrificada na linotipo, de modo que ela ficará tinindo e se por acaso der um apagão nos computadores, a máquina estará em plenas condições de funcionamento, sabendo que jornal nenhum pode deixar de circular sequer um dia.
Percebi que essa seria uma boa oportunidade para fazer “uma suíte” sobre a linotipo e então entrei em contato com Marina Queiroz, Pró-Reitora de Extensão da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) pra saber dela como estava a disposição do museu para receber a máquina, quer dizer, essa preciosidade que só falta mesmo falar.
Sabe o que Marina Queiroz me respondeu? “Estamos em contato com a Felicidade Tupinambá para cuidarmos desta preciosidade; aguarde”. Soube depois que ela dera a seguinte satisfação à Felicidade: “Aguardamos com entusiasmo a linotipo, que muito enriquecerá o acervo do museu!”
E o jornalista Felipe Gabrich – iniciamos à mesma época no Jornalismo, em Montes Claros – tratou de dar os parabéns a Felicidade dizendo que “A história de Montes Claros, os jornalistas e os abnegados profissionais das oficinas dos jornais impressos agradecem por esse resgate maravilhoso”. E acrescentou: “Sua missão é muito nobre, Felicidade; acredito que a nossa Unimontes abraçará a causa também, pois se trata de um resgate da história da imprensa escrita de Montes Claros”.
A interpretar bem o que disse Marina Queiroz, posso empenhar aqui a minha palavra: a linotipo histórica já tem o seu lugar reservado no museu porque ela é a prova de como fizemos imprensa numa época em que nem de longe se pensava em informática.
E essa linotipo, em particular, operada ora por Walter Andrezzo ora por Milton Ruas, linotipistas de mãos cheias, ela é testemunha muda e fria porque de ferro, porém quente quando tinha a oportunidade de fundir no chumbo as matérias de um tempo marcante. Tempo em que havia na Rua Doutor Santos, 102 a redação do O Jornal de Montes Claros, JMC chamado.
O Diário de Montes Claros concorria. Felipe era Repórter de Polícia. Juntos, nós vivemos os tempos do cabo José Idálio e do então capitão Vasco e do coronel Humberto, que foram delegados de polícia quando a delegacia funcionava na Rua Doutor Veloso.
Sugiro Felicidade registrar todas as fases de limpeza e lubrificação dessa linotipo. E quando chegar a hora de transportá-la ao museu, a imprensa de Montes Claros seja convidada a registrar o momento.
Que ao adentrar o museu, seja realizada uma homenagem à linotipo histórica, não à máquina em si, mas aos que a manusearam ao longo das décadas e aos que por meio dela publicaram as notícias lidas por milhares de leitores na voracidade dos tempos.


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Por Alberto Sena - 23/2/2015 08:42:17

ALZHEIMER URBANO

Alberto Sena

Recordo-me como se fosse hoje dos dias em que descia a Rua Dr. Santos, em Montes Claros, de mão dada ao meu pai, José Batista da Conceição. Íamos ao mercadão antigo, aquele casarão da Praça Dr. Carlos. Íamos à feira. Meu pai segurava a minha mão e na outra levava uma sacola feita de lona. A sacola voltava cheia. Sinal de que íamos ter salada de frutas de sobremesa. Ou marmelada? Ou seria doce de cidra?
Acredito, por experiência prática, que os fios de lembranças são de matéria elástica e se vão espichando. O menino ficava excitadíssimo quando o pai dizia: “Vá calçar sapatos, vamos à feira”. Lavava os pés correndo, calçava os sapatos marrons de bicos carcomidos de tanto chutar pedra e lata na rua e íamos ao mercado.
Na Praça Dr. Carlos, esta mesma praça que alguém teve a bendita ideia de tirar essa fotografia hoje no acervo de Dona Maria das Dores Guimarães Gomes, dona Dorzinha chamada, agora representada por um dos filhos dela, Wagner Gomes, meu pai e eu adentrávamos o pórtico do casarão e na minha imaginação tinha certeza de que antes do casarão virar mercado, fora morada de gigantes.
Gigantes, sim. Se não eram gigantes pra quê fazer um casarão daquela altura?, com uma torre lá em cima e um relojão mais parecido com uma cebola branca marcando as horas. Meu pai tinha um cebolão e sempre o comparava com o relojão do mercado. Mas o que mais encabulava era aquela quantidade de cavalos, bruacas de couro cru, arcas, sacos e gente. Gente pitando cigarro de palha e cuspindo de lado.
O que mais interessava, enquanto pai escolhia o que queria levar eram os periquitos. Sempre tinha um em casa. Às vezes acontecia de um periquito voar porque ganhara asas para tal. Noutras vezes acontecia de um gato roubar-me o periquito. Criava-os com papa de fubá. Punha no bico com uma colher. Era bom ver como crescia e ganhava as penas verdinhas.
Seria o caso, hoje, de sacar uma foto do mesmo ângulo desta pra fazer uma comparação. Evidentemente, a foto antiga é muito mais bonita do que a de hoje. Basta levar em consideração a beleza da arquitetura de então. Os cavalos deram lugar aos cavalos dos motores de carros. A Praça Dr. Carlos de hoje é poluída.
A praça perdeu o casarão do mercado. Foi perdendo a memória a cada administração pública. As gerações de hoje só saberão como era a praça por meio de fotografias como essa que me levou a mergulhar na piscina da vida do menino, em meados da década de 50, quando os adultos falavam muito em nomes como o de Dona Tiburtina e Deba.
Além de ter compartilhado do facebook a foto da praça, tive a boa ideia de copiar os comentários a respeito dessa imagem que congelou o tempo. O primeiro é de Mara Narciso, que, criança ainda, ela diz se recordar de “alguns desses prédios”. Não sei, mas será possível ainda hoje encontrar resquícios desses imóveis com as características antigas?
Carmen Netto Victoria, na escuta, ela que é uma das testemunhas vivas da beleza dessa praça que a foto congelou a época. “A Praça Dr Carlos antes de ser descaracterizada, era tão bem cuidada!”, disse Carmen, que bem viveu e agora revive os bons tempos da Rua XV.
Mercia de Souza Lima Prates Revert: “Era linda” a praça. Minervino Sarmento de Pina Santos opinou também sobre a foto dando a impressão de que viveu esse tempo chamado de “época maravilhosa, lembro-me desses imóveis, como estão na foto”.
Flávio Guerra Maurício pelo jeito foi contemporâneo de Minervino, porque além de ter achado a foto um “espetáculo”, também se lembra da praça assim.
Virginia Abreu De Paula expressou o seu espanto: “Como é que pode ir piorando com o tempo?!” Chamou de “belíssima a casa dos Peres”. Embora historiadora, ela disse não ter certeza de que era mesmo a casa dos Peres. “Acho que é dos Peres; hoje é tudo feio ali”, disse ela.
Mabel Morais expressou toda a vontade de ter vivido essa época numa palavra: “Espetacular!!!!” Os pais dela, sim, devem ter curtido bons momentos na praça. Naquela época sabíamos, “a praça é nossa” diferentemente de hoje.
Como havia deixado para trás um acréscimo ao próprio comentário, Carmen Netto Victoria voltou – e fez muito bem ter voltado – pra dizer: “O jardim da praça era lindo, hoje não existe mais!”
Pois é, acrescento, enquanto o subdesenvolvimento for mental, as gerações de hoje e as que ainda virão não verão como era a cidade a não ser por meio de fotografias porque do dia para a noite tudo se transforma como reza a Lei de Lavoisier.
É o Alzheimer urbano – a “doença do alemão” – que há muitos e muitos anos atacou Montes Claros. E assim, não lentamente, a cidade vai perdendo a memória.


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Por Alberto Sena - 9/2/2015 08:14:44
NA ESQUINA DA LOJA RAMOS

Alberto Sena

Esta era – e ainda deve ser – uma esquina bendita em Montes Claros. Rua Presidente Vargas com Rua Simeão Ribeiro, quarteirão fechado. Mas na década de 60, o quarteirão era aberto. Nessa esquina, a vida fervilhava em seus melhores tempos. Era uma passarela de moças bonitas e moços nem tanto – com exceção de uma meia dúzia de três ou quatro, eu incluso, claro.
Nessa esquina a juventude da época disputava assento na vitrine da Loja Ramos com a turma de Gerinha Português, integrada por Cici Santamaria, pai do amigo virtual “facebuquiano”, Ygor Santamaria; Fernando “Arrupiado”, Waltinho Fernandes, Saulo Wanderley (muito antes de se tornar o manda chuva da Cowan de hoje), Jabbur, filho mais novo do velho nem tão velho Jabbur, os irmãos Marco Antônio e Marco Aurélio Rocha, ex-colegas do ginásio da Escola Normal, naquele sobrado de portas mil, felizmente recuperado, entre outros.
A turma que eu, “essa figura descolorida”, expressão usual do já falecido amigo Fernando Gontijo, frequentava era composta por Cícero Stru, Cícero Cuecão, os irmãos Roberto e Ronaldo Lima, Rubens Sena Almeida, meu querido primo falecido; Daniel Ribeiro (de Jequitaí), entre outros. A turma que chegava primeiro ocupava aquele espaço e se divertia a valer com as mais variadas potocas, cada um de olho no balanço das “moiçolas” preferidas em tempo de romantismo exacerbado, e quando os flertes funcionavam como flechas que nós, os arqueiros disparávamos a torto e a direito, mas com pontaria certa.
A bem dizer, a preferência da turma de Gerinha Português era a porta da antiga loja de Jabbur porque geralmente ele e os agregados dele chegavam mais tarde. Nós, costumeiramente, lá chegávamos cedo, ali pelas sete da noite e eles depois das oito. Nós em riba das vitrines da loja Ramos e a turma de Gerinha sentada no piso de entrada da loja de Jabbur.
Gerinha, apesar da pequena estatura, era “fera” provocadora e dali do ponto dele, em encontros previamente marcados, eram tramados os mais ferinos embates com a turma de Gerinha Malandro, que comandava a turma dos Morrinhos, famoso pela habilidade de jogar capoeira.
A turma de Gerinha ficava de lá e nossa turma de cá, de vez em quando trocávamos algumas farpas, mas nenhum de nós nem deles ousava ir além das ameaças veladas mesmo porque conhecíamos uns aos outros. Na época, repórter iniciante do O Jornal de Montes Claros impunha certo respeito à turma e quando acontecia de o jornal denunciar as estripulias de Gerinha Português, ele ficava de lá com olhos de jacaré “corujando” a ninhada.
Naquela época a principal diversão, além da Praça de Esportes, era o cinema. E como era bom namorar no escurinho do cinema. No cine Fátima, na Rua Dom Pedro II, em frente à lanchonete Cambuí, de onde a moçada furtava chocolates, tínhamos lugares cativos. Ademir Fialho era um dos que mantinha rigorosamente o lugar com a namorada quem nem me recordo mais o nome, de cabelos loiros, uma graça.
Teve uma e outras vezes que circularam boatos de que haveria uma refrega entre a turma de Gerinha Português contra a turma de Gerinha Malandro, também chamado de Gerinha do Morro – soube recentemente que ele teria partido desta para outra melhor. Nunca presenciei nenhum desses embates, mas acabava tendo notícias nos dias seguintes por meio dos amigos e das notícias publicadas por Waldyr Senna Batista, que não deixava escapar nada. Gerinha ficava p. da vida quando via o seu nome no jornal.
Em verdade, em verdade posso dizer a todos que nunca troquei sequer uma palavra com Gerinha Português. Mas ele, com seu jeito de galinho garnisé, quando passava por mim se limitava a cumprimentar utilizando da expressão: “Olá, meu chapa”. Ficava nisso só. Havia respeito. Ou seria temor caso ele investisse correr o risco de ler, no dia seguinte, na página de polícia do jornal uma notícia desagradável?
Nem se eu fosse senhor das épocas não quereria barrar a voracidade dos tempos. Vivo com a maior alegria possível o hoje. O passado – por ser passado – passou. Construo no aqui, agora, o futuro. Mas gosto de vez em quando de incursionar pelas épocas vividas só mesmo com o intuito de contar histórias. Afinal, tudo isso é memória. E se essa esquina da loja Ramos falasse iria contar muito mais do que fiz nesses 4.276 caracteres de texto. Quem viveu concordará.


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Por Alberto Sena - 6/2/2015 11:32:44
GRÃO MOGOL

Audiência pública do Ibama para discutir vinda
da SAM reúne 1000 pessoas em Grão Mogol

Alberto Sena

Eles, os grupos sociais – Pastoral da Terra e Movimento Sem Terra (MST) e outros – se postaram a frente do Ginásio Quita Benquerer, onde o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (Ibama) estava preste a realizar, na noite de quinta-feira, 5, uma audiência pública sobre a Sul Americana de Metais S/A, empresa mineradora que pretende se instalar no distrito de Vale das Cancelas, município de Grão Mogol.
Os integrantes dos grupos sociais exibiam bandeiras e gritavam palavras de ordem e davam a impressão de que estavam prontos para realizar uma “revolução”. Eles entraram pelo ginásio adentro empunhando as bandeiras e gritando palavras incompreensíveis em meio a cerca de 800 a 1000 pessoas sentadas em cadeiras. E quando Jônatas Trindade, coordenador de Obras de Mineração do Ibama pegou o microfone para dar início à audiência, os integrantes dos grupos sociais gritavam e sacudiam as bandeiras tentando abafar a fala dele.

QUESTÃO DEMOCRÁTICA
A mesa já estava constituída, tendo o prefeito de Grão Mogol, Jéferson Augusto de Figueiredo, e o presidente da Câmara Municipal, Alcir de Oliveira entre os integrantes, mas os grupos sociais à frente insistiam em gritar desesperadamente. Homens da Polícia Militar se posicionaram e pacientemente todos esperavam que os grupos atendessem ao pedido de Jônatas Trindade por “respeito”, até que ele, estrategicamente convidou a todos para ouvir o Hino Nacional.
Fez-se silêncio e o som do hino ecoou por todos os quadrantes do ginásio, o que de certa forma acalmou os manifestantes e o prefeito Jéferson Figueiredo foi convidado a abrir a audiência. Ele deu boas-vindas a todos os presentes e afirmou que o objetivo da reunião, democraticamente, era “ouvir os dois lados para juntos encontrar soluções” visando o interesse das partes. O prefeito concluiu a sua fala lembrando a necessidade de a empresa SAM e os órgãos ambientais envolvidos assistirem as famílias instaladas na região a ser explorada, no que o vereador Alcir de Oliveira, assentiu quando foi convidado a falar.
Pelo que se pôde depreender da audiência, tudo está caminhando na direção de conceder a SAM as licenças necessárias para a instalação e operação na região. A fase atual é de promover as audiências, mas tudo indica que as licenças serão concedidas – a primeira é a Licença Prévia (LP) – porque a mineradora vem cumprindo rigorosamente todos os requisitos para explorar o minério que ela própria considera de “baixo teor” de ferro, com concentração de 20% “ou menos”.

TEOR DO MINÉRIO
Para que o minério “possa ter mais valor comercial, é preciso elevar o seu teor para acima de 65% de ferro, ou seja, é preciso deixá-lo mais puro para que ele possa ser vendido”, conforme consta do livreto distribuído pela empresa. O minério será britado na usina de tratamento, peneirado e moído. Depois seguirá para a pré-concentração magnética, um processo feito com grandes ímãs usados para separar o ferro dos materiais não magnéticos.
Conforme explicita a SAM no livreto, “a produção total de “pellet feed” que estava prevista para 622,3 milhões de toneladas passará, então, a ser de 739,0 milhões de toneladas, o que significa um aumento de quase 20% no aproveitamento do minério”.
A estratégia da SAM durante a audiência funcionou perfeitamente. Depois de lido o regulamento, o que acalmou os ânimos dos manifestantes, a empresa exibiu em dois telões colocados de um lado e outro do interior do ginásio, um vídeo apresentado por um casal de artistas (isto também fez parte da estratégia da empresa, pois funcionou melhor do que se fosse uma pessoa à mesa falando ao microfone). Eles esmiuçaram os pormenores dos estudos feitos pela empresa, sob todos os aspectos, sempre sorridentes. O vídeo de longa duração e apresentado em alto som funcionou como um calmante. Até chegou a ser cansativo.

CALAR O ESTÔMAGO
Feita a apresentação, houve um intervalo de 15 minutos quando foi servido aos presentes um kit composto de água mineral, sanduíche e banana prata (outra estratégia bem bolada pela empresa). Após o intervalo iniciou-se a fase dos questionamentos dentro do regulamento lido anteriormente. As pessoas se inscreveram e tinham 3 minutos para expor os questionamentos. Foram vários respondidos ora por Jônatas Trindade ora por Geraldo Magela, representante da SAM. Pelo visto e ouvido uma das maiores preocupações é quanto ao mineroduto que atravessará 21 municípios, sendo 9 mineiros e 12 baianos.
A preocupação não é exatamente a tubulação em si, mas a escassez de água na região, pois o projeto chamado Vale do Rio Pardo irá utilizar água em todo o seu processo. Depende de água principalmente para concentrar o minério, “necessitando usar 76% do total da água que ela precisará em todas as suas atividades” (água da usina de Irapé e de duas barragens, uma delas no Rio Vacarias).
“O mineroduto irá usar um volume bem menor de água, se comparado ao processo de concentração; são somente 24% do total de água que serão usados para a formação da polpa de minério a ser levada de Grão Mogol até Ilhéus, na Bahia”, informação do livreto.

ALERTA À POPULAÇÃO

Para não delongar mais o texto, convém pôr um ponto final, mas antes, é preciso fazer um alerta à população de Grão Mogol como um todo. SAM irá retirar daqui muito mais, mas muito mesmo do que promete deixar na região. Por Lei, a empresa tem que pagar os royalties, e além dos royalties promete deixar duas barragens ao final da extração do minério. Barragens que ela construirá para uso próprio e não poderá levar quando for embora.
É necessário exigir mais, muito mais da empresa. Ela precisa fazer um estudo das carências do município e ir contemplando ao longo do tempo em que permanecerá na região. E mais: assegurar meios de sobrevivência para os trabalhadores depois que a mina exaurir. Deverá oferecer às famílias que porventura sejam transferidas de lugar (e um cemitério) condições bem melhores do que as atuais, como se fazem em países do chamado primeiro mundo. Senão, ao final, os grãomogolenses correm o risco de ficar com a brocha na mão, como se diz.


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Por Alberto Sena - 26/1/2015 15:40:19
FURO DE REPORTAGEM

Casa da Imprensa de MOC compra a linotipo histórica

Só falta a Unimontes fazer a parte dela recebendo a máquina no Museu Regional

A linotipo que corria risco de virar ferro velho está salva. A Casa da Imprensa de Montes Claros, por intermédio da presidente Felicidade Tupinambá, percebeu o perigo de se perder para sempre uma máquina histórica que durante anos foi manuseada pelo linotipista Andrezzo, Anselmo e outros no O Jornal de Montes Claros, e gravou um sem número de notícias no chumbo.
É possível que a linotipo fique no Museu Regional de Montes Claros, da Unimontes, porque “não adianta comprar para colocar em qualquer lugar”, entende Felicidade Tupinambá. Ela tem toda razão. Assim que a Unimontes aceitar receber a linotipo, ela terá um tratamento muito mais digno. A máquina ainda funciona. O próprio Anselmo que a operou no passado estará encarregado de dar um trato nela.
Convidado por Felicidade, Anselmo aceitou a empreitada. “Ele até emocionou com o convite”, disse ela. Com toda a simpatia que lhe é peculiar, Felicidade disse que está esperando concluir os contatos com a Unimontes para dar a notícia “por inteiro”. Como recentemente ouvi o pedido de “socorrooo” da linotipo, e me senti como escrevinhador da crônica cuja repercussão foi enorme – “Uma linotipo histórica pede socorro para não ser vendida ao ferro velho” – me senti no direito de “dar o furo”, para usar expressão cunhada a chumbo na época em que a máquina reinava nas oficinas de todos os jornais impressos até a década de 70.
Um dos que confirmaram o fato de a linotipo ser a mesma utilizada por Andrezzo foi Arnaldo Antônio de Jesus, de Taiobeiras (MG), ex-funcionário do O Jornal de Montes Claros. Ele leu o pedido de socorro da linotipo, pedido feito por intermédio de Viviane Marques Terence, que com toda razão não via o menor nexo deixar desaparecer uma máquina desta importância, com todo valor histórico nela contido, com todos os furos de reportagens que ela gravou no chumbo durante décadas.
“Que saudade dos grandes furos e de ter que refazer toda a primeira página acompanhado do sr. Waldir Senna para ser o primeiro a dar aquela notícia de manchete: “Reunião da Sudene com todos os governadores do Nordeste em MOC”, lembrou ele. E em seguida, Arnaldo convocou “os srs. Garcia, Paulo Braga, Said, Pedro Ricardo, Luiz Ribeiro, Girleno, João Babão, Avilmar “Negritinho”, Falcão, Graça, Genny e demais daquele grande time dos anos 80 e 90 do O Jornal De Montes Claros, onde ficamos até o fim”.
Em mensagem enviada, Arnaldo ressaltou: “... Não sou seu contemporâneo, mais participei ativamente na gráfica do “Mais Lido”, no final dos anos 70 e 80, até o seu fechamento, e esta é sim a máquina do Andrezzo, Milton Ruas e que o Tião Camurça e Zé Branco alimentavam de chumbo e com ela o Garcia “Nezinho” sonhava ser um dia um grande linotipista.
“Que máquina, heim, alimentava de chumbo derretido a 600 graus e cuspia grandes noticias”, ele recordou. Foi num tempo, lembrou, em que “Lazinho Pimenta ficava preocupado com as fotos das suas ninfetas”. E completou: “Passei por está respeitada faculdade onde me formei e aprendi a respeitar e amar, por isso, e muito mais, eu quero participar do resgate da historia do “Mais Lido” e nós vamos salvar está linotipo”, disse enfático.
Como foi noticiado acima, “em primeira mão” – para citar outra expressão daquela época em que as notícias pareciam ter cheiro e peso de chumbo – a linotipo está salva e podemos todos dormir tranquilos. Aproveito a oportunidade para me desculpar com Felicidade Tupinambá por ter dado a notícia antes da conclusão dos contatos com a Unimontes, que, particularmente, aplaudo.
Mas é porque o repórter que insiste em predominar em mim estava o tempo todo me perguntando: “No que deu o caso da linotipo”. Vai que, hoje cedo, mandei uma mensagem para Viviane Marques perguntando. E ela me deu a notícia de que a Casa da Imprensa de Montes Claros havia comprado, por intermédio de Felicidade Tupinambá. Vai daí que o repórter que há em mim quis logo publicar o fato, mesmo ela tendo pedido para deixar para o final. Mas ela não sabia que eu não tenho poder nenhum sobre o repórter que há em mim. Se o repórter que há em mim tem a notícia e eu quiser impedi-lo de publicar, aí a coisa fica feia.


79351
Por Alberto Sena - 24/1/2015 13:08:32
Que os grãomogolenses não percam
a audiência do Ibama sobre a SAM

É preciso entender que está em jogo o futuro de Grão Mogol

Alberto Sena

É de suma importância a participação de todo grãomogolense a esta audiência pública anunciada pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (Ibama), dia 5 de fevereiro, no Ginásio Quita Benquerer. É possível que muita gente ainda não tenha ideia da dimensão do que significará a chegada a Grão Mogol da SAM – Sul Americana de Metais, controlada por chineses.
Não se deve ser contra a mineração, considerando que muitos dos objetos de uso corriqueiro são originariamente subprodutos do minério de ferro. Mas também não se deve ficar de boca aberta achando que a empresa será “a salvação da lavoura”. Faça o que fizer no município de Grão Mogol, a SAM levará daqui muito, mas muito mais mesmo do que poderá deixar quando a exploração do minério terminar.

BURACO?!
E quando a exploração do minério terminar as adjacências do distrito Vale das Cancelas ficará com um buraco – se é que se poderá chamar apenas de buraco – de cerca de 400 metros de profundidade. Além de uma série de problemas, se antes de tudo começar os grãomogolenses unidos não exigirem um plano justo e de leitura simples a respeito do que a empresa tem que apresentar antes de começar a pôr as suas máquinas gigantes pra trabalhar.
Os grãomogolenses não devem se conformar somente com o pagamento dos royalties que toda empresa do tipo tem que pagar por lei. No caso da SAM, não se deve conformar só com o pagamento royalties e as duas barragens que a empresa diz que fará – são para uso dela, principalmente – e deixará depois que a
Tudo bem. Mas os grãomogolenses devem exigir da empresa o estudo das carências e das necessidades da população e faça um plano de atendimento dessas carências e necessidades. E que ninguém se iluda com a promessa de criação de 9 mil empregos. A SAM promete os empregos, mas isto não acontecerá duma vez, já no primeiro momento. Isso poderá ocorrer ao longo do tempo, digamos, 30 anos, tempo que a empresa calcula que ficará na região.

MOTIVO DO ALERTA

Faço esse alerta aos grãomogolenses porque gosto de Grão Mogol e não quero ver o município ser explorado, como se fosse uma laranja chupada e ao final sobrar só a bucha. Como jornalista que iniciou a cobertura de Meio Ambiente na mídia mineira, já vi esse filme várias vezes em locais diferentes.
Mas a ação mais gritante foi da empresa Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), do tempo da ditadura militar, na década de 70. A empresa tinha modos autoritários, arrogantes, queria destruir o principal cartão postal de Belo Horizonte, a Serra do Curral. Havia, à época, um estudo da Fundação João Pinheiro que informava: Em 15 anos estaria aberto um buraco na Serra do Curral com profundidade comparada ao nível da Praça Rui Barbosa, a praça da estação.
Denunciamos essa impropriedade em uma série de reportagens editadas por Roberto Drummond. As reportagens repercutiram. O poeta Carlos Drummond de Andrade tomou conhecimento e publicou o poema “Triste Horizonte”, reforçando as reportagens publicadas no jornal Estado de Minas.
Resultado: a MBR teve que mandar os seus técnicos à Europa em busca de tecnologia e encontrou a exploração por bancadas como a saída para não destruir o frontispício do cartão postal de BH. Com o tempo, vigiada de perto, a MBR foi mudando de mão e ao final tornou-se um exemplo de mineradora que cumpria todos os requisitos ambientais.

PARTICIPAÇÃO

Participei de duas das quatro reuniões da SAM feitas em dezembro de 2014, em Grão Mogol. Confesso que fiquei preocupado: a primeira delas, na Casa da Cultura, apenas seis pessoas participaram, sendo três de fora. Na reunião realizada na Câmara Municipal, apenas quatro dos 11 vereadores participaram e nenhum cidadão mais de Grão Mogol. E olhe que a SAM fez as reuniões para apresentar o Projeto Rio Pardo, este mesmo projeto que o Ibama chama para a audiência de 5 de fevereiro.
É possível que o município de Grão Mogol sofra uma intervenção senão igual a do garimpo de diamantes, por meio do qual surgiu a cidade, em meados do século 18, maior, bem maior, com a chegada da SAM – Sul Americana de Metais. A empresa só depende de três licenças do Ibama para iniciar os trabalhos de extração de minério de ferro: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). A concessão da primeira licença sinaliza a liberação das outras duas.


79336
Por Alberto Sena - 22/1/2015 14:54:39

Uma linotipo histórica pede socorro
para não ser vendida ao ferro velho

Alberto Sena

Tive a sensação de ouvir um grito de “socorrooo”. Olhei para os lados sem saber de onde vinha, mas ao meu redor não havia ninguém. Seria a minha imaginação? Perguntei-me. Não. Não era. Era o esbaforido grito virtual de “socorrooo” proferido por Viviane Marques Terence, por causa de uma máquina linotipo que estaria sendo vendida ao ferro velho, em Montes Claros.
Viviane enviou o seu pedido de “socorrooo” a várias pessoas e uma delas, eu, que iniciei a minha carreira de jornalista em 1969, no O Jornal de Montes Claros, ali na Rua Dr. Santos, 103, no Centro da cidade, onde é hoje uma agência bancária. Tinha 17 anos. Até me acostumar com a existência da máquina linotipo, nas horas vagas ia para a oficina do jornal só para ver Milton e Andrezzo trepidarem sobre as teclas da linotipo. E ficava embasbacado com o passeio das plaquinhas de chumbo pela máquina até que as plaquinhas iam se juntando do lado, formando o bloco de texto fundido no chumbo.
A atmosfera da oficina cheirava a chumbo. Chumbo e óleo, pois a máquina precisava estar bem untada para executar a tarefa. Quando acontecia de enguiçar, Oswaldo Antunes ou Waldyr Senna tinha de mandar buscar um técnico em Belo Horizonte, um profissional que atendia também a oficina do jornal Estado de Minas. O Jornal de Montes Claros tinha duas linotipos, uma delas deve ser esta.
Era uma época romântica, como disse em um texto poucos dias antes de Viviane proferir em tom da maior urgência o pedido de “socorrooo”, afirmando várias vezes que “precisamos fazer alguma coisa”. Daqui da minha caverna de Grão Mogol suspeito que a atitude mais eficiente para impedir o envio da linotipo ao ferro velho é comprá-la. E para comprá-la é necessário ter dinheiro. Então, que cada um enfie a mão no bolso.
Não tem outra saída. Quem está mandando a linotipo para o ferro velho não tem nenhuma consideração com essa máquina porque, certamente nunca soube da sua utilidade, pois nasceu noutros tempos. Mas nós, jornalistas, temos um sindicato, temos uma casa do jornalista e temos certo acesso às pessoas que podem ajudar a adquirir a máquina e colocá-la em um lugar compatível com a importância dela. Temos, sim, que fazer alguma coisa.
E já estou fazendo alguma coisa ao escrever essa crônica sobre essa personagem de tamanha importância, que executou dentro de sua vida útil, que, espero perdure, importante papel. Nem dá para imaginar o tanto de texto que essa máquina quase fadada ao ferro velho fundiu no chumbo. Quantos linotipistas dedilharam as teclas da linotipo. Quantos furos de reportagem ela processou durante o seu tradicional passeio de plaquinhas de chumbo.
Quando Viviane conseguiu dizer algo, tão esbaforida estava, ela fez o seguinte comentário: “Não vamos deixar a história morrer; linotipo ainda em funcionamento sendo vendido para ferro velho; universidade e jornalista vamos tentar fazer algo”.
Pelo visto, outras pessoas também ouviram o pedido de “socorrooo” de Viviane. Luciano Meira foi uma dessas pessoas. Ele sugeriu a Viviane: “Temos a Casa do Jornalista.... Poderíamos criar a memória da Imprensa neste local, e esta impressora poderia fazer parte do acervo. Com a palavra o Mestre Felipe Gabrich, Marcio Antunes”
Outro que saiu em “socorrooo” da linotipo foi Georgino Júnior. Ele, solidário, disse: “Tô junto!,... bora resgatar essas máquinas... Graças a elas, junto a Roberto Marques fiz artes gráficas e jornalísticas incríveis quando editei suplementos dominicais na imprensa de Monscraro nos anos 70/80 do século passado... Se é pra falar mesmo a verdade, deu uma saudade danada foi dos "meus" velhos linotipistas ... rsrs”.
Mas boa também foi a iniciativa de Itamaury Teles de Oliveira: “O museu regional da “Mrnm Unimontes” deveria adquirir para seu acervo. Esse link tipo era do extinto O Jornal de Montes Claros, quando funcionava na Rua Dr. Santos. Uma raridade que não pode ser reduzido a ferro velho. Tem história”.
Concordo plenamente com todos e estimulo: essa linotipo não pode ir para o ferro velho. Os montesclarinos presentes em Montes claros podem e devem “fazer alguma coisa” como disse Viviane, em seu pedido de “socorrooo”.
A memória de muitas vidas está em jogo nessa linotipo. Então, neste momento, me sinto como que fez “alguma coisa” para socorrê-la a tempo de ajudar a colocar essa máquina no pedestal da nossa história jornalística. Junto ao pedido de Viviane, o meu grito: socorrooo.


79301
Por Alberto Sena - 16/1/2015 11:12:18
A NOSSA TRAGÉDIA EDUCACIONAL

Alberto Sena

É uma das maiores vergonhas nossas, porque existem outras, mas muitos brasileiros, em vez de irem às ruas ou irem à Brasília e cobrar pessoalmente do Planalto e do Congresso uma atitude que não seja hipócrita, para a Educação brasileira, costuma fazer piada sobre a mediocridade do ensino público brasileiro. A considerar isso piada, é a maior do gênero mau-gosto.
Como disse o senador Cristóvão Buarque, em um artigo publicado sob o título “A tragédia sem fingimento”, o resultado desta vez “foi tão gritante, que além de substituir o vestibular o Brasil está percebendo os resultados negativos que o ENEM mostrou para a situação do ensino médio no Brasil”.
É preciso encontrar o porquê de tamanha indiferença em relação à Educação no Brasil, essa falta de atitude do governo federal, que só sabe prometer em discursos demagógicos, mas efetivamente deixa o barco navegar tocado apenas pelos ventos, sem um rumo.
Aliás, essa indiferença não é de hoje. Estamos vivendo, ainda, as consequências nefastas da ditadura militar que amordaçou o Brasil, enquanto países muito menores que o nosso, como a Coreia do Sul, nos dá um banho em matéria de Educação.
A explicação mais plausível para tentar explicar esse atraso dilacerante é a necessidade de os governos conservarem os cidadãos ignorantes para assim poder perpetuar no poder. Um povo ignorante é muito mais fácil de dominar do que gente letrada, estudiosa e bem informada a respeito de tudo e principalmente dos desmandos cometidos com o dinheiro público.
Os bons exemplos em matéria de como tornar a Educação prioridade estão em várias partes do mundo. Se não se tem criatividade para inventar uma maneira mais eficiente e objetiva de educar os cidadãos, basta então copiar o que a Coreia do Sul faz e o Japão fez e continua fazendo. Que o Brasil envie filhos para fora do País com o compromisso de buscar conhecimentos, tecnologias e o que mais for para dar uma sacudida nesta Nação.
Não há remédio mais eficaz para o Brasil que a Educação. Mas é importante salientar que a Educação não resolverá os problemas do País, mas melhorará os brasileiros e os brasileiros irão transformar o Brasil. Nós não podemos continuar nessa inércia esperando por alguma coisa, que não irá acontecer, aconteça. Temos que provocar uma reação, porque sabemos ser a pressão sobre os governantes uma atitude democrática. Ou estamos todos satisfeitos com as águas da mediocridade que afogam o País.
Nem somos mais os melhores no futebol, que em detrimento dos que poderiam vencer na vida usando a cabeça e as mãos, são muitas vezes mais reconhecidos e bem pagos os que usam os pés e às vezes só têm uma bola na cabeça. Nada mais.
Na Coreia do Sul os melhores salários são dos professores. Agora, imaginem a qualidade da infraestrutura oferecida aos estudantes. Lá, como aqui, antigamente, os professores são considerados mestres, enquanto no Brasil eles são ofendidos, agredidos e recebem salários miseráveis.
Foi-se o tempo em que a profissão de professor era considerada “sacerdócio”. Professor tem necessidades semelhantes às de todos nós. Precisam pagar contas e investir em livros e estudos para bem se reciclar e aprimorar a fim de formar valores que possam retribuir de alguma forma positiva o investimento feito.
Em meio aos 6 milhões “de nossos melhores alunos do ensino médio, os que fizeram o ENEM, 500 mil tiraram nota zero na redação, apenas 200 tiraram a nota máxima”, como escreveu Buarque. Uma vergonha nacional. E a propósito, qual seria a nota do leitor, a essa altura, ao ensino público brasileiro? Façamos reflexão sobre isto.
Os alunos não são estimulados convenientemente a ler livros. Preferem os artigos eletrônicos. A moçada de hoje tem preguiça de ler. E quem não lê não possui mente aberta e olhos para enxergar os problemas nacionais e as suas benesses também.
A situação atual pode ser resumida nisto: o governo faz de conta que paga os professores, muitos deles amedrontados, ameaçados e agredidos e por isso estes fazem de conta que ensinam e os alunos fazem de conta que aprendem. Muitos deles saem do ensino médio sem saber fazer um ó com o fundo duma garrafa PET de refrigerante que polui o nosso ambiente. Mas isto é outra vergonha nacional.


79241
Por Alberto Sena - 3/1/2015 16:34:14

HAROLDO LÍVIO

Grãomogolense de coração e de olhos azuis

Alberto Sena


A casa do amigo Haroldo Lívio de Oliveira, na Rua Luís Gonçalves, 74, no Centro Histórico de Grão Mogol estava fechada, ontem. Pelo menos era o que parecia. Um dia após o sepultamento dele, em Montes Claros, o silêncio reinante ali dentro combinava com a canícula do meio dia, dando a impressão de que Macondo era aqui, em Grão Mogol. Macondo é lugar imaginado pelo escritor colombiano Gabriel Garcia Marques, Prêmio Nobel de Literatura, no livro Cem Anos de Solidão.

Furtivamente espiei a casa por fora e por dentro do jardim e do pomar onde as mangueiras – mangas espada, comum e ubá –, regurgitam frutos sob o calor da canícula de 35º, com impressão térmica de 40º. Não havia viv’alma na rua. Mas da casa em frente, vinha da janela aberta uma voz de mulher ao celular. Primeiro ouvi a voz. E enquanto ouvia, tratava de sacar algumas fotos da casa de Haroldo.

A voz que saiu da janela da casa em frente era de dona Zazá – menos conhecida por Maria do Rosário. Ela falava ao telefone e percebi num átimo que poderia ser uma boa fonte de informações sobre o amigo Haroldo Lívio, que adquiriu aquela casa faz “uns 20 anos”, segundo ela.

Dona Zazá disse não ter tido o privilégio de conviver com Haroldo Lívio, mas o conhecia e com ele batia papos superficiais o suficiente para perceber que “era meio fechado”. Não era bem assim, dona Zazá. Era o jeitão dele. Haroldo era um camarada que gostava de conversar. Os amigos frequentadores do Café Galo, de Montes Claros, que o digam.

Mas ali diante do portão da casa de Haroldo Lívio, espiando o interior do jardim, pude sentir o quanto o lugar é aprazível. Imaginei que por ali beija-flores habitassem em profusão. E quando as mangas vão se amadurecendo, os passarinhos fazem a festa. As maitacas estão aí pra isso mesmo, se fartarem com as mangas e as demais frutas da época.

Particularmente, acho que o amigo Haroldo Lívio fez uma bela aquisição ao comprar a casa em Grão Mogol, por todos os motivos, e principalmente porque esta cidade é “sui-generis” e ele teve olhar e alma para perceber o que percebo com a maior clareza.

Só numa coisa creio eu, Haroldo Lívio pecou: não largou mão de tudo para se mudar definitivamente pra Grão Mogol. Dona Zazá me disse que ele ficara um longo tempo aqui, quando as filhas eram pequenas. Mas depois que elas cresceram teve de fixar mais em Montes Claros porque as crianças já não eram tão crianças assim e tinham de estudar.

Frequentemente, ao longo desses 20 anos, Haroldo estava sempre em Grão Mogol onde fez amigos como Geraldo Frois e Lúcio Bemquerer. Entretanto, ele não vinha à cidade já fazia sete meses, quando há um mês veio com uma das filhas a fim de descansar e se preparar para uma bem sucedida cirurgia de bexiga.

Mas o que o levou de nós foi alguma complicação com diabetes e segundo dizem, ele teria ficado muito sentido com a morte do irmão, Fernando, há cerca de dez meses.

O importante em meio a tudo isso é que Haroldo Lívio cumpriu a missão e partiu como partiremos todos, cada um ao seu tempo. Deixou-nos um legado de crônicas, publicou Nelson o Personagem e iluminou Montes Claros com a sua cultura e a verve literária.

De hoje em diante, os grãomogolenses que passarem pela porta de casa de número 74 da Rua Luís Gonçalves irão olhar lá pra dentro e dizer: “Esta é a casa de Haroldo Lívio, grãomogolense de coração e de olhos azuis”.


79145
Por Alberto Sena - 15/12/2014 09:00:04
PARECENÇAS

Alberto Sena

Estão dizendo por aí, a boca pequena, que estou com a aparência de quem saiu duma caverna. Se há gente dizendo isso é porque devo estar mesmo parecendo com um daqueles nossos ancestrais armado de porrete que os nossos índios, mais pertos de nós, chamam de tacape.
Já me compararam, e o amigo José Versiani foi um deles, ator duma novela que nem vejo – aliás, novela é o que não vejo mesmo. Não me recordo o nome do ator, mas o Zezinho recordará e dirá logo depois que ler estas linhas.
Houve quem me achasse parecido – ou não seria o contrário, ele parecido comigo? – com o cantor Oswaldo Montenegro. Afinal, Montenegro é de 15 de março de 1956, sou um pouco mais antigo do que ele. Mas até me sinto lisonjeado por alguém achar Oswaldo Montenegro parecido comigo, pelo menos nesta fase da minha vida, vivendo como vivo em Grão Mogol, hoje, de cabelos, barba e bigode por fazer.
Quem me conhece desde o século passado sabe que passei bons alguns anos de cabelos, barba e bigode grandes. Recordo-me que tudo começou concomitantemente à explosão dos The Beathes no mundo, o fim do cumprimento do serviço militar – o Tiro de Guerra – e a ditadura militar vigente no Brasil.
Os cabelos, eu os deixei crescerem para entrar na onda que nunca mais se repetiu e dela fizeram parte e são partes milhões de pessoas espalhadas pelo mundo inteiro. Agora, a barba e o bigode eu os deixei crescerem naquela época como forma de me desforrar do Tiro de Guerra. Foi o tempo da rebeldia. Desforrar da exigência dos sargentos de ter de barbear todo dia, de modo até a deixar a pele do rosto sensível como bumbum de bebê.
Quando me mudei de Montes Claros para Belo Horizonte de cabelos, barba e bigodes grandes e fui trabalhar no jornal Estado de Minas, na Editoria de Polícia, com Wander Piroli, aceitei o desafio de cobrir o Departamento de Investigações (DI) da Lagoinha, onde ficavam todas as delegacias daquela época. No primeiro contato que tive com o delegado Gabriel Ignácio Prata Neto, então superintendente do DI, apresentado pelo grande repórter Fialho Pacheco, ele olhou pra mim e disse: “Barba e cabelos a Nazareno”. E passou a me chamar de Nazareno.
O então advogado criminalista e que chegou a ser secretário de Segurança de Minas Gerais, o já falecido Sidney Safe da Silveira me tratava por “Ernesto Che”, o que naquela época era a mesma coisa de me chamar de subversivo, considerando a fama do personagem morto na Bolívia.
O tempo voou e na sua voracidade tosou os cabelos grandes e escanhoou a barba e o bigode. Muita coisa aconteceu de lá para cá pessoalmente. Vieram os filhos e já vieram netos, e de repente, outro desafio na vida. Depois de mais de 40 anos em Belo Horizonte, veio à mudança para Grão Mogol.
Passei 22 anos em Montes Claros, onde nasci, e não conheci Grão Mogol. Foi preciso viver esse tempo todo em BH para descobrir Grão Mogol, quando há mais de três anos Lúcio Bemquerer me chamou para conhecer “a loucura que estou fazendo aqui”. Era o Presépio Natural Mãos de Deus.
Vim, vi e gostei. Aqui é o lugar que mais embatia senti. Andei – andei mesmo, literalmente; Serra da Mantiqueira e outros – por vários lugares à procura de um lugar sossegado, de belas paisagens, de ar puro, onde houvesse mesmo qualidade de vida, porque de poluição, trânsito de veículos intenso, correria, barulho, eu estava de saco cheio.
Em Grão Mogol pude colher reminiscência da meninice, quando se podiam deixar portas e janelas das casas abertas, décadas de 50/60. Os quintais. As mangueiras. A vida tranquila. As pessoas se conheciam. Todos frequentavam os mesmos lugares.
Duma década para outra tudo mudou. Montes Claros cresceu. A terra tremeu. Hoje a minha cidade está como que dentro duma caverna abstrata guardada como peça de museu. Mas existe. Porque o museu da minha Montes Claros é vivo.
Então, desde que cheguei aqui, há mais de nove meses, todo dia divulgo Grão Mogol, uma, duas ou mais vezes. Acho que é uma forma de dar a Grão Mogol o que eu devia ter dado antes, muito antes, quando ainda vivia em Montes Claros.
Aqui, é como se eu estivesse, no melhor sentido, dentro da minha caverna, que sou eu mesmo. Aqui reencontrei os velhos tempos de mim, melhorados. Daí ter deixado crescer a barba, o bigode e os cabelos (agora grisalhos), como naqueles tempos tão bons quanto são bons os tempos de hoje.
Saio agora da caverna, mas não sou troglodita.


79136
Por Alberto Sena - 12/12/2014 08:07:53
A falta de higiene do homem e da mulher brasileira

Alberto Sena

Com esta que vou contar agora, garanto, vou pegar muito homem com a cueca na mão. E muita mulher com a calcinha na mão também. E é a coisa mais simples do mundo. Muita gente vai ficar de cara, como se diz.
O brasileiro costuma bater no peito pra dizer que cuida da higiene de modo geral da melhor maneira possível. Inclusive, mais do que os europeus. Muitos europeus costumam tomar banho de vez em quando. Os brasileiros, não. Tomam banho todo dia. Às vezes, até mais de um banho por dia.
Mas será que somos mesmo o povo mais higiênico do planeta? Levando-se em conta o clima tropical do Brasil, o que é uma maravilha para qualquer cidadão do mundo saído do gelo, não dá pra dormir sem enfiar antes debaixo do chuveiro.
Mas vamos ao que mais interessa. Começando com uma perguntinha, convém que homens e mulheres sejam sinceros consigo mesmo porque não estamos cara a cara um com o outro pra observar a reação estupefata de cada um.
Vamos supor que você está descalço e vai andando pela calçada e sem perceber você pisa em fezes de cachorro. O que você homem e você mulher fariam?
Primeiro certamente você solta um pqp, faz cara de nojo e... e faz o quê? Conhecendo bem o brasileiro e a brasileira, a reação seguinte é procurar uma maneira de lavar o pé. É ou não é? Depois, é só respirar, um alívio, porque ninguém aguenta andar sentindo o fedor de bosta de cachorro que algumas pessoas parecem ter na cabeça quando levam os “filhinhos” pra passear sem cuidar do que eles obram na rua.
Pois bem, e quando você vai ao banheiro e senta-se no trono, depois de feito o que foi fazer; o que faz em seguida? Pelo que sei do brasileiro, o costume é “limpar o cú” com papel higiênico. É ou não é verdade?
Agora, raciocinem comigo. Se você pisa descalço na bosta do cachorro deixada inadvertidamente na calçada, você corre para lavar o pé, porque depois de sair do vaso sanitário você simplesmente “limpa o fiofó” com papel higiênico?
Incrível, não? O certo é lavar-se, companheiro e companheira.Lavar as partes. Da frente e de trás. Nem que seja um banhozim da cintura para baixo. Caso contrário, a falta de higiene está constatada, para surpresa sua, homem, e para surpresa sua, ó mulher.
Quem não se lava depois de defecar, a essa altura, se for homem, está de cara com a cueca na mão. Se for mulher, estupefata está com a calcinha na mão, como prometi no início deste texto de grande utilidade pública. É ou não é verdade?


79111
Por Alberto Sena - 5/12/2014 16:29:40
Impacto da SAM em Grão Mogol será
maior que o do garimpo de diamantes

Alberto Sena

O município de Grão Mogol sofrerá uma intervenção senão maior que a do garimpo de diamantes, por meio do qual surgiu a cidade, em meados do século 18, maior, bem maior, com a chegada da SAM – Sul Americana de Metais. A empresa só depende de três licenças do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (Ibama) para iniciar os trabalhos de extração de minério de ferro, nas imediações do distrito Vale das Cancelas, a partir de 2018/19. A empresa depende da Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).
Quando a SAM obtiver essas três licenças – e principalmente a LO – os grãomogolenses irão, enfim, se despertar para a importância de participar de tudo que diz respeito à mineração no município, porque a SAM abre caminho para a exploração mineral, o que poderá mudar a face de Grão Mogol de modo irreversível.
Se não houver quem, como sentinela vigie com acuidade o patrimônio histórico, cultural e natural desta que poderá vir a ser uma das mais badaladas dentre as cidades históricas brasileiras, os grãomogolenses experimentarão as consequências da indiferença em relação ao seu próprio patrimônio. (Continua).

VALORIZAÇÃO PARA PERDURAR
Para um povo cuja formação é alicerçada no período colonial, quando os portugueses – e gente de outros povos – aqui chegaram e exigiram o seu quinhão, é coerente essa postura coletiva que beira o desinteresse. Mas é preciso estar consciente de que quem se cala não só consente como estimula cada vez mais os que veem o que os outros não veem. Ou se veem, não valorizam. Não digo em sentido intrinsecamente monetário, mas principalmente histórico/cultural e ambiental, os primeiros prejudicados, em seguida sofreremos as consequências. Estes não terão do que reclamar depois da evidência das consequências negativas, acaso haja alguma.
Evidentemente, não se pode ser contra a mineração. O que certamente todos querem é que a empresa faça tudo dentro das legislações do Ibama e do Instituto Estadual de Floresta (IEF), mas também respeite as exigências municipais, regionais e faça, em termos de compensações, algo além dos royalties e barragens que promete construir (para uso próprio, em primeiro lugar), vendo as reais carências do município e contemplando as necessidades mais prementes. (Continua).

MAIOR PARTE DA MÃO DE OBRA DEVERÁ SER LOCAL
Que a empresa irá gerar empregos, não há dúvida. Mesmo porque sem a mão de obra nada poderia fazer. Só na fase de implantação vai precisar de nove mil pessoas, não duma vez, mas ao longo do período – e promete qualificar grãomogolenses para contar com a mão de obra local, em maior parte. Depois que estiver em operação, empregará duas mil pessoas diretamente.
Se for levado em consideração o que tem acontecido no âmbito do município nos últimos quatro anos – o Presépio Natural Mãos de Deus, o Hotel Paraíso das Águas, a Escola Técnica da Unimontes, cuja obra deverá ser retomada; o balneário e outros – somado ao “boom” da mineração, é possível vislumbrar um pouco do que poderá acontecer daqui para frente. Daí, a necessidade de se preparar para o que virá.
A julgar pela baixa participação dos moradores de Grão Mogol nas palestras realizadas pelos representantes da SAM na Casa da Cultura, dia 3; e na Câmara Municipal de Grão Mogol, no dia seguinte, urge que aconteça o despertar coletivo, para ninguém ter o que se lamentar – se não tiver do que comemorar – sem saber do motivo do lamento ou da comemoração. (Continua).

SAM VEM PRA FICAR NO MÍNIMO 30 ANOS

É importante se conscientizar de que a SAM vem para ficar o equivalente ao tempo de um pai e uma mãe darem à luz a um filho e criá-lo até aos 30 anos – ou mais. Vai trazer riqueza, mas levará muito mais do que poderá deixar de positivo – e corre o risco de deixar consequências negativas, se a partir de agora, quando tudo se inicia, não houver infraestrutura e um plano que contemple todos os aspectos da vida das gentes de Grão Mogol social e economicamente, segurança pública e segurança ambiental, principalmente quanto à questão da água a ser utilizada numa região já carente, por meio de um mineroduto de quase 500 quilômetros de extensão, de Grão Mogol a Ilhéus, no Estado da Bahia
Assim que a SAM obtiver a LO, muitos dos grãomogolenses irão ver pela primeira vez máquinas descomunais, que lembram os dinossauros da pré-história humana. Máquinas usadas para desbarrancar o minério de ferro; caminhões de rodas enormes, maiores do que a estatura de uma pessoa alta em pé.
Haverá ruído e poeira em suspensão, além da movimentação natural de gente que vai e gente que vem; caminhões, caminhonetes, carros de passeio etc. E duma hora para outra, gente do mundo inteiro e principalmente da China, e um dos primeiros foi-nos apresentado como sendo Jin, simplesmente Jin, chinês que já se transferiu para a região, acompanhado da esposa e de uma intérprete. (Continua).

CONTROLADORA DA EMPRESA É CHINESA
Como informa o livreto que a SAM fez circular, a sede da empresa é “em Minas Gerais, controlada pela empresa Honbridge Holdings Ltda”., chinesa, daí a presença de Jin, engenheiro de processos. Além dele, o estafe era composto por Gizelle Andrade, relações públicas; Cosette Xavier, bióloga; Geraldo Magela, administrador; Fabiane Rodrigues, jornalista; Alessandra Cristina, engenheira ambiental; Luna Guiotto, turismóloga.
Todos profissionais simpáticos e solícitos, sem aquela tiririca própria dos empresários do setor que se julgam com “o rei na barriga”, prepotentes, como eram e muitos ainda o são, no tempo da ditadura militar. E para citar um exemplo, vale lembrar o caso das Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), que de brasileiras pouco tinham, empresa mineradora que teve a ousadia de meter as mãos cheias de dedos no cartão postal de Belo Horizonte, a Serra do Curral, na década de 70.
Ao contrário da MBR de então, que teve de abandonar o modus operandi estúpido utilizado (que destruiria o cartão postal e abriria um buraco de mais de 250 metros de profundidade, cuja abertura na serra funcionaria como um funil de ventos – o buraco está atrás da serra, e está virando um lago perigoso), a SAM, teoricamente, promete uma extração criteriosa, tendo o cuidado de recompor o terreno logo após a explotação. (Continua).

FAZER A RECOMPOSIÇÃO DO TERRENO

Evidentemente, ninguém deve esperar que a empresa recomponha o terreno em 100%, pois usará detonações (o que gera poeira, muita, em suspensão) e máquinas enormes. Não é possível cavar embaixo sem destruir encima.
É necessário acompanhar todos os passos da empresa porque na área onde ela se instalará há fauna e flora, nascentes (Rio Vacarias) e lençóis freáticos que certamente serão atingidos pela voracidade das máquinas, que mordem e mastigam o minério de ferro.
Segundo afirmação de Gizelle Andrade, “a empresa está interessada no minério, não tem nada de ouro ou outra coisa qualquer nessa operação”.
Importante e deve ser cobrado pelos grãomogolenses da parte da SAM é um plano convincente sobre o que a empresa pretende fazer quando se esgotar o minério. O que claramente fará para os milhares de empregados. Ficarão desempregados?
É preciso entender, Grão Mogol e a sua gente não são como laranja. Não se pode deixar que gente mal intencionada venha a fazer suco da laranja (Grão Mogol e sua gente) e deixar só o bagaço daqui a mais de 30 anos. Evidentemente, não atribuo à SAM intenções negativas. Mas é preciso estar prevenido para combater qualquer iniciativa que possa colocar em risco gerações de filhos e filhas de Grão Mogol e região. Diz um ditado oriental: “Deus ajuda, mas amarre o seu camelo”. (Continua)

NA CASA DA CULTURA E NA CÂMARA

A julgar pelo número de pessoas que o estafe da SAM esperava receber – foram 40 convidados – na noite de 3 de dezembro, na Casa da Cultura, além de ter observado o aparente desinteresse pelo que tinha a apresentar, imagino que possa ter sido obrigado a desperdiçar uma montanha de pães de queijo e outros salgadinhos, além de três tipos de sucos que estavam à mesa acompanhado do tradicional cafezinho.
Desperdiçado por quê? Porque a presença foi de um número de pessoas que podem ser enumeradas nos dedos das mãos: Lúcio Bemquerer, Nem costa, Geraldo Frois, Delmira, tenente Reginaldo, Damiana Arruda, Deiseane Arruda, duas crianças e uma pessoa que não consegui o nome. O restante do público era composto pelos profissionais da SAM.
No dia seguinte, eles foram à Câmara Municipal de Grão Mogol para também apresentar aos vereadores o Projeto Vale do Rio Pardo. A partir das 9h, horário agendado, os profissionais da SAM estavam com tudo preparado, no salão do plenário da Casa, mas nenhum vereador, a não ser Waldemir Damasceno Andrade, se encontrava no recinto. Meia hora depois chegou o presidente da Câmara, Edmundo Martins da Rocha, o vereador Alcir de Oliveira e, mais tarde, Alex Lemos de Oliveira. Foi notada, principalmente, a ausência de Jânio Ferreira Borges e Djalma Cardoso de Oliveira, vereadores do Vale das Cancelas, onde a SAM atuará. (Continua).

VIGIAR COMO SERÁ A PRÁTICA DA TEORIA

A empresa diz pretender trabalhar de modo integrado com todas as forças que compõem o município de Grão Mogol. Mas é importante atentar para o detalhe que fará toda a diferença: quem vislumbrar a repercussão que a mineradora causará no município, sob todos os aspectos (político, socioeconômico, segurança pública, ambiental – água principalmente) sairá de possível inércia para ver como poderá se beneficiar positivamente desse “boom” que vem aí como chuva que tanto pode ser criadeira ou não. Ou as duas coisas juntas.
O importante é acompanhar, fiscalizar, vigiar como será a prática, porque a teoria é convincente, mas a gente sabe que muitas das vezes a teoria na prática é outra. Não se pode pensar unicamente em termos da quantidade de empregos que poderá gerar. É preciso pesar e medir as consequências pensando nas gerações vindouras.
Como repórter, devo assumir a minha falha por não ter sacado no ar, com a necessária antecedência, a reunião que o estafe teve com o prefeito de Grão Mogol, Jéferson Augusto de Figueiredo, e com a gerente do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Carla Cristina de Oliveira Silva.
Entretanto, por telefone, a gerente do IEF se mostrava preocupada com a questão do alto volume de água necessária para tocar o empreendimento. Mesmo ouvindo as explicações dos profissionais da SAM, ela não se sentia convencida, considerando que a região é carente de água. (Continua).

MAIS ÁGUA QUE MONTES CLAROS CONSOME EM 1 ANO
Só para se ter uma ideia do quanto de água a mineradora precisará, com base na comparação feita por Alexandre Gonçalves, da Comissão Pastoral da Terra, “a cidade de Montes Claros, com mais de 400 mil habitantes, consome anualmente cerca de 30 milhões de metros cúbicos de água”. A SAM precisará de 50 milhões de metros cúbicos de água por ano.
Na audiência pública realizada em 9 de abril de 2014, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em Belo Horizonte, por solicitação do deputado Rogério Correia, o promotor do Ministério Público Carlos Eduardo ferreira Pinto pediu “a suspeição do licenciamento ambiental” da SAM porque teria visto “falhas que ensejam a suspeição do documento”.
Houve, também, na ocasião da audiência pública o pedido de instauração de um Inquérito Civil Público (ICP) para “investigar a legalidade da implantação do mineroduto”. Os proprietários das terras terão compensação financeira, mas as imediações de onde passarão os canos da empresa terão restrições de uso.
Alguns itens da apresentação do projeto, embora tenham sido explicados por Geraldo Magela, Gizelle e Alessandra, ainda dão margem para indagações. Um deles é quanto ao fato por eles constatado sobre o teor baixo do minério de ferro (20%). A pergunta é: o que move de fato uma empresa de controle chinês a investir tão alto (cerca de R$ 9 bilhões/ dólar atual) a construir um mineroduto de tamanha extensão, movimentar mundos (terras) e fundos e ainda achar que obterá lucro? (Continua)


TECNOLOGIA PARA ENRIQUECER O MINÉRIO
A empresa, por intermédio dos seus porta-vozes, afirma que sim, obterá lucro porque possui uma tecnologia capaz de enriquecer o minério de ferro de modo a torná-lo competitivo. Essa afirmação é legítima. Sei de 350 milhões de toneladas de finos de minério que estão entupindo córregos que alimentam a Barragem de Rio Manso, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, que estão à espera de uma decisão judicial para serem comercializadas. Poderão ser potencializados e competitivos no mercado.
A SAM só vai iniciar os trabalhos de capacitação de mão de obra depois que conseguir a liberação da segunda licença aguardada, a de Instalação (LI), o que esperam eles ocorra até 2017. É então que ela virá com todo o seu aparato e apetrechos para construir alojamentos na área do projeto. Os nove mil trabalhadores que precisará não virão gradativamente ao logo do período de instalação.
Pelo que se pode vislumbrar, a movimentação será maior pelos lados do distrito Vale das Cancelas. Os moradores, já acostumados com a perigosa movimentação da BR 251, terão que se acostumar também com escavadeiras enormes e detonações. É de se esperar que a mineradora tenha tecnologia moderna para detonar sem fazer com que as janelas e portas das casas sacudam como se estivesse havendo um tremor de terra, fenômeno comum em Montes Claros, a 150 quilômetros de Grão Mogol.
Como afirmou Geraldo Magela, 76% da água serão utilizados na usina para lavagem do minério e 24% serão para a polpa cano adentro até o porto de Ilheus. Ao contrário do que se pensava, dentro dos canos não correrá água. A água estará contida na polpa, nnuma proporção de 30% água e 70% minério. Desde 2012 a SAM possui outorga para retirar água de Irapé. Mas vai precisar se precaver, e é então que ressuscitará um projeto engavetado há muito tempo pelo Dnocs de uma barragem no Rio Vacarias e outra nas proximidades da cava. (Continua).

LICENÇAS AGUARDADAS COM EXPECTATIVA
Resta-nos, agora, aguardar os acontecimentos quanto à liberação das licenças esperadas pela empresa. Enquanto isto, representantes dela estão aqui por perto. Nesse meio tempo, convém cada gràomogolense refletir bem sobre o que significa para o município a presença duma empresa deste porte.
É importante a organização das comunidades. Manter-se bem informados e convencidos da necessidade de reagir sempre que virem feridos os seus direitos. Repetindo, não se pode ser contra a chegada da empresa, afinal o minério é matéria prima para diversos subprodutos de utilidade no dia a dia. O que não se deverá aceitar, seja quem for e quiser investir aqui, é o município ser encarado como uma simples laranja que aventureiros possam querer chupar e deixar só o bagaço. (Fim).


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Por Alberto Sena - 19/11/2014 15:53:16
COM A REPORTAGEM NAS VEIAS

Era um jovem franzino, pele queimada pelo ardente sol de Montes Claros, de natureza tímida, fala baixa, disto me recordo bem, mas não tive o privilégio do convívio no dia a dia porque me mudei para Belo Horizonte logo que ele começava as incursões no O Jornal de Montes Claros.
Mas posso dizer da competência dele, que nasceu profissionalmente pelas mãos de Waldyr Senna Batista, responsável direta e indiretamente pela base jornalística de vários profissionais, em cujo rol me incluo como o menor entre todos – Robson Costa, Carlos Lindenberg, Robério Antunes, Waldemar Brandão, Flávio Pinto, Paulo Narciso, Felisberto Versiani, Avaí Miranda, Itamaury Teles, Paulo Braga, entre outros.
Naquela época, quem passava pela redação do O Jornal de Montes Claros, de Oswaldo Antunes estava apto a trabalhar em qualquer redação de grandes jornais da capital e do Brasil. Não foi à toa que a redação do JMC era conhecida na redação do jornal Estado de Minas como “escola de jornalismo”. Isto nos anos 70/80.
E como era praticado Jornalismo naquela casa velha da Rua Dr. Santos 103, numa época em que Montes Claros efervescente criava “os caminhos futuros”. Era praticado Jornalismo comprometido com o Jornalismo, que muito influenciou o desenvolvimento de Montes Claros.
Houve um período em que a redação do Estado de Minas tinha cinco jornalistas de Montes Claros, Fernando Zuba incluso, mas em redação contigua à do EM, no Diário da Tarde, jornal que desapareceu depois de 77 anos para que os Diários Associados criassem o Aqui, a fim de concorrer contra o Super, de O Tempo. Super que vinha comendo o mingau imperial pelas beiradas.
O jovem franzino, eu soube depois por intermédio do Waldyr Senna, era Luiz Ribeiro. Ele teceu elogios ao foca dizendo ver nele vocação para o Jornalismo. Essencialmente, o jovem demonstrava ser como os cães perdigueiros, com faro apurado para cavar notícias, o que é primordial em qualquer jornal, inda mais naquela época em que às vezes “os fatos se recusavam a acontecer”, como dizíamos.
E tinha faro mesmo, esse Luiz. Repórter de nascença. O tempo pôde provar isso. Só que ele não quis ou não pôde por alguma circunstância da vida fazer como os outros fizeram: ir para Belo Horizonte trabalhar diretamente na redação do Estado de Minas. Ele não foi, mas a redação do EM foi a ele, em Montes Claros, onde Luiz Ribeiro ingressou e lá está até hoje e cada vez mais provando a competência baseada numa postura de gente humana simples. Posso dizer humilde até.
É importante salientar, simplicidade é diferente de humildade. O pobre pode ser simples e não ser humilde. As pessoas às vezes confundem uma coisa com a outra. Nem toda gente simples é humilde. E não é fácil encontrar gente realmente humilde. Humildade é a maior energia. Foi a Humildade de Deus que fez o Universo. Portanto, não se encontram humildes por aí a três por dois.
Particularmente temos soberbas notícias de pelo menos dois homens realmente humildes que pisaram o chão do planeta: o maior deles é Jesus Cristo, que nos legou o “Caminho, a Verdade e a Vida”. Quem segue espiritual e racionalmente a Jesus Cristo pode fazê-lo com toda segurança e confiança que não tem erro, como se diz. O outro homem, Marátma chamado – “A Grande Alma” – foi Gandhi, que, com a força da humildade livrou o seu povo do jugo inglês com a adoção da não-violência.
Luiz é um tipo humilde. Ele certamente vai dizer que não. Mas admitirá ser simples. No caso dele, é uma simples derivação do que ele é. Por esses dias, dirigindo-me a ele, dizia: “Você possui luz própria; as pessoas que têm luz própria estão fadadas a iluminar tudo que elas fazem”.
Noutra ocasião, conversando “in box” pelo Facebook, ele externou: “Acho que na passagem pela Terra, somente ganhamos importância se fazemos algo em prol de outros ou pelo nosso modo de agir ou de ser, transmitindo algo de importância para os outros”.
E é isto que ele faz no dia a dia da profissão, e como pessoa, com a maior competência, engrandecendo o Jornalismo ao ponto de ser premiado muitas vezes. Só prêmios Esso, quatro. Luiz é o exemplo vivo mais vivo que conheço de como vencer no Jornalismo e na vida pessoal com humildade. Competência. Perspicácia. Tino. Simples assim.


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Por Alberto Sena - 15/10/2014 10:47:46
TESTE DE MEMÓRIA

Alberto Sena

Outro dia, Jarbas Oliveira, hoje amigo meu virtualmente, mas no passado, na década de 60, amigo de convivência, em Montes Claros, me enviou uma mensagem “in box” pelo Facebook dizendo ter se encontrado com “um amigo seu” (meu), Josimar Oliveira, que me enviava um abraço.
Antes disto, quando Jarbas mandou-me solicitação de amizade, de fato não o reconheci pelo nome nem pela fotografia. Mas foi ele enviar-me a mensagem, fiz as conexões, me recordei do irmão de Josimar, ex-colega de Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, na bendita década de 60.
Mas, em vez de me informar de início ser ele, Jarbas, irmão de Josimar, preferiu fazer-me um teste ao conduzir o nosso reencontro via Facebook desta maneira, sem revelar o seu grau de parentesco, o que não deixa de ser uma maneira peculiar. Se intencional, foi criativa.
Ele testou a quantas anda a minha memória, pois desde início dos anos 70 não vejo um nem outro. A partir da mensagem “in box”, quando Jarbas disse ter se encontrado com “Josimar, amigo seu (meu)”, o sobrenome Oliveira denunciou logo o grau de parentesco. Jarbas e Josimar são irmãos. E por que Jarbas não me disse logo isso? Ficou a indagação.
Ontem, enviei mensagem “in box” a ele, nestes termos: “Outro dia, Jarbas, você me falou sobre Josimar, que, acho, é seu irmão. Lembro bem, Josimar tem um irmão com o nome Jarbas. Então fiquei pensando com os meus botões por que você não disse, na ocasião, ser irmão de Josimar? Espero que você e ele estejam bem espiritual, mental e fisicamente. Abraços pra você e ele”.
Hoje Jarbas esclareceu tudo ao responder a minha mensagem: “Eu não disse (que é irmão de Josimar), só para saber se você se lembrava, já que se passaram tantos anos. Estamos todos bem. Josimar está aposentado, mora na fazenda em Nova Esperança. Eu também estou, mas continuo ativo em nosso escritório de contabilidade”.
Convivi com Josimar na adolescência montesclarina. Ele é mais antigo que Jarbas. Ambos moravam com a família na Rua Bocaiúva, quase esquina da Praça Coronel Ribeiro, numa casa em estilo colonial, pintada de bege. Como colega de escola de Josimar, muitas vezes nós íamos e voltávamos juntos. Tínhamos 15 anos. Os hormônios em ebulição e os olhares apreciadores do andar charmoso de determinadas moiçolas.
Foi Josimar que me ensinou a fumar. Foi com cigarro Hollywood sem filtro, porque naquela época os cigarros não tinham filtro.
Se me dão licença, vou contar como foi. Íamos para a escola e ao chegarmos à Praça Dr. Chaves, chamada Praça da Matriz, Josimar deu a ideia:
- “Vamos matar aula?”
Nunca havia matado aula. Se o pessoal lá em casa soubesse que eu havia matado aula ia ser um fuzuê danado. Mas já que estávamos na praça, aproveitamos pra sentar num banco e pensar o que fazer para aproveitar o tempo.
Josimar fumava. Ele sacou do bolso da camisa um maço de cigarros Hollywood, embalagem vermelha, e fez o convite:
- “Quer fumar?”
Eu disse:
- “Não sei fumar”.
E ele:
-“Eu te ensino”.
E me mostrou como devia fazer.
Fiz como ele recomendou, puxei a fumaça, quer dizer, dei a primeira tragada. Quase no mesmo instante fiquei tonto. O mundo parecia girar mais rápido e preferi deitar no banco pra me recuperar da tonteira.
Josimar insistiu. Dei umas três tragadas mais e fiquei zonzo. Depois de recuperado, fomos andando sem lenço, sem documentos, mas com cadernos e livros nas pastas.
Naquela época, era chique fumar. A publicidade em torno do cigarro era vista em revistas e pelo rádio. Fumar, segundo a publicidade, dava “um raro prazer”. O cigarro era vendido como algo de uma “suavidade” impressionante.
Daquela época em diante, com o advento da televisão, os cigarros ganharam espaço no vídeo. Apareciam homens fumando ao lado de mulheres lindas, passando aos telespectadores a ideia de que quem fumava conquistava belas donzelas. Ou senão, conseguia façanhas mil nos esportes.
O tempo passou como flecha lançada pelo arqueiro ao espaço. Houve a mudança para Belo Horizonte, em 1972. Mais de 40 anos depois, a flecha do arqueiro cravou-se numa rocha de Grão Mogol.
Nesse tempo todo, nem notícia tive de Josimar, até Jarbas me reencontrar no Facebook e testar a minha querida memória, eficiente companheira de todas as horas e da vida inteira, até a morte, passagem para a vida, nos separar.


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Por Alberto Sena - 6/10/2014 08:39:16
Da caverna rumo a Montes Claros

Alberto Sena

Deixou a caverna, na Serra do Espinhaço, em Grão Mogol, onde de dia tem a companhia de passarinhos e de vez em quando passa uma lagartixa em busca dum petisco, e à noite conversa com as estrelas e elas se deixam contar e lá pelas tantas nem sabe quantas durma.
Deixou a caverna para ir a Montes Claros. Era um pé lá e outro cá, como dizia a mãe Elvira, que faria mais um ano se viva fosse, no dia 16 deste mês de outubro. Mais uma vez teve de enfrentar os desafios da BR 251, que precisa ser duplicada, urgentemente para evitar mais problemas.
O tráfego da bendita BR é intenso. É carreta pra lá e carreta pra cá, carregadas de hélice dos cataventos que captam a energia dos ventos, energia eólica, carga importante. E muitas outras cargas mais, que levam a refletir por que cargas d’água o governo federal ainda não duplicou a estrada até hoje. Está esperando o quê?!
Das infrações de trânsito mais perigosas a de menor perigo é quando o motorista trafega na mão certa e de longe, mas nem tão longe assim, divisa um carro que vem na contramão, tendo do lado uma carreta para ultrapassar. E o carro vem, vem, vem chegando e no último momento consegue vaguinha pra entrar na mão certa e então todos respiram aliviados.
Mas tudo vai bem quando se tem as graças de Deus e um motorista competente e seguro, daqueles que só ultrapassam em momentos adequados. Mas o tal do congestionamento de carretas principalmente nas subidas é um atraso de viagem. O tempo perdido nos congestionamentos pode ser mais bem empregado para pensar e repensar e até enxergar o quanto seria bom, o tanto que economizaria de vidas humanas e bens materiais a duplicação desta BR bendita.
Enfim, Montes Claros a vista e todos sãos e salvos. O calor, como sempre, era de sufocar. Se ventasse na cidade, talvez não sentíssemos tanto o calor. Ao contrário de Grão Mogol, onde venta muito, a gente nem sente tanto o calor do sol. Aqui, e lá na caverna também, o vento é considerado um anestésico do sol, queima tanto quanto em Montes Claros.
O compromisso era lá na Avenida Coronel Lopinho, no bairro Morada do Parque, atrás do Parque Municipal. Foi a caminho do endereço que, como montesclarino legítimo, nascido na Santa Casa de Misericórdia pelas mãos de Irmã Beata, foi surpreendido com o crescimento de Montes Claros.
Recordou-se de que quando vivia no torrão natal os dias eram belos como belíssimos são ainda hoje em dia; éramos felizes e sabíamos ser felizes. Mas naquela época, o Parque Municipal era o limite. E para se chegar ao Parque Municipal pela via da Avenida Mestra Fininha, o percurso era de mato por todos os lados. Nada além de mato havia depois do parque.
Qual não foi o espanto ao constatar o quanto onde era mato foi urbanizado nas últimas quatro décadas. Menos até, muito menos, porque 42 anos faz da partida para Belo Horizonte, e o que é visto atrás do parque, o bairro Morada do Parque, surgiu há muito menos tempo.
Convenceu-se de que não conhecia mais Montes Claros. Se fosse abandonado em determinados lugares da cidade ficaria perdidinho da Sílvia, porque é tudo novo. Evidentemente, melhor teria sido a permanência da paisagem antiga, quando se podia namorar às escondidas no interior e nos arredores do parque.
Quando em Montes Claros vivia as serras que eram de fato claras ficavam longe, muito longe. Atualmente, pelo que se pode divisar na linha do horizonte, a cidade tende a escalar os montes em meio à secura do semiárido, que parece estar mais para árido.
Sem querer espalhar notícia apocalíptica, mas só a título de observação, se Montes Claros continuar crescendo, ou o termo melhor seria inchando?, chegará o dia – e o dia já chegou – em que os moradores premidos pela insegurança pública ficarão fechados em seus cofres, quer dizer, em casas e nos apartamentos, correndo o risco de grupos do lado de fora o tempo todo tentarem entrar para cometer toda sorte de desatinos.
A solução dos problemas sociais, em todos os lugares do Brasil, tarda. Enquanto isso, os governos e a sociedade responsáveis pela geração dos problemas a cada dia mais vão se tornando vítimas e algozes de si mesmos.


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Por Alberto Sena - 29/9/2014 09:33:00
Museu no casarão da nossa história

Alberto Sena

Quem nos idos da década de 60 podia imaginar que o casarão antigo, centenário, onde durante tanto tempo funcionou a Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, em Montes Claros não iria abaixo, como muitos outros foram, e em 2014 seria usado para abrigar o Museu Regional do Norte de Minas?
Certamente ninguém seria capaz de fazer vaticínio semelhante, muito menos ainda quem estudou naquele casarão e o tempo todo sentia a ameaça do forro do teto ruir, como ruiu numa ocasião, felizmente, sem ferir ninguém. Muitos dos ex-colegas de sala de aula vivos estão e podem confirmar o que estava preste a acontecer. A amiga Oselita Barbosa, Lita chamada pode muito bem se lembrar daquela manhã. Ou foi à tarde?!
Estávamos em plena aula de Português. Ou era de história? Não, acho que era de inglês. Não importa, o certo é que de repente a classe toda ouviu um estalido. Crec... Ficamos de sobreaviso e rapidamente saímos de fininho a tempo de ver o forro de um dos cantos da sala cair sobre a mesa do professor. A manutenção do prédio era precária.
Nós tínhamos uma relação íntima, histórica, com o casarão. Da primeira série ginasial até o primeiro ano científico estudamos naquele prédio. Nos fundos ficava a cantina onde podíamos tomar café com leite e sanduíche e preencher o tempo restante do intervalo conversando com um e outro. Éramos jovens com os hormônios e os neurônios em ebulição.
Mas o casarão por onde passaram milhares de pessoas que se formaram na vida e hoje estão em todas as partes do Brasil e do mundo não tinha mais condição de funcionar como escola. Precisava de uma reforma, urgentemente. Não cabia na cabeça de ninguém sequer a imagem da possibilidade de o imóvel ser derrubado. E foi a partir disso que os estudantes da época iniciaram um movimento para construção de um novo prédio.
Se fizermos uma retrospectiva, o casarão fez parte importante da vida de milhares de pessoas de Montes Claros e região. Olhando pelo retrovisor, numa manhã em que o carro do então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, em visita a Montes Claros, passava pela Praça Dr. Chaves fizemos sinal para parar o veículo e ele ouviu de nós um pedido concedido poucos dias depois: “Governador, dá-nos uma escola nova”. Ele sorriu e fez sinal de positivo com o dedo.
Claro, antes de mostrar o dedo em sinal de positivo a construção da nova escola já deveria ter sido decidida e talvez fosse um dos motivos da visita do governador à cidade. A nova Escola Normal foi construída no alto da Avenida Mestra Fininha, e levou o nome do filho dela (Escola Normal) Professor Darcy Ribeiro. E como não temos notícia alguma sobre como está a situação dela hoje, esperamos esteja operante como foi no passado.
Mas retomando ao tema do casarão antigo, depois de reformado passou por várias fases e pra nossa alegria, vai abrigar agora o Museu Regional do Norte de Minas, uma bela iniciativa da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), cujo convite de inauguração neste dia 30 de setembro nós recebemos da pró-reitora de Extensão Marina Ribeiro Queiroz.
Quando funcionava como escola, o piso soalhado, madeira antiga, já muito gasta pelo tempo lembrava o ruído característico de gado transportado em vagões de trem da então Estrada de Ferro Central do Brasil. Os passos dos estudantes ressoavam em ruídos excitantes porque naquela época as moiçolas usavam saias e não tinha pejo de mostrar os joelhos.
A fim de todos se situarem no tempo, os Beathes começavam a eclodir no Reino Unido, a partir de Liverpol. Aqui, no Brasil, a Jovem Guarda iniciava a guarda. Alguma coisa preenchia os espaços vazios da atmosfera mundial e nacional. Politicamente, uma ameaça pairava sobre o Brasil e logo pudemos identificar o que era. Quem tem mais de meio século de existência se recorda como se tudo estivesse acontecendo agora, a propósito das eleições presidenciais. Calaram-se as urnas.
Entre as tábuas do soalho do casarão, em determinados pontos, como a secretaria da escola, em andar superior – tinha-se que subir uma escada – havia algumas frestas, e como naquela época as mulheres não vestiam calça comprida, podia-se ver estrelas multicoloridas em pleno dia. Era só descer à sala de baixo e ficar de papo para o ar à espreita do céu se abrir.


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Por Alberto Sena - 22/9/2014 08:33:39
Em continência ao cabo Georgino Júnior

Alberto Sena

A última vez que estive com Georgino Júnior, salvo engano, foi em finais da década de 60, quando fizemos, juntos, o Tiro de Guerra (TG 87) em Montes Claros. Ele era cabo e eu soldado raso. Aliás, até iniciei o curso de cabo, mas devido a uma simples brincadeirinha de jogar pedrinhas nos companheiros durante uma instrução do sargento, e ao ser apanhado em flagrante, fui destituído do curso de cabo e tive de me recolher à minha própria insignificância.
De lá para cá, só tive notícias dele. Soube por exemplo da parceria do amigo com Tino Gomes. Soube também que ele se revelara poeta de pena cheia e também que se mostrara dado a lidar com pinceis e desenhos geniais que o tornaram um dos intelectuais mais vibrantes da minha querida cidade, de onde saí no início da década de 70 para cumprir os impulsos do destino e alguns sonhos sonhados na intimidade do travesseiro.
Sem querer ser pretensioso demais, como gostaria de possuir o dom da ubiquidade – e quem não gostaria? E se possuísse o dom da ubiquidade, confesso com toda sinceridade, me deslocaria num átimo para Montes Claros a fim de abraçar o amigo por sua genialidade na arte de poetar, pintar e desenhar, agora que ele saiu da toca para mostrar toda a sua competência como artista.
Daqui do alto das serras do Maciço do Espinhaço, em Grão Mogol, ouço vozes cantando as maravilhas de Georgino Júnior extraídas do seu talento artístico e me pergunto por que os ditames da vida impediram-me de conviver com pessoas com as quais muito teria a aprender? Vejo as fotos do Júnior, o semblante fechado, sério demais, ele que tudo tem para desabrochar em sorrisos.
Leio o texto sobre ele escrito pela excelente Raquel Mendonça – “Georgino Júnior é isso, não menos que isso: um ser humano inteligentíssimo; super, ultra, mega criativo, enfim, um gênio em toda a acepção da palavra, que navega muito bem entre os mares e os ares estéticos das artes plásticas, ora em tons brancos e pretos, ora multicoloridos do desenho, da pintura, ou da mais densa e intensa literatura!” E fico aqui, sem o dom da ubiquidade, cobrando do destino o porquê de me ter impedido de conviver com o amigo – ele e outros mais, tão montes-clarenses quanto eu, como Tino Gomes – a fim de recolher dele e dos outros, migalhas de talento, de versos e mesmo de reversos, acaso houvesse algum, já que ninguém livre deles está.
Sem asas para voar até Montes Claros, conformo-me com a convivência virtual nesses tempos fortuitos do Facebook, invenção que nos leva a reencontrar amigos. E daqui do meu notebook espio o sucesso de Júnior e pra ele bato palmas, palmas de um cidadão simples. Gostaria de pra ele cantar loas e também para os demais artistas da nossa terra que vejo desabrocharem como o pequizeiro brota do chão árido do sertão e se multiplicam como estrelas da maior grandeza. Estrelas que fariam a alegria de um Darcy Ribeiro, se vivo estivesse no meio de nós.
Se me permitem a expressão, sinto-me privilegiado por ter a vida me dado oportunidade de conviver e aprender com gente, gente humana da melhor qualidade, em Montes Claros, em Belo Horizonte e aqui mesmo, onde as pedras falam e até mesmo gritam para quem tem ouvidos de ouvir e olhos de ver as belezas que o Criador do Universo fez para deleite próprio e nosso.
Sem querer me delongar, preciso confessar, apenas por um momento gostaria de ter a pena do poeta maior para expressar o tom da admiração e a capacidade de torcer pelo sucesso do amigo de caserna. Enquanto ele sai da toca, penetro na minha caverna em busca dos mistérios dessa intrincada terra chamada Grão Mogol, onde parece que Deus cuidou de gastar um pouco mais de tempo para construir.
Obrigado, Júnior, pela nossa convivência virtual. Não vou dizer que me satisfaz porque nesses tempos de internet, se por um lado o mundo ficou pequeno, falta calor humano. Precisamos resgatar a convivência fraternal do convívio pessoal, “antes tarde do que mais tarde”, como diria o amigo Paulo Carvalho, outro de quem eu nutro saudades porque, outra vez falaram mais alto os ditames da vida e tive de deixar Belo Horizonte, assim como deixei Montes Claros, para cumprir meu próprio destino.
P.S.: Senhor cabo, soldado Sena, número 10, deste TG, se apresentando; peço licença para me retirar, senhor. “Meia volta volver!”


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Por Alberto Sena - 1/9/2014 08:22:33
Velhos tempos de mim

Alberto Sena

Parafraseio a letra da música “Casaco Marron”, de Evinha – voltei aos velhos tempos de mim. Só não vesti casaco nenhum, muito menos casaco marrom porque em Montes Claros daquela época não fazia frio como tem feito ultimamente, o que é um espanto.
Mas também pudera o asfalto e o concreto armado dos edifícios, que parecem buscar as nuvens acabaram por influir no clima da cidade. Já era quente. Ficou agora parecido com o do deserto do Saara. Estorrica de dia e de noite esfria.
Isto foi no século passado, num tempo em que se amarrava cachorro com linguiça e Epaminondas, um personagem da escritora Lúcia Casasanta, no livro As Mais Belas Histórias, lido, relido e trelido, arrastava pacote de manteiga pelo chão amarrado em barbante.
Era tempo de estudo primário no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, por onde passou gente de renome como Darcy Ribeiro e outras feras vivas no meio de nós para alegria própria e dos parentes.
A sala era da professora Bernadete Costa. Tinha fama de durona. E era mesmo. Mas possuía vocação. Sem dúvida alguma desasnou gerações de montesclarinos. Ela era mãe do, naquela época, futuro jornalista Robson Costa.
Robson iniciou carreira no O Jornal de Montes Claros, na Rua Dr. Santos 103, depois ele foi para o jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte, e mais tarde para O Estado de São Paulo onde brilhou também no Jornal da Tarde.
Não se podia dar um pio dentro da sala em determinados momentos. Então, a meninada sussurrava porque dona Bernadete era realmente brava. Tínhamos o maior respeito. Claro, ela era brava com quem não cuidava das obrigações escolares com a necessária seriedade.
Com dona Bernadete não acontecia entra e sai na sala de aula, aquela desculpa de, “posso ir ao banheiro?”, não colava com ela. Tinha hora pra tudo. O que ela fez questão de estabelecer desde o início, pra ninguém passar por desavisado.
Mas, como a gente sabe muito bem quase nada nós controlamos no nosso corpo. Não controlamos os pensamentos – embora seja possível controlar se usarmos a técnica do “pensar consciente” e de “autocontrole” para pensar o que quer e não os pensamentos que vierem à cabeça.
Não controlamos a respiração. Em sã consciência, quem vai se rebelar dizendo que parará de respirar. Ou vai ficar sem respirar só durante 15 minutos?
Ninguém poderá dizer “não vou comer mais”. Quem controla a fome? E as batidas do coração? Quem pode dizer que controla? Alguns iogues dizem controlar.
Ainda não foi falado sobre as necessidades fisiológicas. Depois de encher o bucho d’água alguém será capaz de dizer: “Não vou mais urinar?” Claro que não.
Pois então, estávamos, todos nós, na sala de aula. O silêncio só não era igual ao do espaço sideral porque passava de vez em quando um carro ou algum cachorro latia.
Duma hora pra outra começamos a sentir mau cheiro característico. Um olhou para o outro, inclusive Carlos Meira, que morava ao lado da casa do dr. João Valle Maurício, na Rua Dr. Santos; Roberto Avelar, Marcos Tolentino, Teófilo, entre outros.
No primeiro momento não deu pra desconfiar de ninguém, mas o mau cheiro aumentou e começamos a nos inquietarmos.
Dona Bernadete escrevia de costas pra nós no quadro negro, naquela época era negro mesmo, e se virou perguntando: “O que está acontecendo aqui?” Indagação feita, a colega M. desatou a chorar.
Claro, o constrangimento foi grande. Não pra nós, pra ela, menina de 8 anos, linda. Tão linda que, anos depois, já adulta, ela foi eleita “Miss Montes Claros” e ficou bem colocada no concurso “Miss Brasil”.
A faxineira da escola entrou com balde d’água e pano, enquanto M. era conduzida ao banheiro e depois levada pra casa, aos prantos.
Veio o recreio. Alguns colegas também estavam apertados. Era quando dava a hora do recreio uma corrida só ao banheiro, em frente às escadas para o pátio. O pátio ficava abaixo do piso das salas de aula, um bom lugar pra uns e outros mostrarem as habilidades de futebol, peteca e queimada.
Por causa do constrangimento, M. ausentou das aulas por dois dias. Ela descobriu, logo cedo, controlar as necessidades fisiológicas é impossível.
Afinal, o que entrou pela boca, uma hora sai naturalmente ou por livre e espontânea pressão.


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Por Alberto Sena - 20/8/2014 08:26:33
Vencer o lixo

Alberto Sena

Acompanho só de longe a pendenga entre a Prefeitura de Montes Claros, na pessoa do prefeito Rui Muniz, e os montesclarinos que se negam a aceitar a cobrança da taxa de lixo desmembrada do IPTU.
E porque só acompanho de longe não me julgo capacitado para entrar no mérito da questão, se é ou não legal, se vai ou não mexer no bolso do cidadão, a essa altura de saco cheio de tanta cobrança de imposto etecétera e tal.
Como não julgo capaz de meter a minha colher de pau nesse angu de caroço, quer dizer, nesse entrevero, aproveito apenas o mote para levar ao prefeito e aos montesclarinos uma ideia que vem sendo implantada na cidade de Paulínia (SP).
Ideia bendita que poderá ajudar a pôr um basta nessa questão do lixo de Montes Claros duma vez por todas e de outras cidades que porventura estejam enfrentando o mesmo problema. Afinal até quando as partes irão ficar nessa disputa de cabo de guerra?
A gente sabe lixo sempre foi um estorvo na vida de qualquer pessoa ou família, inda mais nesses tempos de consumo exacerbado, quando se produz tanto material descartável altamente poluidor. O consumismo põe em risco a vida no planeta.
Na hora de produzir o lixo ninguém pensa na trabalheira para dar cabo dele. Lixo é tão desprezível que nós queremos dar sumiço nele o mais rápido possível. Se nós produzíssemos menos lixo, já seria um ganho enorme para todos, principalmente para os garis e os lixeiros que de caminhão caçamba saem de noite e de dia recolhendo os sacos plásticos. Verdadeira montanha todo dia.
É a coisa mais engraçada, pra não dizer algo diferente, nós só queremos saber do lixo até o momento em que a boca do saco é fechada. Depois das mãos lavadas não está mais aqui ou ali quem produziu o lixo. Não queremos nem saber pra onde vai. E e às vezes vai para lugares impróprios, como beirada de rio.
Mas retomando o fio da meada, lá em Paulínia está sendo implantado um sistema que consiste em abrir no chão um buraco de dois metros de profundidade capaz de caber um contêiner com capacidade para 700 litros de lixo.
O buraco possui um tampão. Depois de fechado ficam de fora dois latões de aço inoxidável grudados no tampão. Cada latão tem a sua tampa, e as pessoas vão metendo saco de lixo pelos dois latões como se não tivessem fundos e, periodicamente o caminhão vem e o lixeiro abre o tampão do buraco, recolhe o contêiner cheio e deixa outro vazio.
Os ganhos com esse novo sistema de recolhimento de lixo são vários, a começar pela manutenção da higiene do lugar. Impede que cachorros fiquem remexendo os sacos de lixo; evita de serem os sacos carreados pelas enxurradas em período chuvoso, o que entope as bocas de lobo e polui os rios, principalmente em se tratando de garrafas PET.
E mais: quase tudo agora é reciclado. No caso de Paulínia, antes 15% do lixo recolhido iam para o aterro porque não tinham serventia. Agora, quando muito, só 3% vão.
Se antes era necessário fazer muitas viagens de caminhão caçamba para recolher o lixo, com o novo sistema as viagens caíram pela metade. A gente não é bobo nada, sabe, a economia numa circunstância desta é em cadeia. E mesmo presa em cadeia liberta qualquer administração pública para gastar os recursos economizados com outras obras de importância para o município e os munícipes.
Como disse no início, não tenho por que meter a minha colher de pau nesse angu de caroço, mas não custa nada tentar remediar esse imbróglio porque imagino como deve estar a cidade com sacos de lixo pra tudo quanto é lado, enquanto o prefeito e a população montesclarina que se recusa a pagar a taxa ficam naquela situação típica dos dois jumentinhos.
Quais? Aqueles que foram amarrados cada um na ponta duma corda, com dois montinhos de capim, um de cada lado. Ficava um burrinho tentando comer um montinho de capim e o outro burrinho o outro.
Ficaram nessa estupidez um tempão gastando energia e se desgastando até chegarem a um acordo ao perceberam que deviam ir juntos comer um dos montinhos de capim de cada vez.
Fica aqui a sugestão. Repasso pelo mesmo custo de aquisição, com uma foto, sem cobrar nada mais, nem mesmo pelo frete da notícia.


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Por Alberto Sena - 11/8/2014 08:19:57
Orquestra “jiafônica” ou “sapofônica”

Alberto Sena

Pelo timbre do coaxar, temos jia nova no pedaço. É coaxo diferente, grave, emitido em pequenos intervalos. Parece ecoar longe devido ao silêncio e ao sossego desta noite de agosto, noite na qual a gosto trepido nas teclas do notebook a fim de registrar a novidade – há jia nova no pedaço.
Antes, quando passamos a observar com mais acuidade o coaxar das jias e dos sapos, achávamos que eles e elas ficavam entre as pedras do Ribeirão do Inferno, logo ao fundo do quintal. Depois é que o Sr. Geraldo, que nos vende hortaliças de qualidade, fresquinhas, sem resíduos de agrotóxicos, nos informou: “Não, as jias e os sapos ficam é nos tanques de criatório de peixes no quintal de João”.
Sr. João mora entre a nossa casa e a do Sr. Geraldo, onde no quintal ele possui uma horta de deixar qualquer um com o queixo caído. Tem quase de tudo na horta dele, a começar de couve, salsinha, cebolinha, mostarda e hortaliças de modo quase geral.
Os sapos e as jias ficam então nos tanques de peixes e formam uma orquestra “jiafônica” ou seria “sapofônica”? Acho que devem ficar coaxando à noite inteira. Não posso afirmar com certeza, não fico acordado ouvindo o coaxar de sapos e de jias. Durmo cedo. Em compensação, acordo cedo. Gosto e acho as manhãs mágicas. Acordo com os passarinhos. Durmo o suficiente, naturalmente. Deito e...
O gostoso daqui, daqui de Grão Mogol, onde estamos há quase seis meses, é que de dia temos uma variedade enorme de passarinhos a nos encher de alegria. É sabiá-laranjeira, pássaro-preto, sanhaço, saíra e outros que ainda não identificamos, sem falar nos beija-flores.
Esses beija-flores são maravilhosos. Hoje, por duas vezes, estendi o braço com o potinho de água açucarada e dois beija-flores vieram mamar na minha mão. Um após o outro. Foi uma emoção e tanto. Até fiz um poema – se e que posso chamar de poema – pra contar o acontecimento, inusitado, pelo menos pra mim.
Quando vem à tardinha, ali pelas cinco horas, a gente começa a ouvir os primeiros acordes da orquestra “jiafônica” ou “sapofônica”. Começa devagar. É como nos ensaios de uma orquestra sinfônica. Quem já viu e ouviu os músicos afinando os instrumentos fica encabulado como é que pode tudo dar certo na hora da apresentação.
Não fosse o maestro para pôr ordem na casa, ninguém iria aguentar ouvir os instrumentos tocados a bel prazer de cada músico.
Assim acontece com a orquestra “jiafônica” ou “sapofônica”. Enquanto os sapos e as jias esquentam a garganta, cada um com o seu jeito característico de coaxar, acho eu, um vai numa direção e outros noutras, mas à medida que o véu da noite assoma a orquestra “jiafônica” ou “sapofônica” ganha musicalidade.
Mas não chega nem aos pés do Bolero de Ravel, maravilhosa composição que ao ser tocada a primeira vez caíram de pau no autor criticando-o, dizendo ser “música de uma nota só”.
Música de uma nota só é a dos sapos e das jias, mas por ser orquestra batraquiana composta por anfíbios anuros, dá pra fazer um abatimento, porque eles não têm maestro. Coaxam porque foram criados pra coaxar. Já imaginaram se em vez de coaxar cantassem como os passarinhos?
Tudo no reino da Natureza segue uma ordem com feitio certo. A diversidade da fauna e da flora é enorme. Só de passarinhos e mesmo de sapos e jias, o que tem desses batráquios anfíbios anuros por aí, por esse Brasil varonil, lá pelas bandas da Amazônia, não está no gibi.
Quase todo dia uma espécie nova é encontrada enquanto um sem número de outras vão se perdendo em meio à ganância e o imediatismo de quem só pensa em dinheiro, como se dinheiro fosse capaz de comprar a sobrevivência humana no planeta a cada dia mais poluído, combalido, destruído.
Mas vamos voltar ao coaxar dos sapos e das jias. É o melhor que podemos fazer neste momento de paz, de tranquilidade e, principalmente, de sentimento de gratidão a Deus. Sim, porque se estamos aqui é porque Ele nos quer aqui e nos ofereceu um lugar cujo epíteto é “paraíso perdido agora encontrado”.
Aqui, toda noite, eu e Sílvia aprendemos um pouco mais da arte de sapear, ao ouvir o coaxar de sapos e de jias.


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Por Alberto Sena - 4/8/2014 08:25:00
Comentários de uma crônica anunciada

Alberto Sena

Por esses dias publiquei um texto que se pode chamar de crônica, sobre a Montes Claros querida, meu torrão natal, comparando a cidade das décadas de 60/70 com a que já vislumbrávamos para os dias atuais. Recordava-me de ter visto recentemente uma foto noturna panorâmica da cidade tão iluminada que parecia ter sido calçada de ouro. Linda foto focalizando o Parque de Exposições.
Falei que Montes Claros naquela época possuía vários lugares de encontro e que o crescimento horizontal e agora vertical fez com que se transformasse na cidade do “desencontramento”. E fui por aí relembrando os tempos em que era feliz e sabia, porque sentia ser privilegiado por ter vivido aí os melhores tempos da cidade.
Vai que recebi o comentário do conterrâneo e amigo Paulo Henrique Veloso Souto, conhecido de antes e de depois do “Cabaré Mineiro”, filme rodado por Carlos Alberto Prates em alguns pontos de Grão Mogol, no qual ele se mostrava exclamativo: “Vixe Maria, ainda não é assim não (referindo-se a Montes Claros), e Requeijão (um tipo humano citado) é nativo, da família Veloso; achei a crônica muito depreciativa, questão de opinião”, ele disse.
Fiquei deveras preocupado achando ter excedido nas minhas observações, mesmo porque morei em Belo Horizonte e moro atualmente em Grão Mogol, tenho ido a Montes Claros só pra buscar fogo, como se diz e talvez nem direito tivesse de futucar um pouco mais fundo em meus comentários, correndo o risco de ter sido injusto.
Lembrei-me de que Paulo Henrique viveu um bom tempo no Rio de Janeiro e de uns anos pra cá resolveu retornar às raízes e deve estar feliz da vida e se não estiver torço para que fique feliz porque pôde deixar toda a beleza do Rio, cuja violência urbana empana, para viver em Montes Claros, menor e por certo menos perigosa proporcionalmente. Será?
Mas qual não foi a minha surpresa ao receber dois outros comentários sobre o mesmo assunto, comentários estes que me deixaram respirar, aliviado, porque nem de longe passava por minha cabeça escrever um texto depreciando a minha terra natal, terra que exalto faz anos por meio de reportagens, crônicas e comentários.
Fora o fato de ter nascido pelas mãos de Irmã Beata e ter vivido em MOC durante 22 anos ininterruptos, onde estudei e iniciei carreira jornalística no O Jornal de Montes Claros, JMC e Mais Lido chamado.
O primeiro dos dois comentários foi enviado por Maria Helena Flávio Almeida, esposa do meu beque central preferido, Nicomedes Almeida. Maria Helena disse ter achado a crônica “realista”, e contou: “Eu saía aos domingos, pela manhã, ia até a Praça da Matriz e ficava na feirinha. Não vou mais. Nos meus 68 anos, bem vividos, as mudanças são notórias. Montes Claros mudou principalmente em questão de segurança”, disse ela.
Maria Helena foi mais além se perguntando o que muito montesclarino se pergunta diariamente se o que se passa pela cabeça “é neura, é medo?” ou quê nome dar? Ela não sabe, mas não tem a menor dúvida de que “curtir um passeio pelas ruas (de Montes Claros) está cada dia mais perigoso”.
E está mesmo, não dá para tampar o Sol com a peneira. Ou será que a mídia está inventando as ocorrências diárias as mais cabeludas? Evidentemente que eu, como filho da terra, gostaria que nada disso estivesse acontecendo, porque assim não dá pra ser feliz, “ora bolas”, diria o poeta Mário Quintana, aquele que disse em versos “eles passarão” e “eu passarinho”.
O outro comentário veio da parte de Wilma Nunes. Ela dizia, “estou em Montes Claros Alberto, dá tristeza. Maria Helena está certa, tudo mudou, para pior. O aspecto da cidade, loucura, suja, feia, esburacada... Vi aquela foto, um artista bateu”.
Eu nem cheguei a abordar essas questões urbanas achando que a essa altura isso já tivesse sido resolvido, pois constatei esses problemas numa das últimas vezes que fui à cidade. Se os problemas perduram, Paulo Henrique que me perdoe, mas não dá pra deixar de falar, porque isto sim deprecia a cidade que passa a ficar bonita só em fotografias sacadas por quem domina a arte da fotografia.
A propósito gostaria de saber do amigo onde poderia encontrá-lo numa próxima ida a Montes Claros, se é que os locais de encontro ainda existem além do Café Galo sobrevivente.


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Por Alberto Sena - 1/8/2014 11:14:42
Grão Mogol possui mais histórias que pedras

Alberto Sena

Em Grão Mogol, se o morro do Pagão chamado também por nós de Catedral, se o morro do Pagão falasse, os quase seis mil habitantes do perímetro urbano ficariam surdos de tanto ouvir história escorrer despenhadeiro abaixo, capaz de inundar a cidade.
Aliás, Grão Mogol possui fartura de história mais do que de pedras. E veja pedra, aqui, é mato, deixaria o poeta Carlos Drummond de Andrade tropeçando nelas a cada passada.
Muitas das pedras falam. Desconfiam-se de que algumas gritam. Há quem diga possuir o dom de ouvi-las. Nem toda gente possui sensibilidade para entender o dizer das pedras de Grão Mogol.
A cada conversa com certas pessoas nativas, os chamados “tipos humanos”, a gente vai enriquecendo e aprendendo mais. Talvez o fato de ser cidade pequena e as pessoas se conhecerem e se reconhecerem no dia a dia, talvez por isso Grão Mogol possua um elenco significativo de “tipos humanos”, a exemplo de “Zé do Biscoito”, José Batista batizado, personagem de uma simplicidade de fazer gosto; e dona Lucinda, que à beira da miséria, viu saltar-lhe sobre o vestido, na margem do rio, um diamante; e a vida dela mudou.
Quem sabe muito sobre as histórias desta “Cidade Diamante” é o historiador e pesquisador Geraldo Frois, discípulo da educadora Helena Wladimirna Antipoff psicóloga e pedagoga de origem russa que depois de obter formação universitária na Rússia, Paris e Genebra, se fixou no Brasil a partir de 1929, a convite do governo do Estado de Minas Gerais. Renomada pesquisadora e educadora da criança portadora de deficiência.
Frois, como é costume chamá-lo, contou outro dia a história de um delegado de polícia chamado Felicíssimo Damaceno, conhecido pelas gerações mais antigas como “Sinhô Colares”. A história, como o leitor haverá de constatar, possui elementos grotescos até, mas contêm ingredientes hilários e demonstração de exercício extremo de poder de um delegado de polícia alcunhado “calças curtas”.
Com o jeito característico de narrar fatos, palavras pensadas, medidas e gestos coordenados, Fróis contou que, numa ocasião, o delegado prendeu “Zé Cinzento”, um tipo pistoleiro, por ter armado tocaia duas vezes para matar o pai dele, Lauro José Frões, a mando de um rico fazendeiro da região, cujo nome omitiu para não ferir melindres.
Foi na roça onde tudo aconteceu. “Por ali”, gesticulou apontando uma direção aleatoriamente. O delegado foi lá, deu voz de prisão e usou uma corda para amarrar “Zé Cinzento” com as mãos atrás do corpo, pois naquele tempo não havia algemas por essas plagas. E veio conduzindo o preso igual nas fitas de cinema do velho oeste norte-americano. O delegado atrás e o preso a frente.
É de se supor, o delegado não se atrevera soltar as mãos do “Zé Cinzento” pra coisíssima nenhuma. Deve ter dado a ele água na boca durante o percurso marcado pelo silêncio e a expectativa de logo se ver livre da empreitada. A cadeia de Grão Mogol, a mesma até hoje, aguardava o prisioneiro, pois o delegado havia avisado que iria prender o tal.
A certa altura do caminho, “Zé Cinzento” deu de querer urinar. E falou com o delegado “estou apertado, vou acabar urinando nas calças”. Claro que o delegado, macaco velho, viu naquela vontade do preso de urinar um pretexto para se livrar das cordas e tentar fugir. Era ele e o delegado, só os dois, e o preso podia se apossar duma pedra “e arrebentar a minha cabeça para escapar”, pensara o delegado.
O “calças-curtas” por alguns instantes se quedou e duma vez por todas acabou com a esperança do “Zé Cinzento” de tentar escapar usando do artifício de urinar, conforme conjecturara. “Se ele está pensando que vou desabotoar-lhe a braguilha, vai ter de tirar o cavalinho da chuva”, disse pra si mesmo o delegado.
Num gesto rápido, sacou da cintura a faca tipo peixeira e de um só golpe, de quem tinha bastante experiência no manuseio de arma branca, cortou todos os botões da braguilha do “Zé Cinzento”.
Com a delicadeza necessária para não causar-lhe ferimento, retirou-lhe o instrumento com a ponta da faca.
Logo o delegado pôde comprovar a veracidade da necessidade do preso de urinar.
Estupefato diante do gesto do delegado “Zé Cinzento” urinava e fazia algo mais. Nas calças.


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Por Alberto Sena - 29/7/2014 09:50:30
“Desencontramento”

Alberto Sena

Outro dia, deparei-me na internet com linda foto noturna de Montes Claros toda iluminada, parecia calçada de ouro, se não me engano focalizando o interior do Parque de Exposições João Alencar Athayde, e fiquei deslumbrado com a beleza do meu torrão natal.
Realmente, dependendo do equipamento fotográfico, dotado de lentes várias, inclusive grande angular, e do olho de quem está por trás da câmera, Montes Claros possui ângulos magníficos e pode vir a impressionar a quem não conhece a cidade ou quem conheceu e nela viveu em passado nem tão longínquo se levado em conta à relatividade temporal.
Só um insano da cachimônia entraria numa de querer barrar o tempo a fim de evitar as transformações e as intervenções na cidade desrespeitando a sequência do cumprimento do seu destino como polo de atração que sempre foi de tudo vindo do Nordeste brasileiro rumo à capital mineira ou São Paulo.
Nas décadas de 60/70, sempre que a seca brava se instalava no norte de Minas e no nordeste brasileiro, levas e mais levas de retirantes chamados surgiam da noite para o dia na cidade amontoados em carroçaria de caminhão sem conforto e segurança fugindo do estio. Eram os “paus de arara” apelidados.
Uns nem conseguiam seguir em frente, ficavam pelas ruas da cidade e ganhavam a simpatia de quem conheceu tipos humanos como Requeijão, Galinheiro, João Doido, entre outros, de origem incerta e não sabida.
É preciso ter vivido a Montes Claros de antes para comparar com a metrópole de hoje. A cidade era um lugar de encontros. Tanto que na época surgiu uma revista batizada de Encontro, idealizada pelos jornalistas Lúcio Bemquerer, grãomogolense; e os montesclarinos Waldyr Senna Batista e Décio Gonçalves, uma publicação além do próprio tempo.
Nesse período, podíamos encontrar os amigos na Praça de Esportes, nas esquinas da Rua Doutor Santos com Dom Pedro II, nos cafés Zim Bolão e Galo, na porta da Cristal, no Clube Montes Claros, no Automóvel Clube e na porta dos cinemas (Coronel Ribeiro, Fátima, São Luis, Ypiranga).
Com o crescimento horizontal e vertical da cidade, pelo que acompanhamos daqui, dos píncaros do Maciço do Espinhaço, em Grão Mogol, Montes Claros já não possui lugares de encontro. “Encontro” agora é só revista, cujo nome Lúcio Bemquerer cedeu, em finais da década de 90, ao belo-horiozontino/montesclarino, Paulo César de Oliveira, PCO chamado, revista que atualmente pertence aos Diários Associados e circula, conforme está publicado no expediente, com 72 mil exemplares, tiragem auditada.
Pelo que se ouve dizer e é publicado pela mídia montesclarina sair de casa vem se tornando um tormento como acontece em todas as grandes cidades brasileiras. Se na época dos encontros as famílias podiam sair a qualquer hora do dia, da noite ou da madrugada, atualmente quem sai não tem certeza se voltará pra casa, ileso, sem ter sofrido assalto ou atropelamento no trânsito intenso e confuso da cidade.
O problema da insegurança pública existe e ainda é superestimado pelos montesclarinos. Surgiu, então, “uma neura coletiva”, o que faz aumentar o medo de sair de casa. Proliferam-se muros altos, cercas elétricas, câmeras e uma parafernália que em síntese não oferece segurança nenhuma. Quem está disposto a praticar um crime sabe como superar esses obstáculos.
Em vez de se ocuparem com as causas do problema, o governo federal e a sociedade brasileira continuam fazendo ouvidos moucos e quando muito combatem os efeitos como quem costura pano novo em roupa velha ou tenta enxugar gelo. As populações colhem cada dia mais os frutos amargos da omissão dos governos que tiveram todas as oportunidades para estancar o problema no nascedouro socioeconômico e político gerador da violência. Ficaram olhando o crescimento do monstro criado pelo egoísmo e pela ganância dos que só conjugam o verbo possuir. E quanto mais eles têm mais querem ter.
Montes Claros é atualmente a cidade da contradição. Nunca teve plano diretor que pudesse reprogramar a velha urbe compatibilizando o desenvolvimento com o bem-estar da população. Nunca. Houve uma tentativa seguida de desistência quando o prefeito era Toninho Rebello.
Montes Claros cresceu desembestadamente. Agora está entre a cruz e a caldeirinha vitima em potencial do materialismo e do consumismo, fenômenos que põem em risco a sobrevivência humana no planeta.


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Por Alberto Sena - 19/7/2014 12:02:32
“Zé do Biscoito”

Alberto Sena

Ele chega de mansinho, quase toda noite. Bate no portão. E quando ouve a pergunta: “Quem é?” Responde: “É o Zé do Biscoito”, com um tom de voz característico.
Toda Grão Mogol o conhece. Desde pequeno, menino de calças curtas. Ele confirma que vende biscoitos confeccionados por Maria Adelícia Gomes de Oliveira (Dé de Valdo), mulher que o adotou quando ele tinha oito anos e “vivia o tempo todo na rua”. “Gostei dela”, disse.
Hoje com 26 anos, “2º Grau concluído”, ele quer continuar os estudos para assegurar uma posição melhor na vida.
- O que você traz hoje, Zé?- a pergunta é inevitável.
E ele, na sua simplicidade, sorrindo sempre, responde:
-Tenho “espremidinho”, tareco e biscoito de farinha.
Às vezes acontece de ele chegar só com “espremidinho” biscoito feito com goma, porque vendeu todo o “tareco” e o biscoito de farinha. Noutras vezes, ele chega com “espremidinho” e “tareco”. Abre os sacos plásticos e mostra.
Zé é tímido. Nota-se essa característica dele logo no primeiro momento. Mas bem educado. Disse ter nascido “com problema mental”, o que lhe valeu aposentadoria pelo INSS.
Cada saquinho de biscoito custa R$ 2. Ele sempre agradece pela compra e pede a Deus para nos abençoar. Em retribuição, ouve: “Que Deus abençoe você também, Zé”.
E lá vai ele oferecer biscoito noutra casa, com o jeito próprio de ser. Zé cativa as pessoas pela simplicidade nata.
As pessoas costumam confundir simplicidade com humildade. Humildade, para quem não sabe, é a energia maior existente. Foi a humildade de Deus que criou o Universo. Veja Jesus Cristo como exemplo. Nunca houve na Terra ninguém mais humilde do que o Filho de Deus.
Numa noite, ao saber que estávamos gripados, Zé nos surpreendeu: meia hora depois de nos ter vendido os biscoitos, olha ele de volta batendo de novo no portão. Disse ter ido a casa onde colheu da horta no quintal funcho, capim santo, erva cidreira, hortelã e ervas outras, medicinais.
Como estava escuro, ele disse ter usado uma lanterna para colher as ervas. Pôs cada uma em sacos separados e recomendou fazer “um chá” com limão cortado em cruz.
E ainda teve a capacidade de se desculpar dizendo “não sei se vocês gostam de usar remédios de horta”. “Claro que gostamos Zé, desde criança nossa mãe fazia chá pra nós sempre que havia alguém gripado em casa”, foi a resposta.
E vejam, mais uma vez, ele pediu desculpa achando que podia haver entre as ervas mato porque “estava escuro”.
“Que isso Zé, não havia mato nenhum, você é um camarada cuidadoso”, dissemos. Ele esboçou sorriso simples e mais uma vez desejou um “Deus abençoe” e recebeu outro “que Deus o abençoe” de volta.
Zé começa a vender biscoitos às 3h da tarde e termina lá pelas 8h da noite. Ele renova as remessas sempre que é necessário, retornando a casa para buscar mais.
Zé é um dos tipos humanos de Grão Mogol, essa cidade “sui generis” incrustada nas fraldas do Maciço do Espinhaço. Aqui o relacionamento entre as pessoas não é virtual. As gentes se encontram no Rodomercado, inaugurado recentemente pela Prefeitura Municipal, para bater papo e principalmente na Rua Direita batizada de Cristiano Relo, a via mais importante da cidade, onde em meados do século 18 gentes de várias partes do mundo fervilhavam ali, em redor do brilho diamantífero.
O dia em que Zé não passa em casa pra vender biscoito, nós ficamos pensando que tudo acabou antes de ele chegar à nossa casa, na Rua Hilário Marinho, próximo ao Presépio Natural Mãos de Deus, o maior do mundo, que todo grãomogolense precisa conhecer, valorizar e se orgulhar de tê-lo aqui.
Se o Zé fosse apresentado a Carlos Drummond de Andrade, se vivo fosse, o poeta itabirano poderia escrever um poema sobre esse personagem terno, filho de Grão Mogol, iniciando com o verso seguinte: Quando Zé nasceu, um anjo de asas azuis afagou-lhe o rosto e disse: “Vai Zé, vai ser vendedor de biscoito na vida...”
Zé foi.
E continua indo.
Andando, com as graças de Deus, Nosso Senhor. Amém.


78324
Por Alberto Sena - 16/7/2014 15:10:24
Jeito grãomogolense de ser

Alberto Sena

Grão Mogol é dotada de identidade própria. Localizada na divisa das regiões Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha, possui luz diferente das demais cidades históricas como Diamantina, Ouro Preto, Tiradentes e outras encontradas no Brasil.
Presume-se que essas características surgiram ao longo dos séculos devido primeiro ao fato da descoberta do diamante e depois porque, com o fim do garimpo, a cidade caiu no marasmo, o que levou muitos dos seus filhos a buscarem outros centros, como Montes Claros e Belo Horizonte, principalmente.
Com o tempo, o que era negativo passou a ser positivo, porque Grão Mogol pôde conservar as características próprias. Sem fábricas cuspindo fumaça poluidora, a cidade conserva os costumes herdados dos antepassados. Numa comparação, o ritmo atual de Grão Mogol é semelhante ao de Montes Claros da década de 50.
Para quem gosta, a cidade conserva o sossego que deve ser preservado ao máximo, para não vir a ser uma urbe pequena com os problemas das metrópoles onde o ritmo de vida está a cada dia mais extenuante.
Grão Mogol possui ar puro comprovado pelos nossos pulmões e também pelos liquens impregnados nas pedras. Pedras é o que não falta por todos os cantos. Tanto que um filho da terra, Lúcio Bemquerer, que cumpriu exílio involuntário de mais de 20 anos, ao retornar definitivamente, construiu o Presépio Natural Mãos de Deus, o maior do mundo.
Além das belezas e dos mistérios do seu casario, Grão Mogol possui ao redor riquezas cênicas de deixar qualquer pessoa extasiada. As formações rochosas ao redor oferecem um panorama indescritível, formado pelo Maciço do Espinhaço, por onde o bandeirante Fernão Dias Paes Lemes percorreu em busca das esmeraldas e de fato só encontrou turmalinas.
A cada dia o automóvel criado para tornar melhor a vida no planeta, se vai revelando o maior problema urbano da humanidade. Em Grão Mogol, o trânsito ainda é pequeno. Aqui se pode ouvir o silêncio. Os passarinhos têm onde fazer os seus ninhos e fazem festa em pomares de laranjeiras, abacateiros e em frutíferas de modo geral.
Em Grão Mogol se ouve o galo cantar tanto de dia como de noite. E aqui perto há um jumento criado pelo velho Juca que zurra quase de hora em hora, concorrendo com o relógio da Igreja Matriz de Santo Antônio, que badala a cada 60 minutos lembrando os sinos das igrejas do interior da Europa.
A cidade tem a fama de possuir “clima europeu”, mas ao longo de um dia Grão Mogol pode apresentar as quatro estações do ano. Amanhece nublado e frio para logo mais cair uma “garoinha” e em seguida vir o Sol e por último os ares temperados ornamentados pelas flores da região, muitas delas endêmicas.
A própria topografia da cidade favoreceu a segurança pública aos seus quase seis mil habitantes no perímetro urbano. Em Grão Mogol, a criminalidade não tem vez. O tenente Reginaldo e o seu pelotão estão atentos. Todo desconhecido, suspeito, que adentra a cidade é abordado para dizer o que pretendente aqui.
Quem vem a Grão Mogol, daqui não segue pra lugar nenhum. Precisa retornar e pegar a BR 251, que dá acesso à Rio-Bahia. A BR 251 reclama duplicação o mais urgente possível. Nela transitam carretas e cegonheiras que tornam a estrada uma das mais perigosas do País.
Administrada pelo prefeito Jéferson Augusto de Figueiredo, em seu quarto mandato, a cidade experimenta o desenvolvimento sem perder as suas características. “O município é enorme, parece um estado”, costuma dizer o prefeito, que carrega a fama de “obreiro”.
Se se fizer uma pesquisa de âmbito nacional sobre cidades que oferecem qualidade de vida para a sua população, Grão Mogol pode se destacar entre os primeiros lugares. O importante, entretanto, é que tanto a administração pública e a própria sociedade grãomogolense preservem a cidade, cujo centro histórico já está em processo de tombamento, para o bem de todos.
A realidade das grandes cidades comprova que trânsito intenso de veículos não é sinônimo de desenvolvimento. A essa altura, a solução para as metrópoles é se espelhar em Grão Mogol. As metrópoles precisam parar de crescer. O bem-estar das populações, sim, é que sinaliza o desenvolvimento nos dias atuais. E poucas cidades oferecem bem-estar para sua gente como Grão Mogol, que vai ganhando a fama de “cidade de primeiro mundo”


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Por Alberto Sena - 5/7/2014 11:18:53
“Deus ajuda, mas amarre o seu camelo”

Alberto Sena

Toda vez ao trafegar pela BR 251, saindo de Grão Mogol para Montes Claros, e vice versa, a primeira providência deve ser entregar-se à Divina Providência. Há um ditado importado da região do Oriente-Médio que diz: “Deus ajuda, mas amarre o seu camelo”.
É necessário ter ao volante alguém experimentado, porque o trânsito de veículos chega às raias do absurdo e as ultrapassagens também.
Em outras palavras, o referido ditado significa que cada um deve cuidar de fazer a sua parte para tornar o trânsito solidário, dentro dos padrões da melhor educação e civilidade. O mínimo que se deve fazer é respeitar a sinalização. Cuidar bem da direção e dirigir também para os outros. Se não dá pra ultrapassar, não tente, não corra o risco de uma colisão frontal.
Na 251 o mais comum é o tráfego nos acostamentos. O asfalto é mais inteiriço, livre dos eventuais buracos. Até que, atualmente, a situação da rodovia não é tão ruim, pelo menos a partir do entroncamento de Grão Mogol até Montes Claros. A maioria dos buracos foi fechada na famigerada operação “tapa buraco”, em verdade um paliativo até que venham as próximas chuvas.
Deus não deixa de ajudar a quem a Ele recorre, mas o governo federal, que deveria fazer a parte dele, duplicando a rodovia para dar mais segurança e fazer o tráfego fluir melhor, ainda não tomou uma atitude. A cada acidente que possa acontecer na rodovia, nenhum será por culpa de Deus e sim da falta de providência humana, uma atitude política.
É de se especular o que impede a duplicação dessa rodovia. Será porque ainda não atingiu certo limite de acidentes fatais, tamanha é a insegurança? Ou será que é preciso atingir determinado número de capotagens com vítimas para justificar os gastos com a duplicação da BR?
Ora, com efeito, a rodovia cumpre uma função importante. Lá adiante se encontra com a Rio-Bahia, outra estrada federal perigosíssima. É por essa via que irradiam o desenvolvimento econômico e o chamado progresso.
A quantidade de carreta – veículos longos – transportando carros recém-saídos da fábrica é enorme. Cegonheiras saem de Minas com carros Fiat e outras entram no Estado, vindo da Bahia, com veículos Ford.
Uma rodovia com essa importância traz todo tipo de gente com usos e costumes diferentes do ritmo de vida em cidades por ela cortadas. Caso de Montes Claros, que nas últimas décadas vive índice de violência comparável ao das metrópoles, efeito colateral do desenvolvimento e do progresso que a torna na prática capital do Norte de Minas.
Numa rápida visita, em questão de nove horas, deslocando dentro da cidade em várias direções, qualquer pessoa ajuizada vai compreender, Montes Claros segue a passos largos na direção da inviabilidade causada pelo tráfego intenso de carros.
Com as facilidades dadas pelo governo federal para elevar o PIB, mantendo a redução do IPI, as cidades brasileiras irão regurgitar carros. Ninguém é contrário à posse de carro por parte de quem queira ter o seu. O problema é que as cidades não possuem infraestrutura capaz de suportar essa quantidade de carros em circulação. Não nasceram para isso e nenhuma obra viária é realizada para minorar os problemas de trânsito.
Em seus 157 anos comemorados quinta-feira, 3 de julho, Montes Claros vista por meio de cartões postais é verdadeiramente linda. Fotos da Catedral de Nossa Senhora Aparecida são espetaculares e nos deixam orgulhosos.
A cidade pontualmente retratada é linda, mas no seu conjunto está sendo conduzida a uma fatídica situação: todos parados dentro dos seus carros perdendo horas preciosas em congestionamentos.
E quem diria que um dia isso iria acontecer com a cidade nascida de uma fazenda de Antônio Gonçalves Figueira, integrante da Bandeira de Fernão Dias Paes Leme. Quem diria? Essa cidade de ruas estreitas feitas para o trânsito de cavalos, carroças e charretes iria um dia sofrer congestionamentos de veículos automotores inexistentes na época do seu nascimento?
Os previdentes sabem, se todos se automotorizarem a melhor opção fica sendo os pés. Andar porque as ruas ficarão entupidas de carros.
Os montesclarinos de nascimento e os filhos adotados não merecem viver o dia a dia de um trânsito próximo de certos lugares da Índia.
Caminhar é bom para o espírito, à mente e o corpo. Andar faz o esqueleto funcionar bem. Experimente. É necessário vencer o carro.


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Por Alberto Sena - 30/6/2014 08:23:57
Com esse futebol, não dá pra chegar

Alberto Sena

Tenho minhas dúvidas se essa ‘selecinha’ irá erguer a taça do Hexa.
Duas Copas do Mundo ficaram para sempre na nossa memória, a de 1958 e a do Tri, em 1970.
Apesar de toda efervescência futebolística consequente da Copa de 2014 no Brasil, a seleção da dupla Felipão e Parreira não tem passado de uma ‘selecinha’.
E se continuar jogando o futebolzinho que mostrou contra o Chile, não terá a mínima chance de conquistar a Taça.
Essa seleção não se compara a nenhuma vencedora, cujas imagens estão gravadas para sempre na nossa memória.
A primeira grande Copa, a de 1958, quando Pelé estreou e Montes Claros pôde acompanhar tudo pelo rádio, na maior emoção, diretamente da Suécia, tinha craques. Desde o goleiro Gilmar passando por Nilton Santos, Garrincha até Zagalo, ponta esquerda. Eram craques inclusive na simplicidade.
Foi naquela Copa que o futebol brasileiro se revelou ao mundo. Estávamos todos na sala de jantar da casa da Rua São Francisco e ouvíamos a narração do jogo. O rádio chiava, mas ainda assim pudemos ver com os ouvidos todos os lances dos gols contra a Suécia, quando a Seleção Brasileira se sagrou campeã do mundo pela primeira vez.
A segunda grande Copa foi a do Tri, em 1970. O Brasil estava mergulhado na ditadura militar. O presidente era o general Garrastazu Médici, um dos mais violentos governos militares. Era a época do “Ame-o ou deixe-o”, período do “Milagre Brasileiro”, quando o economista Delfim Neto, ministro da Fazenda, era o todo poderoso.
Quando Carlos Alberto Torres, o capitão do Tri levantou a Taça do Mundo, o Brasil entrou numa euforia que redundou em carnaval. Saímos pelas ruas de Montes Claros sentados até no capô de carros em movimento, lento, numa alegria desembestada e fomos direto para o Automóvel Clube onde houve um improviso de carnaval.
A cidade vivia os dias de tranquilidade. O ‘point’ era a Cristal ainda resistindo aos tempos, onde naquela época se reuniam os amigos. A seleção brasileira brilhou com o futebol arte.
De lá para cá, muita coisa mudou no futebol. Predominou a força em detrimento da arte. Os dribles desconcertantes de Garrincha e de Pelé já se perderam há muito tempo. O dinheiro passou a falar mais alto. Principalmente para os cartolas. O amor à camisa se foi, sepultado para sempre. Ficamos na saudade.
Dia desses, Juca Kfouri comentou em sua coluna que o ex-jogador Roger, agora comentarista da Rede Globo, teria revelado uma vingança contra o técnico do Corinthians ao chutar propositalmente para fora um pênalti decisivo.
E os torcedores até se matam pelos clubes de futebol, como se futebol fosse o que há de mais importante na vida, mais do que as necessidades básicas como educação, saúde, segurança pública e trabalho.
É de se esperar que a seleção brasileira atual melhore o rendimento em campo, faça jus ao fato de estar sediando a Copa, porque o que foi mostrado até ontem não passa confiança alguma aos torcedores que têm olhos de ver e senso crítico ativo.
O time joga novamente, sexta-feira, contra a Colômbia. Se perder vai acompanhar os jogos das arquibancadas. Na partida de ontem, o Chile também nada demonstrou que pudesse considerar os chilenos injustiçados, apesar da bola chutada no travessão.
Na seleção brasileira não há nenhum jogador que nos faz lembrar Nílton Santos, Didi, Garrincha e Pelé. Neymar ainda não mostrou o que esperamos dele.
Vimos um futebol medíocre, sem lances de belas jogadas e dribles de fazer levantar a torcida. Se tivéssemos craques como os da Copa de 58 ou de 70, a seleção brasileira não teria passado pelo vexame de ter de disputar pênaltis na própria casa porque não conseguiu fazer gols no tempo regulamentar.
Nada contra a Copa. Mas todos nós sabemos, o País possui outras prioridades mais importantes. O possível sucesso que possa ser obtido por meio duma bola de futebol não resolverá os problemas crônicos brasileiros nos segmentos político e socioeconômico, cujas soluções independem dos pés.
O importante é vencer na vida usando a cabeça não só para dar cabeçadas na bola e mordidas em adversários, mas em busca de ideias práticas em que a coletividade seja beneficiada.


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Por Alberto Sena - 27/6/2014 11:56:05
Augusto Ruschi viveu em Grão Mogol

Alberto Sena

Grão Mogol, a Cidade Diamante transpira história por todos os poros. Desde meados do século 18, quando o brilho diamantífero fez nascer cidade nas dobras do Maciço do Espinhaço, Grão Mogol se impregna de história. Em linguagem garimpeira, basta levar o carumbé pra beira do rio e recolher entre o cascalho uma história atrás da outra.
Acabo de recolher uma no meu carumbé que talvez poucos grãomogolenses saibam: o naturalista Augusto Ruschi, famoso no mundo científico, viveu uma temporada em Grão Mogol. Quem conhece a fama dele compreende, Ruschi era um Pelé do meio ambiente, estudioso de beija-flores.
Quem garante ser testemunha da presença do naturalista em Grão Mogol, onde ele instalou um viveiro de beija-flores na outra margem do Ribeirão do Inferno, atrás da Casa da Cultura, é o garimpeiro Herbert Alves do Nascimento.
Herbert tinha 9 anos de idade e como quase toda criança daquela época, vivia com estilingue pendurado no pescoço. Não podia ver passarinho que caçava.
Um dia Herbert se encontrava próximo ao viveiro, depois de abater uns cinco beija-flores, quando foi advertido pelo próprio Ruschi, em carne e osso.
_ Não faça isso não, menino – teria dito ele a Herbert, hoje com 60 anos de idade, garimpeiro de profissão.
O menino ficou assustado e a pessoa que acompanhava Ruschi disse logo:
_ Não bata no menino, não.
Ao que Ruschi teria dito:
_ Não vou bater, mas ele precisa entender, estamos preservando esses bichinhos para que possam existir no futuro.
Herbert não sabia quem era o homem que lhe falava com tanta autoridade. Simplesmente tratou de ir embora. Muito tempo depois, já adolescente, em 1972, quando circulou a nota de 500 cruzados novos, cuja estampa mostrava a figura de Ruschi, Herbert logo reconheceu ter sido advertido por um homem importante, conhecido em várias partes do mundo pelo seu belíssimo trabalho em defesa dos beija-flores.
Ainda hoje o garimpeiro se lembra da cena e se sente orgulhoso por isso. Mas poucas pessoas sabem que Ruschi viveu em Grão Mogol. Gentil Esteves Oliveira, proprietário da Drogaria Nossa Senhora Aparecida, na Rua Cristiano Rello, confirma a presença de Ruschi em Grão Mogol, embora nunca tivesse conversado com o naturalista, mas lembra de tê-lo visto na cidade.
Pelo que Herbert apurou depois, inclusive com pessoas já falecidas, Ruschi não fazia o menor esforço para mostrar quem era. A intenção dele, em Grão Mogol, foi simplesmente estudar os beija-flores e mais nada. Queria viver anonimamente. E conseguiu.
Segundo disse o garimpeiro, o naturalista famoso se hospedava numa casa de pedras na Rua Hilário Marinho. O único legado dele para Grão Mogol foi uma fotografia em que ele está sentado numa das pedras do Ribeirão do Inferno, próximo da cachoeira.
O naturalista morreu aos 72 anos, em 1986, no Hospital São José, em Vitória (ES), onde esteve internado devido a complicações gastroenterológicas agravadas por insuficiência hepática. A causa da morte foi diagnosticada como cirrose hepática.
Ruschi submeteu-se a um ritual indígena destinado a curá-lo do veneno de um sapo de espécie dendrobata, que o teria atingido no Amapá. Após o ritual, ele se disse curado dos males do veneno, mas trataria de seus problemas de fígado e estômago pela alopatia.
Atuante defensor do meio ambiente, Ruschi se envolveu em várias disputas públicas com empresas e autoridades pela preservação ambiental. Uma delas foi com o governador do Espírito Santo, Élcio Álvares, em 1977, a respeito da instalação de uma fábrica de palmito na Reserva Biológica de Santa Lúcia.
Pioneiro no combate ao desmatamento da Amazônia, ele antecipou os efeitos maléficos do reflorestamento com espécies exóticas e do uso de agrotóxicos, entre outros problemas ambientais contemporâneos.
Ruschi contribuiu para o ambientalismo e para as ciências. Ele publicou mais de 400 artigos e mais de 20 livros científicos. Foi consagrado pelo respeito entre os estudiosos de sua época e por homenagens recebidas em vida e postumamente.
Em 1994, uma lei federal concedeu-lhe o título de “Patrono da Ecologia” no Brasil.


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Por Alberto Sena - 26/6/2014 09:35:03
Clima de festival aquece inverno em Grão Mogol

Alberto Sena

Grão Mogol já entrou no clima do Festival de Inverno 14 dias antes do início, 10 de julho – vai até o dia 20. A notícia já se espalhou por toda a cidade e a região, de modo que os grãomogolenses vivem a expectativa de movimento de gente de todos os cantos do Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha, outras regiões mineiras e de fora do Estado.
O primeiro sinal da proximidade do Festival de Inverno foi o frio, detalhe comprovador da existência de um microclima ao redor da cidade proporcionado pelas serras do Maciço do Espinhaço, o que deu a Grão Mogol o epíteto de “cidade de clima europeu”.
A queda da temperatura local persiste há 15 dias, mas o calor humano do grãomogolense cresce embalado pela recente comemoração dos 156 anos de emancipação da cidade, cujas festividades foram encerradas com a apresentação do cantor Daniel, que prometeu retornar em breve.
A cidade já se acostumou a receber multidões, como aconteceu nos últimos carnavais e também há mais de cinco anos, quando aconteceu o último festival. A organização do evento é da Unimontes – Universidade Estadual de Montes Claros.
Em termos culturais, artísticos e turísticos Grão Mogol e região terão a oportunidade de mostrar os seus atrativos e talentos. Mas o comércio local não alimenta a expectativa de ganhos extraordinários, como já ensinaram os últimos carnavais, que quase nada acrescentaram de benefícios como dizem os comerciantes da cidade.
A Polícia Militar, sob o comando do tenente Henrique, já tem pronto um esquema de policiamento. Ele acredita que se durante os carnavais tudo transcorreu dentro da normalidade, com a realização do Festival de Inverno não será diferente. Mas, afirmou o tenente, militares das cidades participantes irão integrar o esquema de segurança.
A abertura do festival será às 19h, no Presépio Natural Mãos de Deus, considerado o maior do mundo, com um culto ecumênico e apresentação artística do Núcleo de Ópera e das Pastorinhas de Grão Mogol.
Lúcio Bemquerer, idealizador da obra, disse que o presépio cumpre com a sua finalidade, pois conta com um palco feito para realização de eventos culturais, foclóricos e religiosos.
Delmira Ribeiro, gerente do presépio, informa que a área do palco será cedida à Prefeitura de Grão Mogol, por intermédio da Secretaria Municipal de Cultura, para que, juntamente a Unimontes seja feita a abertura do que promete ser o mais vibrante festival da região, principalmente pelos seus atrativos naturais e a possibilidade de revelar talentos em vários segmentos.
Cada uma das 12 cidades da região que aderiram ao festival ficou com a missão de apresentar três números dentre as várias opções a serem oferecidas. A intenção dos organizadores do evento é fazê-lo o mais completo possível abrangendo todas as manifestações culturais registradas nos municípios participantes.
A intenção é mostrar o que cada município possui, numa espécie de intercâmbio cultural, de modo a revelar e apresentar os valores culturais uns para os outros nas áreas de música, folclore, turismo etc. Riquíssima sob todos os aspectos, o festival é uma maneira de divulgar a região para que possa ocupar o seu espaço no cenário estadual e nacional.
Dentro da programação do Festival de Inverno será realizado nos dias 10 e 11 de julho o Festival de Canção Lago de Irapé, quando serão apresentadas ao público as 20 canções escolhidas pela comissão julgadora. Os três primeiros lugares receberão prêmios em dinheiro de R$ 6 mil.
Grão Mogol possui boas opções de hospedagem para receber quem vier participar do festival, como o Hotel Paraíso das Águas, de Nem Costa, com 34 apartamentos, comparado aos melhores de Montes Claros e de Belo Horizonte, situado em uma área aprazível, com lindas paisagens; e a Pousada do Eti, com 43 suítes, dentro da cidade.


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Por Alberto Sena - 23/6/2014 08:26:56
Disparou o segundo alerta

Alberto Sena

Permanece vivo na memória o dia em que Fialho Pacheco, à época trabalhando como repórter do jornal Estado de Minas, onde faturou cinco edições do “Prêmio Esso”, disse numa das suas idas a Montes Claros, pra onde ia de Rural Willys: “A cidade vai explodir”.
Isso foi em meados da década de 60 e estávamos na porta do O Jornal de Montes Claros, quando ainda funcionava na Rua Dr. Santos 103, numa casa velha de propriedade do empresário Luís de Paula Ferreira.
Fialho espichou o olhar até os arvoredos da Praça Dr. Carlos, observou as bicicletas em meio aos veículos, levou em conta o vaivém de gente descendo e subindo a rua Dr. Santos para chegar à conclusão de que a cidade explodiria em médio prazo. Quem a essa altura do campeonato do crescimento da metrópole discorda da perspicácia dele?
Montes Claros de então oferecia qualidade de vida. Mas os olhos de Fialho enxergaram além e o levaram a pronunciar o vaticínio. Com isso, ele quis dizer que a acidade cresceria, como cresceu, o trânsito de veículos ia aumentar, como aumentou; e as ruas estreitas não suportariam o volume de veículos, como de fato não suportam. Os congestionamentos são frequentes, como acontece em todas as capitais e cidades grandes do País, por excesso de veículos em circulação.
No caso específico de Montes Claros, o que fazer? Não é necessário ser urbanista para compreender que da maneira como a cidade se vai expandindo, próximo está o momento em que as pessoas ficarão paradas dentro dos carros, presas horas em meio aos congestionamentos. Em primeiro lugar, isso acontecerá e já está acontecendo porque é inadmissível um veículo de uma tonelada de peso transportar apenas 70/80 quilos.
Em outras palavras, não dá pra entender essa nossa mania de carro. Se for feita uma pesquisa, se vai verificar que em 100 carros envolvidos no trânsito a grande maioria leva apenas uma pessoa. Alguma coisa precisa ser feita antes que o caos se instale de vez na cidade, que, simplesmente cumpre a sua vocação de cidade polo, desde os primórdios dos tempos.
O que ainda não aconteceu é o surgimento de um administrador visionário que possa influir nos rumos da cidade. Se alguma coisa tivesse sido feita naquela época, quando Fialho vislumbrou o caos, que não ocorre só em Montes Claros, seria outro hoje o panorama montesclarino.
Mas é preciso dizer, alguma coisa foi realizada naquela época e seria a solução para tornar a cidade mais arejada: um Plano Diretor foi elaborado. E a ideia partiu do então prefeito Antônio Lafetá Rebello, o Toninho Rebello, considerado um dos melhores prefeitos que a cidade já teve. Ele só cometeu um erro, derrubou o antigo mercado da Praça Dr. Carlos, um casarão que, se em pé estivesse, seria uma relíquia cultural e turística.
Pelo que circulou anos depois, Toninho Rebello não conseguiu avançar no Plano Diretor “por questões econômicas e políticas”. Alargar as ruas de Montes Claros só para satisfazer as exigências de trânsito de veículos é inconcebível, seria priorizar a máquina em detrimento da gente humana.
Hoje em dia, a concepção de desenvolvimento urbano mudou, pelo menos em minha opinião. A medida do desenvolvimento não passa mais pela avaliação quantitativa do trânsito de veículos ou pelo número de chaminés cuspindo fumaça poluidora nos céus. A sociedade brasileira já não aceita mais esse tipo de “desenvolvimento”.
Os administradores das cidades devem antes de qualquer coisa se ocupar com o bem-estar das populações. Tornar as urbes agradáveis o bastante para as famílias viverem em paz e em segurança, harmoniosamente.
Os maus exemplos estão aí para serem vistos: as grandes cidades se tornaram territórios inóspitos. As pessoas estão com medo. Há, inclusive, uma neura maior do que a realidade dos perigos atuais, o que faz aumentar o medo. Todos são suspeitos até prova em contrário. As cidades cresceram para cima e sofrem com todo tipo de poluição. A atmosfera está envenenada.
Em recente pesquisa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) comprovou isso. Apurou que as grandes cidades estão com os ares envenenados. A poluição provocada pelo monóxido de carbono e outros gases incide diretamente no aumento dos casos de câncer, principalmente de pulmão.
É necessário sentar em volta duma mesa para rediscutir Montes Claros. Meio século atrás Fialho Pacheco fez o primeiro alerta. O segundo já disparou.


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Por Alberto Sena - 20/6/2014 08:33:51
“Grão Mogol é a bola da vez”

Alberto Sena

A frase é feita – “Grão Mogol é a bola da vez” – mas está em consonância com a Copa do Mundo, que ora vem sendo disputada no Brasil. Entretanto, o importante é o conteúdo da frase, e, mais ainda quem a pronunciou: o sociólogo, economista e empresário Lúcio Bemquerer. Durante décadas, ele dirigiu a Prosper Consultoria, em Belo Horizonte, onde foi presidente da Associação Comercial de Minas (ACMinas) e diretor executivo do Fórum de Líderes da Gazeta Mercantil, composto por mais de mil grandes empresários de todo o País.
Filho de Grão Mogol, cidade para onde retornou 20 anos depois de um exílio involuntário, Bemquerer criou o maior presépio natural, perene e a céu aberto do mundo denominado Mãos de Deus. Ele explica o porquê de achar a sua terra natal como “a bola da vez”: é que a cidade ficou estagnada durante décadas, após o fim do garimpo de diamantes, e de três anos para cá experimenta o desenvolvimento a partir de incentivos da administração pública municipal.
Bemquerer costuma dizer que Grão Mogol hoje pode ser vista como cidade de “primeiro mundo”. Nela não há favelas. Não há casas sem reboco. Mendicância não existe. Crimes também não. Muitas das casas ficam de portas e janelas abertas e tem policiamento ativo e atento para impedir a chegada dos males das grandes cidades.
Em Grão Mogol o ar é puro. E a prova disso são os liquens encontrados nas pedras. E são tantas as pedras, que dariam munição abundante ao poeta maior, Carlos Drummond de Andrade para fazer milhares de poemas com pedras no meio do caminho.
Hoje a cidade é dotada de dez supermercados e por isso mesmo o comércio vem se fortalecendo. A antiga Rua Direita, chamada Cristiano Relo, é uma espécie de termômetro para tudo que acontece na cidade. Lá, o comércio de modo geral ferve. A rua é fechada ao trânsito de veículos e por isso carinhosamente, é chamada de “Savassi”, numa alusão à Savassi de Belo Horizonte.
Mas o forte mesmo, de Grão Mogol, é o turismo. “Aqui é a nova fronteira do turismo de Minas, quiçá do Brasil”, disse Bemquerer. Com a construção do Presépio Mãos de Deus, o turismo religioso, então, ganhou notoriedade e tanto é verdade que a obra, abençoada pelo Papa Francisco já recebeu mais de 50 mil pessoas em dois anos e meio de inaugurada.
Quase que concomitantemente à criação do presépio, a cidade ganhou um hotel de categoria, o Paraíso das Águas, com 34 apartamentos que em nada perde para os melhores hotéis de Montes Claros e de Belo Horizonte.
A cidade ganhou também o Balneário do Córrego, um lugar aprazível, com piscina de água corrente e chalés bem equipados, lugar ideal para se passar os finais de semana, principalmente, dotado de uma vista de deixar qualquer ser vivente boquiaberto.
Agora que o Centro Histórico de Grão Mogol está em processo de tombamento pelo IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, a cidade deverá receber os incentivos próprios dessa modalidade de preservação dos bens públicos e, finalmente, entrará de vez para o rol das cidades históricas de Minas Gerais e do Brasil.
Nos últimos anos a cidade vem ganhando espaços preciosos na mídia e a cada dia cresce mais o número de turistas que vêm apreciar os seus atrativos urbanos e naturais proporcionados pelo Maciço do Espinhaço, dentro do qual se expande, mas conservando a boa qualidade de vida, artigo em falta nas metrópoles brasileiras.
É por tudo isso que Bemquerer chegou à conclusão de que Grão Mogol é “a bola da vez”. A estagnação anterior considerada negativa, porque forçou a saída de muitos grãomogolenses, soa agora como fator positivo porque a cidade não foi corrompida pela outra face da moeda do desenvolvimento. E por um acidente geográfico, não tem vocação ao crescimento, porque fundada entre as fraldas da Serra do Espinhaço.
É por demais sabido que quem vem a Grão Mogol não vai daqui para nenhum outro lugar. Tem de voltar e tomar a BR 251, o que, geograficamente, se constitui num fator facilitador da segurança pública.
Como diz o prefeito Jéferson Augusto de Figueiredo, em pleno exercício do quarto mandato, quando muito, a cidade terá em médio e longo prazo o número de habitantes que hoje possui em todo o município, isto é, 15 mil almas vivas. Atualmente, no perímetro urbano estão, se muito, seis mil habitantes e o restante na zona rural.


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Por Alberto Sena - 16/6/2014 14:17:03
E os nossos rios morreram de sede?

Alberto Sena

Para lembrar o poeta Casimiro de Abreu (1839-1860) com aquele lindíssimo “Poema da Noite – Deus” inicio parafraseando os versos dele: “Eu me lembro! Eu me lembro! Era pequeno...” e morava em Montes Claros. Acreditem, naquele tempo em que de fato era menino (agora sou menino por direito), havia nos arredores da cidade alguns rios onde muitos dos montesclarinos campeões de natação nas disputadas competições da Praça de Esportes aprenderam a nadar.
Como já faz uma data estou fora dessa cidade amada, que se agigantou numa fração de segundos se se levar em conta a relatividade do tempo, não posso garantir a existência dos rios que fizeram a alegria de gerações de conterrâneos (e tristeza de certas famílias cujos filhos pereceram afogados) ou se eles morreram de sede, como diria o amigo jornalista e escritor Wander Piroli, já falecido, montesclarino por aclamação.
Acreditem, se esses rios ainda existem devem estar no perímetro urbano a essa altura das transformações pelas quais a cidade passou nas últimas décadas. Mas naquele tempo, os rios se encontravam fora do perímetro urbano e para ter acesso a eles era preciso andar e andar um bocado.
Muita gente morreu afogada nesses rios de então. Este era o maior temor das mães daquela época. Mas ainda assim os filhos iam nadar escondido nos rios e quando chegavam a casa, a primeira iniciativa das mães era passar as unhas nos braços dos meninos. Se deixassem rastros esbranquiçados na pele eram sinais de que haviam passado a tarde nadando em rio.
Havia o rio do Melo. Quem se lembra? O que foi feito dele? A região foi toda urbanizada e se apossou do nome do rio. Na época em que o rio do Melo corria, uma das poucas casas próximas dele era do tio Abel, pai de uma penca de filhos quase todos vivos, entre os quais Mário, Ninho chamado; Saul, Fernando e Abel, mas também pai de Nice, Marlene, Clarice e outras irmãs. Era um lugar ermo. Acompanhado de Saul perambulávamos pelos matos à caça de rolinhas pra fazer guisado.
Havia a Lajinha. Várias foram as vezes em que fui a Lajinha com estilingue pendurado ao pescoço. E como não sabia nadar, espiava os amigos pulando n’água de ponta ou dando saltos mortais. Ficava com enorme vontade de fazer a mesma coisa, mas os ecos da advertência de mãe soavam mais altos. Se chegasse a casa e fosse submetido ao teste das unhas e reprovado, seria “um deus nos acuda”.
Havia também o Pai João, um rio que tinha poços fundos e deve ter sido o campeão em ocorrência de afogamentos. Este ficava mais próximo da cidade. Quem ia para a Vila Ipê passava próximo dele. Havia o rio Carrapato. E também o Vieira. Este passava nos fundos do quintal de nossa casa, na Rua Marechal Deodoro. Na época o ribeirão não recebia o esgoto da cidade como acontece impunemente até hoje.
A fase de buscar os rios terminou a partir de quando descobri ser melhor frequentar a Praça de Esportes. Mas o “medo” da água ficou como uma cicatriz porque mãe tinha medo de perder um filho afogado e só agora, tanto tempo depois, percebo a origem do temor dela. Devia estar intimamente relacionado com o fato de um dos seus irmãos, José, ter morrido afogado.
A morte de José aconteceu assim: ele seguia junto com a tropa de soldados para lutar na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Disseram que ele teria se afogado no Nordeste, acho que em Rio Grande do Norte, onde tomaria um navio.
Um companheiro enviou foto dele como lembrança, na qual os dois estavam juntos vestidos de calção de banho a beira mar. Dele restou à família uma foto, que mãe mandou emoldurar e pendurou na sala de visitas da casa da Rua São Francisco. José vestia farda verde oliva, e para mim era um orgulho tê-lo como tio.
Na Praça de Esportes usufrui de todas as opções de atividades esportivas, menos natação. Era como gato escaldado, com medo de água fria. Nado quase nada hoje.
Mas bom mesmo era jogar pelada na pista gramada da Praça de Esportes e pingue-pongue debaixo do telhado próximo da piscina grande, lá onde morreu afogado um conhecido que morava na Rua Doutor Santos, quase esquina de Rua Dom João Antônio Pimenta.
Era ele um jovem adolescente cuja mãe descobrira estar praticando furtos na cidade e pediu a Deus para levá-lo embora “desta vida”, de tão envergonhada ela ficou.


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Por Alberto Sena - 9/6/2014 08:39:20
Porre traumático

Alberto Sena

Uísque, não toma. Não suporta sentir o cheiro. Cerveja também não bebe já faz tempo. Parece água. Gosta de vinho. Prefere tinto e seco. Mas aprecia vinho branco. Rose nem tanto.
Já bebeu cerveja e as recordações de quando bebia cerveja vêm desde quando morava em Montes Claros, final da década de 60 e década de 70, entrante.
Bebida alcoólica nunca foi o seu forte. Dona Elvira deve ter rezado ao longo da vida pedindo a Deus para afastar da bebida os filhos, principalmente os homens.
Cachaça nunca conseguiu beber daquele jeito como bebem os contumazes. Jogam um pouco “pro santo”, mandam pra dentro, num só gole, a dose e sentem o álcool arder goela abaixo. Depois soltam um “aaahhh..” e desatam o falador. Sorveu cachaça como remédio. Uma dosezinha de vez em quando e olhe lá.
Uísque é uma bebida alcoólica forte. Hoje é sabido, mas naquela época, em Montes Claros, logo depois de concluir o Tiro de Guerra, não sabia nada a respeito de uísque, além do que via nas telas de cinema, naquelas cenas em que o caubói entrava no saloom e pedia uma dose “pra matar a sede”. Como se uísque tivesse competência para substituir a água.
A melhor bebida é água. Gosta de beber água e recomenda a todos beberem um copo d’água em jejum todos os dias. Água em jejum é excelente preventivo contra doenças. Os mais velhos acabam sofrendo de males que poderiam ser evitados se bebessem água suficiente.
É recomendável de dois a mais litros de água por dia. Quem bebe água com a devida regularidade tem saúde, porque a falta d’água ocasiona ressecamento da pele, dos cabelos e outras coisas mais, além do pior, as células do corpo vão morrendo aos pouquinhos. Elas funcionam à base de água.
Mas o caso em tela é o uísque. Como dizia, havia acabado de terminar o TG quando foi a uma festa no Automóvel Clube de Montes Claros. Tinha de vestir terno e gravata. Vestiu o único terno surrado, pôs a gravata única e se foi achando dono das cocadas de todas as cores.
No Automóvel Clube encontrou-se com o primo Mário Sena, Ninho chamado, e este lhe propôs dividir um litro de uísque. Topou no ato a proposição do primo. Sentaram-se à mesa e enquanto o garçom não vinha trazer a bebida, e nada mais, apreciavam os casais dançando ao som do conjunto de Célio Balona, camarada eterno porque vive até hoje e em boa forma física e musical.
O garçom veio com a badeja contendo o litro de uísque, dois copos e um balde de gelo, no maior estilo. E veja bem, nunca havia bebido uísque. Achava que devia ser bebida saborosa, pois os caubóis das fitas norte-americanas tomavam com a cara tão boa. Devia ser o suprassumo da gostosura.
Ninho serviu a primeira rodada de uísque e o outro achando que estava sendo filmado, esperava chegar alguém pra tirar da mesa e levar à pista de dança. Tomou a primeira dose e não achou gostosa assim como os caubóis do cinema achavam.
Não se recorda bem, mas na segunda ou terceira doses simplesmente apagou-se. Nem viu o momento em que se debruçou sobre a mesa. De vez em quando abria os olhos e só enxergava vultos.
Resultado: até hoje não sabe quem foi que o levou embora e como entrou em casa. Amnésia alcoólica. No dia seguinte, não entendeu nada ao acordar prontinho para ir a uma festa, de terno, gravata e sapatos.
Desse dia em diante prometeu a si nunca mais beber uísque. Pareceu-lhe ter sido esmagado por um rolo compressor. Até hoje, não aguenta nem sentir o cheiro de uísque. Sente o estômago embrulhar.
Quase meio século depois dessa inglória incursão ao litro de uísque concluiu: a melhor bebida é água. Não troca um copo d’água por uma garrafa de cerveja. E menos ainda de cachaça. Uísque, nem se fala.
Depois da água, a melhor bebida é o suco de laranja; frutas de modo geral. Mas água e suco têm os seus momentos. Assim é também com o vinho. Diferentemente das outras bebidas, o vinho requer cerimônia. Pra começar, não se toma vinho em copo, como cerveja ou cachaça.
Vinho é bebido em taças. E de preferência de cristal. E mais: não se bebe vinho sozinho. Vinho pede companhia. De preferência, feminina. Vinho abre a caixa de sonhos. Transporta os apreciadores a lugares mágicos ao redor do planeta.


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Por Alberto Sena - 2/6/2014 08:24:08
De quando havia quintais

Alberto Sena

Mergulho na piscina dos tempos dos quintais, em Montes Claros, e muita gente vai se recordar, as famílias daquela época eram numerosas. E não havia tanta opção de lazer, além de ler livros de literatura, frequentar os cinemas, horas dançantes, jogar futebol, praticar esportes de modo geral.
Os pais de famílias dormiam cedo porque mal havia o incipiente rádio. Muitas vezes rádio asmático porque chiava, até dó dava.
O melhor programa então era fazer filhos. Havia casas de jogos e zona boêmia, e se sabia que homens casados frequentavam estes lugares existentes em pontos por onde as senhorinhas nem podiam se aproximar. Sabia-se de pais de famílias que tinham também “mulher na zona”.
Um casal da época dos quintais com dez ou mais filhos era a notícia mais comum na cidade de trânsito de veículos resumidos em alguns poucos carros das décadas de 40/50.
Numa primeira leva de lembranças anoto as famílias Correa Machado, Macedo, Araujo (Zé Amaro), dentre outras, inclusive a minha Sena Batista. Meus pais tiveram 11 filhos – seis mulheres e cinco homens.
O mesmo tanto de filhos teve Zé Amaro, sendo 10 homens. Dizem que ele queria por que queria uma menina em casa e não conseguia. A cada gravidez, Zé Amaro alimentava a expectativa de, enfim, nascer uma criança do sexo feminino. Aconteceu.
Da minha família, dez sobreviveram. Há 14 anos morreu uma das irmãs. Os nove estão vivos. Todos aparentemente em boas condições de saúde. Exceção de uma das irmãs.
Essa filharada toda dos meus pais leva-me a refletir sobre a importância de um casal gerar tantos filhos e estes se multiplicarem não com a mesma quantidade, mas de modo representativo.
É preciso levar em conta que o fim dos quintais se deu já faz décadas, e, também, precisa ser considerado que tudo rolou no pós-advento da televisão. As influências da TV em todo tipo de comportamento, nos usos e nos costumes. E principalmente pela descoberta da pílula anticoncepcional.
Terezinha a primogênita casou-se e teve quatro filhos. Depois dela veio Elza, que se casou também e teve seis filhos. Geralda, Ladinha apelidada, não se casou.
Noutra leva veio Waldyr, que se casou e teve três filhos. E, pela ordem, chegou Miguel, que não sobreviveu um ano. Depois vem José Venâncio com duas filhas; Célia com duas filhas também; Lúcia com três filhos. Wanda não se casou. Eu com quatro filhos e Antônio, com um casal de filhos.
Resultado: o casal Elvira de Sena Batista e José Batista da Conceição gerou ao todo, em duas levas, 37 pessoas, entre filhos e netos. Os netos já geraram outro tanto – qualquer dia desses vou iniciar o levantamento deles pra árvore genealógica da família. É tanta gente que se acontecer de todos se encontrarem um dia será necessário alugar um clube.
A tarefa de desenhar a árvore genealógica está muito mais fácil do que no tempo dos meus pais, quando não havia o costume de sacar fotografias e grande era a carência de informações.
Atualmente, com o advento do celular, qualquer pessoa pode vir a ser fotógrafo. Mas no caso dos meus pais, as informações são poucas a respeito dos ancestrais de um e de outro. Tenho uma ou outra foto e alguma informação. Só.
Mas eu, os irmãos e os nossos filhos tivemos a oportunidade de tirar muitas fotografias, de modo que não será uma tarefa difícil fazer álbuns.
É importante as pessoas saberem das suas origens. Essa necessidade é intrínseca aos humanos. É a herança de si mesmo.
Uma pessoa que sabe da sua origem deve ser mais segura de si do que quem nada sabe. Quem não conhece o pai ou não sabe quem é a mãe deve sofrer por isso. Há muitos casos desses por todos os cantos do Brasil e do mundo.
Conhecer as próprias raízes é tão importante quanto amar a terra natal. Amo Montes Claros porque foi onde nasci. E nada tenho a reclamar do tempo em que vivi perambulando pelas ruas estreitas da cidade, hoje metrópole com todos os problemas decorrentes do progresso e do crescimento sem planejamento.
Feito isso, a conclusão: particularmente, agradeço a Deus por me ter dado tanta vida e de ter feito nascer no seio da família de meus pais em tempos de quintais.
Peguei bicho de pé, subi em árvores, corri livre por ruas empoeiradas da urbe pacata, hoje quase perdida em meio à capital do Norte de Minas.


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Por Alberto Sena - 26/5/2014 08:28:22
Plantar jequitibá

Alberto Sena

É preciso mostrar aos brasileiros o Brasil, País que, aos trancos e arrancos, se vai tornando nação.
Em meio às informações que se propalam, há um Brasil que vai dando certo, mas isso não interessa principalmente as mídias estrangeiras.
Desde que iniciei vida profissional como jornalista, em 69, em Montes Claros, no O Jornal de Montes Claros, de Oswaldo Antunes e Waldyr Senna Batista, era assim: a imprensa buscava mostrar os fatos nas páginas de polícia para servir de exemplo aos outros e evitar a repetição.
Antigamente, era “uma vergonha” para as pessoas que se envolviam em falcatruas e outros crimes que grassam na vida pública brasileira.
Atualmente – e isso precisa mudar – quanto mais ladrão, mais bandido o camarada for, mais simpático é visto e em volta dele circulam os seus iguais.
A mídia e as pessoas ao longo do tempo cuidaram de mudar tudo. O mercantilismo tomou conta.
Hoje temos várias mídias.
Claro que este é um país em formação, em busca de identidade própria. Há os bestalhões que nunca foram lá fora para ver como os outros funcionam nem conhecem nada de história para compreender que o Brasil possui valores importantíssimos. A começar dos brasileiros como uma civilização em formação no caldeirão étnico.
Brasileiros que, se educados em todos os sentidos, e politizados darão um show para o mundo inteiro assistir.
Temos problemas, fomos sugados desde a chegada de Pedro Álvares Cabral - e ainda somos - e, no entanto, o Brasil é hoje outro país, independentemente das ingerências de maus políticos.
Nada de complexo de inferioridade em relação ao chamado primeiro mundo. Eles fazem tudo para frear o avanço do Brasil perante as nações, em todos os sentidos e mais ainda economicamente. E há brasileiros que fazem de tudo para destruir o Brasil, caindo na armadilha dos gringos.
O Brasil tem problemas; muitos. Mas tem um lado positivo a divulgar. O País é destaque nas pesquisas relacionadas ao Projeto Genoma Humano; é pioneiro e detém a melhor tecnologia para exploração de petróleo em águas profundas; é o maior produtor de café, soja, laranja; é o maior produtor de carne bovina e vai por aí afora.
O Brasil é o melhor lugar do mundo pra gente viver. Possui belas florestas, paisagens de tirar o fôlego, um litoral maravilhoso de belas praias. Os brasileiros são uma raça heterogênea de gente sem igual no mundo. Gente bonita.
A Europa é Europa graças ao ouro e a prata da América Latina (foi o ouro brasileiro levado por Portugal que fez a revolução industrial inglesa). As veias abertas da América Latina, segundo o escritor Galeano, continuam abertas.
Mas, aqui temos liberdade, podemos fazer de tudo - e as pessoas acabam fazendo de tudo mesmo, abusando até, e é por isso que estamos vivendo dias incertos.
Não entendo por que protestar agora contra a Copa do Mundo, que será realizada proximamente, quando todos se omitiram (e quantos aplaudiram?) a notícia de que o evento seria realizado no Brasil.
Por mim, que não sou torcedor de futebol, nada disso estaria acontecendo. Mas nem por isso vou sair protestando contra a Copa. Se der errado, o malfeito já estava feito desde o início e não houve protestos.
Não vou torcer contra a seleção brasileira, mas se o Brasil perder a Copa será melhor do que ganhar porque os políticos, os mesmos que infelicitam o País hoje irão se apossar do título.
Vejo em possíveis manifestações contra a Copa como pretexto para objetivos outros os mais escusos.
Independentemente dos homens e das mulheres e dos partidos políticos, o Brasil segue rumo a sua vocação de potência. Não das armas, mas do saber.
Dono de todas as condições na superfície e no interior do solo para se tornar autossuficiente, enquanto Europa, América do Norte e outras regiões do mundo quase tudo foi destruído e as civilizações vivem em crise de identidade.
Quando tivermos a sorte de eleger governantes que se ocupem com a educação, tudo poderá mudar, em dois tempos.
A educação não mudará o Brasil, mas melhorará as pessoas e as pessoas mudarão o Brasil.
Talvez nem cheguemos a pegar esse Brasil sonhado, de gente politizada. Abaixo de Deus, tudo depende da política.
Mas o importante é plantar o jequitibá, árvore que se torna adulta após 50 anos. Importa plantar.
E que bom que, em se plantando o jequitibá, muitos outros homens, mulheres, jovens e crianças usufruirão da sua sombra e dos seus frutos.


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Por Alberto Sena - 19/5/2014 10:13:30
Ilusões nós vivemos nos anos 60

Alberto Sena

Quem viveu os anos 60, em Montes Claros vai se recordar, houve um tempo em que o ponto principal da cidade era a lanchonete “A Cubana”, na esquina das ruas Dr. Santos e Dom Pedro II. Era chique ir lá pra beber cuba libre, mistura de Coca Cola com rum, gelo e uma rodela de limão.
Naquela ocasião, os carros desciam a rua Dr. Santos. Em frente “A Cubana” ficava a casa do futuro artista plástico Ray Colares e a família dele, vindos de Grão Mogol. A casa de Ray ficava ao lado do cine Fátima, o melhor de Montes Claros.
E foi nesse período de nossas vidas que assistimos ao maravilhoso “2001, Uma Odisseia no Espaço” fita norte-americana dirigida e produzida por Stanley Kubrick; co-escrita por Kubrick e Arthur C. Clarke.
Recordo-me como se fosse hoje, 2001 era um ano tão longínquo. Fazíamos as contas de quantos anos teríamos quando chegassem 2001 e pensávamos que “a vida seria uma loucura”.
Trocávamos ideias com os companheiros daquela época, Cícero Stru, Cícero Cuecão, Ronaldo (Roxxin) e Roberto Lima, Daniel Ribeiro, Fernando Veloso, entre outros sobre a possibilidade de o meio de transporte vir a ser feito em naves, como em naves, dizem, se viajava em Atlântida, o continente perdido.
O Brasil vivia anos de ditadura militar e não convinha falar determinadas coisas, principalmente contra o governo porque a impressão era a de que as paredes e os meios-fios tinham ouvidos. Sentávamos em meios-fios naquela época, pra prosear até altas horas.
Foi uma época em que a juventude de então buscava conhecimentos em livros. Televisão era apenas uma notícia vinda de fora e prometida para breve. O rádio mantinha a acessibilidade em matéria de veículo de informação e os jornais impressos eram vistos e lidos como meios importantes, principalmente o Jornal do Brasil.
As notícias publicadas geravam consequências, naquela época, diferentemente de hoje, quando os fatos se atropelam e os bandidos envolvidos viram celebridades.
O cine Fátima exibia os melhores filmes, inclusive os épicos, como Bem-Hur, e os melhores faroestes com Kirk Douglas, Burt Lancaster, Marlon Brando.
Foi lá que assistimos ao belo filme estadunidense “Amor Sublime Amor”, com Richard Beymer, Natalie Wood, sobre as brigas de gangs em Nova Iorque, tratando da questão da juventude transviada incentivada pelo ator James Dean, morto num acidente de carro em 1955.
Havia sessões de cinema aos domingos em vários horários: às 10h, 14h, 16, 19h e 21h. E como a diversão era essa, e também pretexto para namorar no escurinho, podia-se assistir a um filme e logo depois outro.
Sabíamos os nomes de todos os componentes dos elencos de filmes e acreditávamos na possibilidade de os carros ganharem asas e, enfim, saírem do chão.
Foi depois que o Brasil se sagrou tricampeão mundial de futebol que o vazio se apossou de Montes Claros. E só aumentava à medida que víamos os amigos saírem da cidade a fim de estudar ou trabalhar na capital.
Veio a década de 70 e com ela a continuidade da ditadura militar. Tinha-se a sensação de que mais dia menos dia o País retomaria o estado de direito e a democracia venceria.
As décadas se foram passando numa velocidade de fórmula 1 e logo 80 ficou pra trás e 90 passou. Enfim, o tão esperado ano 2000 chegou e com ele, 2001. E a evolução vaticinada lá atrás, na porta de “A Cubana”, lanchonete extinta, não se confirmou.
Os carros foram transformados em ameaças à humanidade. Continuam engolindo asfalto. Não ganharam asas. A não ser recentemente, quando a mídia publicou um protótipo com asas que tanto pode rodar no asfalto como viajar pelo alto, que nem avião.
Um perigo sem tamanho. Se aqui embaixo já é complicado, já imaginaram os carros voando? Saia de baixo. De repente pode vir acontecer uma chuva de parafusos, porcas e engrenagens.
As trombadas frequentes inviabilizariam essa nova modalidade, mais de cem anos depois da fabricação do primeiro automóvel no mundo.
A realidade dos anos se mostrou cruel, principalmente com Montes Claros. A cidade desembestou e se transformou numa metrópole, com todos os problemas inerentes ao crescimento.
No ranking da violência no Estado, Montes Claros está entre os primeiros lugares. Os crimes acontecem de dia e de noite. O medo toma conta dos montesclarinos e as autoridades pagas com dinheiro público para oferecer segurança à população se mostram ineficientes, reféns também.


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Por Alberto Sena - 12/5/2014 09:47:33
Uma “viúva de Sarepta” em Grão Mogol

Alberto Sena

Grão Mogol, cidade localizada no mapa de Minas Gerais na divisa do Norte com o Vale do Jequitinhonha, completará 156 anos de emancipação nesta quarta-feira, 14, cheia de histórias. Histórias que remontam a segunda metade do século 18, ainda no período colonial, até o atual início do processo de tombamento do seu Centro Histórico por parte do IEPHA.
Um dos personagens mais famosos da região, onde o diamante brilhou e ofuscou as vistas de gente vinda de várias partes do mundo, foi o coronel da Guarda Nacional, o único Barão de Grão Mogol. Por aqui ainda existem muitos sinais da existência dele, sepultado em Rio Claro (SP), para onde se mudou a fim de plantar café e morreu dez anos depois.
Mas nem só de histórias de grandes personagens vive Grão Mogol, com população de cerca de seis mil habitantes no perímetro urbano, gente simples, acolhedora.
Corre, aqui, no boca a boca dos grãomogolenses a história de uma personagem simples, uma mulher analfabeta chamada Lucinda Alves Dias, de 70 anos na carteira de identidade, mas de fato 63 anos (ela foi registrada sete anos depois de nascida), com a qual conversamos hoje durante uma hora, sentados, um diante do outro.
A história dela remete quem conhece à passagem bíblia da “viúva de Sarepta” (Reis 17-7 a 16). A viúva recebera a visita de Elias, homem de Deus, que lhe pediu água para beber e um pedaço de pão. A mulher dispunha só de um punhado de farinha e um pouco de óleo na ânfora. Era comer, disse, “e depois morrermos”, ela e o filho.
Só que ela não sabia e ficou sabendo da boca de Elias o que Deus lhe havia dito em relação à viúva: “A farinha que está na panela não se acabará, até o dia em que o Senhor fizer chover sobre a face da terra” (Reis 17-14).
No caso de dona Lucinda, ela estava passando necessidades, na miséria mesmo, com os nove filhos e o marido garimpeiro que gastava o pouco dinheiro conseguido com cachaça. E ainda maltratava a mulher sempre ao chegar a casa embriagado.
As crianças esfomeadas, uma delas paraplégica em cima da cama, dona Lucinda conta que pediu ao marido para comprar dois quilos de arroz e dois de farinha para calar o estômago dos filhos. E o marido respondeu-lhe: “Por que você não compra às suas custas”, teria dito ele.
A mulher entrou em desespero enquanto o marido saía para mais uma incursão ao boteco. Ela diz ter se ajoelhado no chão, debaixo de um pé de limão, e dirigiu as seguintes palavras a Deus: “Senhor se considerar que sou realmente sua filha, conserta a minha vida; se não me considerar sua filha, Senhor me tire desta vida”.
Ato contínuo, contou ela, apanhou uma enxada e a carumbé, uma espécie de gamela de madeira usada no garimpo e saiu de casa aos prantos rumo ao rio. Chegando lá, ajoelhou-se à margem e cravou a enxada no cascalho. Espichou o vestido para cobrir as pernas e se proteger contra os mosquitos, e na primeira vez que puxou para si o cascalho, uma pedra brilhante saltou-lhe em cima da roupa.
Dona Lucinda reconheceu logo: um diamante. Foi preciso esvaziar uma caixinha de fósforo para a pedra caber dentro dela. À época, cerca de 30 anos atrás, a notícia correu rapidamente na cidade. O então prefeito Afrânio Augusto Figueiredo, pai do atual prefeito, Jéferson Figueiredo, viu a pedra na mão dela e recomendou-lhe cuidado porque “alguém podia me passar a perna”.
Resultado: ela conseguiu vender o diamante para um comprador de Patos de Minas “por um bilhão e meio, naquela época de inflação alta”, disse a mulher e com o dinheiro do diamante saiu da miséria e até hoje vive dos resultados obtidos com a descoberta e venda da pedra.
Do dia em que encontrou o diamante em diante a vida de dona Lucinda mudou da água para o vinho. Ela, crente em Deus, não tem a menor dúvida de que foi ouvida por Ele naquele dia e em todos os dias da sua vida cheia de gratidão.
Quando vivia na miséria, inclusive naquele dia em que pediu ao marido para comprar dois quilos de arroz e dois de farinha, ninguém no comércio de Grão Mogol quis vender-lhe nada porque não tinha dinheiro. “Um dos comerciantes que se recusaram veio depois oferecer mercadoria e me pedindo para comprar na mão dele pra ajudar ele e eu ajudei”.
Como a viúva de Sarepta dona Lucinda nunca mais passou necessidade. O marido morreu quatro anos depois de encontrado o diamante. Ela casou-se com um homem que cuida dela e é carinhoso, ao contrário do falecido marido, com quem se casou aos 12 anos de idade e teve nove filhos, sendo dois partos de gêmeos.
Hoje, ela vive em casa própria. Possui alguns lotes próximos das margens do Rio Itacambiruçu onde construiu uma casa modesta, mas confortável, para passar os fins de semanas. Diz-se feliz e grata a Deus por tudo, desde o nascer do dia ao fechar dos olhos para dormir à noite.
Há anos, ela ganhou uma Bíblia e a carrega para onde vai, mesmo não sabendo ler. O importante é que dona Lucinda tem plena consciência de que “estou com a palavra e levo a palavra de Deus”. Bem não sabe ela que a sua história é uma versão moderna da “viúva de Sarepta”.
O caso de dona Lucinda é exemplo de como a perseverança e a paciência na fé em Deus levam o ser vivente aos melhores resultados. Mais do que ele merece.


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Por Alberto Sena - 10/5/2014 16:03:46
Catando agulhas e alfinetes

Alberto Sena

Minha mãe morreu no Dia das Mães. Já contei isso outras vezes. Foi no dia 12 de maio de 1985. Não vou entrar no mérito do que a levou do meio de nós porque não vem ao caso. Dia das Mães é dia de alegria. Tristeza fora. Entendo que cada um tem o seu pretexto para deixar este plano de vida. Deve ser como atravessar o umbral duma porta.
Houve um tempo em que minha mãe exercitou o ofício de costureira. Era nas horas vagas, claro, porque com uma penca de filhos, ela dava conta de tudo e ainda costurava. Chegou a ensinar corte e costura quando a família morava na Rua São Francisco, quase esquina de Rua Corrêa Machado, em Montes Claros.
Corria o ano de 1957. A casa era recuada do alinhamento da rua, rua de terra. Na época do estio, poeira. No período das águas, lama. Os adultos reclamavam da poeira e da lama, mas a meninada não tinha do que lamentar, principalmente das chuvas. Era quando podíamos jogar finca.
Recordo-me como se tudo estivesse acontecendo agora. Moças e mulheres da vizinhança, gente conhecida de mãe tomava aulas de corte e costura lá em casa, geralmente depois do almoço, quando o sol parecia querer rachar o telhado colonial de tão quente.
As aulas eram dadas na sala de jantar. Era pequena a sala, como pude constatar mais de 50 anos depois, em recente incursão à casa antiga. Havia na sala uma mesa de madeira autêntica. Não era só a casquinha, como se fazem as mesas atualmente. Tinha dois bancos dos lados. Neles cabiam quase todos os filhos na hora do almoço e do jantar.
Quando chegava a hora da aula de corte e costura, mamãe retirava os bancos e punha em cima da mesa papel, moldes, fita métrica, tesoura grande de ferro – eu herdei a tesoura, está comigo até hoje – e um esquadro de madeira. As alunas ficavam dos lados e enquanto mãe ensinava como riscar moldes de papel, cortar, cerzir e depois costurar o menino ficava, como se diz hoje, “sapinhando”.
Como naquele tempo as crianças usavam jogar bolinha de gude, o menino ali ficava rolando no chão, piso de lajotas ouvindo as conversas e ao mesmo tempo aguardando o momento propício.
Inevitavelmente, no manuseio de papeis para moldes, corta aqui corta acolá, sempre caíam da mesa agulhas e alfinetes. E em dado momento, mãe me pedia para catar o que caía. Na impossibilidade de catar agulhas e alfinetes em pé, evidentemente eu tinha que ajoelhar no chão e me enfiar debaixo da mesa.
Essa era a parte excitante, enfiar-me debaixo da mesa. Naquela época, uma ou outra mulher usava calça comprida. O comum era usar saias ou vestidos. O tempo da minissaia ainda não havia chegado. Os vestidos e as saias geralmente iam abaixo dos joelhos.
Antes de chegar ao xis da questão, necessário se faz informar que era difícil a tarefa de catar agulhas e alfinetes no chão porque os danadinhos caíam entre as frestas das lajotas, o que tornava mais demorada a tarefa e tinha de ficar um bom tempo debaixo da mesa. Às vezes era necessário usar de um palito de fósforo para retirar agulhas e alfinetes das reentrâncias do piso.
A catação passou a ficar mais demorada ainda depois da descoberta da possibilidade de ver estrelas mesmo estando debaixo da mesa. Bastava olhar de soslaio elevando o mínimo o pescoço para não levantar suspeitas e apreciar estrelas multicoloridas.
Para um menino de seis sete anos, hão de convir, não era uma tarefa fácil catar miudezas debaixo da mesa. E ficaria ainda mais difícil ainda – como acabou ficando – se alguém descobrisse o porquê de tamanho interesse e empenho de um menino em catar um por um todos os alfinetes e agulhas do chão.
Naquela época não havia televisão. O rádio predominava em todas as casas. Lá em casa, por exemplo, havia um rádio grande, madeira escura por fora. Foi nele que ouvimos a seleção brasileira ser campeã do mundo em 1958, quando surgiram de fato os verdadeiros craques do futebol arte.
Chegou uma tarde em que o menino estava embevecido debaixo da mesa catando alfinetes e agulhas, vendo as estrelas coloridas, quando uma voz firme, de quem tinha realmente autoridade, disse peremptoriamente: “Saia debaixo da mesa”.
Era a linda voz da minha mãe. Ainda agora escuto a voz dela. E a vejo diante do fogão a lenha, em plena tarefa de fazimento do almoço, cantando: “Índia seus cabelos nos ombros caídos...”


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Por Alberto Sena - 5/5/2014 08:11:51
Saudade de Wander Piroli

Alberto Sena

Foi o amigo jornalista Ricardo Eugênio enviar mensagem de amizade no âmbito do Facebook para disparar uma avalanche de recordações da nossa vivência na década de 70, em Belo Horizonte. De cara bateu saudade enorme do editor de Polícia do jornal Estado de Minas, o jornalista e escritor Wander Piroli (1931-2006).
Nem sei mais quanto tempo não tinha notícia de Ricardo. A vida parece ser feita de caixinhas sobrepostas. Sempre que se bate com o condão, ao pronunciar a palavra mágica, abre-se a caixinha correspondente e então as recordações vêm. Foi o caso da mensagem do ex-colega de redação, numa época em que nós brasileiros vivíamos sob a ditadura militar. Hoje é uma democradura.
Ricardo trabalhava na Pesquisa do jornal comandada por Carlos Felipe. Naquela época, ele gostava (não sei dizer se ainda mantém o gosto) de pescaria, de cachaça e de curtir a beleza e a grandeza da Mãe Natureza; apreciava o Cerrado, porque nascido em Curvelo, lia e relia João Guimarães Rosa, e até levou o epíteto de Diadorim, dado por Paulo Narciso.
Com essas qualidades, Ricardo tinha muita amizade a Wander Piroli e a todos nós. E foi justamente por isso, a partir da mensagem por ele enviada, que me bateu saudade de Piroli. Ele era uma espécie de pai/mestre para os da sua equipe e em geral para toda a redação, naquela época em que as máquinas de datilografia ditavam o ritmo.
Wander era um camarada de um humanismo fora do comum. Bonachão, intelectual formado na Lagoinha, lá onde hoje estão os viadutos. Entre umas e outras doses de cachaça, quando moço, via navalhas cortarem os ares da boemia, num tempo em que Belo Horizonte mantinha boa qualidade de vida, e era bom gostar da cidade.
Os primeiros “menores abandonados” incursionavam nas ruas da capital e se o problema tivesse sido atacado com a devida seriedade, não estaríamos vivendo dias tão difíceis e violentos.
Wander, carismático, àquela época já havia lançado o seu primeiro livro, “A Mãe e o Filho da Mãe”, que era ele mesmo, de quando mergulhava nas noites da Lagoinha e a mãe dele ficava até tarde acordada esperando o filho chegar, comportamento natural de todas as mães e em todos os tempos.
Debaixo da mesa de Wander quase sempre havia uma garrafa de cachaça. Da garrafa de cachaça, com o tempo, ele passou a deixar debaixo da mesa um garrafão. “Quanto mais bebo melhor fico”, dizia Wander, mas evidentemente, ele sabia muito bem dos limites e mantinha a sobriedade.
Volta e meia os companheiros da redação faziam incursões à mesa de Wander. Havia até um copinho de café pronto pra quem quisesse se servir. Esse foi um período em que os jornalistas ganharam a fama de beberrões, o que não se confirma nos dias atuais.
Quando não estava atacado pela enxaqueca, que o obrigava a se refugiar em lugar escuro, porque, dizia, a dor era massacrante, ele pegava a tralha, reunia os amigos, Ricardo, Lincoln Gonçalves e outros e buscava os rios para pescar. Foi numa dessas investidas, em companhia do filho dele, Bumba, que Wander escreveu o livro “Os Rios Morrem de Sede”.
Ricardo deve se recordar muito bem disso. Um dia Wander resolveu levar o filho a uma pescaria. Pôs o menino no carro e foi pelas estradas afora buscando um rio a fim de tentar molhar as iscas. Resultado: não encontrou nenhum rio que pudesse ter água limpa pra pescar um peixe. Todos os rios ou estavam secos ou estavam poluídos.
Um dos feitos da Editoria de Polícia do Estado de Minas, sob a direção de Wander – e Ricardo vai se recordar disso – foi a condução do Caso Jorge Defensor, um operário que a polícia da época – governo do general Ernesto Geisel e Aureliano Chaves governador de Minas – torturou a tal ponto que da cintura para baixo ele não valia mais nada.
Durante mais de seis meses, todos os dias, Wander editou uma notícia a respeito do Caso Jorge Defensor, o que valeu a Tito Guimarães e a mim (Francisco Sterling e Geraldo Elísio, da editoria de Política entraram depois na cobertura, quando o caso estourou na Assembleia Legislativa de Minas Gerais) e Sidney Lopes, como fotógrafo, o Prêmio Esso de Reportagem de 1977. Pela primeira vez na história do prêmio, a Esso premiava a notícia.
Pode-se dizer, aquela foi uma época gloriosa, Diadorim? Foi gloriosa como gloriosas são todas as épocas de cada uma das gerações de viventes. A diferença era a ditadura militar que ruía e o Caso Jorge Defensor ajudou nesse processo com uma gota do seu sangue.


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Por Alberto Sena - 28/4/2014 08:14:23
Ressurreição de Ray Colares
aos 70 anos, em Grão Mogol

Alberto Sena

Foi uma noite memorável a de 25 de abril de 2014, na Casa da Cultura de Grão Mogol, onde se comemorou o aniversário do artista plástico grãomogolense, Raymundo Colares, que faria 70 anos se estivesse no meio de nós.
E em verdade, ao som de canções de seresta como “Amo-te muito”, interpretadas pelo Grupo Luar do Sertão, de Grão Mogol, ele esteve vivo no meio de nós nessa noite memorável, quando a artista Felicidade Patrocínio, do Ateliê/Galeria de Arte Felicidade Patrocínio, de Montes Claros, se lançou escritora com o livro “Raimundo Colares e o fogo alterante da criação”.
Ray Colares, como era chamado em Grão Mogol e em Montes Claros, para onde se mudou aos seis anos de idade com a família e iniciou a trajetória de sucesso como um cometa atravessa o Cosmo, era incompreendido como pessoa, e, talvez por isso, o fim dele foi trágico.
É possível que surjam vários artistas plásticos em Grão Mogol, depois da lembrança reavivada da memória de Ray, que parecia estar além do seu próprio tempo. Em meio aos presentes se encontravam alunos da Escola Estadual Professor Bicalho, que participaram de trabalho escolar sobre Ray, em exposição no salão da Casa da Cultura.
Os jovens fizeram uma releitura da obra de Ray, sob a coordenação do secretário de Cultura da Prefeitura de Grão Mogol, Rogério Figueiredo, e puderam, enfim, conhecer um dos filhos da terra que de fato se projetou no mundo como “um ícone da arte de sua geração, e um dos mais expressivos artistas da geração 60/70”, como bem definiu Felicidade Patrocínio, em palestra antes do lançamento do livro, para encanto da plateia atenta.
Ray fez arte que marcou forte e definitivamente o cenário das artes plásticas brasileiras. Praticava pintura geométrica “representando lances rápidos de ônibus em movimento”, enfatizou Felicidade, o que no entender dela “denunciava a velocidade como nova condição do mundo moderno”.
“O que causou deslumbramento no homem, transformando para sempre a sua percepção e o seu modo de viver”, segundo Felicidade, se pode verificar na arte de Ray, que se descortina numa “trama geométrica do movimento das metrópoles, o dinamismo do progresso”.
Ainda pequeno, em Montes Claros, Ray trabalhou na papelaria de Nice David. Ele estudou no Colégio Imaculada Conceição, no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, no Seminário Diocesano e na Escola Normal. Pretendia cursar Engenharia, mas foi selecionado para uma bolsa de estudos em Salvador. Lá, ele pintou uma série de quadros denominada “Alagados”.
Salvador foi fundamental para Ray porque ele encontrou-se com o pintor moderno, Mondrian, holandês. Foi amor à primeira vista e ele se apaixonou “por aquele geometrismo puro, matemático, espiritual”.
Ray desistiu da faculdade e rumou para o Rio de Janeiro numa época em que o Brasil vivia atolado na ditadura militar, enquanto as artes “encontravam-se em ebulição, devido às transformações em todo o mundo”, frisou Felicidade. Ray foi então atraído pela pulsação do coração de nomes como Hélio Oiticica, Cildo Meireles, Antonio Dias, Antonio Manuel entre outros.
Ray foi então convidado para participar da exposição “Nova Objetividade Brasileira”, considerada um marco na história das artes brasileiras. Segundo a palestrante, quatro são as determinantes para se entender a arte do pintor em ascensão: “A vontade construtiva, a chegada ao objeto, a participação do espectador e a rebeldia”.
Daí em diante, em curto espaço de tempo, Ray foi selecionado para os melhores prêmios de arte do Brasil. Temperamento irrequieto, “ele inovou a arte que já era inédita, produzindo obras que buscam o tridimensional, com o uso de chapas de alumínio nas quais fez dobras e arrematou com esmaltes industriais”.
Ray ganhou o mundo. Estados Unidos, Europa, tendo vivido em Milão, na Itália, por 18 meses e depois foi para Trento, cidade que o fez lembrar Grão Mogol, porque montanhosa. Retornou ao Brasil e a Montes Claros onde se tornou professor de Arte no Conservatório Lorenzo Fernandez onde demonstrou a capacidade de encantar os alunos.
Ray viveu intensamente e em alta velocidade a vida, em intimidade com drogas e homossexualismo. Escreveu poemas como “O Bolero de Brooklin”, inserido por Felicidade no livro: “Caminhei por todas as ruas do mundo/ Mão nas mãos/ De mão, das mãos, da mão/ Mão na mão (...)”.
A arte de Ray, que em vida o fez grande pintor, a cada dia mais é reconhecida e celebrada, segundo destacou Felicidade, ao encerrar a sua rica dissertação sobre um dos mais importantes personagens nascidos em Grão Mogol.
Faz-se necessário realçar a profundidade do mergulho da autora na alma do artista, ao ponto de perpetuar o nome dele em livro para as gerações de todos os tempos, sob o patrocínio da Prefeitura de Grão Mogol.


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Por Alberto Sena - 21/4/2014 11:43:42
O homem da estátua

Alberto Sena

A alienação em relação aos acontecimentos cotidianos – e principalmente os acontecimentos históricos de passado remoto ou mesmo recente – é tão evidente, salta aos olhos. Isso se dá em toda parte. Montes Claros, cidade que incha em alta velocidade, não fica de fora.
Um exemplo? Quem é aquele homem retratado numa estátua de bronze elevada em plena Praça da Estação Ferroviária? Quem souber o nome dele levante a mão. Como ninguém levantou a mão, convém explicar às gerações de hoje e as futuras: aquela estátua soberba é de Francisco Sá, e certamente, ele ali está dizendo na sua mudez a seguinte frase muitas vezes usada em discursos de políticos: “Montes Claros, coração robusto do sertão”.
Francisco Sá foi o homem que trouxe a estrada de ferro pra Montes Claros. Pra quem chegou agora, é bom saber e informar depois aos seus: houve um tempo em que a cidade tinha trem de passageiros. O trem vinha de Salvador (BA), entrava por Monte Azul e vinha pra Montes Claros e rumava puxado por máquina Maria Fumaça pra Belo Horizonte.
Houve um tempo, conterrâneos, em que o transporte ferroviário privilegiava os passageiros e quem viveu essa época sabe por experiência própria o quanto era gostoso viajar de trem. O “Trem do Sertão”, um dos seus apelidos, seguia de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, transmudado em trem Vera Cruz. Era elétrico, chique pra dedéo.
Era no mínimo romântico viajar de trem naquela época, décadas de 50/60. Uma viagem de Montes Claros a capital demandava 24h. O trem saía da estação às 5h e seguia estrada de ferro afora sacolejando e repetindo o ruído das rodas, ferro sobre ferro, a cada mudança da marcha. Mas geralmente, desenvolvia determinada velocidade e a cantilena era a mesma por horas, levando muitos a se espicharem como podiam para tirar uma soneca. Uma soneca após a outra.
O trem chegava a Belo Horizonte às 5h do dia seguinte. Para as crianças, uma viagem dessa era pura diversão. O gosto pela contemplação da beleza da Mãe Natureza deve ter surgido pra muitos a partir dessas viagens inesquecíveis, tantas vezes despertadas pelo apito da memória daqueles tempos melhores, sem os perigos atuais.
O responsável por proporcionar essas viagens foi aquele homem retratado na estátua erigida na Praça da Estação Ferroviária, oficialmente chamada Praça Francisco Sá.
Francisco Sá nasceu no ano de 1862, na fazenda do Brejo, de Santo André, município de Grão Mogol. A fazenda, hoje, é o município de Francisco Sá, nome dado para homenageá-lo. Por aqui, informam os alfarrábios, ele foi mais importante do que o Barão de Grão Mogol, o coronel Gualtér Martins Pereira, que dominou a região no período colonial explorando as lavras diamantíferas.
Se se interessam em saber, Francisco Sá era filho do coronel Francisco José de Sá e neto de Francisco José de Sá, conhecido pelo epíteto de Sá Velho.
Esse homem que é visto no pedestal, no meio da praça, chamando a atenção dos que vêm pela avenida, a partir do olhar atento, foi deputado provincial (1888 a 1889); deputado geral em 1889, deputado federal de 1897 a 1905. A partir de 1906 a 1930, ele foi senador. Morreu em 1936, no Rio de Janeiro.
Francisco Sá foi secretário de Estado da Província do Ceará; secretário de Agricultura de Minas Gerais; diretor do Serviço de Terras e Colonização no governo Afonso Pena; ministro da Viação e Obras Públicas em dois governos, Nilo Peçanha e Artur Bernardes. Em sua gestão se construíram mais de dois mil quilômetros de ferrovias no Brasil, inclusive a ligação ferroviária entre Minas Gerais e a Bahia.
Quem viveu os tempos das viagens de trem, como o amigo Flávio Pinto e a prima Geralda Magela Sena, saberão dizer e escrever melhor a respeito de tema tão atraente. O que fizeram com a ferrovia brasileira foi no mínimo uma estupidez e descaso com as verbas públicas, que por serem públicas, são para uso em infraestrutura e para a construção de cidadãos e cidades para o bem-estar e felicidade geral, não de “cada uns”.
O mais racional seria investir em ferrovia e rodovia concomitantemente. Juscelino Kubistchek, responsável por trazer para o Brasil a indústria automobilística, não teve a visão demonstrada por Francisco Sá. A ferrovia continua como solução de transporte de massa. Utilizam-se dela os governos que querem e são previdentes. As rodovias e os carros de modo geral cada dia mais se tornam ameaça à vida no planeta.


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Por Alberto Sena - 17/4/2014 15:12:28
Criado o GAV de Grão Mogol
(Grupo Amigo e Vinho)

Alberto Sena

Segunda-feira à noite, 14 de abril, foi criado em reunião realizada no Hotel Paraíso das Águas, de Grão Mogol, o GAV – Grupo Amigo e Vinho. Com características próprias, semelhantes aos ares europeus, Grão Mogol tem clima adequado à introdução do bom hábito de tomar vinho, bebida que requer cerimônia e certo conhecimento das espécies de uvas para bem apreciá-la.
A partir da maneira correta de abrir e segurar na garrafa para servir, passando pelo modo adequado de pegar na taça – nunca como se segura um copo – mas na haste fina e longa à harmonização da bebida com a comida certa para cada tipo de vinho – tinto, branco e rose, tudo isso e muito mais o economista e sociólogo Lúcio Bemquerer demonstrou aos participantes durante pouco mais de duas horas, na reunião introdutória do GAV de Grão Mogol.
Vinho é um caminho sem volta, explicou Bemquerer aos participantes. Eles e outros, vão se reunir daqui pra frente uma vez por mês a fim de degustar vinhos e falar sobre a bebida.
Em volta de uma mesa, durante a reunião no auditório do Hotel Paraíso das Águas, veio revelação surpreendente: os primeiros sinais da existência de possíveis parreirais selvagens datam de 68 milhões de anos. Muito, mas muitos anos antes do surgimento da Humanidade.
Sem dúvida, a criação do grupo vai estimular os comerciantes de Grão Mogol a oferecerem carta de vinho diversificada. O fato de a cidade estar rodeada de serras do maciço do Espinhaço, o que lhe confere microclima peculiar, é um convite a abrir uma garrafa de vinho.
Mas vinho de qualidade, de preferência originário da França, Itália e Espanha, mas também de países da América do Sul, como Argentina, em quinto lugar no ranking mundial da produção de vinhos, e do Chile. A produção brasileira de vinho ocupa a 13ª posição no ranking.
Vinho pede companhia. E segundo dizem os entendidos, “vinho não é bebida, mas alimento”. É muito diferente de cachaça e cerveja. Ninguém toma vinho em copo tipo lagoinha e muito menos ainda em copo de plástico. Vinho não se joga pra dentro como se faz com cachaça ou como de quase um gole se toma o primeiro copo de cerveja.
Numa roda de mesa regada a vinho, normalmente os partícipes têm a oportunidade de conversar pessoalmente uns com os outros, o que nos últimos anos tem sido difícil devido à introdução de um aparelhinho chamado “smartphone” que deixa muita gente de cabeça baixa a dedilhar mensagens frias porque virtuais. Vinho sugere calor humano.


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Por Alberto Sena - 14/4/2014 08:15:42
Ele brotou das raízes do Cerrado

Alberto Sena

Teófilo.Téo.Tiofin. Tiofo. São quatro (ou mais) pessoas numa só. Téo Azevedo, nascido em Alto Belo, município de Bocaiúva, personagem grande na sua simplicidade, é um exemplo de sertanejo que lutou, lutou e lutou. Sofreu, sofreu e sofreu. Mas venceu. A influência dele já era tanta, décadas atrás, que resgatou o nome da sua terra natal, Alto Belo, inadvertidamente substituído por “Pires e Albuquerquer”.
Téo vence todo dia. Entende que cada dia basta em si mesmo. Importa é o aqui, agora. O passado passou e dele ele escuta o eco como se ouve o som do berrante ao longe. O futuro depende do que ele fizer e faz, neste instante, neste dia.
Em pinceladas rápidas, como diria Ray Colares, que se vivo fosse completaria 70 anos e embora esquecido no final da vida, agora recebe homenagens mil (Ray nasceu em Grão Mogol e foi revelado quando a família vivia em Montes Claros, na esquina das ruas Dr. Santos com Dom Pedro II), Teófilo, Tiofin, Tiofo, Téo as quatro pessoas num só Azevedo, comeu o pão que o saci assou. Mas venceu na vida como poeta, repentista, escritor, ganhador do disputado Grammy.
Ele é um exemplo de homem que não se deu por vencido pela rudeza da vida. O seu exemplo veio de berço, o pai, Teófilo tanto quanto ele era um homem de vários instrumentos. Téo se recordou como se tudo estivesse reacontecendo, o dia em que experimentou pela primeira vez a viola do pai, sem autorização dele. Apanhado em flagrante, ele tremeu nas bases, segundo disse a Michelly Oda e Fred Mendes, da revista Tempo.
Conheci Téo Azevedo em Viçosa, cidade que foi uma espécie de refúgio para os dias do ano de 1977/78, quando o operário Jorge Defensor foi torturado em Belo Horizonte e abandonado no Hospital São Francisco quase morto. Era prudente sair de cena porque a impressão era a de que mil olhos vigiavam os passos em busca de um momento certo para promover retaliação (soube depois que haviam programado pra mim “um atropelamento”).
Como homem de folclore, autodidata, repentista já famoso, tanto quanto Caxangá, que nos tempos da Rádio Guarani Onda Rural, apresentava um programa e se intitulava “O Maior repentista do Brasil”, Téo defendia e ainda hoje defende o pequizeiro como “o Esteio do Cerrado”.
Naquela época, na Universidade Federal de Viçosa, em Viçosa, o campus universitário era uma maravilha. Foi lá onde nasceu Matheus, o meu segundo filho, músico, cantor, compositor e produtor musical. Ele nem chegou a conhecer a cidade. E se eu voltei lá um dia foi uma só vez. Não sei como está hoje a cidade, mas posso dizer por oitiva, perdeu em qualidade de vida.
Outros contatos eu tive com Téo Azevedo, principalmente quando editava Meio Ambiente no jornal Estado de Minas. Na ocasião, o jornal publicava uma série de reportagens denunciando a devastação dos nossos rios, começando pelo Jequitinhonha, agredido pelo garimpo de diamantes, entre outros rios, terminando com as agressões ao Rio São Francisco.
Nós – Téo, eu e outros – sabemos que não é por falta de alertas e denúncias que os rios mineiros, principalmente estão morrendo de sede, como já dizia na década de 70 o jornalista e escritor Wander Piroli. Ele publicou um livro dirigido às crianças de cinco a 150 anos de idade, intitulado: “Os Rios Morrem de Sede”.
Com isso se quer dizer que se corremos o risco de ficarmos sem água pra beber – o São Francisco está seco na altura de Pirapora – não é por falta de alertas e denúncias, como foi dito acima. A culpa está em cada um de nós e principalmente das autoridades constituídas, que se curvam ao poder econômico e até ajudam a poluir os rios com esgoto urbano in natura.
Antes, pelo menos um mês antes de Téo ter sido surpreendido com o Grammy Latino, o Oscar da Música, eu o encontrei no Café Galo, em Montes Claros, e na ocasião, fui presenteado por ele com alguns CDs de sua autoria, entre os quais o “Salve Gonzagão, 100 anos” que lhe deu o prêmio.
Nunca vi premiação mais justa. Quando se vive em mundo onde as injustiças são vistas nas quatro direções, uma premiação desta a um justo e competente artista brotado em Minas das raízes do Cerrado (que se vai sendo devastado pela improbidade humana), é um sinal.
Nem tudo está perdido quando se cultiva Esperança, a Mãe da Fé.


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Por Alberto Sena - 10/4/2014 14:55:46
Um jegue profano e religioso

Alberto Sena

Aqui, perto de casa, em Grão Mogol, onde o sossego é uma das principais características do lugar, vive um jegue, jumentinho chamado. Dizem que ele zurra a cada hora do dia. O relógio dele seria infalível, afirmam. Até nome o animal tem. Chamam-no de “Jegue Elétrico”.
Ele vive entre o profano e o religioso. Profano, quando o jegue desfila nos dias de carnaval, o que acontece já faz três anos. Religioso, porque na procissão do Domingo de Ramos, durante a Semana Santa, ele sai à frente dos fieis montado por uma criança, enquanto o dono dele, o velho Juca, segue lhe segurando as rédeas a fim de evitar eventuais surpresas patrocinadas pelo animal.
Que o jegue, coitado, sem entender patavina do que se passa vive entre o profano e o religioso, é verdade. Mas que ele zurra impreterivelmente a cada hora do dia, é inverídico. Em realidade, o pobre do animal zurra toda vez que o velho Juca se aproxima para lhe fazer algum agrado. E esse agrado não acontece pontualmente a cada hora do dia. Pode ser duas vezes, três vezes, a cada hora e então o jegue zurra tão alto que quase toda a população de Grão Mogol escuta.
Tive a curiosidade de marcar no relógio cada vez que o jegue zurra. Tirei a prova dos nove fora e posso dizer sem medo de errar que tudo não passa de balela. Primeiro porque o relógio biológico do jegue não tem nada de pontual. Toda vez que o relógio da matriz de Santo Antônio, toda de pedras à semelhante das pedras “são Tome”, badala para anunciar o passamento de mais uma hora, o jegue permanece mudo.
Fui ontem à casa do velho Juca a fim de buscar informações fidedignas a respeito do jegue. Contou-me ele que o animal está no quintal da casa dele, cheio de pedras, mangueira e capim misturado a várias garrafas PET vazias há cerca de três anos. É um jegue novo. Dá pra perceber isso só de olhá-lo. É um animal bonito. E o fato de ele zurrar com frequência, acaba virando mote para as mais controvertidas brincadeiras e conversas preconceituosas.
Uns dizem que o jegue zurra quando está excitado e apresenta um badalo maior do que o do relógio da igreja. O que não é verdade. Acredito mais no que diz o dono dele. Juca afirma que o jegue veio do Barrocão, distrito de Grão Mogol. Veio para ocupar a vaga de outro jegue que viveu no quintal do Juca por mais de 20 anos. O animal morreu de velho. Fazia as mesmas coisas que o atual faz, vivia entre o profano e o religioso.
Para comprovar que o animal zurra devido aos seus agrados, o velho Juca retirou uma moita de capim com as próprias mãos calejadas e atirou-a na direção do jegue e ele zurrou legal. Mais que depressa comeu o capim e ficou lá em atitude expectante esperando sei lá o quê. Grão Mogol tem dessas coisas. Até um jegue vira motivo de brincadeiras nem tão maldosas assim. Nada passa despercebido.
No próximo domingo, quando mais uma vez a Igreja Católica realiza a Procissão do Domingo de Ramos, o animal será usado. E se ele empacar no meio da caminhada, quem já viu um bicho deste empacar, sabe, será um Deus nos acuda. Há quem diga as maiores ignomínias em relação ao desempacamento de jegue. Não dá nem pra citar aqui um exemplo, principalmente em ambiente onde há crianças e senhorinhas. A menos cruel de todas é empurrar o bicho, como se empurra uma forreca ano 1930, por trás, cuidando para não levar um coice.
Essa história de jegue faz lembrar a do velho Germiniano, que viveu em Montes Claros, na década de 50. Ele tinha um animal desse e quando o bicho zurrava, era a mesma coisa de ouvir o jegue chamar o dono pelo nome, badalando o badalo: “Germiniano...hum, hum, hum... Germiniano...”
Se durante o carnaval o “Jegue Elétrico” eletriza os foliões, tornando-se uma das maiores atrações, durante a Procissão de Ramos, com todo o respeito, não é diferente. No carnaval, ele é ornamentado com os apetrechos características do reinado de Momo.
Durante a procissão, a postura do jegue é respeitosa condizente com a ocasião, para lembrar aos fieis e aos infiéis o momento em que Jesus entrou em Jerusalém triunfante na sua humildade montado num exemplar da raça, enquanto os seguidores gritavam: “Osana, Osana, Osana ao Filho de Davi”.


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Por Alberto Sena - 7/4/2014 08:30:20
As raízes do Barão de Grão Mogol

Alberto Sena

O Barão de Grão Mogol, coronel Gualtér Martins Pereira tinha 64 anos quando os ex-escravos o sepultaram nas terras da propriedade dele, fazenda Santa Angélica, município de Rio Claro (SP), em 1890. Para a baixa expectativa de vida, naquela época, ele viveu bastante. Mas viveu quase a vida toda em Grão Mogol, tendo nascido em 1826, nas terras da fazenda Santo Antônio, cujo nome foi mudado para Cafezal.
O título de barão, ele o recebeu de Dom Pedro II, aos 53 anos de idade, meio a contragosto, porque era republicano. E teria deixado Grão Mogol, depois de vendida a fazenda Cafezal, em 1880. Considerando que ele morreu em 1890 viveu só dez anos em Rio Claro, onde cultivou café.
VULTO HISTÓRICO
O barão era neto de Antônio Martins Pereira e de dona Francisca Martins Pereira e filho legítimo de Caetano Martins Pereira e de dona Josepha Carolina Dias Bicalho. Casou-se com dona Emília Martins Pereira, tendo o casal os filhos Sérgio, Matilde e Orlinda.
O barão foi um dos vultos mais importantes do sertão mineiro e chefe do partido Liberal, em Grão Mogol. Foi presidente da Câmara Municipal, em 1861, e, seguidamente, vereador (ele foi também presidente da Câmara Municipal de Rio Claro).
BATALHÃO
O coronel Gualtér organizou o 7º batalhão de Voluntários da Pátria, em 1865, para lutar na Guerra do Paraguai, no qual incluiu quatro de seus irmãos, vários parentes e escravos da fazenda Cafezal. Os escravos receberam a promessa de liberdade após o conflito. Ele não acompanhou o batalhão até a área de guerra. Conduziu-o ao Rio de Janeiro, fardado e armado à sua própria custa, o que lhe valeu os brasões de Barão de Grão Mogol.
O fato de o barão ter vivido mais de meio século em Grão Mogol justifica plenamente o traslado dos restos mortais dele para a terra natal. O túmulo dele estaria abandonado em meio a um canavial, em Rio Claro.
Em realidade, o barão ainda não recebeu de Grão Mogol, de Minas e do Brasil o reconhecimento dos serviços prestados numa época de transição do regime monárquico para o republicano. E também pelas ideias abolicionistas. Muito antes da Lei Áurea, o barão já libertava escravos. Três meses antes de princesa a Isabel assinar a Lei, ele libertou todos os seus escravos.
PEDRAS FALAM
A não ser a Serra do Itacambiruçú com o seu nome e a trilha de 15 quilômetros nada mais há que lembre o nome do barão em Grão Mogol. Entretanto, até as pedras falam dele na cidade e clamam pelo nome dele.
Gualtér tinha como irmãos João Batista Martins Pereira, Emígdio Martins Pereira, Pedro Martins Pereira, Maria Vicência de Oliveira Martins e Ramiro Martins Pereira.
Segundo registra Manuel Esteves, no livro de capa vermelha intitulado Grão Mogol, no Arquivo Nobiliário Brasileiro, organizado pelos barões Vasconcelos e Smith de Vasconcelos, editado em Lausanne, em 1918, “repositório do brasonário nacional, nele não encontramos o brasão de armas dos Martins, de Grão Mogol”.
Esse registro de Esteves gera especulações, como por exemplo: será que o fato de ele ter recusado o título dado por Dom Pedro II, no primeiro momento, tendo sido quase que obrigado a aceitá-lo teria desgostado o rei ao ponto de ele próprio não ter levado a honraria a sério? Será que o título foi só de boca?
Na hipótese do coronel Gualtér não ter sido barão de direito, o foi de fato, tanto é que o título se incorporou ao nome. Ele foi considerado “um homem bom”, ao contrário do que circula em certas publicações encontradas na internet. Rico, com prestígio na corte de Dom Pedro II, ele abriu o mercado brasileiro para trabalhadores das Ilhas Canárias, quando vivia em São Paulo.
PARENTES
Pessoalmente, não conheço nem tenho notícia da existência de sequer um parente direto do barão, que segundo a lenda teve 78 filhos, sendo a maioria deles com escravas. Conta o professor Geraldo Fróis que ele dividiu a fortuna em partes iguais para ele, a mulher e os filhos. A parte do barão, ele próprio teria dividido com os escravos. E mais: em vida, teria reconhecido 15 filhos com escravas.
Mas estou desconfiado de que conheço pelo menos um descendente do barão, considerando o sobrenome Martins. Ele é conhecido de muita gente pelo texto impecável, crônicas e artigos publicados em jornais como “Estado de Minas” e “Hoje em Dia”. E pelos livros escritos. Sebastião Martins é o nome dele, cujas raízes estão fincadas em Grão Mogol. Tem tudo pra ser parente do barão.


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Por Alberto Sena - 2/4/2014 09:55:33

Restos mortais do Barão
poderão ser trasladado
para Grão Mogol?

Alberto Sena

Os restos mortais do Barão de Grão Mogol, coronel Gualtér Martins Pereira poderão ser trasladados de Rio Claro (SP) para a sua terra natal? Esse personagem importante da história brasileira nasceu em 1826, na fazenda Santo Antônio, Grão Mogol, e até hoje o nome dele exerce fascínio nos grãomogolenses.
É possível o translado dos restos mortais do barão? Há quem defenda isso em Grão Mogol, mas pede anonimato, sabendo que é necessário haver o interesse da sociedade e tomada de atitude por parte da Prefeitura Municipal. O barão morreu em 15 de julho de 1890, em Rio Claro e o corpo foi sepultado nas terras dele, na fazenda Angélica.
Atribuem aos ex-escravos a feitura do túmulo, em homenagem póstuma ao barão. A sepultura foi encontrada recentemente num canavial, nas antigas terras dele. Levando-se em conta que o barão era grãomogolense, trasladar os restos mortais dele para Grão Mogol é possível e quem conseguir isso marcará um tento importante. A iniciativa ganhará a mídia nacional.
CUIDADOS
Em Grão Mogol, o barão seria reverenciado e os restos mortais dele bem cuidados, acreditam os que defendem o traslado. Afinal de contas, ele nasceu e viveu em Grão Mogol meio século. Há, aqui, a trilha que leva o nome dele, de 15 quilômetros. Em toda a cidade há sinais do barão, título dado a ele por Dom Pedro II ainda vivendo nesta terra onde cantam sabiás e vários outros tipos de pássaros; dotada de serras em derredor para encanto de quem tem olhos de contemplar.
O nome do barão de Grão Mogol tem poder. E se for levado em conta o quanto ele usufruiu da região durante tanto tempo, agora, mais de 120 anos depois, Gualtér Martins Pereira poderá influir, em favor de Grão Mogol, perante as autoridades brasileiras, para que conheçam e valorizem as belezas e a história impregnadas nas pedras. Pedras que falam e formam figuras humana e animal as mais estranhas.
ATRAÇÃO
A Trilha do Barão de Grão Mogol é uma sensacional atração numa região dotada de diversos atrativos, como o maior presépio perene e a céu aberto do mundo, Mãos de Deus chamado. Se bem divulgada, e se na trilha for realizada obra de infraestrutura de apoio, uma delas ali pela altura da gruta do Quebra Coco (7,5 km), para receber os turistas afeitos às caminhadas, a trilha tudo tem para vir a ser percorrida por brasileiros e estrangeiros aficionados, ganhando ainda mais fama nacional e internacional.
Os grãomogolenses precisam valorizar o que têm ao redor da cidade. O potencial turístico é enorme. À medida que as pessoas forem descobrindo os atrativos desta terra construída sob o poder do diamante, as perspectivas de Grão Mogol se abrirão como um leque.
POTENCIAL
O potencial turístico poderá gerar mais empregos e movimentar ainda mais o comércio da cidade, que dispõe de acomodações de boa qualidade, como o Hotel Paraíso das Águas e pousadas.
Nas grandes cidades a cada dia mais as pessoas estão enfaradas da vida agitada, de ruas entupidas de gente e de carros, além dos problemas socioeconômicos e de segurança pública.
Grão Mogol possui a síntese de tudo de bom para quem quer viver com qualidade: ar puro, não tem chaminés de fábrica nem trânsito intenso de carros ao ponto de infestar as ruas e as casas de monóxido de carbono.
COSTUMES
Em Grão Mogol não há semáforo. Por onde as pessoas andam a pé (ou de carro), dentro ou fora da cidade as paisagens são lindas. Há segurança pública. Quase todos os habitantes se conhecem. O costume antigo de portas e janelas abertas ainda é mantido. Quase todas as casas têm quintal. E cada quintal tem pomar com manga, pinha, fruta do conde, graviola, fruta-pão, carambola, pêssego, entre várias outras.
Nesse conjunto de atrações, a Trilha do Barão de Grão Mogol tem um apelo forte que não está sendo explorado o suficiente. O nome de Gualtér Martins Pereira possui potencial histórico, político, (era republicano) e folclórico, que colaram nele como grude. Resta usar a fama dele em benefício da terra onde ele nasceu
E tudo parece concorrer para o translado do barão, porque o túmulo dele, no município de Rio Claro (SP), estaria abandonado em meio a um canavial.
HISTÓRIA
Quem percorre a Trilha do Barão, de 30 quilômetros, ida e volta, faz um percurso histórico de mais de 300 anos, numa época em que Grão Mogol recebia gente de quase todas as partes do mundo devido ao interesse pelo diamante. Pela trilha homens e animais sem conta transitaram antes, durante e depois do barão, cujo nome ficou na história.
Além da singular paisagem, a trilha em si, cheia de obstáculos porque feita de pedras, é um atrativo para quem já fez caminhos famosos, como o de Santiago de Compostela, na Espanha; Caminho de São Francisco de Assis, na Itália e Caminho da Fé (MG/SP).
Claro, não se pode comparar a Trilha do Barão com nenhum dos caminhos citados porque é de curto percurso. Mas pode ser projetado como dos mais acessíveis para os aficionados por caminhadas. Eles não iriam precisar ir longe buscar um percurso de lindas paisagens que levam o caminhante a se sentir realmente vivo e agradecido a Deus pela vida.
Por outra, a Trilha do Barão de Grão Mogol poderia ser divulgada como um lugar para preparação das pessoas que estiverem com a intenção de fazer algum dos caminhos mais famosos, como os já citados, incluindo a Estrada Real, de 1.200 km, de Diamantina até Parati, no Rio de Janeiro.


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Por Alberto Sena - 28/3/2014 08:46:09

Memória do Barão de Grão Mogol pede resgate

Alberto Sena

O memorialista Geraldo Ramos Fróis se encontrava em Grão Mogol sentado à mesinha do escritório do viveiro de mudas de plantas diversas, alegria maior dele, instalado na Rua Hilário Marinho, em frente ao Presépio Mãos de Deus, quando foi instado a contar sobre a vida do Barão de Grão Mogol, Gualtér Martins Pereira, importante personagem da história do Brasil, cuja memória devia ser conhecida e destacada.
Fróis, de 77 anos, discípulo da grande educadora Helena Antipoff, retirou os óculos escuros resultantes de uma cirurgia nas vistas, pensou sobre o que ia responder e começou a falar do barão a partir de quando o pai dele, Caetano Martins Pereira comprou uma fazenda chamada Santo Antônio, cujo nome foi mudado depois para fazenda Cafezal (veja foto da sede) onde o barão nasceu e viveu cerca de 50 anos. Depois ele se mudou, em definitivo, para o interior de São Paulo.

HOMEM BOM

“Gualtér Martins Pereira era um homem bom, mantinha mais de 100 escravos, mas tinha espírito humanista, abolicionista, tanto que três meses antes da Lei Áurea, libertou todos os escravos”, afirma Fróis. Ele foi juiz de direito de Rio Pardo de Minas, Vale do Jequitinhonha. Quando foi assumir o posto de juiz, encontrou um homem condenado à morte. Anulou o julgamento, fez outro e o condenou à prisão perpétua. Poupou-lhe a vida.
O barão teria feito um acordo com os escravos, para calçarem a trilha de 15 quilômetros, da fazenda Cafezal até Grão Mogol. Dos diamantes encontrados no percurso 30% seria dele e 70% dos escravos. “Quando vinha a Grão Mogol, o barão ficava na casa onde hoje funciona a Secretaria Municipal de Turismo, na Praça Coronel Janjão”, ao lado da Rua Cristiano Relo, historicamente denominada Rua Direita. Foi ele que, usando a mão de obra escrava, tornou a trilha menos perigosa.
“O barão ia e vinha a Grão Mogol a pé ou a cavalo; não havia liteira”, assegura Fróis, e continuou puxando o fio de uma meada histórica não devidamente apurada, registrada e valorizada e que agora corre o risco de desaparecer como a casa dele na fazenda Cafezal desapareceu sem deixar vestígios, a não ser uma pintura, que pode muito bem ser chamada de relíquia.
Aconteceu ao barão de três escravos fugirem. Dois a três meses depois reapareceram. Foram acolhidos e ele lhes disse: “Vocês já estão castigados por terem voltado e se humilhado”.
A Casa da Cultura, na Rua Hilário Marinho, no Centro Histórico, toda de pedras, foi ele quem mandou construir para servir de hospital. O irmão dele estudava Medicina e ao se formar teria um lugar para clinicar. Funcionou como Santa Casa, sob uma condição: “Quem não tiver como pagar receberá tratamento gratuito”.

RECUSA DO TÍTULO

Com patente de coronel, Gualtér recusou o título de barão dado por Dom Pedro II, por ser republicano, mas o rei não aceitou a recusa. Eles teriam trocado algumas palavras, nesses termos:
- Majestade não faço jus ao título de barão, tenho ideias republicanas.
Respondeu Dom Pedro:
- Não agracio a um homem de ideias republicanas, mas um grande brasileiro.
O coronel Gualtér foi elevado a barão porque organizou o 7º Batalhão de Voluntários da Pátria, em 1865, para lutar na Guerra do Paraguai, ao qual incluiu quatro de seus irmãos, vários parentes e escravos da fazenda Cafezal e de Lençois (BA), onde mantinha negócios. Eram cerca de 200 pessoas ao todo e as levou, fardadas e armadas à sua própria custa. O ato chamou a atenção de Dom Pedro II, que lhe concedeu o título de barão. Aos escravos, ele prometera liberdade. Mas não se sabe se algum voltou vivo da Guerra do Paraguai pra contar a história.

LÁUREA DEVIDA

“O barão ainda não mereceu da história pátria a devida láurea pelos serviços que prestou ao Brasil, a não ser o batismo da Serra do Itacambiruçú com o nome de Serra Barão do Grão Mogol”, registrou o escritor Mário Martins de Freitas, em 1957, no livro “O Município de Grão Mogol”. Livro que nem conseguiu publicar. Morreu.
“O barão gozava de alto conceito na corte de Pedro II, não fez curso superior, era destemido, teve 78 filhos”, conta Fróis, limpando os óculos escuros na camisa. A maior parte dos filhos com escravas.
Depois de ajeitar os óculos, agora limpos, e o boné na cabeça, Fróis se lembrou do “sério desentendimento do barão com um padre na hora de batizar uma sobrinha dele”. O padre perguntou:
- Qual o nome da criança?
O pai respondeu:
- Aurora.
O padre redarguiu:
- Com esse nome eu não batizo.
Ao que o barão interveio juntando as botas:
- Em nome não se mexe. Batiza-se.
E enquanto o padre saía da igreja o coronel barão aspergia a cabeça da criança com água benta.
- Está batizada – disse.
O barão saiu da igreja com ganas de pegar o padre pelo pescoço. A recusa estaria ligada ao fato de “Aurora” ter relação com a Marçonaria.

PEDIDO DO BARÃO

Outro amante de Grão Mogol sabedor do saco de bondades do barão é o administrador de empresas Geraldo Gonçalves. Nascido em Florestal (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, ele é ex-funcionário do Banco do Brasil e trabalhou como gerente na agência de Grão Mogol, no período de julho de 2002 a janeiro de 2006.
Segundo Gonçalves, “pelas histórias ouvidas sobre o barão, creio não ter havido tanto sofrimento e nem chibatadas na construção da trilha, pois de acordo com estudiosos do assunto, o barão era muito bondoso com seus escravos e até pediu, em vida, que o enterrassem no mesmo cemitério em que foram enterrados seus escravos”.
Baseando-se nessa versão sobre a bondade do barão, Gonçalves considera “muito difícil que tenha feito o uso da chibata e que tenha sido carregado em liteira pelos escravos”. Mas não nega a possibilidade de ter havido “sofrimento”. E completa: “Pode ter havido sim, devido à natureza do serviço e da falta de técnicas próprias naquela época”. (Leia na próxima inserção o possível traslado do corpo do barão, de um canavial de Rio Claro (SP) para Grão Mogol, sua terra natal).


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Por Alberto Sena - 25/3/2014 14:13:28
Viagem no tempo pela Trilha do Barão de Grão Mogol (1)

Alberto Sena

Iniciamos a caminhada pela Trilha do Barão de Grão Mogol às 8h de domingo, 14 de março. Andamos 10 horas seguidas, entre ir e voltar, retornamos às 18h. A ida é mais agradável do que a volta. Em certo trecho, na volta há um aclive bastante acentuado, cansativo devido a inclemente subida. Fez-nos sentir na própria pele um pouco do sofrimento dos escravos, obrigados a levar o barão e os membros da sua corte em liteiras.
Sacamos fotos, muitas. Aproveitamos para retirar algum lixo deixado por cavaleiros que fizeram recentemente a “I Cavalgada Ecológica”. Eram papeis de bala doce, lata de cerveja, de refrigerante, garrafinhas de plástico e ferraduras deixadas pelos animais na acidentada estrada feita pelos escravos de Gualtér Martins Pereira, o Barão de Grão Mogol, cuja história será contada na próxima inserção.
EXPERIÊNCIA
A trilha é quase toda de pedras. São pedras naturais e pedras acrescentadas pelos escravos, principalmente nas partes mais dificultosas. Nem toda pessoa é capaz de fazer a trilha. É necessário ter experiência de andar grandes distâncias. Vencer os 30 quilômetros de ida e volta pela Trilha do Barão pisando sobre pedras irregulares, não é tarefa fácil.
É importante ficar de olho em tudo, prestar atenção para não torcer os tornozelos nas pedras, ficar atento para o caso de surgir uma cobra. Ali é o habitat principalmente de cascavel. E ao mesmo tempo não perder sequer um instante de contemplação da beleza cênica vista ao redor. É tanta beleza que dá a impressão, Deus demorou um pouco mais para fazer tudo aquilo.
As pedras da Trilha do Barão falam. E como falam. Gritam, até. Dos acontecimentos históricos registrados nos anais do tempo, ouvem-se muitos ais, ruídos de chibatas e de ossos quebrados nas quinas das pedras. Elas estão impregnadas de sinais e do magnetismo do lugar.
PERIGOSA
É possível enxergar com os olhos da alma os escravos levando em liteiras, o barão e a sua corte, por trilha sinuosa, cheia de obstáculos, perigosa, muito mais perigosa do que nos dias atuais. Podem-se encontrar no percurso até os espectros dos escravos mortos na difícil tarefa de calçamento da trilha, muitos carregando pedras nas costas sob os estalos das chibatas.
Deduz-se que a trilha do Barão é marcada pelo sofrimento. Supõem-se, escravos sem conta morreram ali para satisfazer os caprichos e os desejos do barão por mais comodidade. A mais ou menos um quarto da trilha, indo da cidade para o interior, se pode encontrar a Gruta do Quebra Coco, onde os escravos fugitivos se homiziavam. É uma gruta grande, linda. Quem passa nem desconfia da existência dela. Ali, muitos escravos viveram a liberdade. Só quem conhecia o lugar encontra a entrada coberta de mato. Dizem, há lá uma arca cheinha de diamantes enterrada pelos escravos.
Em realidade, a Trilha do Barão é cheia de lendas e histórias. A maioria delas corre oralmente, de boca em boca. Se não tiver uma manutenção, a trilha aos poucos irá se perder como se perdeu muito da biografia do barão, homem rico, poderoso, controvertido.
TÍTULO
Segundo o guia turístico Paulo Henrique da Silva, Gualtér Martins Pereira era republicano e não teria aceitado do rei o título de barão. Mesmo sem aceitar, ele o aceitou, pois o título colocou nele como se tivesse grude.
O máximo encontrado em meio às pedras foram lagartixas assustadas com a nossa presença. Na volta, muitas baratas grandes saíam por entre as pedras ao cair da tarde. Vimos gaviões plainando como avião planador. Mas não assistimos nenhum “looping” deles em busca duma presa.
Antes de nos embrenharmos pela trilha tivesse o cuidado de repetir, três vezes, a oração de São Bento. “São Bento proteja-nos contra bicho mal peçonhento...”
A paisagem é indescritível. De cima das pedras, divisando o encontro do horizonte com o céu, o único pensamento é o de gratidão a Deus por ter nos dado um planeta maravilhoso para vivermos. As pedras falam e ganham formatos vários, dependendo do olhar de cada um.
Embora jovem, o guia Paulinho demonstrou saber muito a respeito da trilha, do barão e das belezas encontradas em Grão Mogol. Ele é estudioso da história local e se vai aprimorando cada dia mais. Entretanto, o guia afirmou que a história de Grão Mogol está muito mais lá fora, em mãos estrangeiras, do que dentro do município.
Os grãomogolenses pouco sabem a respeito da sua história, encontrada na memória de alguns poucos homens, entre os quais Geraldo Frois e Bicalho, e também nos alfarrábios do geólogo austríaco André Banko. Ele veio a Grão Mogol atraído pela riqueza geológica da região, mas casou-se, aqui, com uma moça grãomogolense e fixou residência.
SÍNTESE
A Trilha do Barão possui a síntese da riqueza da flora, da fauna e das histórias datadas do século 17. A trilha não foi aberta pelos escravos do barão. Eles a calçaram. A trilha existia desde tempos imemoriais. Inicia bem na porta de uma casa simples, a partir de onde o visitante encontra papeis e garrafas PET jogadas ao léu. Premente é a realização de um trabalho de conscientização da população quanto à preservação do ambiente, principalmente o histórico.
A trilha carece de restauração e investimento em termos de divulgação do patrimônio histórico. Grão Mogol talvez seja mais histórica do que muitas cidades históricas de Minas e do Brasil. O patrimônio histórico já está em processo de tombamento pelo IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.
Embora longe do eixo de Ouro Preto, a cidade precisa fazer parte do rol do patrimônio histórico mineiro e brasileiro. (Leia na próxima edição a história do Barão de Grão Mogol).


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Por Alberto Sena - 20/3/2014 08:34:00
Pedra Rica de beleza

Alberto Sena

Pedra Rica, primeira jazida de diamante minerada em rocha do mundo, é encontrada em Grão Mogol, mas não é todo grãomogolense que a conhece.
Fizemos, nesta quarta-feira, a nossa primeira incursão à Pedra Rica. Várias vezes ouvimos contar sobre essa pedra, da qual brotaram diamantes, e prometemos a nós mesmo fazer essa incursão na primeira oportunidade. A experiência foi rica, primeiro porque pudemos comprovar a eficiência do boca a boca. Saímos perguntando uns e outros “onde fica a Pedra Rica?” até chegar nela.
O primeiro a ser consultado foi Paulinho Henrique, da turma dos Ciclistas do Cerrado, guia turístico da cidade, que nos apontou a direção e a serra rica em pedras de desenhos os mais interessantes a ponto de imitarem coração, rosto humano, cabeça de lagarto, coração, entre outras figuras.
A escalada até a Pedra Rica, quase no perímetro urbano, envolveu o guarda municipal Natalino, a mulher dele e uma das filhas, que se prontificaram, com a maior gentileza, a nos levar até o local, um tanto acidentado, mas de grande beleza cênica, riqueza geológica e de flora, além de atração turística pouco explorada, pouco divulgada e muito menos estimulada em termos de opção para os visitantes, cada dia mais redescobrindo Grão Mogol.
A vista lá de cima da Pedra Rica alcança distância enorme e é linda, como tudo ao redor desta cidade, que entre as mais diversas opções turísticas, tem o maior presépio do mundo, chamado Mãos de Deus. O presépio abençoado pelo Papa Francisco, já recebeu cerca de 50 mil visitantes em pouco mais de dois anos.
Depois de um agradável esforço de andar sobre pedras, devidamente calçados de botas de trekking, chegamos à Pedra Rica. Bonita pedra. Ao longo dos séculos, abriram um túnel nela à base de dinamites em busca de diamantes. As marcas estão lá. Os garimpeiros saíam com lascas da pedra e em casa, meticulosamente, retiravam os diamantes a marteladas.
Uma rápida consulta científica nos informa que em 1781 foi o ano da descoberta de diamantes na Serra de Grão Mogol. Em 1827 teve início a mineração na própria Pedra Rica. Ficou esclarecido que a Pedra Rica é uma rocha de origem sedimentar. Na realidade, “um conglomerado, sem qualquer relação genética com os diamantes nela contidos”. Uma das três áreas de estudo da mineralogia dos diamantes da Serra do Espinhaço aconteceu em Diamantina, Jequitaí e Grão Mogol.
Isto posto convém registrar o fato de termos sacado fotos da Pedra Rica, agora rica de beleza e sem diamantes, para mostrar a quem estiver em sintonia com o clima de Grão Mogol, uma das mais históricas das cidades históricas de Minas e do Brasil.
O Centro Histórico de Grão Mogol já está em processo de tombamento, por parte do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA).
Semana passada, a cidade recebeu a arquiteta Ângela Dolabela Canfora e Rosana de Souza Marques, gerente de Patrimônio Natural da Diretoria de Proteção e Memória do IEPHA. Elas vieram iniciar os trabalhos de avaliação para tombamento, processo que deverá levar um ano, segundo Rosana Marques.


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Por Alberto Sena - 17/3/2014 08:29:22
Em busca da cidade perdida

Alberto Sena

Montes Claros das décadas de 50/60 tinha sossego. Quem sobreviveu a essas épocas confirmará a afirmação. As famílias sentavam à porta das casas, depois do jantar, e trocavam dedos e mais dedos de prosas umas com as outras.
Enquanto mulheres contavam potocas, a criançada brincava. Eram brincadeiras hoje em dia só encontradas na literatura infantil registrada por quem teve o privilégio de correr descalço, subir em árvores e muros para espiar o quintal do vizinho.
Quase todas as casas dispunham de quintal e a meninada nem tinha necessidade de ir pras ruas porque ficava cansada, dava duro danado no trabalho de brincar e ia dormir cedo para levantar cedo e ficar mais tempo brincando e enchendo a alma de fantasia.
Os dedões dos pés invariavelmente estropiavam. As unhas dos dedões das mãos caíam de tanto jogar bolinha de gude. As crianças de hoje nem podem imaginar a trabalheira. Quase não tinha tempo de fazer outra coisa senão brincar.
Com o calorão de Montes Claros, o melhor, à noite, era correr lá na sorveteria da Praça Coronel Ribeiro a fim de comprar uma bacia de picolés. Tinha de sair correndo de volta pra evitar o derretimento deles.
O escritor norte-americano, Ernest Hemingway escreveu “Paris é uma Festa”. Concordo com ele, discordando. Isto porque ele não conhecera Montes Claros de então, antes de escrever o livro, senão o título seria outro. A nossa terra querida cresceu desabridamente e perdeu a magia.
Adoeceu com aquela doença – como é que se chama mesmo? – “elefantíase”, responde a criança encabulada com as gentes arrastando pernas pesadas, escuras, esverdeadas, mais parecidas com um par de jacas. Tinha-se a impressão de que as pernas dessas gentes ficavam assim por causa do acúmulo de tiririca. A mesma tiririca reclamada pelas mães na hora de tomar banho. E banho de bacia, porque água faltava um dia sim e no outro também.
Mas nem por isso era ruim viver. Pelo contrário, era até bom faltar água para não ter de tomar banho todo dia. Coisa chata. A gente estava bem lá no melhor da brincadeira, de repente ouvia uma voz: “Vem tomar banho”. A resposta não era outra senão, “já vou”. Mas não ia. Passava uns instantes, a voz vinha de novo: “Vem tomar banho”. A resposta: “Já tô indo”. Mas não ia. E a voz impaciente vinha brava: “Vem tomar banho, senão pode ir preparando os fundilhos”.
Ser criança naquela época era bom, mas tinha os seus percalços. De tanto andar descalço, pegava bicho de pé e tinha de ficar esperto pra não pisar num prego e o ferimento “dar tétano”. Tétano era semelhante ao capeta. Não se sabia se tinha chifres nem rabo, mas podia matar. E morrer naquela época era mais triste do que é hoje em dia. Era o fim, Joaquim.
Hoje se sabe que morrer é outro começo de vida. E quando a gente mal desvendava um mistério vinha outro. Nenhum maroto sabia pra onde a gente vai quando bate as botas. Naquela época, pior ainda porque a compreensão era nenhuma sobre a vida eterna.
Mas ainda assim era bom. Deve ser bom pras crianças de hoje também. O que mudou foi o modo de ser. Ou de ter, verbo mais conjugado e estimulado pelas publicidades dando ordens aos pequenos para comprarem isto e aquilo.
As crianças de hoje não sobem em árvores nem em muros. Primeiro porque as árvores estão cada vez mais escassas. Depois, as poucas casas resistentes à exploração imobiliária interessada em erigir arranha-céus, com se os céus fossem baixos a ponto de serem arranhados por alguém, as casas perderam os quintais.
Andar descalço, muito menos a meninada desses nossos tempos informáticos anda. E quando acontece de alguma se apresentar descalça pisa no cimento ou no asfalto. Essa é também uma diferença. E grande, porque naquela época, nos cafundós do século passado, as crianças pisavam na terra, nua e crua.
Se hoje as donas de casa reclamam do pó de asfalto, as de ontem reclamavam de poeira. E como. Os carros do incipiente trânsito levantavam poeira. Não dava pra enxergar nada depois da passagem deles. Mas ainda era bom assim.
Sei não, mas quase tudo indica, a nossa transferência pra Grão Mogol, consciente ou inconscientemente, está relacionada à busca daquela cidade perdida, aqui encontrada.


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Por Alberto Sena - 13/3/2014 08:28:42
(...) A arquiteta Ângela Dolabela Canfora e Rosana de Souza Marques, gerente de Patrimônio Natural da Diretoria de Proteção e Memória do IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais iniciaram os trabalhos de avaliação para tombamento do Núcleo Histórico de Grão Mogol, no Vale do Jequitinhonha.(...) As técnicas do IEPHA se encantaram com o Presépio Mãos de Deus, inaugurado pelo sociólogo e economista Lúcio Bemquerer, em 2012, obra do gênero considerada a maior do planeta, vista como um ponto que coloca Grão Mogol no mundo. Outro motivo de encanto, segundo elas são as casas de pedras, muitas delas construídas por escravos no período colonial, século 18, sob o tacão do Barão de Grão Mogol, Guálter Martins Pereira. Ele, inclusive, mandou escravos construírem uma trilha de pedras de 15 quilômetros, da cidade à fazenda dele. O barão era carregado em liteira.


77190
Por Alberto Sena - 10/3/2014 17:54:36
Ficar pra indez

Alberto Sena

Com o olhos
e com o coração
abertos
Chegamos a Grão Mogol

Com os olhos abertos
queremos enxergar
em detalhes
as belezas cênicas
a passarada multicolorida
a gente que passa
a simplicidade
das pessoas
e muitos mais

Com o coração aberto
queremos amar
Queremos primeiro
o amor próprio
concomitantemente
amar o semelhante
Para poder sentir
o amor de Deus
Ele que nos deu
(a mim e a Sílvia)
a oportunidade
nesta idade
de viver
na cidade
de Grão Mogol

Alguém pergunta
O que vem a ser
O que significa
Grão Mogol
Segundo disse
Há pouco
o amigo Geraldo Fróis
Grão
“é grande”
Mogol
“é valoroso”

Aqui é terra
de um povo
valoroso
Aqui
Fróis disse
Um minuto
dura uma hora
Uma hora
dura um dia
e um dia
dura um mês
então dissemos
Que bom
Que ótimo
Aqui ficamos pra indez


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Por Alberto Sena - 10/3/2014 08:26:14
Reencontro marcado

Alberto Sena

Foi deste tamanho, ó, a satisfação de reencontrar gente amiga, que faz tempo não via. Pelo menos uns dois deles há mais de 40 anos, desde quando, de mala e cuia, fui para a capital a fim de trabalhar no jornal Estado de Minas, recém-formado no O Jornal de Montes Claros, de Oswaldo Antunes e Waldyr Senna.
O reencontro com Itamaury Teles, Nicomedes, Wanderlino Arruda, Márcia Vieira, Flávio Corrêa Machado e Roberto Amaral não podia deixar de acontecer noutro lugar senão no Café Galo, lá aonde se dão as discussões relacionadas com a política, a economia, esporte e turismo, além de assuntos debitados na conta do aleatório.
Itamaury entrou no meu lugar, no O Jornal de Montes Claros, quando, em 1972 segui o rumo seguido por outros amigos de então, quando a cidade parecia pequena para comportar a quantidade de sonhos sonhados, muitos deles realizados.
Nicomedes foi meu preferido beque central quando atuou no time titular do Cassimiro de Abreu, onde joguei no juvenil, que teve a audácia de enfrentar, no estádio General Severiano, no Rio de Janeiro, o juvenil do Botafogo, quando Ferreti estava se despontando. Revi de memória, a classe, a elegância e a firmeza como Nicomedes atuava. E pelo seu aspecto físico, ainda está em condições de atuar, se achasse por bem.
Wanderlino Arruda foi meu professor de Português, na Escola Normal Professor Darcy Ribeiro, quando havia o curso científico, na Avenida Mestra Fininha, mãe de Darcy e Mário Ribeiro. Já naquela época, ele publicava artigos no JMC e certamente influenciou a minha carreira jornalística porque desde sempre me espelhei nos melhores exemplos. Se ainda não correspondi ao aprendizado oferecido, eles nada têm a ver com isso, a culpa é todinha minha.
Roberto Amaral também foi meu professor no curso científico. Professor de Biologia. Eloquente, ele sabia e ainda deve saber lidar muito bem com a técnica de ensinar o porquê das coisas, como o fato de os humanos serem pluricelulares, dotados de 10 trilhões de células, enquanto as bactérias são unicelulares.
Flávio Corrêa Machado, embora já o conhecesse desde menino, há pouco tempo iniciei convivência com ele no âmbito do Facebook. Sabia ser ele um dos filhos de Geraldo Bilé – Geraldo Corrêa Machado – um dos mais respeitados médicos de Montes Claros, uma pessoa que tinha ouvidos para ouvir as mazelas do próximo. Agora, indo para Grão Mogol, mais perto da nossa terrinha, vamos nos encontrar mais amiúde.
Márcia Vieira, jornalista, integrante da assessoria de imprensa da Prefeitura de Montes Claros, responsável pelo blog “Márcia Vieira Yellow” conheci por meio do Facebook. De amiga virtual, pudemos, enfim, nos conhecer pessoalmente, ela que é um dos valores da safra atual dos jornalistas de MOC, dotada de “faro da notícia”.
O reencontro com essa turma, o cronista Raphael Reis incluído porque chegou depois, foi proporcionado por Lúcio Bemquerer, de Grão Mogol, montesclarino por aclamação, há muito tempo homenageado com o título de “cidadão honorário”. Lúcio, para os que ainda não sabem, deixou o ritmo acelerado de vida em Belo Horizonte para retornar à terra natal, onde criou o maior presépio do mundo chamado Mãos de Deus.
O presépio, inaugurado em 2012, já foi visitado por mais de 50 mil pessoas, gente da região, do Brasil e do exterior. Recentemente, Lúcio recebeu do Papa Francisco uma carta com Bênção Sacerdotal para ele, a família dele, o presépio, para todas as pessoas que lá estiveram e estendida a todos que ainda irão contemplar a beleza da obra, sem igual no mundo, e, principalmente, sentir o magnetismo irradiado às pessoas de fé cristã, ateus e agnósticos. Ninguém sai dali a mesma pessoa, tamanha a intensidade da emoção e dos arrepios.
Reencontrar esses e outros amigos gerou na alma e na memória a sensação de que tudo se deu ontem, tamanha a relatividade do tempo. Agora, com a devida vênia de todos, irei para o retiro de Grão Mogol, onde a outra metade da vida me aguarda. Levo duas mochilas. Uma nas costas, cheia de passados – bons passados, digo de passagem – e a outra abarrotada de sonhos passivos de se tornarem realidade porque dormitam no coração.


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Por Alberto Sena - 24/2/2014 08:29:36
Onde fica o buraco do carnaval?

Alberto Sena

Carnaval em Montes Claros, na década de 60, era excitante e sabíamos, mas fazíamos de conta que não. Era no Automóvel Clube. Carnaval de rua não havia. Se acaso descesse em Montes Claros um ET durante o reinado de Momo, achando que ia se esbaldar até o sol raiar, coitado, podia ir tirando logo a sua navezinha da chuva porque decepcionado ficaria achando ter descido em lugar errado. Nas ruas da cidade não se encontrava sinal de festejo carnavalesco.
A opção era ir pra Januária ou pra Pirapora. Mas havia um “porém” de ordem psicossocial principalmente em Januária. A moçada de lá não conseguia administrar o ciúme em relação à rapaziada de Montes Claros. Numa vez reunimos uma turma e fomos pra Januária. Tivemos de sair correndo da cidade para não sermos linchados. Quando percebemos as caras amarradas e os olhares fulminantes demos um giro de 360 graus nos calcanhares e caímos fora. Saímos ilesos.
No Automóvel Clube de Montes Claros, ambiente fechado, o carnaval era outra coisa. Aquilo parecia um caldeirão fervente. Mas difícil era encontrar ânimo logo no início da peleja. Aos primeiros rufares de tambor, entrar naquela roda de gente parada na pista observando ousados gatos pingados circulando com o braço sobre os ombros de garotas acanhadas e suadas, adornadas de confetes e de serpentinas, era uma cena no mínimo ridícula.
O estímulo para entrar na roda e esgoelar as músicas antigas – “mas que calor ôôô... será que ele é transviadooo... corta os cabelos dele, corta os cabelos dele...” e outros refrãos – era necessário recorrer ao boteco do Alcides, na esquina das ruas Dr. Santos e Dom João Antônio Pimenta. Tinha lá uma batida de limão que era um santo remédio para esquentar as partes internas do corpo e nos levar a ganhar coragem para uma incursão na pista.
Um copo cheio bebido num gutegute só, era suficiente. Retornávamos ao Automóvel Clube pisando nas nuvens ao ponto de percebermos as batidas do tambor dentro do próprio peito. Com o tanque devidamente abastecido, pulávamos – sim, o verbo era esse, “pular carnaval” – a noite inteira, até às 5h da manhã. As panturrilhas, antigamente chamadas de “batatas das pernas”, ficavam doloridas. E de tanto esgoelar, não tínhamos mais nem voz no dia seguinte.
Nas noites subsequentes, a estratégia era a mesma a fim de estimular o esqueleto e entrar no samba. Ao final, na quarta-feira, ainda havia quem ousava afrontar os padres Dudu e Agostinho indo receber as cinzas na testa, na maior cara de pau, como se tivesse dormido a noite inteira, mentira facilmente percebida a partir do exalar do bafo de álcool e aquele gosto de cabo de guarda-chuva na boca dos infiéis.
O mais excitante acontecia na sacada do Automóvel Clube, numa época em que Montes Claros mal mal havia concebido o seu primeiro motel considerado “casa do capeta” por parte da tradicional família montesclarina. Não se podia aceitar nem mesmo a possibilidade de passar na porta “daquele antro”.
Numa das noites em que o baile de carnaval, como se dizia, pegava fogo, aconteceu algo inusitado. Podia ser dramático se não fosse hilário. Um dos jovens da turma de então se encontrava naquela base com uma garota, num esfrega esfrega, amasso só, na sacada, quando apareceu de repente o pai dela. O colega apanhado em flagrante delito, não tendo o que dizer, tamanha a falta de graça, simplesmente se virou para o transtornado pai e disse: “O senhor é servido?”
Claro, ele não esperou a resposta. A moça foi arrancada duma vez e ele deve estar correndo até hoje porque o pai dela ficou uma arara. Mais nervoso teria ficado se vivo ele fosse e visse o que acontece nos carnavais atuais. As preocupações com o que rola na festa de Momo agora atormentam a cabeça da filha dele, hoje mãe e até avó, certamente, se se puder apurar o paradeiro dela nos dias atuais a fim de confirmar as suspeitas.
Para evitar más interpretações, é bom deixar bem claro, aqui, uma ressalva: hoje, acreditamos, o carnaval de Montes Claros transcorre numa maré mansa. O carnaval atual está destrambelhado é em outros lugares deste Brasil varonil, onde as pessoas nem se dão mais ao trabalho de ingerir copo cheio de batida de limão. Isso é café pequeno. E pra pobre.
O buraco é bem mais embaixo. Ou bem mais encima? Sei lá!


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Por Alberto Sena - 19/2/2014 08:28:43
Em busca do quase perdido

Alberto Sena

Acontece de os livros não lidos ganharem vida e travarem disputas na estante. Um quer se adiantar ao outro a fim de sentir-se devidamente manuseado e lido. É possível ouvir os diálogos surdos travados uns com os outros. A leitura – eles não entendem – é só uma questão de tempo.
Aconteceu até o absurdo de um deles se movimentar levemente na estante sem ser tocado. Pode ter sido movido pelo vento. A janela aberta, o vento entrou e lambeu vorazmente o livro ao ponto de tirá-lo do lugar. Pode ser.
Nesta manhã ouviu-se vozerio vindo do meio da estante e um dos livros, “Noites do Sertão”, de João Guimarães Rosa, lido há não se sabe quanto tempo deu de falar mais à frente dos outros. O gesto de tocá-lo aconteceu naturalmente. Os livros não lidos reagiram, mas se conformaram logo em seguida. Foi boa a surpresa reencontrada na página 26, em um trecho referente a Montes Claros.
“(...) Ao fim do prazo de trinta, quarenta dias, de viagem desgostosa, com as boiadas, cansativa, jejuado de mulher, chegava em cidade farta, e podia procurar o centro, o doce da vida – aquelas casas. Os dias antes, do alto dos caminhos, e a gente só pensava naquilo, para outra coisa homem não tinha ideia. Montes Claros! Casas mesmo de luxo, já sabidas, os cabarés: um paraíso de Deus, o pasto e a aguada do boiadeiro – o arrieiro Jorge dizia. As moças bonitas, aquela roda de mulheres de toda parecença, de toda idade...”
O trecho chama a atenção porque, guardadas as proporções e o interregno temporal, Rosa se refere a essa mesma Montes Claros que se agigantou e hoje guarda em si várias cidades. Os tempos são outros, mas os acontecimentos se repetem. Acompanhem o que Rosa escrevinhou em seguida:
“(...) Na Rua dos Patos, em Montes Claros. Todo o mundo se encontrava. Até boiadeiros ricos, homens de trato. Uma vez, estava lá o sr. Goberaldo, chefe político: _ “Vim também, Soropita. Quando a gente está assim em estrada, todo santo é ora-pro-nóbis...” Tocavam música, se endançava. A prumo de chegado, e cumprindo o trivial de obrigação, Soropita ardia de ir. Sabendo que podia passar muitos dias na cidade, primeiro molengava um engano de si mesmo: _ “Tem tempo, amanhã vou; agora eu sesteio...” Não conseguia. Se abrasava. Mas gostava de ir sozinho, calado, disfarçado, pela tarde. Prevenido. Ir de dia, que de noite convinha menos: muito povo vaporado, bêbados – vaqueiros, tropeiros, tangerinos, passadores-de-gado, rapaziada, vagabundos, gente da cidade; povos dos Estados todos. Armavam briga fácil, badernavam. Ao perigoso”.
Trazendo para os dias de hoje, o gado atual não possui quatro patas, mas sim quatro pneus de borracha. São os veículos que, segundo dizia o jornalista Dídimo Paiva, do jornal Hoje em Dia, “vão acabar com o mundo”. E parece que a profecia dele se vai realizar mesmo no ritmo estonteante de carros em circulação por vias públicas em vias de explodirem. Um bicho de quatro pneus de cerca de uma tonelada, geralmente transporta um bípede com média de peso de 70 quilos. Uma insensatez.
Se lá nos tempos de Rosa muitos eram os perigos, mais perigoso é viver hoje na cidade onde as caras já não são mais conhecidas. Se alguém encontrar nas ruas de Montes Claros a sua alma gêmea e não abordá-la corre o risco de nunca mais reencontrá-la, porque a cidade recebeu gente de todos os cantos do país depois de ter sido cortada pelas BRs 040 e 251.
Se Soropita baixasse em Montes Claros de hoje não encontraria mais “aquelas casas” de antanho porque, nesse particular principalmente, os costumes mudaram. Se o personagem de Rosa fugisse das páginas do livro seria capaz de ele soropitar de tão surpreso com a visão da realidade atual.
Esse trecho da narrativa de Rosa merece mais reflexão. Onde está, afinal, dentro de Montes Claros metrópole a cidade descrita pelo autor de “Noites do Sertão”? Onde ficavam os cassinos e “aquelas casas”? E a Rua dos Patos, onde era? O que ainda existe?
Eis uma boa pauta para algum intrépido repórter que queira escarafunchar o mofo a fim de encontrar algum resquício, ou alguém que tenha vivido os estertores da época, para ciceronear uma busca ao tempo quase perdido. “Ali funcionaram os cassinos, lá ficavam “aquelas casas” onde gerações de montesclarinos tiveram iniciação”. E assim por diante.


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Por Alberto Sena - 10/2/2014 08:25:59
Quando em Montes Claros os montesclarinos ausentes ainda encontravam com eles próprios em cada esquina das estreitas ruas do centro da cidade, ruas apropriadas para cavalo, bicicleta e charrete; naquela época em que “cachorros (andavam) andam devagar”, como observou uma criança de três para quatro anos de idade, espontaneamente, no princípio dos idos da década de 80, a Rua Doutor Santos ainda era a principal via pública de Montes Claros.
Um proposital recuo ao final da década de 70 traz à lembrança certa casa velha, número 103, hoje uma moderna agência bancária, imóvel à época de propriedade de Luiz de Paula Ferreira, onde era a redação e oficina do O Jornal de Montes Claros. O ponto era estratégico em termos de oferecer boa perspectiva para assistir a cidade passar à porta. Os veículos de então não deixavam ninguém estupefato como os da atualidade.
Contíguo ao jornal, na mesma casa velha, era o escritório do advogado Orestes Barbosa, bom de prosa, com seu inseparável cigarro de palha. Demerval Afonso Aguiar, Baiano chamado, era funcionário de Orestes e havia tempo para com eles bater papo porque se tinha a impressão de que a velocidade do movimento de rotação da Terra era menor comparada com a sensação de velocidade atual, pós-tsunami em terras japonesas. Segundo os entendidos, mexeu até com o eixo do planeta.
Dali da porta do JMC, ombro apoiado na pilastra da antiga casa, se podia assistir, como numa passarela, a passagem dos que tornavam frenético o vaivém dos montesclarinos pelas estreitas calçadas da Rua Doutor Santos. Em meio às relembranças, uma cena quase dramática, não tivesse um lado de graça: uma donzela fraturou o tornozelo ao olhar para trás a fim de espreitar os que comentavam sobre a beleza dela.
Tuia havia morrido. Mas o espectro dele ali ficou inclusive as marcas da casinha azul pra ele construída no espaço antes considerado garagem do jornal. Em Montes Claros viveram tipos humanos como Manoel Quatrocentos, Requeijão, Galinheiro entre outros. Eles davam alento ao provincianismo da cidade, hoje sobejamente transformada numa intrincada capital de problemas. E um deles é o de não possuir braços nem força capaz de empurrar as ruas pros lados a fim de evitar o sufoco do centro da cidade tamanha falta de espaço para tanto carro, bicicleta e gente – não necessariamente nesta mesma ordem.
Numa lanchonete incrustada no prédio onde era o hotel São Luiz – lá ocorreu estranho incêndio – se podia comer delicioso pastel de carne e de queijo regado a suco de laranja ou vitamina de frutas. Isto feito era só entrar a esquerda na Praça Doutor Carlos para logo adentrar a Rua Simeão Ribeiro e chegar ao café de Zim Bolão, termômetro especializado em questões relativas aos mais importantes assuntos aleatórios e de ordem socioeconômica, política, futebolística e, principalmente, fofocas.
Ali no Zim Bolão se podia colher as mais críveis informações sobre a vida alheia. Por bom tempo, as incursões do esperto pseudomágico Orieth Bay na cidade motivaram conversas a respeito do ponto em que ele, ao final, numa afronta à hospitalidade dos montesclarinos raptou uma senhora da sociedade. Foi um fuzuê danado lembrado por Haroldo Tourinho Filho em crônica recente.
De Zim Bolão ao Café Galo era um pulo só. Um rivalizava com o outro qual era o mais bem frequentado e informado a respeito das mazelas políticas e, claro, do disse me disse dos acontecimentos da sociedade montesclarina disputados pelos colunistas sociais Lazinho Pimenta, Theodomiro Paulino e Magnus Medeiros.
Era só atravessar a Rua Simeão Ribeiro para dar de cara com o ultradivertido Fernando Gontijo sentado a uma mesa da Cristal sorvendo uma dose de cachaça depois de doar o próprio sangue a fim de sustentar o vício. Dizem: “Morreu de paixão”. Vivo, ele era inteligente e cheio de graça engraçada, devido às tiradas bem-humoradas que fizeram dele figura lembrada. Como lateral esquerdo do Casimiro de Abreu, Gontijo arrancava aplausos da torcida feminina.
Tanto tempo depois de tudo isso, ainda dá para ouvir daqui o ruído característico das máquinas linotipo gravando em chumbo os textos datilografados em laudas de papel jornal, fazendo coro com o ruído da impressora cuspindo mais uma eletrizante edição do JMC, Mais Lido chamado.


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Por Alberto Sena - 4/2/2014 09:00:32
Grão Mogol é vista hoje como um dos poucos refúgios mineiros para quem quer fugir do estresse dos grandes centros entupidos de carros. Espalhada nas encostas do maciço do Espinhaço, a singular cidade histórica nascida no século XVIII, no Vale do Jequitinhonha surgiu sob o brilho ofuscante do diamante. Hoje, décadas depois do fim do garimpo, Grão Mogol vive basicamente de turismo.Lá, os dias e as noites lembram os costumes da década de 50, devido ao ritmo pachorrento dos seus quase 6 mil habitantes no perímetro urbano. Os vizinhos trocam oferendas e têm tempo para meias horas de prosa. Jardineiras floridas enfeitam as janelas das casas e casarões antigos, muitos construídos por escravos com pedras da região, tudo isso transmite ao visitante a sensação de estar em um pueblo espanhol.Há mais de dois anos, o surgimento de uma obra considerada a maior do mundo, o Presépio Mãos de Deus, mudou quase completamente a rotina da cidade. Concomitante à edificação do presépio, Grão Mogol ganhou um hotel compatível com a importância da cidade, de forma que não falta ao turista um lugar confortável onde hospedar para conhecer as belezas da região e sentir realmente vivos. A cidade é uma das mais belas dentre o patrimônio histórico de Minas, mas nas últimas décadas ficou estagnada depois que a garimpo de diamantes exauriu. Rios, cachoeiras, prainhas, balneário, grutas e cavernas compõem os atrativos de Grão Mogol.Com o hotel Paraíso das Águas e o presépio, administrada pelo jovem prefeito reeleito Jéfferson Figueiredo (PP), a cidade vem recebendo turistas de várias partes de Minas, do Brasil e do exterior interessados na beleza e na tranquilidade de Grão Mogol, que há tempos não registra um crime. Mas nem por isso a polícia local se descuida e aborda os visitantes suspeitos para saber o porquê de estarem na cidade.O surgimento do presépio e do hotel funcionou como estímulo para a cidade experimentar, depois de tanto tempo, um novo boom de desenvolvimento.Mexeu com o comércio de modo a levar os proprietários a investirem nos seus negócios para atender melhor os turistas. Nos últimos dois anos, segundo o construtor do presépio, o economista Lúcio Bemquerer, foram registradas a presença de quase 50 mil visitantes, mais de oito vezes a população concentrada no perímetro urbano.A cidade recebia grande fluxo de gente só durante o carnaval.Atualmente, o movimento é diário devido ao presépio, que recebeu, recentemente, uma Bênção Sacerdotal do Papa Francisco, e ao fato de ter hotel confortável para receber os turistas. Nos próximos dias de Momo, segundo o proprietário do hotel, Nem Costa, os 34 apartamentos do hotel estão lotados. Só tem vaga para março.O prefeito Jéfferson Figueiredo acredita no crescimento de Grão Mogol, mas não a ponto de atrapalhar a rotina dos habitantes (no município são 15 mil). O trânsito de veículos aumentou, mas sem incomodar. Nem os 1.200 estudantes da Escola Técnica Brasil Profissionalizado, parceria dos governos federal e estadual com a Unimontes, em construção significa ameaça à paz de Grão Mogol.


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Por Alberto Sena - 31/1/2014 10:29:36
Prenúncio do fim de batalha

Alberto Sena

Por meio de um sobrevoo de avião à noite, chegando de Belo Horizonte, a gente pode avaliar o tamanho de Montes Claros porque as luzes oferecem os meios e os entremeios da dimensão da cidade.
Desculpe-me a expressão, Montes Claros cresceu estupidamente. Essa é a verdade. E, claro, com o desenvolvimento a qualquer preço colhe hoje em dia os contrapesos do progresso, principalmente no quesito segurança.
Mas em meio à metrópole inadvertidamente criada com a ajuda de gente vinda de todas as partes do País pelas BRs 040 e 251, a minha e a sua Montes Claros pacata, caríssimo leitor (a) ainda existe. Por mais incrível possa parecer. Peguei-a em flagrante delito quando tentava se deixar sufocar pela metrópole. Inda bem. Foi a tempo de impedi-la de praticar o tresloucado gesto.
Quem tem olhos de ver e sebo nas canelas pra andar basta percorrer as ruas e encontrar resquícios de Montes Claros do passado nem tão longínquo. A cidade que teve a oportunidade de dar ao Brasil valores em todas as áreas das artes, pelas ruas estreitas e nas esquinas movimentadas do centro da cidade ainda encontram halos de nossos fantasmas a se perderem nos ares do clima seco. Particularmente, pude agarrar alguns no último momento a fim de mantê-los atualizados dentro da nova realidade desta cidade fadada a ser a capital da região metropolitana do Norte de Minas.
Em vão foram os alertas dados nas últimas décadas. “Montes Claros, não cresça; e se crescer, sua alma sua palma”. De nada adiantou. Desobediente, mas ao mesmo tempo responsável por cumprir à risca o próprio destino, a cidade cresceu desordenadamente. E com o crescimento os problemas aumentaram à mesma proporção. Uma hora, a cidade vai explodir.
O fato de estar distante durante tanto tempo nos faz ignorantes o bastante para não entender determinadas coisas numa estada ligeira na cidade em que não houve quem desse uma explicação plausível. Por que, meu Deus do céu, poluir a lagoa Pampulha de Montes Claros? Coisa desagradável transitar pela Avenida Magalhães Pinto, chegando ou voltando do Aeroporto Mário Ribeiro. A catinga lembra a estupidez poluidora da lagoa da Pampulha de Belo Horizonte, onde rios de dinheiro escorrem já faz décadas pelo ladrão rumo à foz do bolso de ditas autoridades inescrupulosas.
A lagoa Pampulha de Montes Claros lembra doente terminal que viveu a vida toda em tratamento enriquecendo médicos e hospitais até soltar o último gemido. Os montesclarinos “ficantes” não perceberam, com o tempo, a poluição gradativa da lagoa da Pampulha de Montes Claros? Onde estavam todos? O exemplo da Pampulha de BH não serviu de lição para evitar o desastre da Pampulha de Montes Claros?
Antes, muito antes do uso e abuso do asfalto impermeabilizador das ruas havia bloquetes e calçamento tipo pé de moleque. Esses tipos permitiam a respiração da terra por entre suas frestas. Não havia enchentes. As águas da chuva penetravam a terra e seguiam o seu curso.
Antes, muito antes do uso e abuso das dinamites para exploração de minério de ferro e pedreiras, a cidade não tinha terremoto. É até engraçado dizer que a terra treme em Montes Claros. Treme de medo e de dor porque terra é gente como a gente. Não é humana, mas a cada explosão em série precisa se acomodar como gente humana se acomoda na cama quando algo a desperta do sono reparador. Os técnicos não veem nenhuma evidência entre uma coisa e outra.
Montes Claros sempre teve clima quente. Mas agora está mais quente. Quem vive fora e chega à cidade pode dizer com convicção. A cidade está hoje dentro de uma bolha de calor refletido pelo asfalto das ruas e pelo concreto dos edifícios. Os famosos espigões fazem Montes Claros crescer para cima.
Diante deste quadro pintado, digno de ser assinado por um pintor daqui ou dali, vai mais um alerta para Montes Claros: por favor, não cresça mais. A continuar nesse ritmo desenfreado, a cidade ficará insuportável tanto quanto qualquer outra capital.
Quando isso acontecer, e já está acontecendo, não haverá na região nenhuma caverna onde refugiar a multidão desarvorada em busca de um lugar para se esconder porque as explosões incontidas, em nome do desenvolvimento já terão destruído todos os ambientes.
Quando isso acontecer, e já vai acontecendo, os nossos fantasmas também irão pelos ares. E a nossa batalha, enfim, estará perdida.


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Por Alberto Sena - 21/1/2014 17:40:08
Como a luz da Estrela de Belém

Alberto Sena

A notícia da Bênção Sacerdotal enviada pelo Papa Francisco por meio de carta ao Presépio Mãos de Deus, de Grão Mogol (MG), repercute até hoje. E vai continuar repercutindo para sempre como a luz da Estrela de Belém que um dia mostrou aos Três Reis Magos o lugar da manjedoura onde o Menino Jesus nasceu.
O construtor do presépio, o empreendedor Lúcio Bemquerer recebeu mensagens e cumprimentos vários de muita gente, do Brasil e do exterior. Desde o mais simples aos socialmente mais bem situados na vida, pois a mensagem do presépio é para todos. Deus não faz acepção de pessoas.
“Isto é incrível”, disse uma criança de 5 anos depois de percorrer as rampas e acompanhar a didática da aula proporcionada pelos personagens bíblicos testemunhas do maior acontecimento de todos os tempos no planeta Terra. No presépio estão esculturas em tamanho mais que o natural, desde o anjo da Anunciação, Gabriel, à manjedoura com Maria e o Menino Jesus, a sala de meditação, ambiente ecumênico, à sala das preces, onde se pode acender vela a Nossa Senhora das Graças.
A Bênção Sacerdotal, segundo a carta do Papa, é para todos, desde os que já visitaram o presépio, mais de 40 mil pessoas em pouco mais de dois anos, como também para os que ainda irão conhecer a obra edificada em 8 meses e 19 dias, conforme os registros de Bemquerer, cada vez mais envolvido com os trabalhos da “boa nova”.
De Humberto Motta, presidente da Dufry do Brasil e do Conselho Superior da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), Bemquerer recebeu a seguinte mensagem: “Parabenizo (...) pelo merecido reconhecimento do Papa Francisco ao seu importante trabalho de evangelização e cultura, através do Presépio de Grão Mogol, que já é hoje referência de peregrinação no Brasil e no mundo”.
A empresária Beth Pimenta, da Água de Cheiro, disse ter ficado “muito feliz, pois com sua atitude em construir o Presépio Mãos de Deus, você é notório merecedor desta benção. O seu trabalho orgulha a todos nós amigos, admiradores e, sobretudo, Minas por tão grandiosa obra, fruto de seu ato desprendido e altruísta, fazendo de Grão Mogol um destino turístico religioso”.
O diretor da Associação Comercial de Minas (ACMinas), Antônio Maluf, compartilhou “desta abençoada mensagem do Sumo Pontífice, o Papa Francisco; e mais uma vez, gostaríamos de cumprimentá-lo por esta fantástica e sagrada obra, que engrandece a pessoa humana”.
O presépio já ganhou fama internacional. Ultimamente, recebeu visitas de estrangeiros vindos da Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha. Todos eles ficaram impressionados com a obra considerada sem igual no mundo.
Outro ponto importante para o emocionado Bemquerer é o fato de o presépio vir despertando o interesse de crianças. Nesses dias de férias escolares, a quantidade de jovens vindos de vários municípios da região foi surpreendente. “Essa frequência comprova, o despertar da fé acontece é logo cedo”, comentou.


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Por Alberto Sena - 20/1/2014 08:18:41
Revisita a casa mágica

Alberto Sena

Arrepiado. Todo arrepiado ficou ao entrar na casa da Rua São Francisco, em Montes Claros, onde a família morou no século passado, finais da década de 50.
Foi quinta-feira, 17. Primeiro foi surpreendido pela notícia da existência da casa. As pessoas têm a mania de derrubar as casas antigas pra construir novas. Quantas casas importantes, em estilo colonial foram derrubadas em MOC?
Quem deu a informação da resistência daquela casa mágica foi Amelina Chaves, vizinha naquela época. Ela, Amelina, mora na mesma rua e no mesmo endereço até hoje.
Passando de passagem por Montes Claros, vindo de Grão Mogol, em companhia dela, foi brilhante a ideia de ir rever a casa da Rua São Francisco, de onde a família saiu no início da década de 60. O menino tinha os seus 10 para 11 anos quando a família saiu de lá para morar na Rua Corrêa Machado, 238.
Naquela casa as fantasias e os sonhos rolaram como rolam as águas de um rio caudaloso. Havia no quintal um pé de urucu, próximo da porta da cozinha. A mãe nem precisava andar tanto para pegar no pé sementes de urucu a fim de colorir o almoço. Tinha um coqueiro macaúbas, um pé de manga umbu e outro de manga comum, a preferida.
O quintal ia até quase a linha férrea. Era pedregoso. Quando chovia brotavam nele uma leguminosa chamada Fedegoso. Fedegoso dava vagens e nelas sementes marronzinhas garantiam a volta no ano seguinte nas águas. Um mar de Fedegoso esverdeava o quintal. E era então quando a meninada mergulhava nele e dava asas às brincadeiras. Caroços secos de manga e de coco macaúbas voavam para tudo quanto era lado em guerras de guerrilha.
Ali no quintal faziam-se tijolos de barro em forma de caixinha de fósforo vazia. As meninas brincavam de boneca e faziam comidinhas verdadeiras. Com certa frequência o trem passava e tudo largavam para acenar aos passageiros. Acontecia de um trem longo ficar parado durante horas. Alguns dos vagões levavam gado e as crianças ouviam o mugido dos bois e o bater aflito de cascos no piso do vagão.
Mais de meio século se passou nesse turbilhão da vida. Hoje quem mora na casa é a família de dona Naraci Ribeiro Amorim, mulher simpática. Amiga de Amelina, ela nos recebeu com cordialidade. Parou o almoço em fazimento e foi mostrar as dependências da casa.
Sim, a casa existe, mas na frente dela foi construída uma nova. Emendou uma na outra. Fez muito bem. A casa antiga era bem afastada do alinhamento da rua. Havia espaço para outra. Fizeram o que muitos deveriam ter feito para não destruir o patrimônio antigo de MOC.
Importa preservar o velho e construir o novo. No espaço onde foi construída a casa nova jogavam-se bolinha de gude e finca. A meninada brincava de empinar papagaio, esconde-esconde, salvo e bente altas.
O pé de urucu, o coqueiro e as mangueiras não existem mais. O quintal encolheu um pouco. Mas em compensação, dona Naraci plantou goiabeira, acerola e outras frutíferas, o que certamente garantirá o vaivém dos passarinhos e os sucos diários na safra.
A casa antiga conserva a magia. Se assim não fosse, não teria arrepiado o corpo inteiro logo ao reconhecer os primeiros cômodos. Aqui a sala de visita; ali o quarto de onde viu a bicicleta presente de Natal.
A sala de jantar tinha uma mesa comprida de madeira com banco de cada lado. Quando chovia forte, com trovões e relâmpagos, chuviscos passavam pelos furos no telhado, a meninada entrava debaixo da mesa para se resguardar. “Será que o mundo está acabando?” – era o temor.
Pode acontecer de os lugares mágicos da infância decepcionar ao serem revisitados anos mais tarde. Pode. Mas não foi esse o caso. Só de a casa estar ali firme nos adobes – prova da durabilidade daqueles tijolões de barro – foi uma alegria. Emoção gostosa ao relembrar do que ali foi vivido e curtido, sem saudosismo. Mesmo porque a vivência naquela casa faz parte da bagagem.
Entretanto, aquele trecho de rua mudou. Na esquina com a Rua Corrêa Machado tinha o açougue do senhor Nilo. Açougue não há mais. Do outro lado da esquina tinha um pé de manga comum. Atrás da mangueira havia barracões. Num deles morava dona Boneca com o marido Militão. Barracões não há mais.
O espectro da rua antiga continua nítido na lembrança. De vez em quando, ele cutuca a esperança de ser revivido. Então reviva, “ora bolas”, como diria o poeta Mario Quintana, com todo o seu bom humor.


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Por Alberto Sena - 13/1/2014 09:50:44
Confesso, em BH vivi

Alberto Sena

Vivi mais tempo em Belo Horizonte do que os 22 anos em Montes Claros, do nascimento até 1972. São mais de 40 anos de BH. Tempo suficiente para construir uma vida, sob todos os aspectos. Afora um ano e pouco vivido em Viçosa, Zona da Mata, todo o tempo foi aqui. Amo esta cidade.
A partir da capital rodei o mundo, pessoal e profissionalmente. Desses mais de 40 anos, 24 foram passados no jornal Estado de Minas, por meio do qual prestei bons serviços profissionais. Lá, trabalhei de repórter de setor (nomenclatura dada ao iniciante) a editor, de Agropecuária, Meio Ambiente e Economia. Lá, ganhei Prêmio Esso de Jornalismo, Prêmio Fenaj de Jornalismo e outros.
Do jornal Estado de Minas fui trabalhar, nesta ordem: no extinto Diário de Belo Horizonte, Hoje em Dia, Gazeta Mercantil, Fundep e prestei assessoria de imprensa a várias instituições. Publiquei centenas de reportagens. Tenho quase todas arquivadas. Por último, retornei ao Hoje em Dia onde fiquei até novembro de 2013.
Sou eternamente grato a Deus e a BH. Conheci a Europa, EUA, Israel, países da América do Sul (Equador, Colômbia, Argentina, Uruguai e Paraguai) e a Ásia (Japão, China, Coréia do Sul, Hong Kong, Tailândia e África do Sul). Fiz o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, duas vezes. Foram 500 e depois mais de 800 quilômetros, a pé, em 2001 e 2002. Fiz o Caminho da Fé quatro vezes, de Águas da Prata ao Santuário de Aparecida do Norte, também a pé, 300 quilômetros pela Serra da Mantiqueira.
A essa altura, o leitor paciente deve estar se perguntando: “Afinal, aonde esse cara quer chegar?” Quero chegar ao ponto de dizer que, depois de tudo, estou de malas prontas para viver o que me resta de vida (espero estar na metade) em Grão Mogol, cidade localizada na divisa do Norte de Minas com o Vale do Jequitinhonha. Terra natal do amigo Lúcio Bemquerer, que costuma dizer: “Há três cidades maravilhosas no mundo, nesta ordem, Grão Mogol, Rio de Janeiro e Paris”.
Concordo plenamente com ele. Aliás, é preciso dizer, a minha relação com Grão Mogol foi amor à primeira vista. Como montesclarino, nascido pelas mãos de Irmã Beata, nunca havia visitado Grão Mogol, distante de MOC só 143 quilômetros. Podia ter ido lá até mesmo a pé, de tão viciado em caminhadas. Gastaria menos de uma semana andando a média de 30 quilômetros por dia. Foi preciso morar esse tempão todo em BH para, há questão de dois anos, conhecer Grão Mogol.
Foi assim: o abençoado empreendedor Lúcio Bemquerer construiu lá o maior presépio do mundo perene e a céu aberto e me chamou para ajudar a divulgar a boa nova. Fui. Ao chegar lá senti forte sensação. Conclui: “Eis aqui o meu lugar”. Ao retornar a BH, passei dois anos martelando no íntimo do coração, onde os sonhos se realizam antes de concretizarem: “Vamos morar em Grão Mogol”.
Ajudou muito nessa decisão o fato de BH ter se transformado tanto ao longo de quatro décadas. Apesar do amor pela capital, é preciso admitir, a cidade está cada dia mais insuportável. O trânsito de veículos e de gente deixa qualquer um doente, tamanho o estresse. O ar poluído das grandes cidades provoca câncer. A constatação é da Organização Mundial de Saúde (OMS). A violência inibe as pessoas saírem de casa e nos impede de frequentar determinados lugares. As distâncias estão cada vez maiores. Aqui, o perto é longe. Como em São Paulo, outra cidade inviável em termos de falta de qualidade de vida.
Grão Mogol é hoje, depois de décadas parada no tempo, um terreno arado pronto para o plantio. É cidade histórica. Mas não se parece com nenhuma outra porque possui luz própria.
Grão Mogol lembra a Montes Claros da meninice, quando as famílias se sentavam às portas das casas para conversar e chupar picolé ou sorvete a fim de amenizar o calorão. Montes Claros de hoje está como BH atual. Cresceu. Virou metrópole. Absorveu todos os problemas verificados nas grandes cidades.
Em Grão Mogol, a pretensão é de semear sementes selecionadas para produzir bons frutos. A região é como um clube campestre. Por onde a gente anda há lindas paisagens e água em profusão. Lá o ar é puro. É possível viver bem naquele lugar. Tem qualidade. Lembra pueblos espanhóis.
Um dado importante: quem vai para Grão Mogol vai só para Grão Mogol. Quem quiser ir de lá para qualquer outro lugar precisa voltar. Esse impedimento geográfico torna a cidade um lugar seguro. Além do que a polícia vive de olho nos visitantes. À menor suspeita, aborda os desconhecidos a fim de saber o que pretendem ali.
Em virtude disso, as portas e as janelas das casas ficam abertas. Os vizinhos trocam oferendas. Todos se conhecem. O catálogo telefônico da cidade registra não o nome das pessoas, mas o apelido. Lá se pode subir serra e descer encostas. Cavernas várias convidam à visitação. O presépio atrai visitantes da região, do Brasil e do exterior. E acaba de receber uma bênção sacerdotal do Papa Francisco.
Por tudo isso e mais algumas coisas, neste dia 13 de janeiro de 2014 faço, aqui, para quem interessar possa a prestação de contas. Afinal, devo uma satisfação aos amigos. Claro, estamos indo – eu e Sílvia – mas não significa abandonar definitivamente BH. Não. Volta e meia estaremos aqui. Com internet se pode estar em qualquer lugar do mundo.
Como fixar residência novamente em Montes Claros é a mesma coisa de ficar aqui, não volto pra lá. Volto pra região onde as raízes estão plantadas, com muita vontade de assim ganhar asas.
Que Deus abençoe e guarde a todos os amigos – e os inimigos, acaso houver algum, pois não sei de nenhum. E, claro, nós incluídos.


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Por Alberto Sena - 6/1/2014 14:03:38
A faca, o queijo e a goiabada cascão

Alberto Sena

Encontra-se em gestação e possivelmente dentro de nove meses veremos a publicação de um livro especial sobre Montes Claros e os seus personagens da vida política, socioeconômica e showçaite, “mormente” – usei muito essa palavra no tempo do inesquecível “O Jornal de Montes Claros”, do jornalista Oswaldo Antunes – mormente a partir da década de 30, com destaques para as décadas de 60 e 70. O livro está sendo elaborado pelo administrador de empresa Wagner Gomes, baseado no acervo de fotos deixado pela mãe dele, Maria das Dores Guimarães Gomes, dona Dozinha, herança do marido dela, José Gomes, e que foi sendo ampliado por ela ao longo desses anos. O acervo agora é administrado por Wagner.
Imagino, será um livro riquíssimo. A gente sabe, uma foto vale por mais de mil palavras. Um acervo de mais de 2.400 fotos, boa parte delas inseridas em livro, devidamente acompanhado de textos curtos identificando os personagens e contextualizando o acontecimento ali registrado, só pode ser considerada uma publicação rica, senão relíquia.
Se, de fato, uma foto vale por mais de mil palavras, um livro com umas 250 fotos, a título de exemplo, terá quantas mil informações? No mínimo acredito mais de 500 mil informações a respeito desta nossa cidade, amada de paixão, que precisa ser mostrada e explicada para as gerações atuais e principalmente para as vindouras. Afinal, Montes Claros é cidade peculiar. E a sua gente, principalmente.
Após o falecimento de sua mãe, Wagner Gomes, esmiuçador da política mineira e brasileira em belos artigos publicados na revista “Viver”, de Paulo César Oliveira, o PCO, ficou com a responsabilidade de aumentar o acervo de fotos. Quase diariamente, ele publica as fotos no Facebook, para alegria de milhares de montesclarinos espalhados por esse Brasil varonil, porém um tanto mal frequentado por certos políticos, a nos deixar com a cara no chão de vergonha do que fazem indevidamente usando o nosso nome.
Pelo que já pudemos ver nas fotos, o conterrâneo deitará e rolará com a publicação do livro. Desde já, imagino o título, mas não adianto nada para não comprometer o impacto da publicação, porque promete ser das mais importantes. Correrá o mundo. Aonde existir um montesclarino ou quem admire Montes Claros, lá estará um exemplar do livro. “Maktub”. Ao final, nós todos teremos de admitir, não deve haver em Minas Gerais nenhuma cidade com sua história tão bem contada em livros como a de Montes Claros, a começar pela obra do inesquecível Hermes de Paula.
Considerando a sua importância, acredito, a publicação mexerá com muita gente, montesclarina ou não. Conheço uma pá de gente nascida em outras plagas, que gostaria muito de ter nascido em Montes Claros. A cidade, com o tamanho do seu coração, acolheu muitos nascidos em outros lugares, gente que diz hoje em dia com o maior orgulho, “sou de Montes Claros” nessa terra onde o chão passou a tremer de medo, certamente, das dinamites interessadas nos dólares provenientes da exploração de minério de ferro e pedras para a indústria de cimento.
Não tenho o dom de vaticinar nada, mas consigo visualizar como será a capa do bendito livro, desde já visto como preciosidade. Muita gente irá ao lançamento em Montes Claros e Belo Horizonte e haverá uma corrida às livrarias para adquirir um ou mais exemplares a fim de presentear amigos, parentes e quem mais alimentar o desejo de um dia ser adotado como cidadão honorário montesclarino.
Na empolgação para falar da novidade, desculpem-me, esqueci-me de alertar no início deste texto: tudo lido até aqui não passou de fruto da imaginação deste escrevinhador. Se Wagner Gomes tem ou não intenção de fazer do acervo de fotos um livro, sinceramente, ele nunca me disse nada. E nenhum passarinho me contou absolutamente nada a respeito de qualquer possibilidade nessa direção.
Mas bem que o conterrâneo podia pensar nisso, e coloco aqui tudo como uma sugestão. Porque você, caríssimo leitor, há de me dar razão quando imagino tudo isso: a faca, o queijo e a goiabada cascão estão nas mãos de Wagner.
Ele só não partirá o queijo pra comer se não quiser ou se não gostar de goiabada cascão.


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Por Alberto Sena - 23/12/2013 09:57:23
“Indústria da seca”
(Ou, a galinha dos ovos de ouro)

Alberto Sena

Para o engenheiro agrônomo Reinaldo Nunes de Oliveira – o Reinaldinho –, coordenador técnico da Emater-MG, o Norte de Minas amargou, neste ano, a “pior seca dos últimos 50 anos”, disse ele em artigo. Os prejuízos, na contabilidade dele, “ultrapassam a casa dos R$ 500 milhões, considerando as perdas de duas safras consecutivas de grãos, 2011/2012 e 2012/2013, e mais de 60% da produção de leite estimada em 600 mil litros/dia”.
Será que dá para dormir com um barulho deste? Como historia Reinaldinho, “a seca no Brasil data da época do império”. É cíclica. Nuns anos é de seca mais rigorosa noutros menos, mas o problema climático é antigo, anterior ao Brasil colonial. É, como se diz, “velho pra encardir”.
O próprio Dom Pedro I teve o bom senso de se ocupar com os efeitos da seca, como disse o agrônomo. Chegou ao ponto, imagina, de pôr “a coroa a prêmio para implantação de infraestrutura de convivência com a seca (...)”.
“Convivência”, a palavra-chave para abrir definitivamente a porta de entrada da solução do problema denunciado, na literatura, por Graciliano Ramos, no livro Vidas Secas; em filmes e no dia a dia pela mídia e por milhões de brasileiros. Uma coisa é criar infraestrutura capaz de conviver bem com a seca, de modo à quase nem sentir os seus efeitos. Outra, humilhante, é transformá-la em indústria.
A seca já serviu de plataforma para muitos políticos inescrupulosos. Dela fizeram e ainda fazem uso sem se sensibilizarem com o sofrimento de milhões de famílias, no sertão, mortas à míngua ou que tiveram de engrossar a massa em cidades como Montes Claros, a fim de se livrarem do sofrimento. Ou para sofrerem de outro modo.
Diante do quadro da seca repetido há séculos, no Norte de Minas, é o caso de apontar de dois um descaminho ou os dois simultaneamente para explicar o porquê de a região ainda sofrer com os maus humores climáticos: incompetência e ladroagem.
Até nós mais bobos sabemos, ao redor do mundo há cidades brotadas na areia do deserto. Criaram-se até rios para esverdearem a paisagem em lugares onde nem se plantando daria alguma coisa.
Alguém pode concordar e tentar justificar: “Nesses lugares rolam os petrodólares”. Claro, criar infraestrutura para tornar sadia à convivência da vida no Norte de Minas com a seca é preciso investir, sem roubalheira, na criação de meios capazes de atenuar os rigores climáticos. Quais sejam?
Com a palavra, os técnicos. A este escriba compete denunciar e cobrar soluções para os problemas socioeconômicos, políticos e ambientais, não necessariamente nesta mesma ordem. Se os técnicos daqui não têm ideias, busquem tecnologia no exterior. Em Israel, onde a irrigação é feita gota a gota, ou em outros países do Oriente Médio construtores de maravilhas em pleno deserto.
O que não pode mais continuar acontecendo – e se continuar a culpa é da própria sociedade norte mineira, apática, incapaz de tomar atitudes – é esse desgastante ciclo de secas, enquanto rios de dinheiro público jorram fazendo a riqueza dos detentores do poder, políticos eleitos porque prometeram indevidamente pôr um fim ao problema crônico.
A infraestrutura para assegurar aos norte mineiros boa convivência com a seca, segundo o agrônomo da Emater, está ao alcance, mas falta observamos, atitude política: “A construção de barragens nos rios e córregos ainda perenes, sistemas de abastecimento de água para os municípios do semiárido, reativação da construção das barragens de Berizal e Congonhas”.
“Caso contrário”, ele encerra o artigo com uma grave advertência, “o sistema de abastecimento de água de Montes Claros entrará em colapso”.
Medidas paliativas não irão criar infraestrutura para a convivência do sertanejo com a seca. Não irão levar empreendedores a investir economicamente na região.
Se o problema dos políticos e dos técnicos é, além da corrupção, falta de criatividade e competência para encontrar soluções, se lessem estas linhas com atenção encontrarão, aqui, caminhos para acabar com os descaminhos e a nossa vergonha de ver a seca sendo usada politicamente entra década sai década.
Devemos ou não aguardar a chegada de outro personagem com a coragem de Dom Pedro I? O do grito: “Independência ou Morte”. Reeditado, hoje, o grito seria dirigido aos políticos, às margens do Rio Verde Grande: “Competência e ética ou morte”.


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Por Alberto Sena - 16/12/2013 08:15:43
Aura sertaneja

Alberto Sena

Montes Claros, “Coração Robusto do Sertão”, no dizer de Francisco Sá, devia aprender a ganhar no dia a dia com a sua alma sertaneja, e até com a denominação do que lhe é intrínseco, cultural e turístico.
Imagina se ao trafegar pela Rua Dr. Santos, antes chamada Bocaiúva de uma ponta a outra, a gente descesse a Rua da Pitomba (eira)? Nada contra, evidentemente, o Dr. Santos, personagem até hoje considerado o maior administrador da cidade.
Dentro desse ideário, imagina se possível fosse mudar, duma hora para outra, os nomes das vias públicas da cidade. Ao invés de nomes de pessoas, receberiam denominações de árvores frutíferas e, também, das próprias frutas, flores, aves e animais quadrúpedes endêmicos do sertão norte-mineiro.
Particularmente, acharia ótimo nascer na Rua do Pequizeiro, uma das árvores mais generosas e importantes, sob todos os aspectos. Copa aberta, folhas, flores, tronco e galhos delicados, frágeis na sua rusticidade, os frutos do pequizeiro são riquíssimos. São complexos vitamínicos, e só isso justifica o cultivo dessa bendita árvore chamada de “Esteio do Cerrado” por Téo Azevedo, ganhador do Grammy.
Identificar as vias públicas com nomes de personalidades estimula de alguma forma, a vaidade e o uso político dessas pessoas homenageadas post mortem. Se ao contrário, os nomes fossem retirados das características que dão alma ao sertão e nele fazem brotar frutos endêmicos, Montes Claros a essa altura irradiaria sua luz com energia ainda maior.
Praças e ruas com nomes do tipo: da Jabuticaba (beira), do Araticum (zeiro), da Cagaita (teira), do Murici (zeiro), do Araçá (zeiro), da Pitanga (gueira), da Mangaba (beira), do Jenipapo (peiro). Bairros com nomes de árvores: do Cedro, do Angico, da Aroeira, da Imbuia, da Peroba. Logradouros com nomes de rios: Verde Grande, São Francisco, Urucuia, Lapa Grande. E com nomes de insetos: do Carrapato, do Marimbondo, da Abelha, da Muriçoca e assim por diante. O clima da cidade seria ainda mais hospitaleiro.
Wanderlino Arruda lembrou bem, semana passada, com o subsídio do historiador Hermes de Paula, os nomes antigos de ruas de nossa cidade. Montes Claros difere das outras cidades. Não precisa copiar nada de fora. Basta utilizar-se dos próprios recursos para arborizar as ruas com as árvores da região.
Já imaginou pequizeiros arborizando as praças? Cagaiteiras derramando os seus frutos no chão todo ano, para alegria de crianças de até mais de 100 anos? Claro, seria necessário colocar os espécimes certos nos lugares adequados. Não se poderia colocar pequizeiro em calçadas, sem o risco de as raízes estourarem o passeio.
Mais do que homenagear os personagens da história da cidade com nomes de ruas seria arranjar lugar para instalar um museu para contar a história da cidade até chegar aos tempos dos nomes que ainda estão acesos na memória, Tiburtina, Cyro dos Anjos, Hermes de Paula, Cândido Canela, Darcy Ribeiro, Mário Ribeiro, João Valle Maurício, Antônio Lafetá Rebello, Simeão Ribeiro Pires, Dulce Sarmento, além de vários outros.
Os europeus costumam explorar ao máximo os recursos turísticos e os valores locais, chegando ao ponto até de vender ilusões, como na Alemanha, onde uma cidade vive praticamente em função das histórias escritas pelos Irmãos Grimm, caso de Bremen.
Como mulher de coragem, Dona Tiburtina mereceria um bom espaço nesse museu. Nos dias atuais, pouco é divulgado a respeito dela, que surpreendeu o País e contribuiu para a chamada Revolução de 30 ao fazer o vice-presidente da República Fernando Melo Viana fugir de ré para BH no mesmo trem que o trouxera a Montes Claros.
Esse museu podia conter ala só de culinária norte-mineira, a partir da carne de sol. Dela se poderia contar a história remontando aos primórdios da região, antes, muito antes do advento da geladeira. O arroz com pequi também faria parte dessa ala e vários outros pratos.
O museu teria encenação permanente da nossa história, com os personagens replicados em cera. Tudo respaldado com literatura pertinente, agregada a vídeos e ao aparato tecnológico atual para bem contar a vida e a obra dos montesclarinos.
“Do tempo do bandeirante Antônio Gonçalves Figueira ao do antropólogo, indigenista, escritor, político etc., professor Darcy Ribeiro”, esta seria a inscrição na entrada.


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Por Alberto Sena - 9/12/2013 08:33:32
“Vamo’simbora” viver

Alberto Sena

Na semana passada faleceram dois amigos da mesma safra de montesclarinos, dos tempos vividos em Montes Claros. Um deles, o dentista Antônio Leão Coelho Filho e o outro, o arquiteto Aliomar Veloso Assis.
É difícil, mas precisamos nos conformar desde sempre, o inevitável vem para cada um quando é chegado o momento. Nada acontece antes.
Não há o que lamentar nos casos de Toninho e Aliomar, sabendo dos bons serviços prestados por ambos à comunidade montesclarina em meio a qual eram queridos. Foram cidadãos exemplares, criaram família, viveram o que para eles estava previamente traçado, apesar da sujeição ao livre arbítrio.
Só existe vida. Essa é a certeza. O que se sucede é como simples ato de atravessar o umbral da porta ou passar pelo parapeito da janela, entrar em dimensão desconhecida. A vida segue o seu curso inexorável e é justamente este o ponto intrincado para quem se encontra do lado de cá e fica a chorar a falta do ente querido.
Cada um tem o direito de encarar o momento derradeiro, neste plano de vida, da maneira como melhor lhe convier. Muitos dirão não temer a morte em si, mas a maneira como tudo poderá se dar, o que não deixa de ser uma forma de evitar encarar a questão de frente. É o que a psicologia chama de “misoneísmo”, o medo do novo, do desconhecido.
Mas há algo mais antigo do que a morte? Já devíamos estar acostumados com ela. Muitos dirão, falar é fácil, vivenciar as situações é difícil.
Com Toninho Leão e Aliomar tivemos convivência durante o período de adolescência e início da fase adulta, quando a Praça de Esportes viveu dias de efervescência, centro onde acontecia quase de tudo em matéria de esportes e diversão.
De Aliomar guardo os dias em que disputamos peladas na pista gramada da Praça de Esportes e também disputas de pingue-pongue debaixo do telhado próximo da piscina grande. Foi um convívio rápido. Não nos encontramos mais depois dos 22 anos de idade.
Sobre Toninho, embora o convívio também tenha sido curto, marcou-nos mais três acontecimentos que aproveito o ensejo para narrar. O primeiro foi no final da década de 50. Tínhamos de participar, no cine Coronel Ribeiro, de uma chamada da Escola Normal Professor Plínio Ribeiro para o início da nova turma de alunos entrantes na 1ª. Série ginasial.
Todas as cadeiras estavam ocupadas. Acostumado a frequentar o cine aos domingos, duas horas da tarde, quando a meninada gritava ao surgir na tela um dos caubóis da época, Rock Lane, Roy Rogers e Rex Alen, era estranho estar ali para participar de algo nada relacionado com cinema.
Sentado ao meu lado se encontrava um adolescente desconhecido, vibrante, irrequieto. Logo travamos conversação dividindo as expectativas de a qualquer momento surgir alguém no palco para prestar informações a respeito do início do curso. Antônio Leão Coelho Filho era o nome dele.
Qual não foi a nossa surpresa, dias depois ao descobrirmos, éramos colegas de sala?! Sentamo-nos juntos casualmente ali no cine Coronel Ribeiro. Fomos, em seguida, selecionados para a mesma classe. Achamos isso uma boa coincidência. Anos depois, em finais da década de 60, encontramo-nos novamente no TG 87 – Tiro de Guerra.
Depois disso, a corrente da vida nos separou e dele tinha notícias esporádicas, até receber a nota de seu falecimento por meio do Facebook.
O outro lado, o lado dos que vão e não voltam mais, deve ser um lugar maravilhoso. Nunca ninguém voltou em carne e osso para contar. Particularmente, tenho curiosidade em saber, mas como nesse campo todo tipo de especulação é possível, prefiro aguardar o meu momento, sem me preocupar com o tema porque seria estupidez querer lutar contra a corrente natural da vida.
Enquanto isso, o melhor a fazer é viver. E viver com qualidade para aproveitar ao máximo de todo momento porque, sabemos, mais dia menos dia...
Quando nascemos morremos para a vida uterina. Nascidos para o mundo, vamos morrendo todo dia, até o momento definitivo. O melhor a fazer é nos solidarizarmos com os parentes dos que já foram e cada um procurar viver a própria vida sem se ocupar com a vida alheia. Viver é o verbo a ser praticado.
A vida é bela. O planeta é lindo. Precisamos ter olhos de ver e alma de viver as belezas encontradas em derredor.
Como ninguém sabe a hora, ‘vamo’simbora’ viver.


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Por Alberto Sena - 5/12/2013 14:31:30
Grão Mogol tombada - Alberto Sena - O Núcleo Histórico de Grão Mogol, no Vale do Jequitinhonha, será tombado pelo patrimônio público municipal e estadual. O processo de tombamento está em curso, conforme noticiou hoje o promotor de Justiça, Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico do Estado de Minas Gerais. Ele conduziu uma audiência pública na Casa da Cultura para tratar do tombamento do Núcleo Histórico da cidade com a participação cerca de 120 pessoas.
O promotor garante o interesse de todos em assegurar a preservação do Núcleo Histórico de Grão Mogol o quanto antes “para evitar o que se deu em Conceição do Mato Dentro, com a presença de mineradoras”. Grão Mogol tem características próprias, é histórica, data do século 18, mas não se parece com nenhuma das demais cidades, como Diamantina e Ouro Preto.
Participaram da audiência membros do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep), órgão colegiado, deliberativo, subordinado à Secretaria de Estado de Cultura. Ao Conep compete deliberar sobre diretrizes, políticas e outras medidas em defesa e preservação do patrimônio cultural do Estado de Minas Gerais. Decide sobre tombamentos e registros de bens culturais.
Com o tombamento, Grão Mogol terá alguns benefícios em curto prazo, e alguns deles citados pelo promotor são: aporte de recursos para o núcleo; valor agregado aos imóveis; diretrizes específicas sobre padronização, o que pode e o que não pode fazer; vedação a torre de telefonia; todo cuidado com a altimetria das construções; fim da poluição visual; rede elétrica subterrânea, entre outras vantagens.
“Os estudos estão sendo feitos tendo por base um trabalho consistente; temos razões de sobra para isso”, disse o promotor. Grão Mogol, dentre os 853 municípios mineiros, ficou entre os 29 que terão os benefícios do tombamento. Segundo ele, “o que não impede o crescimento e o desenvolvimento”.
Conforme os estudos em curso, o tombamento vai ser feito a partir do Presépio Natural Mãos de Deus, na Rua Hilário Marinho, 160, passando pela Praça São Sebastião; e do outro lado, lateral do Ribeirão do Inferno até o Núcleo Histórico, onde a Rua Cristiano Relo é a mais famosa, também chamada de Rua Direita.
AÇÃO CIVIL
O promotor Marcos Paulo Miranda informou ter entrado com uma Ação Civil Pública contra o Estado de Minas Gerais, pela regularização de fato do Parque Grão Mogol. Segundo ele, “o parque existe só no papel”. Apenas 17% da sua área de 28 mil metros quadrados estão regularizadas. O parque carece de tudo, desde guardas, veículo, centro de visitante “e possui potencial enorme”.


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Por Alberto Sena - 2/12/2013 08:06:58
Tempos montesclarinos

Alberto Sena

Quando principiava o fim do ano, os meninos e as meninas gostavam mais de Montes Claros. No final do ano, com a chegada das férias escolares, a cidade recebia mais gente de fora. Os montesclarinos estudantes em BH retornavam, e, então, Montes Claros vivia uma festa.
Para tudo ficar mais gostoso, o principiar do fim do ano coincidia, e ainda coincide, com as chuvas benfazejas e a safra das frutas do Cerrado, tendo pequi como o principal personagem da festa, essa que infesta até hoje o sertão.
Só não enxergava a festança quem não tinha olhos de ver. Uma ida ao Mercado Central bastava para tirar dúvida quem porventura tivesse alguma.
Ind’agorinha, quem quiser encontrar pequi, manga de espécies várias; pitomba, tamarindo, pinha e outros frutos, é só ir lá, de preferência a pé, porque o trânsito de veículos está insuportável. Mas não se apoquente, vai piorar um pouco mais.
O Mercado Central, como ia dizendo, é um dos atrativos de Montes Claros. Não sei se ainda é possível, mas algum tempo atrás, compravam-se doces, em barras, de marmelo, de cidra e de mamão. E, claro, como não poderia deixar de ser, carne “serenada” também. Essa história de “carne de sol” é balela.
Com o advento da geladeira, a carne de sol verdadeira, aquela exposta à luz solar, desapareceu. Se existe ainda é lá pros cafundós, porque o que se faz por aí é salgar a carne e deixá-la no varal, quando muito, ou pendurada nos ganchos dos açougues. Isso pode ser feito em qualquer lugar. Depois é só batizar: “Carne de sol de Montes Claros, de Frei Inocêncio, de...”
No tempo em que a geladeira não existia no Norte de Minas, era comum salgar a carne para garantir o consumo nos dias seguintes. A carne era exposta ao sol. Desidratada, tornava-se “carne seca”. E havia quem a comesse tirando lasca, cozida ao sol.
Montes Claros ganhou fama com a “carne de sol”. Ainda hoje, aqui, em BH há quem peça “carne de sol” ao saber da ida de alguém ao Norte de Minas. Há quem se lembra do requeijão, “de Salinas, uma delícia!” Sem falar da cachaça. “Pinga, eu tomo é tendo”, dizia o jornalista Hélio Ferreira César, da época do jornal Estado de Minas. “Não tendo, não tomo”, emendava.
Apesar de todo o crescimento desordenado, a cidade e a região conservam particularidades que lhe deram fama. Houve um tempo em que possuiu cassino. E vinham jogadores de todos os cantos tentarem a sorte, dispostos matar ou morrer.
Depois da proibição dos cassinos, Montes Claros passou a ser conhecida como terra do boi. Imagina, teve até frigorífico, o Frigonorte. Depois do boi, ganhou fama com o distrito industrial, no auge da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que tinha no economista e sociólogo Lúcio Bemquerer um baluarte.
Depois veio o período do carvão vegetal, seguido do “ouro branco”. Não fosse o bicudo, o algodão estaria fazendo a riqueza do Norte de Minas até hoje. Aos poucos, a produção vai sendo retomada com o cultivo de espécie resistente à praga.
Montes Claros tornou-se conhecida também pela cultura, disseminada por Cyro dos Anjos e Darcy Ribeiro, só para citar dois grandes; além da sua imprensa, que na década de 60/70 revelou valores para a mídia da capital e de fora do Estado.
Montes Claros, enfim, ganhou o Brasil e o mundo por meio do comércio forte de cidade polo de tudo vindo do Nordeste brasileiro. O que se acentua mais ainda nos dias atuais com a BR 251, já pedindo socorro, precisando ser duplicada.
Montes Claros, enfim, tornou-se conhecida mesmo como terra de mulher bonita. Gente queimada de sol do sertão. E pela hospitalidade, que muitas vezes lhe valeu abuso de gente inescrupulosa.
Sobrevivente a tanta administração pública sofrível, não serão os tremores de terra que impedirão Montes Claros de seguir a sua sina de cidade polo.
E aproveitando a oportunidade desta conversa à mesa, ao redor da panela de arroz com pequi, as eleições vêm aí.
É importante, desde já, fazer alongamento, esquentar os músculos para exercitar o senso crítico, político. “O pior analfabeto é o analfabeto político”, dizia Bertolt Brecht, dramaturgo alemão.
Não se pode deixar a violência urbana e a ação dos maus políticos mudarem a boa fama de Montes Claros. Sob o risco de comprometimento das gerações de hoje e as futuras.


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Por Alberto Sena - 21/11/2013 08:13:30
Papa Francisco envia bênção ao Presépio de Grão Mogol

Alberto Sena

Uma carta do Papa Francisco pegou de surpresa o sociólogo e economista Lúcio Bemquerer, construtor do Presépio Natural Mãos de Deus, tido como o maior do mundo, em Grão Mogol, Norte de Minas/Vale do Jequitinhonha.
Às vésperas de a obra completar dois anos, “foi gratificante receber a Bênção Apostólica enviada pelo Papa a todos nós, a mim, a minha família e aos quase 40 mil romeiros que já visitaram o presépio e também aos que ainda visitarão, pois é para todos”, disse Bemquerer.
Logo após a inauguração da obra, quando o cetro papal ainda estava com o alemão Bento XVI, Bemquerer ia formalizar o convite ao Papa para visitar Grão Mogol, a fim de conhecer o presépio. Mas, logo, ele passou o cetro papal a Francisco, e a ele Bemquerer escreveu pedindo uma bênção especial, quando da sua recente visita ao Brasil.
Agora, por intermédio do arcebispo metropolitano de Montes Claros, Dom José Alberto Moura, o Papa Francisco enviou uma carta abençoando a todos, Bemquerer, a família dele e os romeiros que visitaram e os que ainda vão visitar o presépio.
O construtor do presépio se mostrava radiante com o recebimento da carta, assinada por Dom Agnelo Becciu, da Secretaria de Estado de Sua Santidade, já que o Papa não assina correspondência, explicou Bemquerer.
Eis a íntegra a carta do Papa: “Sua Santidade o Papa Francisco alegrando-se com a benemérita iniciativa evangelizadora do Presépio Natural “Mãos de Deus”, na cidade de Grão Mogol, do Estado de Minas Gerais, saúda o seu autor, o senhor Lúcio Bemquerer, familiares e todos os romeiros que o visitam. A contemplação do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo revigore o seu compromisso cristão como construtores de paz, fraternidade e harmonia. Com estes sentimentos e votos o Santo padre pede oração a todos e a todos concede como penhor de constante assistência divina, a implorada Bênção Apostólica”.
No catolicismo, é tradicional a Bênção Apostólica que o Papa invoca sobre todos os que a recebem. Como sucessor de Pedro e Vigário de Cristo, ele tem essa dignidade, segundo a visão da Igreja Católica Apostólica Romana.
O Presépio de Grão Mogol vai completar dois anos em 9 de dezembro próximo. Desde a inauguração, a obra desperta a atenção de cristãos de toda parte, de Minas, do Brasil e do exterior.
ESTRELA GUIA
O grupo Estrela Guia, de Folia de Reis, composto de 20 membros liderados por Jailson Varjão, de Montes Claros, fará uma apresentação no presépio, às 20h deste sábado. Segundo Jailson, “nós vamos reverenciar o presépio e fazer “guaianos” a Nossa Senhora, a Mãe de Jesus”. A apresentação será gravada e transmitida pela TV Cultura.
(Mais informações: 38 3238-1316, Presépio Mãos de Deus, Grão Mogol).


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Por Alberto Sena - 18/11/2013 11:27:46
De pequi e do fim do Rio São Francisco

Alberto Sena

O ar de Montes Claros denuncia a chegada da safra de pequi. Nesta época, o cheiro exala das portas e das janelas das casas. Quem quiser comprovar isso, basta andar pelas ruas dos bairros de Montes Claros para sentir o aroma delicioso, estimulador do apetite, exalado da panela de arroz com pequi na cozinha de todas as casas.
Disse todas? Corrijo: quase todas, porque há quem não gosta de pequi. Quem gosta nunca fica sem roer algumas dezenas todo ano. Até congela e tem pequi o ano inteiro. Quem não gosta, detesta. Faz cara de muxoxo.
A minha relação com o pequi é telúrica. E vem de longe. O corpo fala. Às vezes, exige. Ai de mim se não conseguir satisfazer o desejo do corpo de usufruir das vitaminas, dos sais minerais e da gordura saudável do pequi. Se isso acontecer, um dia, é capaz de a terra tremer. O que não é impossível se for levado em conta as ocorrências de tremores em Montes Claros, capacidade adquirida não se sabe por que cargas de dinamite, quer dizer, d’água.
Houve uma vez, década de 70, vindo da capital, de trem, o vizinho de cabine-leito era o poeta Cândido Canela (1910-1993). No embalo do sacolejo do trem, vendo a paisagem sertaneja passar veloz, regamos conversa sobre política brasileira. Falamos baixo porque as ferragens do trem podiam ter ouvidos em tempo de ditadura militar.
Conversamos sobre os livros “Lírica e Humor do Sertão” (1950) e “Rebenta Boi” (1958), para logo abordarmos a inevitável defesa da bendita árvore chamada por Téo Azevedo de “Esteio do Cerrado”, Sua Excelência, o Pequizeiro.
Cândido debulhou como se debulha milho a sua luta em defesa do pequizeiro; mencionou uma Lei Municipal de sua autoria criada para proteger o pequizeiro; lembrou o acordo tácito existente no sertão, onde o sertanejo dependente não levanta o machado para o pequizeiro; analisou, enfim, a importância socioeconômica do pequizeiro, de cujos frutos dependiam e ainda dependem milhares de famílias no sertão brasileiro.
O tempo passou voraz, mais veloz do que o trem de ferro do sertão, estupidamente vítima dos governos, da ganância de ‘lobitas’ rodoviários e da indústria automobilística. Veio, então, a década de 80. Depois de uma série de reportagens publicadas no jornal Estado de Minas, conseguimos a edição de uma portaria proibindo o abate de pequizeiros no território nacional.
Na época, havia o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), hoje Ibama. O superintendente do IBDF, Antônio Gonçalves telefonou de Brasília para informar: “Neste momento, assino uma portaria (...)” que os defensores do pequizeiro, como Cândido Canela, Téo Azevedo, Hermes de Paula e tantos outros ansiavam.
E por falar em Hermes de Paula, ele desmitificou a acreditada capacidade afrodisíaca do pequi. Segundo me disse uma vez, o pequi não possui substância afrodisíaca. O que acontece é que se trata de um complexo vitamínico. É riquíssimo em vitamina A, principalmente.
O sertanejo, explicava Hermes, passa mal boa parte do ano à espera do pequi. Quando vem a safra, ele se farta de pequi. Fica bem alimentado, forte “e nove meses depois nascem os filhos do pequi”.
Lá em casa, três da nossa família fazem aniversário no mês de setembro. Meu pai (in memorian), Wanda, minha irmã, e eu. Fomos concebidos, então, em plena safra do pequi. Somos, portanto, filhos do pequi. Daí a força da nossa relação telúrica com o Cerrado e os seus frutos.
Quem conhece os frutos do Cerrado não morre de fome acaso perdido e sem comida no meio do mato. Temos cagaita, araticum, araçá, jenipapo, marmelada de cachorro, pitomba, goiabinha, cajuzinho do mato e tantos outros.
Garanto, a essa altura da conversa, se Cândido Canela e Hermes de Paula estivessem no meio de nós estariam enfronhados numa baita campanha de salvação do Cerrado Brasileiro, que míngua a cada ano.
Do Cerrado, guardião das veredas, potenciais rios, depende o Rio São Francisco, fadado a desaparecer do mapa sob a indiferença da mídia brasileira. Dentro de duas décadas, o rio da integração nacional será tragado, enfim, pela irresponsabilidade e a maldade dos governos federal, estaduais e municipais; dos empresários, que envenenaram as suas águas e da própria sociedade brasileira, apática, que, no mundo do faz de conta, não enxerga problema de tamanha gravidade e importância.


76468
Por Alberto Sena - 14/11/2013 17:46:59
Prêmio ao presépio de Grão Mogol

Alberto Sena

Perto de completar dois anos, em 9 de dezembro, o Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão Mogol, Norte/Vale do Jequitinhonha tornou-se o mais atraente marketing para o turismo religioso da região. Considerado o maior do mundo, na categoria de “natural, perene e a céu aberto”, a notícia do presépio ecoa cada vez com mais força pelo Brasil e o mundo e da maneira como se pode espalhar com mais eficiência uma boa nova, por meio do boca a boca, principalmente.
No dia 13 deste mês, no auditório da Fiemg, o presépio foi “Hors Concurs” no prestigiado “Prêmio Primeira Linha” idealizado pelo jornalista José Lopes, do Jornal Primeira Linha, de Belo Horizonte. A promoção elege personalidades empreendedoras e homenageia cada uma delas nas categorias “Prata, Ouro, Diamante e Hors Concurs”. Trata-se, segundo Lopes, “da maior festa de confraternização e valorização do Quem é Quem de Minas Gerais”.
Quem conheceu o início da promoção dele vai se recordar de que o “Prêmio Primeira Linha” surgiu a partir do “Prêmio Confiança & Trabalho”, concedido pelo jornal “Diário do Comércio”, quando Lopes trabalhava lá. Isto foi no século passado. Com o tempo, a promoção “cresceu e enriqueceu, o que muito se deve à qualidade dos agraciados, que transferiram ao prêmio parte de seu brilho”, comentou o jornalista.
Prestígio. Isso explica o fato de a premiação ter sido concedida ao construtor do presépio, Lúcio Bemquerer. A obra, feita em oito meses, evidentemente, é o centro das atenções, mas não se pode negar, o prestígio do empreendedor influiu ao dar mais fluência à notícia de que o maior presépio do mundo havia sido construído em Grão Mogol.
Lúcio tem trânsito e reconhecimento nas áreas política, empresarial e social. Desde que voltou, definitivamente, para Grão Mogol, em 2010, a cidade ganhou mais evidência. O presépio é o maior sinal do desprendimento dele, que não faz uso político do prestígio desfrutado. O presépio é o cumprimento de uma missão que, em breve, Lúcio vai contar em livro de memórias.


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Por Alberto Sena - 11/11/2013 08:04:03
A 1ª calça jeans ninguém esquece

Alberto Sena

A minha primeira calça jeans era da marca Lee. Foi de segunda mão. Cícero Cruz, “Cuecão” apelidado, veio um dia oferecer a calça embrulhada num papel. Era artigo raro em Montes Claros, naquela época, década de 60.
Os Beatles estouravam no mundo e aqui concomitantemente os hoje velhinhos Chico, Caetano, Gil, Roberto Carlos e outros da mesma safra, ainda em atividade, comandavam os espetáculos, que nos chegavam via rádio e jornais porque TV ainda era chuvisco com bucha de aço na antena.
“Cuecão” chegou com o seu jeito “chapleniano” de andar e perguntou se interessava pela calça. Era desbotada, e por ser desbotada, disputada pela moçada porque tinha semelhança com as calças dos artistas estadunidenses vistos nas telas dos cines Coronel Ribeiro, Fátima e São Luís.
Montes Claros e o Brasil viviam os dias mais tormentosos da ditadura militar, no final da década, com censura prévia à imprensa. No “O Jornal de Montes Claros” havia um militar na redação. Ele lia as matérias antes de serem entregues aos linotipistas Andrezzo e Milton.
A moeda corrente era Cruzeiro e foi preciso pedir dinheiro emprestado para comprar a calça Lee desbotada porque “Cuecão” já se dispunha a oferecer a relíquia a outro. A calça ficou certinha no corpo. Parecia ter sido feita a propósito. Faltava só experimentá-la com um cinto de fivela grande e prateada para tudo ficar no jeito.
A essa altura da narrativa, o leitor curioso pergunta por que mesmo Cícero Cruz tinha o apelido de “Cuecão”. Salvo engano, porque quando jogava futebol, tanto nas peladas do antigo campo do União como no estádio João Rebello, no Ateneu, ele usava calção abaixo da cintura parecendo cueca caindo.
Apelido explicado, dinheiro repassado a ele, o passo seguinte foi pedir para lavar a calça e depressa deixar pra secar na secadora natural, quer dizer, no telhado da casa. Com esse sol de Montes Claros, o melhor lugar para secar calça jeans é no telhado.
Em pouco tempo a calça estava no ponto de vestir. Era só sacudir. Passar a ferro não convinha, deixava vinco. E calça Lee com vinco, nem pensar.
O gostoso era que se podia usá-la durante uma semana inteira sem tirá-la do corpo. Acontecia de alguém gracejar: “Quando tirar, essa calça irá andando para o tanque”.
Os cabelos eram grandes e a barba também, por um lado estimulados pelos Beatles e por outro para cumprir a promessa feita de deixar tudo crescer, após cumprir um ano exaustivo de Tiro de Guerra.
Ainda hoje calça jeans é a mais recomendável na hora de viajar, principalmente ao exterior, sem precisar encher a mala de roupas. Uma calça jeans, algumas cuecas e camisas resolvem o problema para qualquer homem desprendido de vaidades cultivadas na juventude. Com a vantagem de não precisar carregar mala grande e pesada.
Revisitando aquela época, quando o Brasil se tornou tricampeão mundial de futebol, se pode comparar com os mascates dos velhos tempos os jovens montesclarinos que rumavam para a capital a fim de estudar.
Os mascates foram precursores das novidades. Chegavam à cidade com diversos produtos de cama e mesa, roupas masculinas e femininas e visitavam as casas. Esses tipos lembram os personagens do escritor colombiano Gabriel Garcia Marques, em Macondo, no livro Cem Anos de Solidão.
Quando os jovens estudantes montesclarinos voltavam da capital, nas férias ou em determinadas datas comemorativas, vinham sempre com alguma novidade. A calça Lee foi uma delas e a moda se expandiu como água, de modo que hoje em dia todo brasileiro veste jeans parecido, de marcas várias. No início, as novidades demoravam chegar a Montes Claros. Dependiam dos montesclarinos de BH.
Para corroborar o dito, na década de 60, em Montes Claros, um só conterrâneo tinha aparelho nos dentes. E por isso, ganhou o apelido de “Boca de Ouro”, título do texto de Nelson Rodrigues levado às telas por Nelson Pereira dos Santos, dirigido por Jece Valadão e Daniel filho. Hoje, aparelho dentário está em quase todas as bocas.
As calças Lee ainda existem. Estão por aí disputando espaço com as demais marcas de jeans, qual modela mais o corpo de homens e de mulheres. Mais de mulheres do que de homens.


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Por Alberto Sena - 4/11/2013 08:36:17
O jogo da bolinha de gude

Alberto Sena

O tempo de jogar bolinha de gude era percebido nos ares. Vinha precedido de uma sensação transbordante de alegria, e então se sabia necessário palmilhar o quintal pedregoso em busca das bolinhas arremessadas ao léu no final da temporada anterior.
Sempre se podia encontrar uma bolinha de gude no quintal semicoberta de terra. Quando a gente queria encontrar algo perdido bastava concentrar o pensamento no que perdera e imaginar o lugar onde podia estar. Batata! Encontrava fácil. Não precisava apelar para “são longuinho” e muito menos dar três pulinhos.
Feita a prospecção pelo quintal e encontradas algumas bolinhas de gude, bastava. O outro passo era chamar Niro, Xeba, Roldão e outros meninos vizinhos da Rua São Francisco, em Montes Claros. E assim acontecia o milagre das latas cheias de bolinhas de gude, cada uma mais bonita do que a outra.
Linda era aquela em cujo interior havia uma imagem semelhante ao olho de gato. Muitas vezes se podiam dedicar minutos contemplando cada uma. Punha em frente ao rosto no rumo do sol só para visualizar com mais nitidez o interior delas.
Qualquer pessoa adulta que tenha preservado o espírito infantil pode jogar bolinha de gude em qualquer tempo. Mas é importante encontrar um local apropriado, plano e de terra nua e crua. De preferência, com os pés descalços, a fim de manter contato telúrico de primeiríssimo grau.
Pode ser que outras pessoas jogassem bolinha de gude de modo diferente, mas o melhor era abrir um pequeno buraco no chão. Havia um bocado de nomes estranhos pra esse buraco feito no chão. Os meninos de então o chamavam de “biloia”.
Aberta a “biloia”, iniciava o jogo aquele que se aproximasse mais ou conseguisse jogar a bolinha diretamente dentro dela. Quem na primeira jogada acertasse a “biloia” já podia tentar quicar a bolinha do adversário.
Se não conseguisse quicar a bolinha do adversário, este antes de qualquer coisa tinha de jogar a dele dentro da “biloia” para também ganhar o direito de quicar a do outro. O que quicasse a bolinha do outro ganhava uma de prêmio. Daí o ponto mais gostoso da brincadeira.
Pra ser um bom jogador de bolinha de gude era necessário possuir pontaria boa. E, sobretudo, ter um bom manejo dos dedos polegar, indicador e médio. Com o dedo polegar tocando embaixo do dedo médio, era possível armar uma alavanca. A bolinha ficava entre o nó do dedo polegar e o dedo indicador, enquanto se fazia a pontaria.
Convinha aprumar bem a pontaria para alavancar o dedo polegar e arremessar a bolinha na linha traçada pelo olho até a do adversário. Se a pontaria fosse boa não havia bolinha adversária que ficasse no lugar. E dependendo da força colocada na bolinha disparada esta espatifava a do outro.
Quem costumava jogar muito bolinha de gude, o dia inteiro e a noite até a hora de ir para a cama podia ser chamado de viciado. Um menino viciado no jogo de bolinha de gude tinha a unha do dedo polegar rachada. E ficava na carne viva.
Então, se alguém que conservou o espírito infantil, não obstante a rudeza da vida adulta quiser entrar numa de jogar bolinha de gude, é preciso ter muito cuidado. O jogo de bolinha de gude vicia.
O mais gostoso era quando a uma distância de metros conseguia acertar a bolinha do adversário de modo tão certeiro que ocupava o mesmo espaço da bolinha dele, arremessada longe.
Havia outra maneira de jogar bolinha de gude, assim: um triângulo era desenhado no chão e nas linhas dele eram postas bolinhas separadamente umas das outras, formando um triângulo colorido.
Os participantes tomavam uma boa distância, tiravam o par ou ímpar, e o primeiro jogava a bolinha na direção do triângulo colorido. Podia acertar, numa só jogada, várias bolinhas, jogando umas contra as outras.
Hoje em dia existe alguém que ainda jogue bolinha de gude? Pode ser que em algum rincão deste País crianças descalças joguem bolinha de gude abrindo “biloias” no chão. Lá aonde a tecnologia ainda não chegou. Naquele lugar perdido onde as crianças fazem os próprios brinquedos.
A última vez em que a alavanca dos dedos polegar, indicador e médio disparou a última bolinha de gude parece tão recente, como o dia de ontem.


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Por Alberto Sena - 28/10/2013 13:26:15
Sabedoria do velho na esquina da vida

Alberto Sena

No tempo em que se podia sentar à porta de casa com a família e os vizinhos a fim de bater-papo e fugir do calorão, Montes Claros fazia cem anos. Era uma cidade pacata, embora mantivesse a fama de lugar de gentes valentes, haja vista o episódio político de 1930, protagonizado por Dona Tiburtina, mulher do Dr. João Alves, que fez o presidente Melo Viana voltar para a capital de marcha a ré, na Maria Fumaça que o levara a Montes Claros. Dona Tiburtina tornou-se até personagem do jornalista, escritor e deputado federal Fernando Gabeira, no livro “Sinais de Vida no Planeta Minas”.
Ademais disso, Montes Claros, pode-se dizer, era um lugar que tinha qualidade de vida. Acredite, esse tempo existiu. Para não deixar de lembras das pessoas que não perdem a oportunidade de reclamar das coisas, os problemas sempre foram relacionados ao período das águas. Uns anos choviam bem noutros era seca brava.
Naquele tempo em que podíamos sentar nas calçadas com os vizinhos aconteciam de vez em quando um e outro assassinato, inclusive de ordem política. Acontecia de o pistoleiro matar e fugir pra Jaíba.
Jaíba de hoje já foi um lugar onde se podia refugiar e na maioria das vezes a polícia não ousava nem ir lá. Houve inclusive, na década de 60, o famoso caso do posseiro Saluzinho, que enfrentou homens do 10º Batalhão e do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), de Belo Horizonte, escondido numa caverna. Jogaram bombas de gás lacrimogêneo na caverna para obrigá-lo a sair e ele só saiu quando quis. Hoje, Jaíba é sinônimo de prosperidade.
Montes Claros d’agora não dá nem para comparar àquele tempo em que se podia sentar com os vizinhos nas calçadas. O intento nem é fazer comparações, mas lembrar da existência de um tempo assim para que as pessoas possam idealizar algo novo para resgatar a qualidade de vida da cidade.
As cidades grandes precisam parar de crescer. E as médias e pequenas convém ficarem como estão porque não é a expansão horizontal ou vertical sinal do verdadeiro progresso de uma cidade, e sim, como a cidade é cuidada para o bem-estar dos seus habitantes.
Paradoxalmente, Montes Claros é linda vista do alto e mais no fim da tarde quando as luzes se acendem. Nesse momento se pode constatar a expansão horizontal e vertical da cidade.
Mas o progresso não deve ser medido baseado só na economia. Antes é melhor ser do que ter. A sociedade que conjuga o verbo ser certamente colherá por acréscimo os frutos econômicos.
Montes Claros possui lindo nascer e pôr do sol. Os mais bonitos do planeta. Nos arredores da cidade há muito que fazer e divertir, mas a urbe em si não oferece condição aos cidadãos de transitarem pelas ruas em segurança.
A insegurança pública é um fator preponderante. Ela estimula o preconceito. Gera o medo. E até mesmo alucinações em pessoas que desconhecem a força do temor. “O que tememos acontece”, dizia um velho deitado na esquina da vida.
O que fazer para melhorar Montes Claros com as suas estreitas ruas abarrotadas de carros, motocicletas, bicicletas e, sobretudo gente da terra e de vários lugares de Minas e do Brasil? A pergunta salta, inopinadamente em busca de resposta. Quem tiver uma dê um passo à frente.
Como tudo abaixo de Deus está relacionado com a política, que tal reunir a uma mesa redonda um grupo de pessoas amantes da cidade, independentemente de partido político, a fim de trocar ideias sobre ações para tornar Montes Claros um bom lugar onde viver?
Um plano diretor é preciso, diria Fernando Pessoa se fosse mais da terra do que do mar. Porque é necessário, deve ter precisão, tendo em vista a Montes Claros das próximas cinco décadas. Pensar hoje nisso e tomar atitude nesse sentido é a mesma coisa que projetar o futuro.
Quem ama verdadeiramente a cidade deve agir agora, porque o tempo em que se podia sentar nas calçadas com os vizinhos é só uma lembrança. No máximo poderá servir de parâmetro para ideias novas.
Nesse mundo movido pela tecnologia, considerando o que desponta na linha do horizonte da vida dos que aqui estão e muito mais na daqueles ainda no útero materno, urge repensar Montes Claros. “Antes tarde do que mais tarde”, como dizia o velho deitado na esquina da vida.


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Por Alberto Sena - 20/10/2013 12:09:02
Tipos humanos montesclarinos

Alberto Sena

Agora que Tuia virou nome de revista, ao mexer nos meus guardados me deparei com um texto publicado em 20 de janeiro de 1979, no “O Jornal de Montes Claros”, de Oswaldo Antunes e Waldyr Sena, sobre o nosso intrincado personagem.
Não li a revista – preciso de um exemplar – mas gostei da ideia. Para muitos montesclarinos vivos, Tuia foi um personagem que perambulou pelas ruas da cidade e dela fazia parte como figura humana querida.
Montes Claros daquela época acolhia emigrantes vindos do Nordeste e indo para São Paulo. Por alguma eventualidade, uns acabavam ficando na cidade e ganhavam as ruas, como Requeijão, Galinheiro, Tarugo, João Doido, Requebra-Que-Te-dou-Doce, entre outros.
Mas de todos eles, Tuia foi o mais querido porque ganhou fama depois que Oswaldo Antunes mandou construir uma casinha de madeira para ele na garagem da sede do jornal, na Rua Doutor Santos, 103. Era uma casa em estilo colonial, mais parecida com a sede de uma fazenda. Na primeira porta ficava o escritório do dr. Orestes Barbosa, pai de Toninho e Rui Barbosa.
Na outra porta era a entrada da redação do jornal. A oficina funcionava contigua a redação. Os textos eram entregues escritos em laudas datilografadas aos linotipistas Andrezzo e Mílton, que gravavam tudo no chumbo e depois Tião Camurça “paginava” e amarrava em volta cada página com um tipo de cordão grosso para deixar firme e evitar o empastelamento.
A casinha de Tuia na garagem do jornal precisava sempre de faxina rigorosa porque as necessidades fisiológicas ele fazia espontaneamente calças abaixo.
Quando publiquei no JMC o texto a ser transcrito em seguida, fazia sete anos que deixara Montes Claros. Morava na ocasião em Viçosa, na Zona da Mata.

ANJO, DEMÔNIO

“Para mim, àquela época menino, ele era um anjo negro e, às vezes, demônio. Lembro-me muito bem dele. Só não me recordo da data em que viveu no pátio do JMC, em frente à porta da redação. Sei que ele morava numa casinha de tábuas pintadas de azul e fazia parte do meu mundo de fantasias, embora fosse uma realidade concreta. Estava sempre ali, estirado no piso de tábuas da casinha azul ou perambulando pelas ruas centrais da cidade, empunhando seu cajado, chapéu amassado na cabeça, arrastando os pés de dedos abertos e calejados.
“Era uma figura enigmática. Nunca soube de onde viera (dizem que veio de Grão Mogol), se é que veio de algum lugar. Diziam que fora escravo e, com a abolição da escravatura, ganhara a liberdade. Diziam também que tinha mais de cem anos, e a língua cortada. Muitas e muitas vezes fiquei a pensar na sua língua cortada, imaginando sua dor, sem entender por que existe gente tão má, ao ponto de corta a língua de alguém, ainda mais sendo um pobre coitado, um homem sozinho neste mundo. Era só pensar na sua língua cortada e, para mim, imediatamente, ele se transformava no anjo negro.
“Que pensamentos povoavam aquela cabeça de cabelos ralos e brancos? Como aqueles olhos cansados viam o mundo? Afligia-me vê-lo tentando dizer alguma coisa com sua língua cortada. Intrigava-me seu nariz de ventas abertas, e sua boca desdentada. Ele, nervoso, agitando seu cajado, querendo fazer-se entender, metia-me medo – e era então que, para mim, o anjo negro se transformava em demônio. “Perna pra que te quero”, evitava vê-lo por alguns dias e, refeito, ia espiá-lo na casinha azul, pisando leve, nas pontas dos pés. E lá estava ele, o anjo negro, dormindo seu sono celestial, em meio ao cheiro forte de amônia.
“Na manhã de um domingo, dia de Praça de Esportes – hoje a minha Praça de Esportes já não mais existe, agora que perdeu os fícus que a circundava, a “boate”, que nunca foi boate – procurei-o na casinha azul e não o encontrei. Andei pelas ruas centrais à sua procura, e nada dele. Pensei: “Será que levaram ele pra tomar banho?” Infelizmente, não. (É bom que se diga que, quando o preto velho tomava banho, a notícia se espalhava pela cidade inteira).
“Alguém me deu a triste notícia da sua morte. Ele deitara numa noite no velho colchão de capim, na casinha azul, e não acordara no dia seguinte. Foi então que senti o quanto aquele homem era importante para mim. Hoje, ele, Tuia, já não me é enigmático como antigamente. Agora tenho certeza, de demônio não tinha nada. Tuia era apenas um anjo negro, em figura de gente, a se arrastar pelas ruas de Montes Claros”.


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Por Alberto Sena - 14/10/2013 08:18:15
Pastoral da Criança no Presépio de Grão Mogol

Alberto Sena

Neste domingo, 13 de outubro, quando o sino da Matriz de Santo Antônio, toda feita de pedra sobre pedra, soar 9h por entre o Maciço da Serra do Espinhaço, o Presépio Natural Mãos de Deus estará recebendo cerca de 200 pessoas, que virão a Grão Mogol comemorar os 25 anos da Pastoral da Criança na região.
Escolher Grão Mogol para comemorar o quarto de século de uma instituição como a Pastoral da Criança é um privilégio para a cidade, e quando o sino da Matriz de Santo Antônio soar, um nome estará sendo lembrado e aplaudido. Zilda Arns, este é o nome da médica sanitarista que há 30 anos mudou – e ainda muda – o destino de milhões de crianças carentes, numa luta ferrenha contra a fome e a subnutrição.
Essa gente ilustre em visita ao Presépio Mãos de Deus, composta de voluntários que repetem os atos de Zilda Arns, antes participará da missa na Matriz de Santo Antônio. Calcula-se que serão necessários seis ônibus para arrebanhar essa gente que vem da região de Salinas, de oito a dez municípios.
Pode-se prever que cada um dos visitantes será uma voz ativa na multiplicação da boa nova do presépio, onde o Menino Deus nasce dia e noite em Grão Mogol para salvar a Humanidade.
A comitiva será recepcionada por Maria Passos, coordenadora da Pastoral da Criança em Grão Mogol, Cristália e Botumirim. Junto de Maria Passos estará a coordenadora Aquidiocesana da Pastoral da Criança, de Montes Claros, Eliane Souza Cândida (Léo), acompanhada de mais 20 pessoas.
Será uma linda festa, certamente, na qual o Menino Jesus é o centro das atenções, como para chamar a sociedade brasileira para a necessidade de cuidar mais das nossas crianças. Protegê-las das agressões dentro e fora de casa, dentro e fora da escola. Proteger as crianças contra a ação dos exploradores que as encaminham para as drogas e a corrupção.
Como Maria Passos disse, a Pastoral da Criança acompanha as famílias com orientações e também às gestantes principalmente quanto à higiene pessoal e a alimentação alternativa. Isto e mais ela diz fazer há cerca de quatro anos.
Cascas de legumes e folhas, que normalmente se jogam fora, são alimentos e salvam vidas de crianças e adultos. Viram bolos, tortas e garantem dias melhores para quem, no Vale do Jequitinhonha, poderia estar fadado à morte prematura.
Essas mais de 200 pessoas que virão da região de Salinas poderão se juntar a outras tantas que neste domingo irão participar do Enduro a Pé, uma interessante promoção que levará dezenas de inscritos por mais de sete quilômetros de trilhas e paisagens lindas do entorno de Grão Mogol, sob a coordenação de Fáusio Silva, da empresa O Bicho do Mato.
Quem conhece a região sabe e quem ainda não a conhece poderá desde já imaginar o quanto será divertido e prazeroso o Enduro a Pé, no mínimo diferente dos demais enduros, como de bicicleta, motocicleta e carro. É a pé que as pessoas têm mais tempo para observar a beleza da Mãe Natureza, enquanto cuida do espírito, da mente e do corpo e exercitando a quase perdida capacidade da contemplação.


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Por Alberto Sena - 14/10/2013 08:05:53
A primeira morte da mãe do menino

Alberto Sena

Era criança, tinha 7 anos de idade, morava na Rua São Francisco, em Montes Claros, acima da linha férrea, próximo da algodoeira do poeta e empresário Luiz de Paula Ferreira. O trem da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil passava bem nos fundos do quintal. Volta e meia o apito nostálgico do trem ecoava fundo na alma dele, e mais ainda quando acontecia de alguma composição descarrilar.
Ele gostava de correr ao fundo do quintal quando ouvia o ruído potente da máquina a óleo. Contava um por um, cada vagão. Quando passavam os vagões de passageiros ele dava `tiauzinho` com as mãos às pessoas debruçadas nas janelas do trem e sentia vontade de correr atrás da composição como os cães correm atrás das rodas de automóveis.
O quintal era cheio de pedregulhos. Tinha um pé de urucu próximo da porta da cozinha. Um coqueiro macaúba atrás da casa. Um pé de manga coquinho logo no declive do terreno, e mais embaixo, próximo da cerca de arame farpado havia um pé de manga comum. No período das águas surgia no quintal um mar verdinho de arbustos de fedegoso.
Era mágico o quintal. Ali todos os heróis se encontravam como se estivessem nos estúdios de cinema de “Holiude”. O cenário era o mesmo de sempre, mas o dinamismo da infância explodia em criatividade e agilidade na arte de inventar e reinventar os meios de brincar com os pés descalços na terra.
Depois da sessão das duas da tarde, no cine Coronel Ribeiro, aos domingos, chegava às carreiras em casa, livrava dos sapatos e corria ao quintal para tentar repetir nos galhos do pé de manga comum a façanha vista na tela de cinema.
Um dia o menino sonhou que a mãe dele havia morrido. Aliás, foi um pesadelo. Ele viu a mãe morta dentro do caixão no meio da sala da casa de soalho encardido de tábua corrida. As pessoas estavam em volta do caixão. O menino chorava e tanto chorou que acordou com o rosto encharcado em lágrimas.
Entre a realidade e o resquício do pesadelo a se dissipar, o menino ainda confuso, sem saber ao certo o que acontecia chamou pela mãe e ela não respondeu. Ele se levantou da cama de um salto e andou por toda casa procurando alguém. Não encontrou ninguém.
O fato de não ter encontrado ninguém em casa foi o bastante para elevar a suspeita de que o que havia se passado não fora um pesadelo. A mãe dele havia morrido mesmo porque não havia em casa ninguém àquela hora da manhã. “Aonde foram todos, será que estão no cemitério?”, se perguntava.
Cada vez mais apreensivo, restava ao menino ir para a rua ver se encontrava explicação para o sumiço de todos. “Será que foram levados pelos marcianos, como os da revistinha em quadrinhos do Bolinha?”, tremia dos pés à cabeça só de pensar.
Ao abrir a porta da rua sentiu-se aliviado ao deparar com várias pessoas na porta da casa de uma vizinha, entre as quais estava a mãe, vivinha. Quem morreu naquela manhã fora a mãe da vizinha, avó de Teófilo, menino com o qual ele brincava de vez em quando.
Isso se deu no final da década de 50. O que mais atenção chamou foi a coincidência, se é que coincidência existe, foi o menino ter sonhado com a morte da mãe quando era a avó de Teófilo que morria na casa vizinha. De lá vinha o vozerio de pessoas no velório, o mesmo vozerio que ouvira durante o pesadelo.
Essa passagem emergiu, em meio ao mar de lembranças do mundo mágico infantil, guindada pelos fluidos energéticos da Semana da Criança. “As crianças pensam com o coração”, dizia outro dia o escritor Marcelo Xavier, autor do livro “Se as crianças governassem o mundo”.
O menino de ontem continua menino porque a criança é indissociável do adulto. Ai de quem, por impropriedade, sufocar a alma infantil. Vai chegar a velhice rabugento e amargurado. No frigir dos ovos é sempre o espírito infantil que sustenta o ser.
Vinte e cinco anos depois do pesadelo descrito, em 1985 a mãe do menino partiu em definitivo. E ele pôde então descobrir que as mães não morrem. Elas vão para um lugar distante e não sabido, mas especial reservado por Deus e de lá continuam a cuidar das suas crianças como sempre fizeram.
Desde então, quando o menino precisa de colo, ele vai visitar a mãe onde ela se encontra junto a outras mães. Pra chegar lá, basta acionar o que cada criança tem dentro do peito. A chave de ignição é a energia pura do coração.


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Por Alberto Sena - 7/10/2013 09:51:27
Quando o ensino era primário

Alberto Sena

Recordo-me de quando fui ao Grupo Escolar Gonçalves Chaves, na Praça Dr. João Alves, em Montes Claros, a primeira vez, levado por minha irmã, Lúcia, para fazer um teste a fim de me matricular no 1º ano primário. Do teste me recordo de quase nada, a não ser de uma gravura apresentada por dona Maria Celestina de Almeida, então vice-diretora do grupo.
A gravura era de uma casa com uma escada de madeira que ia do chão até o telhado, encima do qual estava um porquinho. Do lado da casa tinha uma árvore. A questão posta era explicar como o danado do porco havia subido no telhado. Diante de tamanha evidência, para meu espanto, acabei aprovado e fui direcionado para a sala da professora dona Bernadete Costa, mãe do jornalista Robson Costa.
O Grupo Gonçalves Chaves foi importante na vida de gerações de montesclarinos. Recordo-me, logo depois de iniciado o ano letivo, dona Marucas Avelar passou a direção para dona Maria Celestina, irmã de Cipriano, casado com minha tia Ambrosina, irmã da minha mãe, Elvira.
Dona Bernadete era professora rigorosa. Pequena de estatura, voz fina, compatível com ela, ensinou-nos a ler, a escrever e a fazer contas. Sem dúvida, deu-nos o empurrão inicial para desasnar nossas cabeças. A nossa sala de aula era a primeira do prédio do lado direito. A porta de entrada ficava de frente para o pátio.
Para ter acesso ao pátio era preciso descer uma escada que ficava em frente aos banheiros masculino e feminino. Ir para o recreio era um bom momento porque descíamos ao pátio e ensaiávamos brincadeiras e até chutávamos uma bola de meia.
Guardo comigo uma foto de quando a turma já estava no terceiro ano primário. Nessa época, a professora era dona Alba Alkimim, mãe de Vânia e Vilma, também professoras. Mãe e filhas estão, juntamente a outras professoras, numa foto do acervo fotográfico de dona Dorzinha, que há 15 dias acabou de concluir sua missão terrena e partiu na paz de Deus.
Na foto da nossa turma estão: Roberto Avelar, filho de dona Marucas; Marcos Tolentino, Petronilho Narciso, Jorge, Marilú, Nelma, Fátima, Dolores, Luís Carlos, José Carlos, Teófilo, Eustáquio, Milton, Cleonice, Neusa, Sebastião, Délcio Costa e outros colegas cujos nomes não me vêm à memória no momento.
Toda segunda-feira, antes do início das aulas, as turmas eram formadas à frente das escadarias de entrada. A Bandeira do Brasil era hasteada. Cantávamos o Hino Nacional. Alguns alunos eram destacados para recitar poesias de Olavo Bilac, Cecília Meireles entre outros. Em seguida, disciplinadamente, todos rumavam para as salas de aula.
Nessa época, havia respeito às professoras. As aulas eram na parte da manhã. Dentro da sala de aula se podia ouvir o zumbido de mosquitos, ninguém se atrevia a falar quando era pedido silêncio. Os mais “preguiçosos” levavam puxões de orelhas. Ou ficavam de castigo em pé do lado do quadro negro, de costas para os colegas.
Constrangedor, mas era assim, para não dizer nada sobre os pais que autorizavam as professoras a baterem nos filhos se precisassem. Só não será revelado o nome de quem mais apanhava em sala de aula para não constranger o ex-colega, mas o apelido dele era “Cabeça de Abóbora”, dado pela própria professora.
Se as professoras daquela época eram bem pagas, não há informação, mas que eram dedicadas, enérgicas e ensinavam bem aos alunos, podemos garantir sem medo de errar.
Do lado direito do terreno do grupo havia um cruzeiro enorme, de madeira. Pelo menos para as crianças o cruzeiro parecia grande. Diziam ter sido encontrado enterrado no terreno quando da construção do prédio. Mais de meio século depois, o prédio não deve ter sofrido muita mudança. Mas como me disse outro dia o ex-colega Carlos Meira, o cruzeiro já não está mais no terreno do grupo.
Do outro lado, na parte que dá para a Rua São Francisco, havia uma área de terra, e ao fundo, algumas bananeiras. Já naquela época as meninas faziam a simpatia de enfiar uma faca na bananeira no dia de santo Antônio, para aparecer o nome do namoradinho gravado na lâmina.
Muita gente considerada importante estudou no Grupo Gonçalves Chaves. Na impossibilidade de citar o nome de todos, vai o de um só, Darcy Ribeiro, que elevou e levou o nome de Montes Claros, de Minas e do Brasil ao mundo inteiro.


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Por Alberto Sena - 30/9/2013 08:05:55
Em tempos nem tão antigos

Alberto Sena

Houve época, em Montes Claros, que o leite de vaca era vendido em latões, no lombo de cavalo e entregue em domicílio. Geralmente, era um vaqueiro jovem de chapéu de couro na cabeça, roupas suadas, surradas e esporas nas botinas rangedeiras. Leiteiro e cavalo tinham o mesmo cheiro.
Quando o leiteiro chegava montado, logo o ar em volta deles cheirava a leite misturado ao cheiro de urina de cavalo. Do interior dos latões, de um lado e do outro, vinha o ruído característico de leite sacudido a cada movimento do cavalo.
E o leiteiro gritava assim pela Rua Marechal Deodoro:
_ Oiaoleeeiii...teeeiro, oiaoleeei...teeeiro...
As mães iam para a porta das casas cada uma com uma vasilha na mão. O leiteiro usava uma lata para medir o litro. Ele enfiava a lata no latão e despejava o leite no vasilhame de acordo com a quantidade desejada pelo freguês.
Ele mesmo manuseava o dinheiro, recebia e dava o troco. Fazia tudo montado no cavalo. Só tinha o trabalho de virar para um lado ou para o outro quando ia abrir o latão da direita ou o da esquerda.
Quando foi isso? No tempo em que o leite era um produto altamente perecível. A ordenha das vacas era feita aos primeiros clarões do dia, e o leite tinha de ser vendido logo de porta em porta senão corria o risco de azedar.
Em casa, as mães ferviam o leite. Era preciso ficar atento diante do fogão para não deixar o leite transbordar do vasilhame no momento da fervura. Sobe uma espuma, e se a panela não for retirada logo o leite apaga o fogo. Fogão a lenha.
O pão podia ser comprado na padaria, mas também era entregue em domicílio. De manhã, logo cedo, era só abrir a janela e o pão lá estava enrolado em papel cinza.
O pão nosso de cada dia continua sendo feito de trigo importado. Mas nem sempre foi assim. Antes do trigo, o café da manhã da gente norte mineira era à base de milho, mandioca, ovo cozido, beiju, cuscuz, bolinho de chuva e biscoitos fritos ou assados em forno de barro. O fubá era de milho integral. Do fubá se faziam mingaus com pó de canela por cima e pedaços de queijo ou requeijão de Salinas.
Em finais da década de 40, início da de 50, os Estados Unidos tiveram uma grande safra de trigo e mandaram um tanto para o Brasil fazendo como os traficantes agem ao criar o vício distribuindo droga. Não que o trigo seja droga, mas foi criada a necessidade de consumo e de compra de trigo; deles, claro. A questão é que a introdução dele mudou os hábitos. Hoje o Brasil produz trigo no sul e importa outra parte pelo câmbio do dólar.
O pão tem o seu lugar em todas as mesas. É alimento de grande importância social. O rico, o remediado e o pobre comem pão. O pão nos dá a cota de carboidrato necessária ao corpo para o gasto energético do dia.
Mas no caso do leite é diferente. Numa comparação entre o leite vendido atualmente em embalagens “tetra pak” e o leite comercializado antigamente, em latões no lombo de cavalo, qual seria a opção do leitor?
Seria mesmo saudável um produto altamente perecível, como o leite, que hoje em dia fica dias nas prateleiras em embalagens “tetra pak”? As propriedades dele são mantidas?
Como dizia o Marátma Gandhi, que libertou a Índia do jugo inglês, “leite de vaca é para o bezerro”. Particularmente, prefiro sucos de frutas vários. Leite, dizem: “Faz nascer cabelo nos ouvidos”.
O ritmo de vida atual leva as pessoas a consumirem produtos com aparência “saudável e natural”. O resultado disso já é visto nas ruas das cidades: hoje a metade da população brasileira é obesa.
É fundamental investir na alimentação saudável para economizar o médico, o hospital e a farmácia. Os verdadeiros remédios estão nos sacolões, variedades de frutas, legumes e verduras em doses homeopáticas todo dia.
Refrigerantes de modo geral, Coca Cola, principalmente, devem ser riscados do cardápio. Se as gerações movidas a refrigerantes, “chips” e produtos do gênero não mudarem o tipo de alimentação, a tendência é de aumento das estatísticas de homens e mulheres obesos. Nem é preciso ser especialista no assunto para dizer: essa geração mal alimentada corre o risco de viver menos tempo.
É de bom alvitre às vezes recorrer à mochila do tempo para resgatar hábitos saudáveis como quando se podia chupar jabuticaba e laranja no pé. A banana e o mamão estavam ali, à mão, no quintal. E o leite, de fato, era integral, não benzido.


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Por Alberto Sena - 23/9/2013 07:53:07
Tempo de caçar tanajura

Alberto Sena

Quando era chegado o tempo de caçar tanajura, na Rua São Francisco, em Montes Claros, os meninos tiravam as camisas e saíam correndo atrás delas. Eles giravam as camisas sobre as cabeças e uma a uma era apanhadas e juntadas numa latinha.
Nunca comemos bunda de tanajura frita. Naquela década de 50 já diziam em Montes Claros ser “um prato delicioso, bundinha de tanajura contém muita proteína”. Mas, experimentar ou não ficava a critério de cada um. De certo modo nos despertava asco.
O tempo de caçar tanajura tinha relação direta com o fim da estiagem, da sequidão. Era quando vinham as primeiras chuvas. O pó vermelho da terra virava lama. Quando acontecia uma trégua o sol furava as nuvens e era então quando as tanajuras brotavam do chão, da terra nua e crua.
Aonde foram parar as tanajuras? Não se veem mais nenhuma. O asfalto foi o vilão de tudo. No tempo em que as tanajuras brotavam do chão, a terra respirava por todos os poros. Veio o asfalto e impermeabilizou tudo.
Além de sepultar para sempre as tanajuras, o asfalto levou multidão sem conta para dentro de sete palmos de terra ao dar aos veículos automotores a possibilidade de desenvolver mais velocidade.
Enquanto as tanajuras eram caçadas, no quintal as primeiras mangas maduras surgiam. Era um correr em disparada quintal abaixo, como um tropel de animais para trepar feito macacos na mangueira e se lambuzar com as mangas do verão entrante.
Então chegava a vez da majestade, o pequi. O cheiro forte alcançava distâncias e penetrava narinas e estômagos esfomeados. A panela crepitava no fogão a lenha enquanto o arroz ganhava o tom amarelado do pequi. As bocas se enchiam d’água. “Cuidado, devagar, roa sem enfiar os dentes”, a recomendação era ouvida e seguida à risca. Nem queiram imaginar quando acontecia de alguém encher a boca de espinhos de pequi.
Do mercado, aquele casarão da Praça Dr. Carlos vinham cagaitas, umbus, pitombas e araçás. Do quintal de dona Geralda e do senhor Nilo, vizinhos de muro, vinham cajus vermelho e amarelo numa bacia.
O sertão em plena festa anunciava a proximidade do Natal. Nessa época, vale realçar para as gerações d’agora e as futuras, o Menino Jesus nascia em todas as casas e parecia mais presente ainda nas casas onde havia armados presépios.
Era uma alegria armar presépio. Cata aqui, cata acolá, eram ajuntados jornais velhos para passar neles uma tinta escura a fim de dar a impressão de pedras. Depois, com todo cuidado, aquelas mãos pequenas e frágeis construíam o presépio, de certo imaginando como se passou o que se deu naquela bendita noite, em Belém da Judeia.
Depois de pronto o presépio, as mãos pequenas e frágeis espargiam na gruta um punhado de areia branca, fininha. Então chegava a vez dos personagens bíblicos testemunhas oculares do divino nascimento do Menino Jesus ser introduzidos em cena. “Ele veio ao mundo para nos salvar”, pregavam.
A figura do menino deitado na manjedoura só podia ser colocada no presépio do dia 24 para 25 de dezembro, quando é chegado o dia Dele.
A vida caia do céu por meio da chuva. Os primeiros pingos pareciam bólidos vindos do espaço. Os pingos levantavam o pó da rua e criavam a imagem de soldadinhos enfileirados marchando apressados. Logo desapareciam à medida que a chuva molhava a terra.
Era esse o panorama visto da janela da sala da casa em estilo colonial, paredes de cor bege. As portas e as janelas verdes, grandes e altas. O porquê de tão altas, ninguém explicava. “Seria aqui casa de gigantes?”
No campo, os agricultores de mãos grossas de empunhar enxada ajoelhavam no chão para agradecer a Deus pela chuva criadeira. Era chegado então o tempo de lançar as sementes no chão quase morto de sede.
E assim acontecia o milagre da criação na aridez do sertão montesclarino. O coração de cada um bombeava a certeza de que o Ano Novo seria melhor, farto. O gado teria pasto e estavam garantidos o leite e a carne bovina, suína e “franguína” das crianças.
A vida seguia o curso pachorrento, lento, quase parando. A mata ressequida, feito esqueletos em pé, dum dia para o outro recuperava o verde. Os olhos se enchiam do verdor e da beleza rústica e delicada do Cerrado. E enquanto isso, os passarinhos fazendo “piu piu”, de galho em galho cantavam loas à Mãe Natureza. Era (é) uma beleza!


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Por Alberto Sena - 16/9/2013 07:56:12
Mãe Terra treme

Alberto Sena

Para o bem de Montes Claros e da população montesclarina, a essa altura do campeonato, quer dizer do mandato, a administração pública já deve ter solucionado os problemas verificados há cerca de um mês quando aí estivemos com a intenção de buscar fogo e respirar os ares (secos) do Cerrado.
O que registramos “neste minifúndio” (eletrônico), como diria o falecido amigo jornalista e escritor Roberto Drummond – ele costumava dizer “minifúndio de papel”, porque publicava suas crônicas em jornal impresso – são algumas impressões que nos deixaram intrigados ao andar pelas ruas centrais e da periferia de nossa cidade.
Era sábado. Ali por volta do meio-dia. Na Rua Dr. Santos íamos rumo à Praça Coronel Ribeiro, que o então prefeito Luiz Tadeu Leite recuperou nos estertores do seu controvertido terceiro mandato. Ficou melhor do que estava, é preciso admitir.
Nem precisamos dizer, mas muitas vezes o óbvio tem de ser falado, apalpado até para ser visto. A Rua Dr. Santos e todo o centro da cidade assustam qualquer pessoa, mesmo as nascidas aí e criadas na terra, quanto as que, há muito tempo vivem fora.
Naquele dia, os carros, as bicicletas, as motos e o vaivém de gente se misturavam ao incômodo de ter de desviar de sacos de lixo entulhados na estreita calçada, à espera da coleta.
Uma má impressão sem tamanho, que gerou pergunta também incômoda: quase ao meio-dia, será que não havia ninguém para recolher o lixo? É claro que, tanto tempo depois, o problema de coleta de lixo da cidade já deve ter sido solucionado. Afinal, é um estorvo o lixo.
Mas, ficamos a nos perguntar onde estariam, àquela hora, “os mundos e os fundos” prometidos durante a campanha política? Oito meses já se vão. Será que o prefeito Muniz tem conseguido inaugurar uma obra por mês como havia prometido em campanha almejando a prefeitura?
Naquele sábado, portanto, apesar da pressa, a impressão era a de que a cidade estava largada. Os buracos deixados por Luiz Tadeu se misturaram com os buracos abertos pelas parcas chuvas deste ano e se somavam aos da administração Muniz e corriam o risco de virar crateras de raios crescentes nas ruas.
Não há roda ou suspensão de carro que aguente tanto solavanco. A cidade e os moradores não merecem tanto descaso repetitivo. Montes Claros e a população nela vivente merecem tratamento respeitoso. A cidade tem grande importância no cenário político e socioeconômico do País, mas tem sido maltratada pelas más administrações.
Pelo menos foi isto que mais se ouviu nas imediações do Café Galo, considerado termômetro, no reencontro com vários amigos. Lá, o galo canta no horário comercial o dia inteiro.
A frase do mestre jornalista Fialho Pacheco, aqui reverenciado por tudo que foi e pelos cinco Prêmios Esso de Jornalismo, ao deparar com as ruas de Montes Claros pela primeira vez, “a cidade vai explodir”, é uma realidade nua e crua hoje.
É preciso que a população se levante e exija uma cidade cada vez mais dotada do aparato necessário para oferecer qualidade de vida a todos. É preciso mudar o espectro de Montes Claros, que, de “cultural” no passado, a cada ano mais ganha o epíteto de “cidade violenta”.
Montes Claros precisa criar perspectivas para a população, ultimamente assustada com a frequência de tremores de terra mal explicados – nunca dantes na sua história, a cidade registrara esse tipo de ocorrência. Hoje em dia não se pode mais dizer que “o Brasil é um paraíso” porque em Montes Claros tem terremoto, notícia que nunca tivemos da parte dos que vieram antes e durante os 22 anos vividos no torrão querido.
A cidade cresceu de modo estonteante. Foi desfigurada de maneira agressiva. Os costumes foram modificados tanto pela voraz passagem do tempo como por parte dos que vieram de fora, pela BR 251 – que urgentemente precisa ser duplicada, tamanho assombro do seu trânsito de carretas – em busca de ouro de aluvião.
Agora, o grande risco que a cidade e a região correm é o de ser engolidas pelas gigantescas máquinas que escarafuncham a terra em busca de minério de ferro e gás natural. Só de ver essas máquinas, a Mãe Terra treme. Como toda gente treme diante do perigo.


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Por Alberto Sena - 9/9/2013 08:08:48
Rapaestrulubetobinchim, a trupe

Alberto Sena

Às vésperas de completar mais um janeiro, veio à contemplação a lembrança de quando descia a Rua Dr. Santos, em Montes Claros, década de 60, indo para a porta da Cristal. Era uma época virtuosa, como são todas as épocas. Mas é preciso ressaltar, estes eram tempos sem a agressividade e a velocidade da vida atual em convulsão mundial.
Descia a rua Dr. Santos junto a uma trupe. Antes um havia passado na casa do outro e a cada passada a trupe aumentava de corpo. Cada um tinha o seu apelido. A junção dos apelidos soava assim: Rapa-Estru-Lu-Beto-Bin-Chim. Sem os hífens ficavam mais engraçados ainda, formavam uma palavra nova da língua portuguesa, com certeza, “Rapaestrulubetobinchim”.
E, então, andavam e repetiam: Rapa-estru-lu – Rapaestrulu; Rapa-estru-lu-beto-bin – Rapaestrulubetobin; Rapa-estru-lu-beto-bin-chim – Rapaestrulubetobinchim. E tomem gargalhadas. Era uma vida animada, bem-humorada. Até se poderia pensar que ninguém estava nem aí pra nada. Mas não era assim, porque naquela época a moçada ainda estudava na Escola Normal e no Colégio São José. Alguns até trabalhavam.
Ninguém imaginava o que cada um poderia ser no futuro, 40 anos depois de tudo vivido. Afinal, salvo engano ninguém tinha o dom da vidência. Hoje, tanto tempo depois (ou pouco, considerando a relatividade temporal) dos seis restam quatro. Rapa faleceu já faz uns 20 anos. Quem informou sobre a morte dele disse ter o amigo morrido “de gole”. Mas, segundo informação recente, dada por um dos irmãos dele, Rapa morreu foi do coração. Talvez porque amou tanto a vida que o coração não suportou.
Outro que deixou a turma foi Bin. Este abusou do gole. Podia estar aqui, conosco, celebrando mais um janeiro. Entretanto, não há o que lamentar quando é sabido, só acontece o que deveria acontecer. Nada é por acaso. E essa história do se... Se tivesse feito isto ou aquilo nada disso teria acontecido é uma tremenda bobagem.
Só o peru morre de véspera. Aliás, essa questão de vida e de morte é controvertida porque, na geometria da existência humana, + morte + vida = vida; – morte – vida = vida; + vida – morte = vida; – vida – vida = vida; + morte + morte = vida; + vida + vida= vida. Só existe vida. Essa tal de morte é pretexto para a perpetuação da vida.
Então, para quem quiser uma sugestão, o melhor a fazer é viver a vida. E se possível, com qualidade. Cada um deve investir em si mesmo. Se assim não fosse, quem iria investir na saúde e no bem-estar de alguém?
O IBGE aí está e não nos deixa mentir (sozinhos): a expectativa de vida aumentou bastante. Ninguém sabe o dia de desvestir da mochila definitivamente. Tanto pode ser hoje como amanhã ou depois. Considerando que estamos aqui, vivinhos da Sílvia, temos mais é que ter satisfação e alegria de viver, intensamente, sem ocupar com o que virá depois. Porque virá depois.
No caso da trupe da noite aqui lembrada e exaltada, nos tempos de Montes Claros, a formação agora é a seguinte: (sem Rapa e Bin) ficaram Estru, Lu, Beto e Chim, que geraram outra palavra, Estrulubetochim. Até quando, só Deus sabe.
Enquanto isso, continuemos a apreciar as belezas da Terra. Quão bom é contemplar o nascer e o pôr do sol. Majestoso, misterioso é o mar com as moquecas mil, sururus aos montes, ostras tantas e o sal da terra.
Contar as estrelas do céu enluarado, escancarado. Se não temos asas nem nave para viajar pelo cosmo, usemos então a imaginação para, na velocidade do pensamento, tornar possível ganhar o espaço sideral. Este é um bom exercício para expandir o espírito e a mente.
Mas o melhor pra gente sentir a intensidade do viver é andar. Andar e mensurar com os olhos da alma a grandeza da Mãe natureza. Sentir o frescor do prana das árvores e curtir a beleza dos pássaros e a magia do canto de cada um; a impetuosidade dos animais nos gerais e sertões de Minas e por toda parte. Apesar de alguns se esforçarem tanto para tornar o mundo inóspito, imundo.
Ainda assim a vida pede para descer e subir sempre, a Rua Dr. Santos, a principal de Montes Claros. Naquele tempo em que os carros desciam a Dr. Santos. Agora, sobem. Mas há algum problema nisso? Absolutamente, nenhum. Os problemas e as soluções não estão fora, mas dentro da gente, meu senhor, ó minha senhora.


76020
Por Alberto Sena - 2/9/2013 08:06:43

Aluvião de lembranças

Alberto Sena

Outro dia encontramos a escritora Amelina Chaves indo de Montes Claros a Grão Mogol, a fim de visitar o Presépio Mãos de Deus, e ela punha em dia notícias de amigos com os quais convivemos há mais de meio século.
O palco, na época, era a rua São Francisco, em Montes Claros, na mesma casa onde mora até hoje, na qual criou 15 filhos; menos dois que já se foram, todos já resolvidos na vida, o que para ela é motivo de satisfação, aos 82 anos de idade.
Amelina nos falou sobre dona Geralda, mulher do senhor Nilo, dono de um açougue na esquina das ruas São Francisco e Corrêa Machado, próximo da nossa casa. Ao cair da tarde dona Elvira pedia pra ir comprar “um quilo de alcatra” no açougue do senhor Nilo, que acabava de receber as partes do boi levadas nas costas por homens altos, fortes e de capa de lona ensanguentada, do Frigorífico Otany, que ficava na avenida Cula Mangabeira, próximo de onde é hoje a prefeitura municipal de Montes Claros.
O menino sentado num banquinho via o senhor Nilo preparar os cortes de carne. Ele amolava bem a faca segura numa das mãos e com a outra passava o amolador parecido com um pirulito. Depois, cirurgicamente, desossava uma e depois a outra parte traseira do boi, naquele tempo abatido a golpes de marreta na testa. O Frigorífico Otany era fonte de um mau cheiro terrível quase todo dia ao cair da tarde.
Amelina falou-nos de Elias, Muzinho, Luís (?) e Renê, cujo pai tinha uma empresa de ônibus que fazia viagens pelo Norte de Minas. Com Elias e Muzinho convivemos um bom tempo. Elias deixou este plano de vida ainda novo, quando era funcionário do Banco do Brasil.
Vieram então as imagens do menino brincando com Muzinho de carrinho de madeira e rodas de carretéis. Ele imitava o ruído do motor de ônibus com perfeição. Dirigir ônibus seria a primeira coisa que ele faria quando crescesse. O menino tinha essa certeza em relação ao amigo.
Amelina deu notícia também de Xeba, Niro, Carlinhos, Mozart e também do senhor Mané, um homenzinho tetraplégico que para se locomover contava com um carrinho de madeira, uma miniatura de carro de boi, puxada por dois carneiros. Mané tinha fama de vidente. Essa capacidade dele intrigava o menino. Mané costumava mendigar nas imediações do mercado municipal, o casarão da praça Dr. Carlos, acompanhado de um garoto.
Enquanto Amelina dava notícia de tudo, as lembranças da rua São Francisco saltavam vivas, como se estivessem acontecendo agora. A rua era em terra nua e crua. No estio, a camada de poeira ficava alta. Quando acontecia de passar um automóvel, geralmente sedan de cor preta, “carro de praça” chamado, o pó tomava conta de tudo e as portas e janelas das casas tinham de ser fechadas. No período das águas, uns e outros levavam tombos na lama escorregadia. E era então chegado o tempo de jogar finca e bolinha de gude.
Tivemos também uma experiência circense. Foi na casa de Amelina, com Roldão e Pretinha, filhos dela. O marido, Almir, era chefe de segurança da Central do Brasil. Pra nós, ele era “detetive” e achávamos curioso o fato de o senhor Almir andar sempre com um revólver na cintura. A chegada dele inibia um pouco talvez devido ao fato de ser “um detetive”. Mas ainda assim fazíamos estripulias, voávamos em trapézio imaginário e o senhor Almir fazia de conta que nada via.
Disse-nos Amelina, a casa onde morávamos ainda existe. Nunca mais pusemos os pés nela. Tudo agora lembrado se deu entre os anos 1957 e 59. Em 1960, a família foi morar na rua Corrêa Machado, entre as ruas Dr. Veloso e João Pinheiro. Havia lá o campo do União Esporte Clube. Foi naquela casa que, em 1961, o nosso pai faleceu, José Batista da Conceição chamado, apelidado de Zé Bitaca, porque teve uma loja na rua Coronel Joaquim Costa.
A casa da rua Corrêa Machado foi outra época importante. Vieram novos amigos, entre outros, Chico Ornelas e Quizim; Paulo e Luís, filhos do ferreiro Simeão; Nêgo Ró, Osmar, Zezinho, Jésus, os irmãos Felipe, João Carlos e Ricardo Gabrich; Rubim, Sílvio, Dedinho, Mário Bode e Eustáquio, neto de dona Tina.
Foi época bem vivida. Éramos felizes e sabíamos. O vivido vivo ainda está na mochila. Mas o importante é a intensidade de viver o agora, quando construímos o futuro. Sabendo disto vamos juntos plantar o bem sem olhar a quem. Para amanhã não chorarmos a vida desperdiçada.


75979
Por Alberto Sena - 26/8/2013 08:10:23
Vou embora pra Marte

Alberto Sena

É com grande pesar, mas ao mesmo tempo com satisfação, que anuncio à minha família, aos parentes e aos amigos de MOC e de Beagá: estou de muda para Marte, com a passagem só de ida.
Não dá mais para viver na Terra. Já deu o que tinha de dar. Estou cansado de ver desigualdade, injustiça, violência, corrupção, trânsito (louco) de veículos, poluição etc. Desconfio, a humanidade fracassou. Apesar de ter recebido um belo planeta para bem viver.
É preciso deixar claro, a Terra em si nada tem a ver com a minha decisão. Ela é linda. Maravilhosa. Possui serras e montanhas convidativas às escaladas. O que dizer das florestas? E dos animais? Quem já singrou mares e navegou ares conhece as belezas que muitos terráqueos nunca viram nem nunca verão, pessoalmente. Mas podem conhecer pela internet, basta navegar, que é preciso e importante; viajar, dentro ou fora do país. O aprendizado é como mais tijolos no currículo.
Vou fazer parte do projeto Mars One, que quer levar uma turma de terráqueos para colonizar Marte. Vou porque estou insatisfeito com o status quo do mundo. Vou como repórter, a fim de fazer a cobertura. E, claro, nunca mais pisarei os pés na Terra.
Isso equivale à última viagem que todo ser vivo faz quando é chegado o tempo. Daí estar neste momento entre pesaroso por deixar a lindeza do planeta e determinadas pessoas e satisfeito por estar empreendendo uma viagem desta, de sete meses, rumo a Marte.
Confesso com sinceridade marciana, estou curiosíssimo. Durante esses dias, ao invés de sofrer misoneísmo, que Carl Gustav Jung define como “medo do novo”, quando a gente sente aquele friozinho na barriga, porque está vivendo uma situação pela primeira vez, ao invés disso, estou curioso e experimento até uma pitada a mais de alegria.
Posso explicar: é porque teremos – eu e os outros escolhidos – a oportunidade de iniciarmos uma versão nova da raça humana. Em que pese à necessidade de viver em módulos confortáveis por não sei quanto tempo.
Desta vez, não haverá nenhum Caim para matar Abel algum. Teremos uma terra nua e crua para iniciarmos uma vida novíssima em folha. Inda mais carregados da experiência de como não devíamos ter feito certas coisas na Terra, teremos toda oportunidade marciana para criar gente cheia de princípios verdadeiros.
Em Marte só a sinceridade valerá. O respeito de uns pelos outros. Vamos investir em gente. Com amor. Teremos que aprender a criar uma atmosfera semelhante a da Terra. Vamos plantar bilhões de árvores. Sequoia, jequitibá, ipê (de todas as cores), pequizeiro – este é muito importante porque é o alimento mais rico em vitamina A; em 100 gramas da sua polpa há 200 mil Unidades Internacionais de vitamina A. Fora as outras vitaminas, sais minerais e gorduras que o pequi, o fruto amarelo, contém. É um complexo vitamínico.
Lá em Marte não vamos tender a erros cometidos aqui na Terra em relação ao meio ambiente, quando tudo estiver construído. Jamais faremos acepção de pessoas. De fato, todo cidadão honorário de Marte e as gerações que vão se multiplicar rápida e eficientemente, serão iguais perante Deus e as leis de Deus e dos homens.
Lá em Marte, nós marcianos vamos praticar os valores verdadeiros, de modo a transformar o planeta vermelho em um mar verde de árvores; e de água doce e mel de um lado e de água salgada do outro; e até mesmo haverá um Mar Morto só para as pessoas deixarem o corpo boiar e se divertir.
Em Marte, não haverá corrupção de modo algum. Nem existirão necessitados nas ruas a serem criadas. Uns vão se ocupar com os outros sem que um incomode o outro. Os vizinhos viverão em um mar de rosas. Rosas rosas e rosas vermelhas. Até azuis da cor do firmamento.
Chegará o dia (ou a noite) marciana que será preciso alguém comandar toda a estrutura a ser criada. Certos de que abaixo de Deus é a política que determina os rumos da nossa vida, ela será praticada, de fato, como arte de governar gente humana. Algo que seja do povo, com o povo e para o povo. O dinheiro público será sagrado.
A certa altura da nova vida, em Marte, aqui embaixo os terráqueos terão desenvolvido tecnologia capaz de captar, como se fosse num reality show, o surgimento de uma nova raça humana, no planeta vermelho, onde reina o silêncio, a paz marciana e a justiça em plenitude.


75950
Por Alberto Sena - 19/8/2013 08:02:38
Sob as luzes do presépio

Alberto Sena

A história da bela e pacata Grão Mogol, cidade do século XVIII, incrustada na Serra do Espinhaço, na divisa das regiões do Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha pode ser resumida em duas épocas: a do garimpo de diamantes e a atual, após o surgimento do Presépio Mãos de Deus, o maior do mundo na categoria de perene e a céu aberto, construído em pouco mais de oito meses, pelo empresário aposentado Lúcio Bemquerer, e entregue a cidade, ao Brasil e ao mundo.
A obra já levou a Grão Mogol uma multidão de mais de 30 mil pessoas, cerca de seis vezes a população da cidade, em apenas um ano e meio depois de inaugurada. Sob as luzes do presépio, que fará dois anos em dezembro próximo, a cidade entrou numa nova fase e ganhou um ritmo de desenvolvimento adequado às suas características naturais e históricas.
Grão Mogol ganhou hotel de qualidade; ganhou balneário do Córrego, comparável a um paraíso, com piscinas naturais de água corrente; e, recentemente, unidade de escola técnica, já em obras, resultante de convênio entre a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e o Ministério da Educação e Cultura (MEC), com capacidade para 1.200 alunos.
Isso sem falar do quanto o presépio influenciou o comércio com o aumento da fluência de turistas, que se surpreendem com as opções oferecidas pela cidade e região, entre as quais a matriz de Santo Antônio, toda de pedras, e a Casa da Cultura Terezinha Vasques, que no passado foi sede de uma fazenda, com calabouço, onde escravos eram encerrados; e, em seguida, hospital; além de grutas com inscrições rupestres, a beleza das serras e a Praia do Vau.
Grão Mogol nunca chegará a ser do tamanho de Montes Claros. Embora Montes Claros já tenha pertencido ao município de Grão Mogol, no período colonial, mas devido à sua topografia bastante acidentada, edificada nas reentrâncias do Maciço do Espinhaço, isso sempre será empecilho ao crescimento da cidade. O prefeito Jéferson Figueiredo (PP) se diz atento em relação aos efeitos colaterais do desenvolvimento.
No último final de semana, ao recepcionar com a apresentação do grupo da Seresta Luar do Sertão a um grupo de empresários da Associação Comercial de Minas (ACMinas) que visitou Grão Mogol, atraídos pelo fascínio do Presépio Mãos de Deus, o prefeito estimou em no máximo 10 mil habitantes a população futura da cidade, prometendo trabalhar para a preservação do casario colonial e a história local, como a Trilha do Barão.
Por suas peculiaridades Grão Mogol, entre as cidades históricas mineiras, é a mais diferente, possui “luz própria”, dizem os visitantes. No passado, chegou a ter cerca de 100 mil habitantes. Recebia portugueses, espanhóis e holandeses.
Hoje a população goza da tranquilidade que a grande maioria das cidades perdeu. Em Grão Mogol, o sino da matriz marca as horas e lembra as catedrais europeias; encontram-se casas com portas e janelas abertas; os vizinhos trocam mimos, e as pessoas são conhecidas pelos nomes das famílias – fulano filho de ciclano ou de beltrano.
Os moradores da cidade já nem se recordam mais de quando aconteceu um crime de homicídio. Na cadeia local estão encarcerados atualmente 40 presos, todos de fora. Mas nem por isso a polícia se descuida: todo cidadão suspeito é abordado a fim de explicar o porquê de estar na cidade. Quem vai a Grão Mogol não vai para outro lugar. Comparativamente, a cidade é como uma rua sem saída.
Embora possua o Parque Estadual de Grão Mogol, na Serra Geral ou Serra da Bocaína, a região ressente da presença maciça de monoculturas de eucalipto, matéria prima da produção de carvão vegetal para alimentar os fornos das siderúrgicas. Originários da Austrália, os eucaliptos não combinam com a paisagem do Cerrado dotada de vegetação tortuosa, frágil e delicada na sua rusticidade.
Os empresários da ACMinas elogiaram a qualidade do hotel local, experimentaram a moqueca de surubim do balneário, percorreram as passarelas das piscinas naturais e os chalés, conheceu o lugar onde é coletada e distribuída em galões a água mineral Grão Mogol, conheceram o centro histórico da cidade e, por último, o lugar onde será erguido o Mirante 360º, do qual se podem divisar paisagens a mais de 100 km de distância.
No domingo, turistas em dois ônibus – cerca de cem pessoas – chegaram ao Presépio Mãos de Deus a fim de orar em busca de graças. Na entrada do presépio os visitantes liam em um baner a seguinte inscrição: “A Espanha tem Santiago de Compostela; a França tem Lourdes; Portugal tem Fátima e o Brasil tem o maior presépio natural do mundo”.
P.S.: Participaram da visita ao presépio Ruy Araujo (Jane), Fábio Guerra Lages, José Aparecido Ribeiro, Antônio Maluf (Loreta), Nacib Hetti (Maria Helena), Carlos José Moreira Cotta, Luiz Burlamaqui de Mello Júnior e a escritora Amelina Chaves e Sílvia Batista.


75924
Por Alberto Sena - 11/8/2013 08:50:47
O estalar de ossos do meu pai

Alberto Sena

A única palmada que levei do meu pai foi quando a polícia, um soldado PM fardado, foi lá em casa para me intimar a comparecer à delegacia. Já contei esse episódio em um outro texto, mas em rápidas pinceladas, como de certo não diria o pintor baiano mais montesclarino, Godofredo Guedes, permitam-me voltar ao assunto.
Morávamos no trecho da Rua Corrêa Machado, entre as ruas João Pinheiro e Dr. Veloso, em frente ao campo do União, à época, década de 60, um lugar mágico. A turminha brincava de atirar pedras com estilingues, do lado do campo que dava para a Rua João Pinheiro, quando um dos meninos atirou sem querer querendo, uma pedrada no para-brisa de um caminhão basculante do DER que, inadvertidamente passava por ali.
Foi nesse dia que levei a única palmada do meu pai, pelo menos ao que eu me recordo. Não pensem que conto isso agora porque guardo algum ressentimento em relação a essa bendita palmada. Conto isso porque hoje é considerado pelo comércio “o Dia dos Pais”. Naquela década entrante, com só 11 anos de idade, como é que podia um menino ser intimado a comparecer à delegacia?
Não vou me estender nisso porque, como disse, já escrevi a respeito, mas só para fechar, tudo foi resolvido da melhor maneira possível, pois o “coronel Coelho”, delegado “calça-curta” naquela época, era amigo de meu pai e foi uma boa oportunidade para os dois baterem um papo, já que “delegacia de polícia não foi feita para menino de 11 anos”, disse ele. Os mais antigos vão se recordar do coronel Coelho.
O que quero dizer, aproveitando esse minifúndio eletrônico, é que meu pai, até o quanto convivemos, pois ele morreu quando eu tinha 12 anos, foi um grande amigo. Tenho boas lembranças dele, de quando, mãos dadas, íamos ao mercado municipal, aquele casarão onde as mercadorias chegavam em bruacas trazidas no lombo dos animais, cavalos, mulas e jumentos.
Acho que o meu gosto por caminhadas se iniciou nessa fase intermediária entre a infância e a pré-adolescência, quando pai me levava à fazenda Aliança, a pé. Viajei várias vezes com ele, de trem, como uma vez em que fomos nos encontrar com a minha irmã Ladinha vinda de Belo Horizonte. Fomos até Buenópolis esperar “o trem de Ladinha”.
Pai me levava ao campo de futebol e também à Praça de Esportes, onde aos domingos funcionava uma rinha de galos de briga. Naquela época, o campo do Cassimiro de Abreu ainda não existia no bairro Todos os Santos. Havia só o estádio João Rebelo e o do Ferroviário. Foi no João Rebelo que conheci Chinezinho, Manoelzinho, Manoelito, João Batista, entre outros craques do futebol da nossa terra.
Um dos episódios mais marcantes da relação paterna foi num Natal, quando o menino acreditava ainda em Papai Noel. O sonho de ganhar uma bicicleta havia se tornado realidade. Chovia muito. Como eu soube depois, meu pai deixara a bicicleta do lado de fora, na parte da frente da casa para não desmoralizar Papai Noel. Se fosse hoje, do modo em que vai a criminalidade em Monte Claros, Papai Noel estaria com um furo no saco.
Quando acordei no dia de Natal com a porta entreaberta e vi a bicicleta, só queria ficar montado nela. Mas não podia ir experimentá-la lá fora porque, pasmem, ainda chovia em Montes Claros. Dá janela vendo a chuva cair lá fora, eu torcia para parar de chover a fim de estrear a bicicleta.
No dia do falecimento do meu pai, em 15 de janeiro de 1961, era de manhã e eu me encontrava na rua jogando bolinha de gude, quando ouvi o grito da minha irmã, Lúcia, me chamando. Foi só o tempo de quicar a bolinha do companheiro e embolsar mais uma, para atender ao chamamento.
Algo não ia bem, senti logo. De fato, meu pai estava nas últimas. Ele ficou doente durante algum tempo, na cama. Foi atendido pelo médico “Mauricim” – João Valle Maurício. Talvez para me tirar do quarto naquele momento, mãe me pediu para correr à casa de tia Ambrosina, a dois quarteirões da nossa casa. Fui voando de bicicleta. Avisei tia Ambrosina e voltei a tempo de ver pai dar o último suspiro.
Antes, ouvimos um estalo de ossos dos pés de pai. Alguém disse depois: “Foi um sinal da partida dele”. Hoje, acho que não. Os ossos estalam mesmo em qualquer situação. E podem estalar até na hora da partida final.


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Por Alberto Sena - 30/7/2013 14:02:42
Saudade dói; e como dói, João Jiló

Alberto Sena

Uma ida de menos de 48 horas a Montes Claros, a fim de buscar fogo; uma descida pela Rua Dr. Santos, em frustrada tentativa de encontrar algum casarão antigo ainda de pé; uma passada pela Praça Dr. Carlos e pela Rua Simeão Ribeiro até o Café Galo foram suficientes para a conclusão de que, ao longo de quatro décadas, uma nova cidade surgiu e a memória da outra volátil tanto quanto os gases prospectados na região, desapareceram. Aliás, existem apenas dois vestígios, um deles é a casa da família do amigo Alcebíades Batista, e a outra é a do empresário e poeta Luiz de Paula Ferreira, a ambos rendemos homenagens.
A essa altura do campeonato lúdico da vida como querer encontrar tudo como dantes no quartel de Abrantes? Muitos dos rostos conhecidos, aqueles que naquela época eram figurinhas fáceis em todas as hostes, já se foram. E quem dos que ficaram e vivos estão em Montes Claros ainda se lembra desses nomes: Fernando Gontijo, Zim Bolão, Lourinho, Waltinho Fernandes, Ildeu, Rubens Sena, Cícero “Cuecão”, Geraldo Santana Machado, Popó, Lazinho Pimenta, Tião Boi, só para citar alguns entre tantos?
O café Galo continua sendo um termômetro montesclarino. Dependendo da temperatura do café ou do conteúdo do gostoso pastel servido por Jadir Rodrigues, é possível saber um pouco do paradeiro deste, daquele ou daquela pessoa com a qual houve convívio em passado nem tão remoto considerando a relatividade do tempo. Os frequentadores do café Galo, ponto tradicional aonde intelectuais da cidade e os políticos em campanha não podem deixar de entrar para tomar cafezinho e comer pastel, têm como característica falar só bem uns dos outros. Pra eles, fofoca é coisa de gente careta. E estão certos. Montes Claros tornou-se uma metrópole e como acontece em toda metrópole, as pessoas cheias de afazeres não dispõem de tempo para cuidar da vida alheia.
Nem bem havíamos chegado ao café Galo, ainda a meio caminho da Rua Simeão Ribeiro, eis que surgiu serelepe Raphael Reys, que, com poucas palavras nos convenceu de que a vida começa realmente aos 65 anos, afinal o sentimento chamado amor é como a fase da infância, que tanto pode durar pouco como pode ir de zero aos 105 anos em gente apaixonada. De fato, o amor é lindo e pudemos comprovar isto por meio da nossa paixão por Montes Claros, mesmo sabendo que a qualidade de vida na cidade já foi há muito tempo “pras cucuias”.
Depois de pousar para fotos a pedido do Reys e de uma prosa rápida sobre literatura, lançamentos de livros e tal e coisa, conseguimos chegar ao café Galo e dar de cara com rostos conhecidos, desde muito tempo, como Saul Sena, que admitiu ter sido “fruto de um milagre” porque viu a nossa vó (ele é primo) pela greta. Hoje em dia, toma cafezinho, come pastel e recita salmos bíblicos a fim de reacender corações.
Lá se achava também o poeta repentista, cantor, compositor e escritor Téo Azevedo, de Alto Belo, a quem não encontrava desde a década de 80. Lá estava também assinando ponto o jornalista Jorge Silveira, que iniciou carreira no Diário de Montes Claros e nós no O Jornal de Montes Claros, de Oswaldo Antunes, falecido recentemente. Ponciano chegou, cumprimentou e saiu. Theodomiro Paulino passou de raspão, tempo suficiente para saber sobre o estado de saúde da mãe dele, que ele valoriza tanto como todo filho deveria valorizar os pais.
Lipa chegou e foi então que nos deu a notícia bastante retardada de como faleceu o amigo Cícero Cuecão com quem jogamos futebol e vivemos as noites montesclarinas, em companhia de outros que nem ousamos citar os nomes para não correr o risco de deixar alguém fora da lista.
Tomamos cafezinho, comemos pastéis, despedimos dos que ali estavam e fomos andando tentando reconhecer os lugares onde havia algum sinal da cidade de até o início da década de 70. Ao mesmo tempo, como quem empurra para o fundo da mochila algo que insiste em sair, evitamos ao máximo o sentimento de saudade, porque gera banzo. Saudade dói; e como dói, João Jiló.
Não resistimos à curiosidade e pedimos ao motorista do táxi para passar pela Rua Corrêa Machado, entre ruas João Pinheiro e Dr. Veloso, onde havia um campo de futebol, em verdade um paraíso mágico, palco de parte da infância, adolescência e início da fase adulta de muitos que já se foram e de muitos que ainda vivem eternamente enquanto durar o tempo.


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Por Alberto Sena - 29/7/2013 08:39:44
A transmutação da energia do futebol

Alberto Sena

Se as pessoas canalizassem para Deus e ao próximo, independentemente de religião, essa energia que direcionam ao futebol, para agradecer pelo dom da vida e de tudo mais que Dele recebemos certamente a situação aqui e no mundo inteiro seria melhor, menos desigual e menos injusta; talvez não houvesse tantos necessitados nas ruas das cidades.
Se as pessoas dirigissem o entusiasmo que dedicam ao futebol para atuarem politicamente, tendo em vista acabar com a farra dos maus políticos, que se elegem com o intuito de se locupletarem com o dinheiro público, deixando milhões de pessoas com fome, sem educação, saúde e segurança, dúvida não haveria de que esse país varonil seria uma grande nação, exemplo para o mundo.
Se as pessoas ao invés de pensarem excessivamente em futebol, que hoje em dia é motivo de brigas e até de mortes, mudassem o pensamento e passassem a ler mais, a estudar mais e a se ocupar mais com a orientação dos filhos em casa, é possível que sobrasse cabeça para exigir das autoridades uma educação formal de qualidade. Decerto não existiria nas ruas tanta violência que nos faz prisioneiros em nossas casas e poderíamos retomar os tempos de antigamente quando andávamos a pé pelas madrugadas.
Se as pessoas parassem um pouco para pensar na dureza da vida e do quanto trabalham para ganhar o dinheirinho honesto que gastam com futebol, concluiriam: achando estarem se divertindo, pondo para fora o estresse e coisas do gênero, de fato enchem as burras dos cartolas e dos jogadores vorazes consumidores de altas somas, enquanto os pobres coitados ralam recebem em troca um futebol de pouca arte e muita violência, para dizer o mínimo.
Se as pessoas fanáticas por futebol transmudassem o fanatismo em energia criadora, tendo em vista o bem-estar de todos, veriam que, ao longo da vida cotidiana, há muitas necessidades mais importantes e prioritárias que o futebol para cuidar, e então evitariam desrespeitar o silêncio noturno e deixariam de poluir o ambiente com o estouro de bombas, foguetes, buzinas estridentes e sons de péssimo gosto que denotam o baixo nível cultural de cada um.
Se as pessoas usassem essa chama ardente para descobrir que a felicidade delas não está no futebol, mas dentro delas próprias, não usariam as agremiações para discriminar uns e outros e voltariam a fazer do esporte uma maneira de unir as pessoas, independentemente do clube a que torcem. Desse modo, embora existam outras necessidades mais importantes que o futebol, este seria encarado como uma simples diversão sem risco à integridade física dos cidadãos.
Com isto posto a intenção aqui não é extinguir o futebol, que tem importância subjetiva e é usado de toda forma pelos governos e cartolas, mas alertar: assim como o governo federal tentou e não conseguiu se apoderar da visita do Papa Francisco para encobrir os deslizes políticos, usa o futebol como uma espécie de ópio para tornar o cidadão um fantoche, de olho nas eleições de 2014. A receita é antiga, vem desde os tempos romanos, quando os imperadores usavam o pão e o circo para calar o estômago e a voz do povo.


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Por Alberto Sena - 23/7/2013 08:54:23
Serra da Mantiqueira nosso amor

Alberto Sena

Depois de andar 200 quilômetros, em uma semana de caminhada, mochilas nas costas e cajado na mão, contemplar paisagens lindas na Serra da Mantiqueira (MG/SP), tudo agora parece ter sido um sonho bom. Se não existissem as fotos das pessoas que conhecemos e com as quais convivemos horas inesquecíveis, e dos lugares aonde Deus caprichou mais na criação, a realidade sonhada durante oito anos parecia ter sido uma bela viagem onírica.
Iniciamos a caminhada a partir de Tambaú (SP), seguimos as setas amarelas do Caminho da Fé. O percurso é de 400 quilômetros até o Santuário de Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Aparecida do Norte (SP). Já fizemos essa caminhada três vezes e desta não iríamos até o santuário porque a visita do Papa Francisco a Aparecida superlotou a cidade e já não mais havia nem lugar onde hospedar. E só de pensar na multidão de gente de todos os cantos do Brasil e até do exterior, argentinos, principalmente, antes mesmo de o Papa chegar, desanimamos de ir até lá. Fomos, portanto, até Ouro Fino (MG), onde o Menino da Porteira nos recepcionou.
Mas o mais importante não foi chegar a Ouro Fino. O melhor mesmo foi viver cada instante da caminhada, contemplar as paisagens de tirar o fôlego. Subir e descer a Mantiqueira, usufruir de lugares donde se pode ter visão de 360 graus. Há quem tenha a necessidade de “ver para crer”, como são Tomé. Cremos e vimos Deus em tudo que havia de natural. As “pegadas” dele estão por todos os cantos, dentro e fora de nós. Uma caminhada desta, à semelhança do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, é algo “para quem tem palpite”, como bem disse um fazendeiro da Mantiqueira com o sotaque paulista acentuado.
Passamos por extensas plantações de cana de açúcar; vimos lavouras de cafés Catuaí e Mundo Novo nas encostas de morro, café de qualidade; apreciamos as laranjeiras carregadas de frutos; constatamos o fim da “apanha” de café, substituída por mãos mecânicas que sacodem os cafezais e derrubam os frutos. E ficamos a imaginar o que fazem a essa altura as levas de trabalhadores do Norte de Minas e do Paraná que costumavam rumar para o Sul do Estado a fim de colher café. Acabou-se a cantoria da “apanha”. O som agora, em plena safra, é do motor das mãos mecânicas. O ronco incômodo é um contraste com a beleza do campo e do silêncio entrecortado pelo canto dos passarinhos e do martelar das seriemas.
De Tambaú fomos para Casa Branca (SP) e em seguida para Vargem Grande do Sul (SP), onde de fato começa a beleza e a grandeza do caminho. Nós nos hospedamos na pousada de Cidinha, mulher de temperamento forte, casada com o empreendedor Francisco. Na casa dela o marido, o filho e o neto levam o nome da moda, muito antes de o Papa argentino ser eleito.
Ali há lugares paradisíacos, onde não se tem notícia de que alguém pôs os pés. Pela pousada de Cidinha passa o mundo. Todos os dias, levas de peregrinos chegam e outras saem a pé ou de bicicleta. Melhor maneira de fazer o caminho e ter a oportunidade de contemplar as belezas naturais que jorram como cachoeira, é a pé, passo a passo. É enorme a sensação do prazer de andar em contato com o pó da terra, do sol benfazejo, do ar puro representado pelos liquens das árvores e do bulício das nascentes da Mantiqueira. Há lugares que nos levam a dar três passos para frente e dois para trás.
A Mantiqueira é o nosso amor. Pronto, está feita a declaração. Lá temos a impressão de que estamos mais perto do céu. Gavião para no ar a espreita da caça e num voo rasante, como arremetida de avião, garante o almoço do dia. Casais de tucanos voam baixo talvez para mostrar o brilho e as cores das penas e o tamanho do bico. Pomba verdadeira passa zunindo, feito bólido. Apesar da devastação das florestas, para exploração agropecuária, a natureza sobrevive e o verde das serras penetra as pupilas dos olhos e vai fundo na alma.
Foi a caminho de Casa Branca que a ameaça de uma tempestade com redemoinhos quase nos pegou. O céu parecia a ponto de desabar. Mas a Providência divina não abandona ninguém: eis que surgiu um anjo personificado em Marquinhos, caminhoneiro, dono de um bitrem no qual transporta cana de açúcar. Ele havia nos socorrido uma hora antes ao nos fornecer água gelada. Em seguida, de volta, desta vez dirigindo um carro de passeio, ele nos ofereceu carona. Aceitamos claro, pois em meio às ameaças da tempestade poderíamos chegar esgotados à Casa Branca. Além de encharcados


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Por Alberto Sena - 29/6/2013 11:47:11
Em agradecimento

Alberto Sena

Pode até soar piegas, mas no momento em que se inicia essa leitura, com a graça do Senhor do Universo estamos a mais de mil metros de altitude, na Serra da Mantiqueira, literalmente ouvindo passarinho cantar, o vento bulir as folhas das árvores e o ruído de nossas botas de trekking pisando o cascalho das trilhas do Caminho da Fé (SP-MG-Serra da Mantiqueira-Aparecida). Para quem gosta nada há de melhor. Quem não gosta ou por algum motivo esteja impossibilitado de fazer algo semelhante, isso pode ser “uma loucura”. Andar 400 quilômetros com qual objetivo?!
Cada qual tem o seu objetivo, tanto no singular como no plural. Andar é viver, inda mais quando se tem a oportunidade de trilhar por paisagens de tirar o fôlego. Lugares que transmitem a sensação de que no paraíso celeste é desse jeito. A clorofila de muito do que nos resta de florestas entra pela menina dos olhos e vai fundo na alma. E não assustamos se dum momento para o outro um animal quadrúpede atravessar a trilha. Pararemos para contemplar o bicho porque isso não acontece no dia a dia, na cidade, onde os bichos são outros, esses sim, loucos.
Pode ser “loucura” fazer uma caminhada desta, só que é uma “loucura” lúcida. Imagina se neste momento, ao invés de estarmos aqui, na Serra da Mantiqueira, contemplando o que há de natural e belo ao redor, numa visão 360º, estivéssemos na cidade. Imagina. Em meio à parafernália dos carros que estão a deixar as pessoas tendo ataques psicóticos no trânsito. Um formigueiro de gente de aparência surrada, sofrida, trombando uns nos outros. A poluição sonora, visual e que tal, como se vivêssemos dentro de um caldeirão onde uma bruxa malvada adiciona suas ervas para manter a confusão armada.
Ou senão, poderíamos estar defronte da tela de um computador, no trabalho, trepidando todos os dedos das mãos nas teclas dele - particularizamos isso só para dizer que temos uma base de datilografia feita naquelas antigas máquinas Remington, por isso usamos dez dedos nessa tarefa, que muita gente utiliza apenas dois. Poderíamos estar manuseando todas as ferramentas tecnológicas que estão a consumir jovens que não leem livros seguros entre as mãos, não acompanham o dia a dia dos acontecimentos, não conhecem o que seja civilidade...
Lindas foram as manifestações públicas das últimas semanas, exceção da violência dos vândalos que nenhum compromisso têm com as reivindicações políticas das pessoas de boa vontade. São bandidos. Mostramos aos três poderes da República que paciência tem limites e, agora, sim, sempre que não concordarmos com os abusos dos integrantes dos três poderes, vamos todos às ruas, manifestar o nosso descontentamento. Isso é exercer a democracia, a cidadania.
Mas nós que protestamos temos que, individualmente, fazer a nossa parte. Provamos que sabemos protestar, mas no dia a dia, no convívio com as pessoas nas ruas da cidade, no trabalho ou em família, precisamos provar que estamos praticando o que pregamos. Muita das vezes, uma coisa é o que se prega e outra é o que se pratica. E como a gente sabe que os humanos não são o que dizem, mas sim o que fazem, é conhecendo a obra de cada um que vamos concluir se os frutos das manifestações atuais não irão cair em mãos bandidas. Senão correremos o risco de o poder simplesmente trocar de mãos. Precisamos cumprir devidamente o dever como cidadãos, uns respeitando os outros, sabendo pronunciar o que chamamos de “palavras mágicas”, como por exemplo, “obrigado, por favor, licença”, além de outras.
Precisamos transformar a cidade onde moramos em lugar com qualidade de vida para todos. O Brasil é rico. Pobres de espírito são aqueles governantes, políticos de modo geral, empresários e cidadãos comuns que praticam a corrupção. Reclamam dela no dia a dia, mas quando têm a oportunidade de praticá-la não pensam duas vezes. Não podemos cair naquela de: “Faça o que eu mando e não faça o que eu faço”.
O que se pode depreender dessa nossa conversa é que precisamos nos relaxar, daqui por diante. O caminho é longo. Levamos na mochila o essencial. Menos de 10% do nosso peso corporal. O peso da mochila reflete o estado da alma. Em verdade, não precisamos de muita coisa para viver. Isso nós aprendemos ao fazer essa caminhada a primeira vez, em 2003. Agora, em férias do trabalho, fazemos o percurso pela quarta vez para agradecer a Deus pelo prazer da alegria de viver.


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Por Alberto Sena - 24/6/2013 07:57:47
Quer brincar comigo?

Alberto Sena

O lugar era a sala de espera de um laboratório de radiologia odontológica, em dia de sábado. O ar condicionado gelado estaria mais ao agrado de pinguins do que de quem nasceu e foi criado em Montes Claros, onde o clima é quente e seco. Havia na sala duas atendentes atrás do balcão, um homem de cabelos brancos sentado numa cadeira à espera de ser chamado e uma criança que brincava com dois carrinhos desenhados e recortados em papelão.
Se muito, o menino devia ter cinco anos. Ele mexia com os carrinhos de papelão e imitava o ruído dos motores daquele jeito que as crianças costumam fazer. Teve um momento que o menino levantou os olhos e perguntou:
_ Quer brincar comigo?
_ Quero.
Num átimo, o convite da criança remeteu à lembrança do Pequeno Príncipe, personagem do francês Antoine de Saint-Exupery, quando no deserto, depois de uma pane de avião, sozinho, responsável pelo correio postal da França, ele ouviu uma vozinha saída do nada que lhe pedia:
_ Desenha-me um carneiro.
O menino da sala de espera do laboratório era de pele morena, tinha os cabelos pretos brilhantes e sorriso meigo. A princípio parecia ser parente do homem de cabelos brancos. Pouco depois se pôde comprovar, ele nada tinha a ver com o homem de cabelos brancos. A mãe do menino saíra da sala para fumar e o deixara ali dentro brincando com os dois carrinhos de papelão recortado.
_ O meu carro é do Hulk e o seu do Homem Aranha.
_ Certo. E o que vamos fazer?
_ Vamos disputar corrida.
E ato contínuo o menino direcionou o carrinho do Hulk sobre o do Homem Aranha, simulando uma trombada. Logo após a trombada, ele deu uma gargalhada. Parecia uma criança carente de afeto. Um pequeno príncipe. Foi quando a porta da sala se abriu e uma mulher entrou e viu um homem de cócoras brincando com o filho dela, cada um com um carrinho de papelão. Foi nesse momento que se pôde constatar o fato de o menino nada ter com o homem de cabelos brancos.
Nisso a porta se abriu novamente e era S. Logo ela foi apresentada ao menino, que disse se chamar Mateus. A mãe dele se sentou numa cadeira ao lado e com o semblante brilhando num intenso sorriso labial, parecia se divertir com a alegria do menino brincando com um adulto desconhecido.
Mateus lembrou o espírito infantil de um menino que sobrevive até hoje num adulto, quando brincava às vezes solitário com um carrinho feito de madeira e rodas de carretéis dispensados pela mãe costureira. O menino de então vivia com os pés no chão, subia em árvores, jogava bolinha de gude, finca e pelada com bola de meia; corria para um lado e para o outro irradiando a alegria de viver nas partidas de bentealtas, salvo ou rouba bandeira.
Isto aconteceu no tempo em que as pessoas viviam em Montes Claros com as portas e as janelas das casas abertas. Acontecia às vezes de cachorro entrar tão tranquila era a cidade, antes, muito antes do advento do asfalto.
Noutro tempo, Mateus lembrou o próprio filho batizado com o mesmo nome e dos outros, quando eram pequenos, e foram criados com base na filosofia de Kalil Gibran Kalil, que dizia sobre filhos: “Vossos filhos não são vossos filhos; são filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma; vieram através de vós, mas não de vós; e embora vivam convosco, não vos pertencem”.
Depois de várias trombadas dos carros de papelão, as lembranças fizeram ploc, como fazem as bolinhas de sabão, quando uma porta ao lado do balcão das atendentes se abriu e uma voz feminina chamou:
_ Mateus.
Ele se levantou, pegou os carrinhos de papelão e ouviu um “foi um prazer conhecer você!”, mas a mãe quem respondeu:
_ Foi um prazer.
E o menino Mateus entrou para tirar a radiografia dos dentes.


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Por Alberto Sena - 18/6/2013 14:08:08
Na Trilha do Barão

Alberto Sena

Foi depois de visitar o presépio Mãos de Deus, de Grão Mogol, que o arquiteto Robson Cardoso Oliveira programou fazer a Trilha do Barão, caminho construído pelos escravos, no século XVIII. Com passagem comprada para trilhar o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, ele não pensou duas vezes, retornou a Grão Mogol, no último final de semana, para fazer a caminhada. Foram 30 quilômetros entre ida e volta.
Nascido em Pajeú (MG), Robson mora em Montes Claros já faz um tempo e voltou da caminhada pela Trilha do Barão encantado, como quem havia encontrado uma espécie de “paraíso perdido” em meio às serras da região. A trilha fica dentro do Parque Estadual Grão Mogol e além da beleza paisagística, ele encontrou uma vegetação rasteira especial, com bromélias, sempre vivas e canelas de ema por onde andou com a mochila nas costas, numa prévia para vencer os mais de 800 quilômetros de San Jean de Pied-Port, na França, até a cidade de Santiago de Compostela.
O importante nessa caminhada pela Trilha do Barão, é que o arquiteto, acompanhado de Pedro Cardoso, Fábio Freire e o guia Paulinho, pôde constatar a histórica atmosfera do lugar. E o mais curioso, segundo ele, é o fato de muitos gramogolenses nem conhecerem a trilha por onde o barão e a família dele transitaram em liteiras, carregadas pelos escravos.
Com altitude de cerca de 1.300 metros, o caminho oferece uma vista de tirar o fôlego. Lá de cima se pode ver tanto Grão Mogol como a cidade de Cristália, além dos vales cortados pelo maciço do Espinhaço citado pelo escritor Euclides da Cunha (1866-1909) no livro “Os Sertões”, que cativa qualquer indivíduo humano. A vegetação é mista e o solo diverso. Robson pôde observar que muitas das pedras da trilha – será quantas vidas de escravos ali pereceram? – estão se soltando. Além de manutenção, a trilha carece de mais estímulo à visitação, a bem do turismo de Grão Mogol, que um dia recebeu o epíteto de “cidade-presépio”.
E como um pouco mais de história cai bem, o barão, representante dos interesses dos portugueses, se chamava Gualter Martins Pereira e mandou construir a trilha para ligar a fazenda dele ao então arraial onde diamantes mil brilhavam. A trilha é pavimentada com cantaria, pedras irregulares, margeada com muros de arrimo em rocha, de rara beleza.


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Por Alberto Sena - 17/6/2013 07:56:54
O que diria Pirandello sobre Montes Claros

Alberto Sena

Se o escritor italiano Luigi Pirandello (1867-1936) estivesse no meio de nós, e, se numa hipótese, ele sobrevoasse hoje Montes Claros, de helicóptero, repetiria aquilo que disse ao então repórter Assis Chateaubriand, na década de 20: “Acabo de chegar do Brasil (Montes Claros) e estou triste porque o País (a cidade) adota o modelo norte-americano de espigões”.
Montes Claros, que nasceu fazenda, virou “Arraial das Formigas” e depois “Princesinha do Sertão”, atualmente é de fato a capital da região metropolitana do Norte de Minas, com direito aos ônus de uma metrópole plana que segue o modelo norte-americano de espigões; cresce para cima.
Pirandello é um dos maiores escritores da literatura moderna, autor do livro “O falecido Mattia Pascal” e de peças de teatro tipo “Seis personagens à procura de um autor”. Ele foi uma das personalidades entrevistadas por Chateaubriand, que, a mando de Aurélio Buarque de Holanda, fez uma série de reportagens com personalidades europeias influentes de diversas áreas do conhecimento, para publicação no Brasil.
Claro que a opinião de Pirandello em nada influenciou no processo de crescimento vertical das grandes cidades brasileiras, “um modelo urbanístico equivocado”, segundo nos disse, semana passada, em Belo Horizonte, o navegador Amyr Klink, ao participar de um seminário promovido pelo jornal Hoje em Dia, sobre mudanças climáticas. Equivocado, segundo ele, porque excludente e gerador de favelados. “As cidades têm que diminuir e crescer em oferta de qualidade de vida”, disse Klink, que já experimentou o frio da Antártida 42 vezes.
No início da década de 70, Montes Claros possuía, se muito, dois ou três espigões. Um deles, localizado na esquina das ruas Pedro II e São Francisco ficou em obras, no esqueleto, durante anos. Era usado até por estudantes gazeteiros como plataforma de lançamento de aviõezinhos de papel. Os aviõezinhos plainavam até a Praça Dr. Carlos, onde antes havia o casarão do mercado municipal, quando arremessados lá de cima.
Quarenta anos depois, vários espigões brotaram em Montes Claros e em compensação a qualidade de vida na cidade caiu, e as reclamações devido à falta de segurança tornaram-se uma cantilena sem consequência. Os problemas socioeconômicos há muito tempo escaparam por entre os dedos das autoridades, que nem tão responsáveis são no combate das suas causas.
Quem viveu a Montes Claros de até a década de 70 não conhece mais a cidade que cresceu de maneira desordenada e recebeu gente de todas as partes do País trazida pela BR 251, atraída pelas possibilidades econômicas. Primeiro o comércio e a pecuária de corte foram o forte da economia. Depois o carvão vegetal feito de árvores nativas do Cerrado e o Distrito Industrial. Agora, o atrativo é o minério de ferro e a exploração de gás natural da região.
A voracidade como tudo se deu foi de assustar e Montes Claros tanto fez que, por último, passou a tremer. As explicações sobre as causas verdadeiras dos tremores de terra não foram convincentes ao ponto de excluir as explosões de dinamites nas entranhas da gente-terra.
O que muita das vezes é chamado progresso, porque realizado a qualquer preço é em realidade atraso. O mais importante não é conjugar o verbo ter, mas o verbo ser. De que adianta Montes Claros ter isto e aquilo se não consegue ser uma cidade que preza primeiramente o bem estar dos seus habitantes?
Qualquer pessoa que der um giro nos próprios calcanhares vai perceber: Montes Claros, em seu aspecto urbanístico, não tem estrutura para suportar essa carga pesada e desordenada do que aparentemente é progresso e desenvolvimento, antes ignorando a razão da existência dos cidadãos que dão corpo e alma à cidade.
Os problemas que os montesclarinos enfrentam hoje no dia a dia são resultantes da falta de visão dos governantes. A cidade perdeu a oportunidade de conceber um plano diretor que pudesse conservar o traçado antigo das ruas e dos imóveis antigos e construir um lugar moderno voltado exclusivamente para o conforto dos seus habitantes.
Agora, pode ser tarde demais. Qualquer atitude nesse sentido pode custar os olhos da cara. A cidade se expandiu horizontalmente e, nas últimas décadas, cresce para cima, sem criatividade, imitando o modelo equivocado dos norte-americanos.
A esta altura, Pirandello poderia dizer, utilizando de uma expressão portuguesa usada no Norte de Minas, “Agora, Montes Claros, sua alma, sua palma”.


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Por Alberto Sena - 10/6/2013 10:28:49
Para a posteridade

Alberto Sena

Permissão eu peço a cada um, e se licença me é dada, não posso deixar de tecer comentário sobre a repercussão da notícia do acervo de fotos de dona Dorzinha – Maria das Dores Guimarães Gomes – postado no FB. Como sou camarada que gosta de fazer leitura das coisas, me chamou a atenção o elevado índice de leitura da “Carta à dona Dorzinha”, e, certamente, o estrondoso acesso dos montesclarinos à página dela para apreciar as fotos.
É preciso levar em conta o fato de dona Dorzinha ser mãe de uma grande família. Possui muitos parentes, amigos, e numa hora dessa o boca a boca funciona que é uma maravilha. Um dá a notícia ao outro, como no caso do acervo de fotos e em pouco tempo dona Dorzinha, personalidade conhecida e querida, ganhou o mundo sem sair do lugar, nesses tempos cibernéticos. É bom ressaltar a desenvoltura dela no manuseio da ferramenta eletrônica que, ainda hoje, muita gente de ontem resiste em adotar.
Outro ponto a respeito da repercussão da notícia do acervo de fotos de dona Dorzinha é a percepção de que os montesclarinos de ontem, os que resistem na metrópole de hoje, são gente carente de uma cidade mais humana. Querem que Montes Claros volte a oferecer qualidade de vida aos seus habitantes. Que seja um lugar onde as pessoas se conheçam e se reconheçam. Um ambiente urbano propício ao encontro de uns com os outros.
O encontro era a principal característica de Montes Claros de ontem. As pessoas se encontravam em vários pontos da cidade. “Encontro” tornou até nome de uma revista na década de 60, editada por Lúcio Bemquerer e Waldyr Senna.
Mas a nossa cidade tanto teimou que cresceu. Muitos desencontros aconteceram e acontecem no dia a dia. Com o tempo, a nossa cidade foi sendo descaracterizada. E embora se possam encontrar (ainda) alguns sinais da MOC de ontem, o que mais há são retratos na parede. Ou no FB e sites, graças ao lado bom da internet e ao desprendimento de dona Dorzinha ao nos entregar o seu acervo.
Depois de apreciar as fotos a gente chega à conclusão de que precisamos conversar mais, brincar mais e amar demais uns aos outros. Por mais longo seja o prazo de validade de cada um de nós, o tempo é curto para deixar vida escapar por entre os dedos. Inda mais em tempo de obsolescência programada de tudo – de lâmpada a carro e, o que é pior, de gente humana. Em meio à azáfama diária que tal inventarmos motivos para uns aos outros se encontrarem?
As fotos do acervo de dona Dorzinha tiveram o condão de chamar a atenção dos que viram cada uma delas, para a necessidade de construção de uma cidade onde as pessoas possam andar sem medo. Possam rir sem pejo. Um lugar onde o direito de ir e vir de todo cidadão, em segurança, seja uma premissa.
Ao final, para não delongar mais sobre o assunto, a publicação do acervo de fotos funcionou como um halo a mais de vida para os amantes de Montes Claros. Podemos até ser tachados de ingênuos ou algo parecido por acreditamos seja possível criar uma cidade com mais qualidade de vida. Tudo depende da vontade e da prática política de cada cidadão e das autoridades responsáveis pelo destino da cidade.
Todo cuidado é pouco daqui para frente. Se em meados de 2013 a cidade está do modo em que se encontra, principalmente no tocante ao trânsito de veículos de modo geral, o que será de Montes Claros em 2040? Alguém já pensou nisso? Considerando que os problemas acontecem em velocidade superior a das soluções, alguém já pensou o que pode acontecer por entre as estreitas ruas traçadas antes, muito antes de o primeiro carro trafegar por vias mais apropriadas às charretes e carroças?
Tem sido assim, primeiro criamos os problemas e depois saímos correndo atrás das soluções, quando não amargamos o prejuízo urbano e da queda da oferta de qualidade de vida.
Com efeito, o acervo de dona Dorzinha fez despertar um turbilhão de lembranças e provocou reflexões de toda ordem em cada um que teve – e tem – o privilégio de apreciar as fotos e compartilhá-las para a posteridade.


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Por Alberto Sena - 4/6/2013 08:05:06
Carta à dona Maria das Dores

Alberto Sena

Dona Maria das Dores Guimarães, tomo a liberdade de lhe escrever certo de que não se importou com o fato de eu ter tomado a liberdade de copiar, sem licença prévia, no âmbito do facebook, as fotos que a senhora postou da querida Montes Claros. Digo-lhe isso porque a senhora não me conhece e eu, despertado por Adriano Souto, acessei a sua página a fim de fazer uma viagem ao passado. Não que eu viva dele, mas para que, por meio das fotos pudesse reavivar a memória e ganhar mais lume sobre a nossa terra.
O mais importante é que sei quem é a senhora e felicito os seus por a terem, assim, vistosa, forte e feliz. É o que pude ler da foto que se encontra no frontispício da sua página, juntamente a seu digníssimo marido, quando ainda entre nós. Quanta história a senhora tem guardada, hein?! Vi uma por uma, todas as fotos e nelas pude rever pessoas. E se me permite dizer, não vi as fotos com o doído sentimento de saudade. Tomei-as como a um trampolim, feito o da Praça de Esportes daquela época, onde os atletas de então faziam acrobacias. Ganhei mais impulso para a vida.

Quanta beleza e força me despertaram as fotos da construção da Catedral de Nossa Senhora Aparecida. E as fotos de JK andando pelas ruas de Montes Claros? Naquele tempo, o fazer política era levado mais a sério. O espírito público ainda vivia. JK inaugurando o Parque de Exposições João Alencar Atayde parecia pessoa comum.
As fotos da miss Virgínia Barbosa, a beleza de Clarice Sarmento, a voz e a interpretação de Aline Mendonça... Lembrei-me das vezes que ouvi Aline declamar poesias lindas no auditório do Colégio Imaculada Conceição. O prédio do colégio está gravado para sempre na foto que a senhora postou. Daquela porta do colégio um caudal de história jorrou.
Como não poderia deixar de dizer – e de lamentar – muitos dos fotografados já se foram, mas compreendo, só existe vida. E mais vida das fotos de Montes Claros antiga jorrou. Mas não me encontrei em nenhuma delas. Entretanto, de muitos dos acontecimentos registrados participei como mero figurante, como daquela foto do Estádio João Rebello, em 1957, quando do Centenário de Montes Claros. A cavalhada. Os cavaleiros de lança em punho e a galope catavam no ar alianças. Um turbilhão de sonhos sacudiu a caixa craniana do menino de 8 anos, enquanto a multidão se unia em aplausos.
Se uma foto vale mais de mil palavras, dona Maria das Dores, o acervo que postou é um livro a espera de quem o escreva para assegurar os fios de memória com os quais fiará o espectro de Montes Claros, dentro de Montes Claros de hoje. Essa cidade que a senhora tomou o cuidado de fotografar para mostrar à posteridade como eram os costumes, a cultura, a beleza e a elegância da gente montesclarina, essas fotos, dona Maria das Dores, valem milhões de palavras.
Se me permite dizer, oh respeitável senhora, sempre achei uma bobagem sacar fotos e guardá-las numa gaveta. Inda bem que a internet e o facebook aí estão para facilitar as coisas. Fotos a gente precisa mostrar. Servem como comparativo de como era antes e de como será depois.
O professor de história Pedro Santana, que lecionou para gerações de montesclarinos, disse-nos numa das suas primeiras aulas, que “não é possível prever o futuro sem conhecer o passado”. É gostoso olhar para trás e constatar: o passado foi bom, bonito, rico em criatividade. É por tudo isso que a senhora, os seus e os meus vivem bem, graças a Deus. E eternamente enquanto durar o tempo de cada um, é necessário viver em paz. Por aqui ninguém passa em vão.
Mas, dona Maria das Dores, “se a alma não é pequena”, todos os tempos são bons. Cada qual ao seu tempo. Importa ter alegria de viver. Ter o gosto de contemplar a beleza do planeta, a nossa casa. Andar. Subir e descer a Mantiqueira. Apreciar a beleza do céu, do mar, das florestas, dos animais e das gentes que Deus pôs no mundo. Tudo depende do olhar de cada um.
Desculpe-me, dona Maria das Dores, pelo incômodo, a essa hora dos dias e das noites. A intenção era só mesmo agradecer pelas fotos. Obrigado.


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Por Alberto Sena - 27/5/2013 08:28:54
Palpo de aranha

Alberto Sena

Bisavós, avós e pais desta geração de montesclarinos precisam contar aos bisnetos, netos e filhos que a nossa cidade nem sempre foi assim como é hoje em dia. A cidade cresceu desordenada, virou uma metrópole com ônus e bônus, mais ônus do que bônus, modo irreversível.
Bisavós, avós e pais nascidos e criados em Montes Claros precisam contar tudo aos bisnetos, netos e filhos, para que eles possam pelo menos ter uma noção de como era antes, “como éramos felizes e sabíamos”, e possam ajudar na manutenção da qualidade de vida nessa cidade em meio ao turbilhão das transformações operadas da noite para o dia. Eles precisam saber de tudo.
Houve tempo em que a tranquilidade era uma marca da cidade; se podia sair às ruas a qualquer hora do dia ou da noite. Havia segurança (pública), mesmo porque “bandidos” não havia, a não ser em importados filmes norte-americanos de Roy Rogers, Rock Lane e Rex Alen, quando eles esburacavam virtualmente a tela dos cines Coronel Ribeiro, São Luís, Ypiranga, Fátima, entre outros inexistentes, com as balas dos seus revólveres cabos de madrepérola.
Nessa época, que nem tão longe está, dirão bisavós, avós e pais aos bisnetos, netos e filhos, em Montes Claros só havia artistas. Se Carlos Prates Correa tivesse de fazer um filme, como fez Cabaret Mineiro premiadíssimo, teria que buscar bandidos em outras plagas. Em nossa cidade daquela época o máximo que havia era ladrão de galinha fugidio em “desabalada carreira”.
Sem querer tampar o sol com a peneira, é preciso dizer às gerações atuais que de vez em quando acontecia de um esfaquear o outro ou até abater a tiros o desafeto nas zonas boêmias em quantidade na cidade. Houve até mesmo casos de repercussão nacional, como a morte de Olímpio Campos, ex-prefeito de São João da Ponte, assassinado por um pistoleiro – Pirulito era o apelido dele – quando fazia comício em tempo de eleição numa praça da cidade.
Fora isso, a cidade era uma beleza. Gente culta praticava a civilidade. Os usos e os costumes eram seguidos. Todos andavam na linha, em composições a vapor ou a óleo da Estrada de Ferro Central do Brasil, cujos trilhos deviam ser resgatados porque não dá para entender o porquê de investir em rodovias quando o perfil do Brasil é para estrada de ferro, devido ao seu descomunal tamanho.
Havia naquele tempo oportunidades mil para dedos de prosa no café de Zim Bolão, com Lazinho Pimenta no comando da animação. O café Galo era dos Galo. Havia a Cristal e era chique sentar às mesas de dia para tomar sundae, banana split, vaca preta e vaca amarela.
A Praça de Esportes, que tanta polêmica gerou recentemente, era o point. Ali a vida parecia ter mais calor e vigor. Ali aconteceram memoráveis partidas de vôlei, basquete, futebol de salão (hoje futsal) e natação. Para não cometer injustiças, melhor não citar nomes porque muitos craques emergiram dali da Praça de Esportes, onde as peladas da tarde na pista próxima da boate eram uma alegria.
A boate vale pelo menos um parágrafo. Nas manhãs de domingo, depois da missa do padre Dudu, na matriz de Nossa Senhora e São José ou do padre Agostinho, na catedral de Nossa Senhora Aparecida, o programa era dançar na boate que de boate nada tinha. Com banda ao vivo, todos suando mais do que tampa de chaleira, era gostoso dançar coladinho.
O importante, agora, depois de tudo acontecido para transformar Montes Claros na metrópole de hoje, é dizer aos bisnetos, netos e filhos que eles devem se ocupar com a qualidade de vida da cidade, até “em legítima defesa própria”. Eles herdarão a cidade construída por bisavós, avós e pais. Daqui por diante, eles darão sequência e se cometerem os mesmos erros cometidos por bisavós, avós e pais construirão um mundo inóspito à vida.
Urge procurar humanizar a cidade para que os montesclarinos possam usufruir de espaços públicos seguros onde todos poderão viver em paz, com saúde de qualidade garantida pelo SUS e cheios de alegria de viver. É preciso saber observar, ter olhos para enxergar o que foi feito no passado e comparar com o que é feito no presente. O espectro do futuro de Montes Claros, ó bisnetos, netos e filhos está sendo construído agora. Até que se materialize e possa ser visto e apalpado levará algum tempo.


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Por Alberto Sena - 20/5/2013 08:19:28

A terapia da fé

Alberto Sena

“Me senti mais feliz, gostei do comportamento dos meus colegas, gostei de tirar foto, distraiu meu coração!” Esse foi o resumo que E.P.C. fez da visita ao Presépio Mãos de Deus, de Grão Mogol, em companhia de mais oito pacientes “com diagnóstico relacionado ao sofrimento mental”. É possível que a maioria deles nem tenha dormido direito na noite anterior tamanha a excitação despertada pela visita na manhã seguinte, programada pelo CAPS – Centro de Apoio Psicossocial – da Prefeitura Municipal de Grão Mogol.
No dia anterior à visita foram expostos ao homem e às oito mulheres os objetivos da ida ao presépio, as orientações e as regras para organização do passeio. Tudo foi descrito em uma cartilha elaborada pela terapeuta ocupacional Bárbara Valério Veloso e entregue para cada um. Eis algumas das orientações dadas ao grupo: “Trazer a roupa que mais gosta e sapato mais confortável possível, de preferência fechado, uma garrafinha de água, protetor solar e sombrinha; vir de banho tomado; respeite e ajude os mais lentos; em locais perigosos, os mais experientes ajudam o grupo; jogue lixo no lixo”.
Foi uma das visitas mais emocionantes para o construtor do presépio, Lúcio Bemquerer. A cada dia mais ele se surpreende com a repercussão da obra construída em oito meses e que já foi visitada por mais de 30 mil pessoas em menos de um ano e meio. Bemquerer mostrou todos os passos do presépio aos pacientes do CAPS, que estavam acompanhados também da psicóloga Ara Mendes, das técnicas de Enfermagem Teresa Siqueira, Seilane Melo e do motorista Waldir Junior.
Além da possibilidade de sair do ambiente de tratamento, buscar desenvolvimento cultural, social, pessoal e intelectual, um passeio como esse, ao maior presépio natural e a céu aberto do mundo, preencheu quase todos os quesitos da lista de objetivos do CAPS, quanto ao atendimento dos pacientes: “incitar a sociabilidade e convívios; promover o exercício de cidadania e o resgate da autoestima; favorecer aceitação do novo e do desconhecido; proporcionar diversão e relaxamento; diminuir o estresse, a angústia e a tensão; buscar o rompimento do preconceito em relação às pessoas com transtornos mentais”, entre outros.
Os pacientes ficaram impressionados com as esculturas, em tamanho mais que o normal, dos personagens bíblicos testemunhas do nascimento do Menino Jesus. Da lapa manjedoura à sala de meditação e a de orações, os visitantes disseram ter gostado de tudo, inclusive da vista de Grão Mogol proporcionada pelos mirantes do presépio.
A cada leva de visitantes se vai impregnando nas pedras do presépio a energia das pessoas que por ali passam. Esse magnetismo santifica o lugar. Tanto é verdade que alguns milagres já ocorrem no presépio, casos que Bemquerer prefere não alardear. “Tudo é uma questão de ter fé”, ele diz.


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Por Alberto Sena - 13/5/2013 08:21:33
Algazarra dos meninos

Alberto Sena

Ouço a algazarra de crianças lá fora. São meninos do aglomerado. Aglomerado é uma palavra inventada para substituir o desgastado substantivo feminino favela. Mera questão semântica. Como não têm um clube, nem um espaço apropriado para brincar, eles ficam espalhados pelo meio do asfalto onde jogam futebol e correm o risco constante de atropelamento.
Já falei sobre isso, aqui, e repito: quando ouço ao entardecer a algazarra das crianças me lembro do filme Amarcord (“io me ricordo”), de Frederico Fellini. É que no filme há uma cena numa praça onde as pessoas – muitas delas crianças – saúdam os primeiros flocos de neve do inverno entrante.
Fico pensando com as mangas da camisa e perguntando se essas crianças tivessem nascido numa situação melhor, no seio de uma família rica, a essa altura estariam num sítio à beira de uma piscina se esbaldando. Mas, como a realidade deles é completamente oposta, eles não têm uma alternativa melhor senão a de jogar futebol na rua, sob o risco de serem esmagados debaixo das rodas de um veículo qualquer.
Pergunto a uma e a outra manga da camisa o que será desses meninos quando eles estiverem com os seus 18 anos? Alguns deles estudam. Sei disso porque às vezes os vejo de uniforme e com mochilas nas costas indo para a escola. Mas nada sei a respeito do aproveitamento deles na sala de aula. Será que já sabem ler, escrever e fazer conta? Torço para que deem certo na vida.
Quando não estão chutando bola, eles se concentram na porta do prédio para jogar o tal do “bafo”. No início, quando começaram a jogar “bafo”, achei estranho ouvir o ruído que faziam e então descobri ser nada mais nada menos que “jogar figurinhas”, como faziam as crianças do século passado. Com a mão em forma de concha, eles batem sobre as figurinhas e ao virá-las ao contrário ficam donos delas.
Já faz algum tempo, quando ouço o ruído característico do “bafo” digo em solilóquio: “Lá vêm eles”. Só uma coisa me incomoda nessa brincadeira. É que eles se entrincheiram na porta do prédio e se os moradores entram ou saem precisam pedir licença a fim de passar no meio deles. Nem sempre eles arredam do lugar no primeiro pedido de licença. É preciso falar mais de uma vez. É como se estivessem no habitat deles.
No mais, as brincadeiras dos meninos não me incomodam. Além de me lembrar do filme de Fellini, a algazarra deles me transporta aos tempos de antanho quando fazia a mesma coisa nas ruas empoeiradas de Montes Claros. Naquela época jogávamos futebol também, mas tínhamos outras opções, como bolinha de gude, finca e bente altas. Fazíamos a mesma algazarra desses meninos. Só não corríamos o risco de ser atropelados porque o trânsito de automóveis ainda era incipiente.
Meio século atrás, o meio de transporte mais utilizado era o trem de passageiros. O presidente Juscelino Kubitscheck havia acabado de comprar o lobby norte-americano da indústria automobilística e o resultado disso nós estamos vendo nos dias atuais – ruas regurgitando carros e transporte ferroviário só para minério de ferro.
O Brasil é muito grande e se o transporte ferroviário tivesse a primazia, certamente as nossas rodovias não estariam tão sobrecarregadas. E mais: a manutenção de uma estrada de ferro é mais barata do que a de uma rodovia. Nem é preciso ser especialista para dizer isso. Basta verificar o estrago que os veículos pesados fazem nas estradas cada vez mais perigosas.
Viajar de trem é mais divertido. Para as crianças, então, não há diversão melhor. Fiz diversas viagens de trem na infância e posso dizer isso de poltrona: é marcante. Tão marcante que o apito de um trem ecoa na minha alma e vem logo à tona o sentimento de saudade.
Mas não sou um tipo saudosista. Apenas trato das vivências porque as vivi. Gosto de lembrar o tempo vivido, mas não vivo de passado. O importante é o aqui, o agora. O passado passou. Está guardado na mochila. O futuro está sendo construído no presente. É o presente que me mete medo. Diante das realidades testemunhadas aqui e em toda parte, embora seja otimista, temo o que possa advir das sementes lançadas hoje ao largo. O que será desses meninos que fazem algazarra lá fora e lembram-me os tempos vividos numa Montes Claros cujo espectro sobrevive em meio à metrópole da minha cidade transmudada?


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Por Alberto Sena - 6/5/2013 08:59:29
Os pontos da degradação humana
Alberto Sena

Quem fizer um tour pela Praça Raul Soares, viaduto Santa Tereza, Parque Municipal e, principalmente, pela Lagoinha vai se espantar com o grau de degradação a que a sociedade e o capitalismo podem levar muita gente na capital mineira.
Na Lagoinha, na Praça Vaz de Melo ou debaixo dos viadutos e até nas suas entranhas é possível encontrar alguém deitado, dormindo. Na Lagoinha, que em passado nem tão distante serviu de mote para músicas e textos literários de escritores e contistas do nível de Wander Piroli, autor de “A Mãe e o Filho da Mãe”, veem-se imagens que lembram as ilustrações de Gustave Doré, no livro “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri.
Foi durante um tour em busca de moradores de rua para construir uma reportagem que encontrei, andando na calçada da Rua da Bahia, ao lado do Parque Municipal, um homem que, a passos lentos, lia uma revista em quadrinhos. Lia e ria. Passei por ele, achei interessante o fato de estar lendo e rindo e, confesso, até achei que podia ser mais um louco a perambular pelas ruas da cidade.
Passei por ele e, lá adiante, me veio à ideia de saber dele o que lia e por que ria. Deixei que se emparelhasse comigo e o perguntei:
- Por que está lendo e rindo?
Ele levantou os olhos da revista e com um sorriso disse:
- É do que se passa nessa revista – e apontou-me a cena de um papagaio que fazia traquinagens com as pessoas.
Eu quis saber que revista era aquela e ele mostrou-me a capa. Era sobre “Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto, um herói brasileiro, que, inclusive, já foi tema de filme. Ele a encontrara no lixo.
Pensei logo comigo, “este será um dos personagens da reportagem”. O homem disse ser de Belo Horizonte. Morava nos Estados Unidos, em Massachusetts. Viera ver a mãe e quando aqui chegou soube que ela havia morrido. Teve roubados os documentos e o passaporte. Preferiu a rua a ficar na casa dos irmãos porque um deles é traficante no Morro do Papagaio e tinha medo dele. Quando tirar novos documentos e passaporte, ele quer volta aos EUA.
R., como vou chamá-lo, vive há dois anos nas ruas. Ele disse que tem medo das ruas. Quase nem dorme de tanto medo. Mas já foi traficante e por conta do tráfico levou duas balas no corpo e uma “facãozada” no rosto. Foi esse episódio que o fez mudar de vida e ir para os Estados Unidos.
-Eu não uso drogas ilícitas, mas bebo cachaça e fumo – disse R.
Ato contínuo, ele pôs a mochila no chão abriu o feche já relaxado e retirou de dentro uma garrafa de cachaça dizendo tê-la comprado de manhã. Havia passado o dia andando de déu em déu e àquela hora da tarde, a garrafa já estava abaixo da metade.
A noite viria e R. daria conta da outra parte da garrafa e entre uma cochilada e outra, ele veria “as coisas incríveis que acontecem no meio da noite”. Na Praça da Estação, na noite anterior, R. disse ter visto “um estupro, assim, no chão”. E me propôs arranjar-lhe uma câmera para ele fazer tomadas das “coisas incríveis” que diz ver durante as madrugadas.
Para o leitor visualizar o personagem, convém traçar um desenho dele em nanquim, tinta chinesa desde os tempos das caravelas, produzida na cidade de mesmo nome, mudado para Nanjing. R. é de estatura mediana, negro; o formato do rosto dele é oval. Os olhos são castanhos, esbugalhados, esclerótica avermelhada. Os cabelos são castanhos, ao rés do cocuruto. Possui bigode a Clark Glabe e os dentes amarelados de nicotina.
A certa altura da nossa caminhada, R. disse “entro no Palácio das Artes a hora que eu quero e assisto o filme que quiser”. Ele falou assim sem que nem pra quê, talvez porque nos aproximávamos do lugar. Quando passávamos pela porta, ele desafiou:
- Quer me ver entrar no Palácio das Artes? Me fotografa com o celular.
Ele disse e se encaminhou para a porta de vidro temperado. Entrou e logo nas escadas do lado direito, onde fica a sala Humberto Mauro, havia um guardinha. R. fez com o dedo sinal de positivo para o guarda e foi correspondido. Desceu as escadas e se dirigiu à entrada, mas como não era hora de sessão de cinema, ele apenas leu em inglês o nome do filme e demos meia volta.
Saímos do Palácio das Artes e continuamos em frente. Na esquina das avenidas Afonso Pena com Carandaí, despedimos-nos. Antes, ele voltou à carga.
- Se você me der uma câmera vai poder ganhar muito dinheiro comigo – e atravessou a Avenida Afonso Pena limpando o nariz com a ponta da camisa imunda.


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Por Alberto Sena - 29/4/2013 08:22:31
Com vergonha

Alberto Sena

Costumo achar que sou ET. Não sou daqui. E o que é pior nem sei para onde vou. Consciência eu tenho, estou aqui de passagem e é nesse particular que os homens e as mulheres são iguais. Ainda bem que nós estamos de passagem. Se por mal dos pecados os humanos não morressem, o planeta a essa altura estaria expelindo gente pra tudo quanto é poro.
Sou brasileiro, gosto do Brasil, defendi e defendo aqui dentro e em oportunidades que tive de defendê-lo lá fora. Acredito que um dia o país alcançará um patamar de vida sem miséria e de gente educada, letrada, civilizada e, sem exagero, poliglota. Os nossos políticos terão a essa altura um comportamento público sueco. Claro, quando essa utopia (realizável) acontecer, muitos de nós já terá posto a mochila nas costas para o prosseguimento da vida. Esperamos que seja no paraíso, onde deve de fato haver murmúrio de águas cristalinas e pomar de frutas diversas ao alcance da mão.
Mas, enquanto nada disso se realiza, quero deixar registrado aqui, com todos os sons das letras, que estou com vergonha do Brasil. E preocupado, embora a tempo tenha me prometido retirar do vocabulário a palavra “preocupação”. Ao invés disso, ocupar com a solução das questões, porque quem se preocupa corre o risco de sofrer antes, durante e depois.
Neste caso particular me confesso preocupado porque me ocupo com a busca da resposta para a seguinte pergunta: “Quê mundo deixaremos para as gerações que ainda virão?” A pergunta deve soar no coração como o som grave do violão. E trazendo a pergunta para mais próximo: “Quê país vamos deixar para as crianças que ainda virão?”
Infelizmente, o país está a me envergonhar em quase todos os quesitos, a começar da política e dos políticos corruptos. Se cada um de nós der uma volta nos calcanhares vai perceber que a qualidade de vida está indo pras cucuias. No segmento educacional, a família, hoje se desintegrando devia educar e a escola ensinar. Embora dotado de alegria crônica, a maioria dos brasileiros tem estampado no rosto as marcas do sofrimento.
Papel, papelão, plástico e latas pululam nas ruas imundas das grandes cidades do país. A violência chegou ao ponto de dar aos bandidos o status político e socioeconômico de um “poder” a nos infringir uma série de temores que nos forçam a fechar as portas com trancas e adaptar aos condomínios uma parafernália de segurança relativa com os mais poluentes sons de alarmes de carros, portas e portões, que, se não inibem a ação dos bandidos, vão nos enlouquecendo cada dia um pouco mais.
O trânsito de carros nas grandes cidades, principalmente, a cada dia mais mostra o quanto o governo não dispõe de opções para incrementar o “pibinho”. Sem olhar as consequências encheu as ruas sem infraestrutura para volume tão grande de veículos que formam congestionamentos frequentes e quilométricos e assim os problemas de saúde física e psíquica da população surgem com prejuízos incalculáveis.
A exacerbada falta de civilidade, que torna cada cidadão livre para azucrinar os tímpanos alheios com os mais estridentes sons de mau gosto e o egoísmo que constrói para cada um uma concha; a destruição acelerada do ambiente; a inversão dos valores que dignificam os humanos; o desamor, enfim, estão a envergonhar não só a mim, mas a muita gente.
O tal “jeitinho brasileiro” precisa acabar. E quando a gente lê a notícia de que “os brasileiros acham fácil desrespeitar as leis”, aí a situação fica pior, envergonha mais. O que acontecerá conosco se os motoristas e os pedestres não respeitarem as leis de trânsito?
Somos o resultado de uma miscigenação. Raça como a nossa não existe no planeta. Basta entrar num ônibus coletivo para termos um exemplo da gente brasileira. Mas penso que não iremos longe, como nação, se além do “jeitinho”, não acabarmos com a impontualidade e a impunidade; com a corrupção que acontece de cima para baixo e ao contrário também.
O todo só melhora a partir de cada indivíduo, com atitudes positivas, numa ação de dentro para fora. É preciso cada um se acender como uma lâmpada para que seja mudado, nas pessoas individualmente e nas cidades, o negativo “inconsciente coletivo” abordado por Carl Gustav Jung, filósofo e psiquiatra suíço.
Em minha opinião, de tanto ver a vida passar pelas janelas e portas, concluo que estamos caminhando céleres para o fim, simplesmente porque a velocidade da autodestruição é bem maior do que o poder, à vontade e a prática política possam encontrar meios para minorar o desastre iminente.


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Por Alberto Sena - 22/4/2013 10:07:36
Referência de turismo religioso

Alberto Sena

Grão Mogol já não é mais a mesma desde quando foi inaugurado na cidade o Presépio Mãos de Deus, em dezembro de 2011.
A notícia de que lá o Menino Jesus nasce e renasce dia e noite se multiplica. A cada final de semana aumenta o número de ônibus de turistas religiosos para ver de perto a boa nova de Grão Mogol.
Como predestinado, coube ao empresário Lúcio Bemquerer, ex-presidente da associação Comercial de Minas (ACMinas), criar infraestrutura, com recursos próprios, para assegurar a visitação pública.
Em verdade, o presépio ali estava há milhares, senão milhões de anos, pedra sobre pedra “em harmonioso desalinho”, como ele diz. Mais de 25 mil pessoas já visitaram o presépio.
A cada dia Bemquerer se convence de que “as pessoas é que santificam os lugares”, e isso se aplica também ao presépio, diante das manifestações testemunhadas por ele e dos registros deixados pelos visitantes sensibilizados pelo magnetismo do lugar.
Para ter uma ideia a mais do quanto o presépio de Grão Mogol vai se tornando referência do turismo religioso do Norte de Minas, a equipe Missionária Arquidiocesana de Montes Claros deu “um abraço” nele por ocasião do sexto aniversário de dom José Alberto Moura como arcebispo metropolitano.
Os religiosos visitaram a Paróquia Santo Antônio, feita de pedras e se encantaram com a cidade, no que foi “a nossa primeira Romaria Missionária Arquidiocesana”, disseram e afirmaram, “o lugar abençoado propicia a todos um encontro mágico com a espiritualidade”.
A influência do presépio é notada a cada dia mais pelos gramogolenses porque eles passaram a observar a repercussão do movimento de turistas religiosos na economia da cidade.
Depois de ficar durante décadas como que paralisada no tempo, Grão Mogol vive agora um ciclo de garimpo novo, desta vez em busca do verdadeiro diamante no interior do coração de cada um, presépio onde o Menino Jesus quer nascer todo instante.


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Por Alberto Sena - 15/4/2013 09:47:02
Exemplo do alemãozinho

Alberto Sena

Um menino de quatro anos de idade, filho de mãe brasileira e pai alemão, em visita a Belo Horizonte, vindo de Bremen (Alemanha) deu uma lição, em matéria de educação de trânsito, a um grupo de adultos, nas mais movimentadas avenidas da capital. A pé, o menino não andava se quisessem atravessar com ele as avenidas estando vermelho o sinal para pedestre.
Acompanhado da mãe e da tia, que insistiam em atravessar, quando não vinham carros, o menino só arredava pé com o sinal verde. E todos ali passaram a esperar o sinal abrir, em atenção ao exemplo dele. Será que isso se deu porque a criança é nascida e mora na Alemanha, outra cultura, outra educação?
O episódio fez lembrar o que contava dias atrás uma autoridade em educação de trânsito, sobre o respeito às leis nos países do primeiro mundo, onde as pessoas automotorizadas obedecem à risca a sinalização. A rua estava deserta, mas o semáforo vermelho fez o motorista parar – ele podia seguir em frente com a toda segurança – ao que um brasileiro do lado dele sugeriu “furar o sinal”, e o motorista respondeu: “Não posso; vai que numa das janelas dos edifícios uma criança esteja me vendo, estarei dando um mau exemplo”.
Na hipótese de que cada um de nós tivesse comportamento no trânsito semelhante ao do alemãozinho, muitos acidentes teriam sido evitados. O exemplo dele é digno de mote para uma campanha nacional sobre educação no trânsito. Dentro da ótica midiática, no mínimo o comportamento dele seria uma maneira de despertar nas crianças e em adultos a prática da civilidade, o respeito aos outros e às leis (de modo geral) de trânsito, que existem tanto para os condutores de veículos como também para os pedestres.
Se todo pedestre atravessasse as vias na faixa de segurança e respeitasse a sinalização, mesmo estando às ruas regurgitando carros, e se as pessoas automotorizadas também respeitassem as leis, tivessem comportamento semelhante ao do alemãozinho, o trânsito nosso de todo dia seria uma beleza. Hoje em dia faltam-nos ruas e infraestrutura e sobram carros em circulação.
Ninguém aqui é contra as pessoas terem carro. A questão é simples como dois mais dois são quatro: hoje mais da metade da população de Belo Horizonte possui carro. Suponhamos que a totalidade dos habitantes venha a possuir um veículo. O mínimo que acontecerá será ficarmos parados dentro dos carros, em meio aos congestionamentos.
Com essa quantidade de automóveis nas ruas e esse tanto de gente cruzando nas faixas de segurança e fora delas, se as pessoas automotorizadas e os pedestres não entrarem numa de obedecer à risca as leis do trânsito, a situação do nosso dia a dia ficará incontrolável.
O automóvel tem a sua importância nesse mundo construído atabalhoadamente, tanto no segmento econômico, do qual é responsável por um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, e como meio de transporte que nos leva de um lugar ao outro mais rápido. Mas não podemos deixar a máquina nos engolir. A vida humana está acima, é preciso atentar bem para isso e também para a qualidade do ambiente, tendo em vista a saúde humana.
Em muitos pontos as opiniões da citada autoridade do trânsito foram curiosas, como a compreensão de que carro é um meio de transporte obsoleto. “Daqui a cem anos”, disse, “os que vierem ao mundo vão achar ridículo o costume da sociedade atual de ter de entrar numa caixa para se locomover”.
O desenvolvimento tecnológico, essa parafernália que nos trouxe o consumismo como forma de movimentar a engrenagem capitalista, talvez tenha sido um erro da humanidade. Se ao contrário, o desenvolvimento tivesse sido espiritual, a nossa comunicação seria muito mais fácil e sincera, sem a necessidade de nenhuma ferramenta mecânica para locomovermos.
A vida no planeta seria mais fácil, porque solidária. Em um mundo espiritualmente desenvolvido, de certo as pessoas seriam o que são por dentro e não porque têm bens materiais. Num mundo assim, a caridade seria de fato “a plenitude da lei”, pois, se “é dando que se recebe” mais importante é dar de si ao próximo e não simplesmente das posses.
Em um mundo assim, certamente não haveria ecessitados. E a paz estaria conosco independentemente de raça, cor e sexo.


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Por Alberto Sena - 9/4/2013 08:29:37
Por amor a eles

Alberto Sena

Nós humanos, aqueles que não pereceram como muitos no meio do caminho da vida fomos escolhidos por Deus para viver – e bem – as etapas: infância, adolescência, juventude e a final. Quem na última fase entrou pode alcançar o que há de melhor, se tiver cachimônia para apreciar o que há de bom e de belo ao redor, e, principalmente, no seu interior.
O fato de uma pessoa viver o bastante para ter a oportunidade de ver nos netos a multiplicação de sua descendência é algo tão maravilhoso como o nascimento dos filhos.
É uma graça de Deus ser avô e poder brincar com os netos. Muito bom brincar com eles tanto quanto se pôde brincar quando criança e depois com os próprios filhos. E é delicioso ouvir uma vozinha macia lhe dizer: “Vô, te amo muito” repetidas vezes enquanto desce para passear ou brincar no quintal do prédio.
Não sei se seria tão bom se as crianças tivessem a convicção de como é gostoso ser criança e vivessem essa fase com a maior intensidade e consciência. Essa descoberta os humanos só fazem depois de adultos. Ficam-se as graças, as lembranças, aquele sentimento gostoso dos momentos bons, porque os maus momentos criança de todo o mundo quer esquecer.
Nenhuma criança – nenhuma – deve ser maltratada, nem aqui nem em lugar nenhum do planeta. Essas almas que chegam e nos enchem de alegria, são presentes de Deus. Conheci pessoas, gente brilhante, que se ressentiam de não ter se multiplicado. O galho da árvore genealógica parou de crescer ali.
Gostoso é jogar futebol com o neto como quando o próprio avô jogava quando criança e adolescente, no Casimiro de Abreu, de Montes Claros, e depois como pai, com os próprios filhos. Indescritível é a emoção de empinar papagaio quando criança e depois com os filhos e agora com os netos. É como mergulhar no mar do inconsciente e nele navegar até as nuvens. E de lá de cima contemplar a terra nossa casa cheia de belezas e mistérios que, infelizmente, cuidamos de destruir em doses homeopáticas.
Irresponsabilidade pura. Algum de nós já refletiu sobre a qualidade de vida que estamos oferecendo a nós mesmos, aos nossos filhos e aos nossos netos? Alguém aqui já tomou alguma atitude para mudar esse quadro deplorável enquanto os filhos dos filhos dos nossos netos ainda não vieram?
Imaginemos a possibilidade de acontecer, quando eles vierem não encontrar água para beber, e, menos ainda, para se lavar. Qual será a reação deles quando souberem que desperdiçamos toda a água do planeta? A nossa ganância foi maior e nos cegou e acabamos com os mananciais, destruímos as florestas, exterminamos os animais.
A essa altura, só não teremos apagado o sol porque o nosso braço não o alcança da janela. A estupidez humana nem se compara a de certos animais irracionais, sem querer ofendê-los, pois eles são gente como a gente.
Não podemos tampar o sol com a peneira. A destruição do planeta está em curso e não temos mais como reverter o processo. Entretanto, podemos economizar o que nos resta daqui para frente. A natureza é pródiga, sempre haverá a esperança de mais um grande milagre e a regeneração natural do planeta acontecer. Podemos semear as sementes do celeiro e proteger os animais que escaparam da sanha selvagem dos humanos.
Podemos fazer isso não por amor a nós mesmos, porque já demonstramos diversas vezes o desamor, a falta de amor próprio e ao próximo. Quem de nós nesse momento, quando queríamos fazer ode aos netos de todo o mundo, já refletiu sobre a possibilidade de tomar uma atitude para amparar a descendência de todos os humanos, enquanto irmãos?
Considerando que tivemos a competência de tratar de maneira tão incompetente o planeta, nós precisamos encontrar os meios de aplacar as feridas que deixaremos expostas aos que ainda virão. Por amor a eles.
No tempo em que “os bichos falavam”, as crianças brincavam com os pés descalços na terra nua e crua, numa relação telúrica de primeiríssimo grau. Calçar sapatos era um saco.
Havia naquele tempo mais gente no campo do que na cidade. Atualmente, o campo está praticamente deserto e as cidades incham sem que os nossos governantes ocupem-se com a tarefa de garantir boa qualidade de vida para todos.
Os tempos não mudaram. Nós é que estamos mudando o mundo com as nossas mãos cheias de dedos, e de modo estabanado.
Salvem os netos! Salvemos os netos dos netos, sucessivamente.


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Por Alberto Sena - 1/4/2013 08:38:03
Incertezas da existência humana

Alberto Sena

Existimos, logo estamos vivos. Essa é a única certeza que temos. Sonhos, temos, pois nenhum humano sobrevive sem sonhar. Planos também. Mas ninguém pode ter certeza de que verá a luz do sol amanhã de manhã, por mais sábio, bonito, feio, rico ou pobre possa ser.
Sabemos pouco a nosso respeito. No meu caso particular, sei ter nascido em Montes Claros em meados do século passado. Mas, a rigor, somos uma incógnita. Melhor dizendo, somos uma tríade; isso é fácil saber – o espírito, a mente e o corpo. Mas o que sabemos do espírito, a nossa essência? O que de fato é essencial em nós? Pouco ou quase nada sabemos.
Vamos então por partes, como diria Jack, o estripador londrino. O que sabemos da nossa mente subutilizada? Dizem, “usamos, se muito, 10% do nosso potencial mental”. E o que há em 90% do potencial que não usamos?
Muitos fenômenos humanos, aparentemente inexplicáveis, podem ter escapado dessa grande fatia obscura do nosso potencial mental. Ou, senão, do espírito.
O corpo, em tese, seria a parte humana mais fácil de conhecer. Mas nem mesmo sobre o corpo nós sabemos tanto, a não ser os profissionais que, munidos de bisturis e instrumentos próprios dissecam a matéria a fim de conhecer o seu funcionamento. Mas nem esses profissionais sabem tudo ao ponto de curar as doenças do corpo.
Entretanto, o comum dos mortais desconhece o próprio corpo. E o corpo fala. Só quando ele chia é que as pessoas têm consciência de que o alicerce da morada do espírito e da mente é feito de um conjunto de ossos chamado esqueleto envolto por músculos cobertos de uma epiderme sob a qual quantidade enorme de veias tem a função de transportar o sangue por todos os quadrantes da massa corporal.
Nessa operação aritmética do ser, mais com menos é menos e menos com mais significa nada sabemos de nós mesmos no frigir dos ovos. Nada controlamos, no dia a dia. A fome, a sede, as necessidade fisiológicas, as batidas do coração, a respiração; o que controlamos? Por mais egoísta possa uma pessoa ser, ela não é dona de nada, nem do próprio corpo, que um dia retornará à origem terrena.
Da mente humana restarão, então, os registros feitos pelos que em vida foram privilegiados com QI elevado e sapiência acima do comum e por isso, intelectualmente fizeram a diferença. Mas os ensinamentos da maioria um dia desaparecerão da face (e do interior) da terra.
Há, entre nós, os registros antigos dos filósofos e sábios da antiguidade. Mas, e se não for um mero blefe a ameaça que Pyongyang, na pessoa do jovem tresloucado norte-coreano Kim Jong-un faz de explodir os Estados Unidos (e de quebra o globo), será que vai sobrar alguma coisa ou alguém para contar a história da raça humana?
Qual humano que já tenha pisado o chão do planeta Terra em qualquer época tem o seu nome falado, anunciado, rogado ainda hoje, todo momento em grande parte do mundo? Nesse instante, incontáveis vezes, o nome de Jesus Cristo é pronunciado. E somente as palavras dele “não passarão”, como ele mesmo disse. Tudo passará menos as sementes lançada há mais de 2000 anos.
Ele, sim, conhece o espírito, a mente e o corpo dos humanos porque é “o Rei do Universo”. À raça humana enviado, a fim de nos trazer a boa nova e mostrar que não há salvação para ninguém fora do amor, ele é a nossa Páscoa, “a passagem”, que comemoramos neste domingo.
Jesus Cristo, que sofreu horrores em favor da humanidade, nos deixou o modus operandi de uma vida de paz baseada no amor a Deus e ao próximo. Ninguém poderá então dizer que ama a Deus se não ama o próximo.
É justamente por isso que a cada dia mais a vida, a nossa única certeza, está comprometida em toda parte do mundo. Se não praticamos os ensinamentos do Cristo, como queremos aprender algo sobre o espírito, a mente e o corpo?
A chave do amor está perdida no interior de cada ser. Bem aventurado será aquele que a encontrar para retirar os véus da tríade humana. Este sim poderá dizer que, além da certeza da vida, apreendeu algo durante a passagem efêmera pela Terra, morada eterna do corpo.
O essencial, o espírito, “é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração”, como escreveu Antoine de Saint-Exupéry, autor de “O pequeno príncipe”, livro eterno enquanto durar a vida no planeta.


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Por Alberto Sena - 25/3/2013 08:26:24
Como chupar laranja no pé

Alberto Sena

Numa vez, entre as muitas vezes que fomos à Serra do Cipó, nos hospedamos no hotel Veraneio, próximo da ponte sobre o Rio Cipó. Combinamos de subir o Morro da Pedreira, em frente ao camping Véu da Noiva, da Associação Cristã de Moços (ACM). Todo de granito, o morro guarda algumas grutas. Lá de cima se pode ter visão da região de 360 graus. Pedreira que um dia abraçamos, em companhia de centenas de outras pessoas, entre elas o então candidato à Presidência da República, jornalista Fernando Gabeira, a fim de livrá-la da ganância dos que só veem cifrões pela frente. Salvamos, enfim, o Morro da Pedreira, transformado numa APA – Área de Preservação Permanente.
Saímos do hotel logo após o café da manhã. Fizemos o percurso a pé. Atravessamos uma trilha, e sem o auxílio de qualquer equipamento, escalamos a pedreira usando as mãos, simplesmente. Chegamos lá em cima e ficamos um bom tempo apreciando a beleza do panorama.
De repente, uma voz masculina ecoou por todos os cantos. Era alguém recitando os dons do Espírito Santo, nesta ordem: “Fortaleza, Sabedoria, Ciência, Conselho, Entendimento, Piedade, Temor de Deus”.
A voz vinda de não se sabia onde troava como se do céu viesse, até que, num outro extremo longínquo surgiu a figura pequena de um homem vestido de branco, que acenava com um dos braços.
Sem relógio, sem lenço, mas com documentos nos bolsos perdemos completamente a noção do tempo e também o senso de direção do caminho de volta. De repente, deu-nos uma sensação de que passara muito tempo e logo o manto da noite iria complicar tudo. Foi um susto. Mas encontramos o caminho, e da mesma forma, descemos usando as mãos para agarrarmos nas pedras.
Lá embaixo, nós chegamos à conclusão de que ainda era cedo. Na estrada encontramos um homem a cavalo com relógio de pulso que nos informou: 14h. Fomos andando de volta ao hotel. Do lado direito da estrada, deparamos com uma casa de estilo simples com um quintal delicioso, cheio de laranjeiras. A produtividade ali parecia ter sido alta. As laranjeiras regurgitavam.
Ousamos bater na porta da casa para fazer o que fazíamos em Montes Claros, naqueles dias pachorrentos da década de 60, quando juntávamos a turma e íamos chupar laranjas em sítios. Chupávamos quantas laranjas cada um podia guardar na barriga e só pagávamos as que levávamos.
Fizemos proposta semelhante ao dono da casa e ele foi o mais amável possível. Deu-nos faca e nos acompanhou até o quintal. “Fiquem à vontade”, disse. Ficamos.
Chupamos laranja de vários tipos, inclusive bahia legítima, mexerica e até laranja lima. Como íamos para o hotel, a pé, não podíamos levar muita laranja. Escolhemos algumas e gritamos o dono da casa. Perguntamos “quanto é que vamos pagar pelas laranjas chupadas e essas aqui?” O homem disse, simplesmente, “não é nada não senhor”. Não adiantou insistir para que ele recebesse pagamento.
Despedimos dele e fomos andando para o hotel e lá chegamos à tardinha. Durante a caminhada, as flatulências foram um deus nos acuda. Tínhamos tomado só o café da manhã e o dia inteiro sem comer mais nada, a não serem cocos macaúba. Matamos a fome com laranja, porque perdemos o almoço no hotel e só nos restava aguardar o jantar mais tarde.
Essa experiência na Serra do Cipó, uma entre as centenas vividas naquele paraíso, nada melhor num raio de 100 quilômetros ao redor de Belo Horizonte, veio à nossa lembrança depois de ver a beleza da foto de uma laranjeira postava no facebook pelo amigo até então virtual, Geraldo Prates Maia, que, entre as várias virtudes que possui, uma é ter nascido em Juramento, terra boa da região metropolitana de Montes Claros, nascente do Rio Verde Grande, onde ele colhia, no pé, como nós colhíamos também, as mais deliciosas laranjas, com gosto e sabor de laranja.
Hoje em dia, as crianças – e os adultos também – estão se contentando com os “sucos de laranja” e de outras frutas vendidos em embalagens tetra pak. Sucos parecidos com os verdadeiros, que vêm formando uma geração de obesos, gente que nunca pegou uma fruta no pé. Gente movida a refrigerante fabricado por multinacional financiadora do golpe militar de 1964, golpe que tanto infelicitou o País, e, ainda nos dias atuais, sofremos as consequências.


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Por Alberto Sena - 18/3/2013 08:36:05
Vamos saltar de paraquedas

Alberto Sena

O colega jornalista José Antônio Bicalho Leite me deu hoje a notícia. Vamos saltar de paraquedas, ele e eu. Antes, vamos fazer um treinamento, e vamos saltar de paraquedas um depois do outro.
Ele já saltou uma vez. Eu nunca. Mas já pensei muitas vezes em saltar. Inclusive falei em algumas ocasiões, lá em casa, que um dia saltaria de paraquedas e gostaria também de voar de asa delta. Já disse, inclusive, que irei à lua. As pessoas acharam ser brincadeira da minha parte. Brincadeira nada, a ocasião chegou. O salto de paraquedas é o primeiro exercício para eu ir à lua. A determinação convida a traçar metas e persegui-las.
Não se surpreendam, mas daqui a pouco, viajar a lua vai ser possível para muitos. Por enquanto, é só para os bilionários, mas em breve, ir à Lua será tão comum que as pessoas vão preferir ir mais é para Marte e, enfim, zunir pelo universo.
Algumas vezes já senti, sem nunca ter experimentado, a sensação de um salto de paraquedas. Teoricamente, a impressão é a de que a terra vem na direção do paraquedista e não o contrário.
Quando eu disse para a mulher e os filhos sobre essa possibilidade de saltar de paraquedas, no primeiro momento, ela reagiu contrariamente, mas em seguida, passou até a achar interessante. Os filhos gostaram da ideia, sem fazer maiores comentários. E a mulher manifestou até o desejo de assistir ao salto.
Como ainda não sei nada a respeito, estou escrevendo no calor do recebimento da notícia. Não posso dar maiores informações. Temos de ir por partes. E porque sou eterno dependente do meu Pai, o Deus Todo Poderoso, desde já me entrego a Ele, e entrego também o colega José Antônio, o piloto e o avião. E que seja feita a vontade Dele.
O nosso objetivo não é saltar pura e simplesmente para depois contar vantagem ou mesmo só pelo prazer e a adrenalina que ainda desconheço de saltar de paraquedas. José Antônio, por já ter saltado uma vez, ao que tudo indica, gostou, senão não saltaria pela segunda vez para contar depois a emoção do salto e o que é necessário para isso. Eu vou relatar qual a sensação de saltar de paraquedas pela primeira vez. E já estou neste momento, iniciando o processo.
Se me perguntam se tenho medo de altura, digo não. Nunca tive, desde criança, quando subia em muro, mangueira e tudo quanto era árvore. Passei parte da infância numa casa onde no quintal havia 22 pés de jabuticaba. Onze dum lado e onze do outro, coladinhos uns nos outros. Subia num e ia passando para os outros; brincadeira e tanto.
Talvez esteja na infância vivida a explicação para essa vontade de um dia saltar de paraquedas. Já disse que fiz o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, duas vezes e três vezes o Caminho da Fé, de Águas da Prata (SP), Serra da Mantiqueira, entrando por Minas Gerais, até o Santuário de Aparecida do Norte, na cidade paulista. Mais de 800 km e mais de 300 km, a pé, passo a passo.
Tenho documentado por meio de duas “Compostelanas” e três “Marianas” cerca de 3.000 mil quilômetros andados, cajado na mão e mochila nas costas. Eu e ela, mulher companheira. Viver é andar.
Depois de saltar de paraquedas e contar o antes, o durante e o depois dessa experiência, o plano seguinte, quando vierem as férias do trabalho, é fazer pela quarta vez o percurso do Caminho da Fé, desta vez a partir de Tambaú (SP), onde de fato ele começa. São mais 100 quilômetros. Serão, portanto, 400 quilômetros de muita beleza natural. Em determinados pontos desfrutamos de panorama de 360 graus.
Numa experiência desta natureza deparamos com gente da melhor espécie. Simples. Só para mostrar o tamanho da simplicidade das pessoas nativas da região, num lugar que vamos rever há uma casa cujos donos colocaram uma placa fincada no jardim colorido de flores de matizes vários os seguintes dizeres: “Amigos, entrem; sejam bem-vindos”.


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Por Alberto Sena - 14/3/2013 09:14:20
O Papa em Grão Mogol

Alberto Sena

O empresário Lúcio Bemquerer construtor do presépio de Grão Mogol, Mãos de Deus, vibrou com a eleição do cardeal jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio, que, ao julgar pelo nome aditado, Francisco I, espelha-se em São Francisco de Assis.
Bemquerer acredita que, agora, ficou mais fácil levar o Papa a pequena (e grandiosa) Grão Mogol. Primeiro devido à escolha do nome de Francisco, nome do criador do presépio, São Francisco de Assis, em 1223, na cidade italiana de Greccio.
Antes, a esperança dele era de o então Papa Bento XVI, que viria ao Brasil em junho próximo, se não tivesse renunciado ao papado, aceitar o convite de ir a Grão Mogol para conhecer o maior presépio do mundo a céu aberto. Não fosse a renúncia de Bento, a essa altura o convite já teria sido feito.
O novo Papa, certamente irá à Argentina e isso facilitará a vinda dele ao Brasil. Na primeira oportunidade, Bemquerer pretende formalizar o convite, o que deverá ser feito por intermédio da Arquidiocese de Montes Claros, a qual Grão Mogol pertence.
Francisco I, o primeiro Papa jesuíta, deu ao longo dos seus 76 anos demonstrações de simplicidade e amor aos mais pobres. Ele prepara o próprio alimento e gosta de andar de ônibus. Tem trabalho social destacado em Buenos Aires, capital argentina.
A fé dos cristãos católicos prenuncia novos tempos para a Igreja. E certamente os escritos e biografias de Francisco de Assis, que de tão santo falava aos animais e tinha íntima relação com Deus, ganharão mais leitura daqui por diante.
A humildade é a maior fonte de energia existente no universo. Jesus Cristo é o grande exemplo há mais de 2000 anos. Francisco vem, em seguida.


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Por Alberto Sena - 12/3/2013 09:59:43
Presépio encanta Elos Clube

Cerca de 120 pessoas, entre elas 34 integrantes do Elos Clube de Montes Claros, funcionários do Banco do Nordeste e outros visitantes foram recepcionadas pelo construtor do presépio Mãos de Deus, de Grão Mogol, Lúcio Bemquerer, no último fim de semana. Mais de um ano depois de inaugurado, o presépio vai se consolidando como principal atração de Grão Mogol, cidade histórica a 143 quilômetros de Montes Claros.
A visita dos integrantes do Elos Clube, coordenado por Ana Valda, que substitui a falecida dona Fernanda Ramos, foi planejada com dias de antecedência pelo Instituto Sênix Terapia e Desenvolvimento Humano. Houve cantoria musical, com violão e ginástica chinesa de relaxamento também. Entre os participantes estavam o poeta Wanderlino Arruda; o ex-deputado Roberto Amaral, as escritoras Amelinha Chaves e Magela Sena Almeida, entre outras pessoas.
Para Roberto Amaral, “foi um passeio espetacular”. Ele se emocionou e viu muitos se emocionarem com a beleza do presépio. Ficou “impressionado” com o potencial de recursos naturais de Grão Mogol, que de fato é um presépio a céu aberto.
A coordenadora Ana Valda considerou a viagem “uma excursão diferente, completa”. Ela esteve na inauguração do presépio, em dezembro de 2011, mas para a maioria das pessoas, embora algumas já conhecessem Grão Mogol, o presépio foi a grande novidade. “Todos ficaram encantados”, disse Valda.
A primeira coisa que Wanderlino Arruda fez ao chegar da viagem foi disparar fotos do encontro em Grão Mogol no facebook. Além de ter gostado do presépio, Arruda levou a Lúcio a ideia, bem acolhida, de fundar na cidade o Rotary Club.
A notícia da existência do presépio se vai multiplicando cada vez mais a partir das visitas de gente formadora de opinião. Entretanto, a obra, tida como a maior do mundo, é do agrado geral. “Maravilhas têm acontecido ali”, dizem quem já foi lá.


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Por Alberto Sena - 12/3/2013 08:17:57
O maior barato

Alberto Sena

Quem leu Franz Kafka, escritor tcheco de língua alemã, deve ter se impressionado com “A Metamorfose” (1916), incrível transformação de um homem que, ao se despertar de manhã percebe haver se tornado algo parecido com uma barata.
De Kafka para lá e pra cá, as baratas ganharam certo status em toda parte do planeta devido ao enorme alcance dos escritos dele.
Parece haver nos dias atuais uma pá de gente que faz questão até de se parecer com barata. Não a que Kafka consagrou, mas aquelas viventes no interior das tubulações da rede de esgoto.
A intenção não é provocar asco em ninguém, mas tão somente registrar o que dizem: “barata contém muita proteína”. E deve ter mesmo porque lá na Ásia há gente que as come fritas. Baratas criadas como alimento.
Mas uma coisa é ler a respeito delas e outra diferente é dar cara a cara com uma barata, ao vivo e em cores. Há quem suba em mesa com medo de um simples exemplar da espécie. Conheço alguém desse tipo, não por acaso, minha digníssima. Ela tem trauma de barata. É que, quando criança, as tias dela, a título de “brincadeira”, pegavam baratas pelas antenas e ameaçavam passá-las no rosto dela.
Ela “quase morria de medo”, gritava e chorava, mas ainda assim as tias levavam tudo “na brincadeira”. Resultado: traumatizou a menina para o resto da vida. Quando acontece de encontrar uma barata, sempre foge correndo.
Noite dessas, uma barata tão grande quanto a que o personagem do livro de Kafka metamorfoseou entrou voando pela janela do quarto, no momento em que víamos televisão. O ruído das asas dela tinha algo de metálico. No primeiro momento deu-nos a impressão de ser um passarinho ou mesmo um morcego. Mas podia ser também algo vindo do espaço, um espião extraterrestre, enviado para verificar o nosso modus vivendi.
Refestelado na bergere, num salto foi a tempo de perceber que, mesmo estando o ambiente só com a luz da TV, tratava-se de uma barata. Num gesto rápido, a mulher acendeu a luz e ao constatar que era mesmo uma barata, ela correu para o banheiro e fechou a porta. Coube-me a árdua tarefa de abater o inseto, que, a essa altura, entrara debaixo da bergere.
Num relance, a mim pareceu que a barata estava tão assustada quanto Sílvia, que de lá de dentro do banheiro perguntava: “Já matou, matou?”
Armei-me de um pé de sandália havaiana e fui caçar a barata. Afastei a bergere e encontrei-a estática. Mas ao meu primeiro golpe de sandália, a barata escapou. Deu-me alguns dribles, mas devo reconhecer que, sem querer contar vantagem, ela foi perseguida com denodo até conseguir acertá-la. Não havia como a pobrezinha escapar. Foi um golpe fatal. Não daqueles que esmagam e deixam as entranhas da barata esparramada.
E a mulher dentro do banheiro perguntava, outra vez: “Matou? Matou?”
Confesso, nunca vi barata tão grande. Já ouvi dizer que as baratas voadoras costumam causar surpresas do tipo, mas nunca antes na nossa história de vida, aqui ou noutro lugar qualquer, isso havia acontecido.
“Matei” respondi à indagação dela, mas no primeiro momento, ela nem acreditou. Permaneceu dentro do banheiro com a porta trancada a chave, como se uma simples barata tivesse o poder de abri-la, embora pudesse entrar por alguma fresta.
Quando a mulher resolveu sair, entrei no banheiro e peguei um pedaço de papel higiênico. Pelas antenas, apanhei a dita cuja e a joguei dentro do vaso sanitário. Em seguida dei descarga. A barata rodopiou n`água e nada de descer. Foi na terceira tentativa que ela desceu para sempre pela rede de esgoto.
Mas em nós ficou a sensação de que já não se pode mais nem deixar aberta a janela do quarto por causa desse calorão. Além do risco de entrar pó de minério e monóxido de carbono cuspido pelo cano de descarga dos carros, pode acontecer de uma barata desavisada entrar pela janela voando com asas metálicas. Barata suspeita ainda por cima.
Enfrento qualquer barata, não importam as circunstâncias, com cara e coragem. Mas a digníssima, não, sobe em mesa e esperneia, “morre de medo”.
Eu, ao contrário dela, acho o maior barato.


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Por Alberto Sena - 4/3/2013 08:29:42
Do tempo em que os bichos falavam

Alberto Sena

Quem é da nossa geração vai se recordar da novela do “Tio Janjão – histórias do tempo em que os bichos falavam”. As histórias vinham pelas ondas curtas do rádio incipiente, acompanhadas de certos ruídos. Não sabíamos se eram ruídos do aparelho transmissor ou da confusão dos personagens apertados ali dentro daquela caixa falante.
Tio Janjão era uma voz, apenas, mas cabia na nossa cabeça como figura misteriosa. De tudo, ele sabia e tinha o dom de se comunicar com os bichos, como um Francisco de Assis, santo ainda desconhecido dos meninos. Tanto verdade era que, todo dia, de segunda a sexta-feira, bastava ligar o rádio às 4h da tarde para ouvir a voz do Tio Janjão contando as mais incríveis histórias de bichos falantes.
Depois que ele acabava de contar mais uma história, prometendo voltar no dia seguinte, no mesmo horário, era a vez da novela de “Jerônimo, o herói do sertão”. A meninada até arrepiava o couro de tanta emoção só de ouvir a vinheta de apresentação de mais um capítulo de emocionante aventura do herói a serviço do bem comum. Ele tinha um companheiro chamado “Moleque Saci”, encarnado numa voz de menino fanhoso.
A cada capítulo, Jerônimo vinha a galope em seu cavalo: “procotó, procotó, procotó...” Era o máximo. Os ouvidos ficavam grudados no rádio. Ninguém dava uma palavra sequer para não perder nenhum lance. Claro, não dá mais para lembrar o conteúdo das histórias, mas a sensação e a emoção ficaram gravadas para sempre.
Mais de duas décadas depois dessas emoções, em Belo Horizonte, na rádio Guarani Onda Rural, foi que descobrimos como Jerônimo e Moleque Saci imitavam o galope de cavalos: batendo duas bandas de cocos uma na outra. O relinchar dos cavalos era onomatopeicamente feito com a boca. Importante, naquela época, era a meninada achar tudo muito legal. Intrigava só o fato de como era possível caber tanta gente dentro daquele aparelho. Até alguém esclarecer isso, muitos capítulos se sucederam.
Acabava a novela de Jerônimo, vinha o canto da Ave-Maria e então se podia ver pela janela a tarde se esvair numa mistura de cores do pôr do sol do sertão de Montes Claros com o manto da noite a cobrir o nosso mundo de magia e fantasia.
Era chegada, então, a vez de tomar banho. “Esfregue bem o pescoço, acabe com essa tiririca; lave direito os pés e atrás das orelhas também”, a mãe sempre repetia. O banho era de bacia. A água escassa. Passar bucha no corpo doía e muitas das vezes a meninada arranjava um jeito de engambelar, era essa a expressão, e vinha então a tiririca no pescoço, que a mãe um dia cismava de esfregar, e esse era o problema. Era quando recordávamos da história de João Jiló.
João Jiló, um fazendeiro de botas de cano longo e tudo mais, tinha um galo. Ele cismou de abater o bicho, logo numa Sexta-Feira da Paixão, contra todos os argumentos contrários dos seus alertando não ser aquele um dia propício para ato de tamanha extravagância.
Mas ele teimou e abateu o galo e já o depenava quando o bicho reviveu e correu pela casa até fugir por uma janela. Entrou na igreja e ficou lá no alto da torre, vivinho da silva, gemendo: “Como dói, João Jiló...”
Esse e outros episódios eram contados por Lúcia Casasanta, no livro “As mais belas histórias”, que fizeram a cabeça e a alma de muitas crianças da nossa geração, num tempo lento, pachorrento, quando o viver era muito menos perigoso.
Nessa ocasião, alimentavam o imaginário das crianças os personagens Flash Gordon, Capitão Marvel entre outros, misturados com Saci Pererê, Mula Sem Cabeça, Lobisomem e até, pasmem, vampiros.
As dificuldades vinham à noite, na hora de dormir, o quarto escuro, o medo de algum desses personagens horrorosos sair de debaixo da cama para puxar as pernas enquanto dormíamos sono de um herói sobrevivente de mais um dia de muita brincadeira no fundo do quintal, em cima de um pé de manga, pulando de um galho para o outro como se fora Tarzan. Senão Chita, macaquinha ensinada, parecida com uma que um dia apareceu no quintal e nos deu baita susto.


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Por Alberto Sena - 25/2/2013 08:24:07
IAB premia o presépio

Alberto Sena

Grão Mogol nunca esteve tão presente na mídia como nos últimos meses. Um dos motivos dessa presença é o Presépio Natural Mãos de Deus, construído pelo empresário aposentado Lúcio Bemquerer, considerado sem igual no mundo.
Sábado, 23, o nome de Grão Mogol voltou a ocupar espaço na mídia devido ao anúncio de que o presépio foi um dos agraciados pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), no ano passado, com o Prêmio Gentileza Urbana. A entrega do prêmio foi no Museu de Arte Moderna da Pampulha, numa solenidade descontraída, que contou com a apresentação do radialista Tutti Maravilha, da Rádio Inconfidência.
Vale dizer que o museu passa por uma reforma que deverá deixá-lo lindo, à altura da competência e do prestígio do arquiteto que o idealizou, Oscar Niemeyer. O nome de Niemeyer foi lembrado várias vezes durante a solenidade, que emocionou a presidente do IAB, Rose Guedes.
Na ocasião, o sol do verão proporcionava o espetáculo do pôr do sol, cujos raios eram refletidos nas águas da lagoa da Pampulha, carentes de despoluição.
Estiveram presentes o vice-prefeito Délio Malheiros, o presidente da Associação Comercial de Minas (ACMinas), Roberto Luciano Fagundes; José Romualdo Cançado Bahia, que fez a indicação do presépio ao prêmio, e vários amigos de Lúcio Bemquerer.
Desde a inauguração, em dezembro de 2011, a obra já levou a Grão Mogol mais de 30 mil pessoas da região, do Estado, do País e do exterior. O presépio mudou a rotina da cidade, principalmente nos finais de semana. Claro que a cidade possui outros atrativos, mas o presépio se sobressai pela originalidade e pela conotação religiosa.
O prêmio Gentileza Urbana destacou a obra “pela inovação, pela beleza e pelo aspecto inusitado no fomento ao desenvolvimento urbano”. Isso dito com outras palavras significa aquilo que já publicamos em algumas ocasiões: o presépio mexeu com a vida da cidade, que ficou paralisada por décadas em virtude do fim do garimpo de diamantes, e também da região, destacando-se como importante obra de estímulo ao turismo de Minas Gerais e do Brasil.
O nome do presépio, pela sua grandiosidade, ecoa por Minas Gerais, pelo País e pelo mundo afora como um grito de alerta à humanidade para a importância da divulgação do nascimento de Jesus Cristo, numa época em que a religiosidade das pessoas está em crise e o planeta em convulsão.
O presépio, como as palavras de Cristo, não passa nem nunca passará. E porque é a representação do nascimento do Messias, o eco se multiplica de tal maneira que outros reconhecimentos a obra receberá porque existirá e resistirá até o final dos tempos edificada que foi na rocha.
Depois de receber a visita do arcebispo dom Serafim Fernandes de Araujo, o que foi considerado o maior acontecimento de Grão Mogol, quando ele rezou missa no presépio para mais de quatro mil pessoas, ano passado, agora a visita ilustre será de dom Walmor de Oliveira, arcebispo metropolitano.
Havia, a princípio, a intenção de convidar o Papa Bento XVI para visitar o presépio. Ele viria ao Brasil em junho, mas renunciou ao papado e a esperança é a de que o próximo Papa possa ir a Grão Mogol, um dia, com essa finalidade.
Com a proximidade da Semana Santa, a visitação ao presépio tende aumentar mais ainda. Vários ônibus são vistos chegando durante os finais de semana e essa frequência vem levando os gramogolenses a investir no comércio e na recepção dos turistas religiosos.
O presépio foi construído em oito meses de trabalho ininterrupto, com recursos próprios. Antes de a ideia surgir, o local eram lotes cheios de pedra e mato aos quais as pessoas não davam valor nem a menor importância. Por iluminação, Lúcio Bemquerer, que cumpriu um exílio involuntário de sua terra de mais de 20 anos, foi o pai da ideia e da construção, consolidando a fama de Grão Mogol de ser “um presépio a céu aberto”.


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Por Alberto Sena - 18/2/2013 08:26:11
Assim caminha a humanidade

Alberto Sena

Numa hipótese, se a humanidade tivesse se desenvolvido espiritualmente, a vida no planeta Terra seria outra bem melhor e diferente da que nós levamos – ou somos levados – mergulhados nesse materialismo enlouquecer, que nos remete sempre ao consumismo desenfreado.
Vivemos em plenitude os tempos da obsolescência programada de todas as coisas e até dos seres humanos – vejam as guerras, acidentes de modo geral etc. Tudo tem um prazo de validade. E é esse prazo que faz a roda do materialismo rodar para transformar em dinheiro, usufruto de quem está por trás de tudo isso.
Para pôr mais lenha na conversa, tudo relacionado com tecnologia não existiria, simplesmente porque se poderia deslocar de um ponto ao outro num átimo e ninguém precisaria entrar numa “caixa” chamada carro para viajar. Ou numa nave para apreciar as belezas que Deus espalhou pelo Universo.
Ir ao Japão seria facílimo, bastaria pensar em ir para ir de fato a fim de se encontrar com quem quer fosse, em Tóquio ou em Hiroshima e Nagazaki, onde os norte-americanos explodiram bomba atômica na década de 40 do século passado.
E por falar em bomba atômica, esta não haveria porque baseado naquela ideia que cada um tem de paraíso, ele seria aqui mesmo e as pessoas, embora presas ao corpo, poderiam se deslocar a partir do fenômeno da bilocação ou transposição corporal. O poder de estar em mais lugares ao mesmo tempo estaria ao alcance de todos.
Hoje de manhã, nos ocorreu fenômeno interessante. O ambiente era a Serra do Curral, com vista para o município de Nova Lima. A atmosfera azulada parecia tomada duma névoa diáfana. Foi quando um casal se aproximou com o filho adulto e o pai não era outro senão um vizinho, de quando a Rua Corrêa Machado, 238, em Montes Claros, lá pelos idos da década de 60, era o endereço residencial.
Durante pelo menos uma meia hora fomos juntos àquele pedaço de rua onde a alegria de jogar bolinha de gude, finca; empinar papagaio e jogar futebol no campo em frente parecia ser uma alegria eterna, enquanto durasse a fase de adolescência, em contato direto com o pó avermelhado da terra montesclarina.
Esse tempo mágico foi soterrado pelo asfalto. O asfalto acabou não com as bolinhas de gude, ainda encontradas no mercado, mas sem o jogo no chão, em contato direto com a terra. O asfalto acabou de vez com a finca. Claro que esse piche responsável pelo aumento da velocidade dos carros teve pontos positivos.
Mas os pontos negativos, nós os estamos sentindo na pele faz tempo. Nunca antes do asfalto foram registradas enchentes em Montes Claros, como a que presenciamos recentemente. As águas das chuvas penetravam a terra e alimentavam os rios e tudo seguia na santa paz.
O asfalto impermeabilizou as cidades. As enxurradas cada vez mais volumosas correm pelas sarjetas, em busca de uma saída, mas encontram as bocas de lobo entupidas e se transformam em enchentes com a maior facilidade. E, aqui, cabe a pergunta: a culpa é de quem? Das chuvas que não é. Nem de Deus.
Foi à tecnologia que nos levou a esse modus vivendi e operandi autodestruidores. Fosse espiritual o desenvolvimento da humanidade, não precisaríamos de tanta coisa para viver. Íamos, sim, precisar de um teto para nos abrigar das chuvas, do sol, dos ventos. Ninguém viveria ou morreria ao relento,
É de supor que tudo vindo do espírito seja bom. É por meio do espírito que as pessoas têm contato com Deus. Espiritualmente, estamos ligados a Ele e somos como fantoches. A mão que nos manipula, e devemos sempre nos entregar à manipulação Dele, provém da mesma fonte que nos ilumina e guarda, porque nos deu o sopro da vida.
Somos, de fato, seres espirituais, simplesmente porque a matéria não existe. O que precisamos, de fato, é nos comportar como tal. Considerando que, a essa altura, não há como reverter da noite para o dia o curso do desenvolvimento humano. Então, que este seja humanizado, apesar de material.
Quem possui cabeça pensante, a essa altura deve buscar uma maneira de reverter essa corrida desenvolvimentista a qualquer custo. Ou cuidamos da nossa casa chamada Terra ou, juntos, iremos sucumbir aos nossos próprios caprichos, porque trocamos o verdadeiro, que não vemos, pela ilusão criada por nossas ações materialistas, que são efêmeras.
Nesse compasso caminha a humanidade.


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Por Alberto Sena - 13/2/2013 10:47:33
Façanha ou loucura?

Alberto Sena

Às vezes enfrentamos situações de perigo que só muito tempo depois sobre elas fazemos uma reflexão. Um exemplo foi o que nos ocorreu, enquanto fazíamos a pé o Caminho da Fé, uma experiência sem igual. O percurso é de 400 km, de Tambaú (SP), Serra da Mantiqueira (MG) até Aparecida do Norte (SP). É um percurso mágico onde, inesperadamente, tudo pode acontecer e geralmente acontecem coisas boas. Passamos por trilhas a mais de mil metros de altitude, de onde se têm visão de 360 graus. Paisagens lindas, tão lindas que nos levavam a ajoelhar no chão para agradecer a Deus por ter construído natureza de tamanha beleza. O próprio paraíso, aqui na Terra.
Evidentemente, quando a gente assume uma empreitada desta, de trilhar o Caminho da Fé, a intenção é refletir, meditar, contemplar as “pegadas” de Deus e orar. É mais ou menos como quando a gente resolve “fazer um retiro”. Mochila nas costas, com no máximo 10% do peso corporal, com o suficiente para viver os vários dias de caminhada. Importa ouvir o bulício da natureza, sentir o sopro dos ventos e ouvir o canto dos passarinhos. Prestar atenção em tudo, ativar os ouvidos e elevar o espírito. Mas, sobretudo, agradecer a Deus, certo de que nós nem merecemos tanta beleza, diante do quadro atual do que fazemos contra a natureza.
Viver é andar. Andando, ideias mil surgem e o corpo produz a endorfina necessária para estimular e assim se pode tentar melhorar a si mesmo por dentro.
O que nos ocorreu de perigoso, por culpa única e exclusiva de nós mesmos, é preciso fazer o mea-culpa, se deu depois que deixamos Santo Antônio do Pinhal (SP) e seguíamos para Pindamonhangaba (SP). Um casal que conhecemos no dia anterior entrou numa de nos acompanhar. Andar acompanhado de pessoas estranhas, ou mesmo conhecidas, para quem quer refletir sobre a vida, nada tem a ver uma coisa com a outra. Em outras situações, andamos (ela e eu) às vezes juntos, noutras vezes vou à frente e ela atrás; ou o contrário.
E assim deve ser, quando se tem o propósito de fazer o Caminho da Fé (já o trilhamos três vezes). Evidentemente, numa jornada desta encontramos pessoas e com elas entabulamos conversações, mas vamos em frente, os dois. Pessoas estranhas tiram a liberdade, e, ao mesmo tempo, tolhem a reflexão individual, a faxina interna.
A caminho de Pindamonhangaba, aproveitando uma dianteira, optamos por entrar por um desvio pela estrada férrea, sem saber o que nos aguardava lá na frente, a fim de ficarmos livres da companhia do casal inoportuno. Seguimos observando tudo, até mesmo as britas azuis que dão aos dormentes a firmeza necessária, quando nos deparamos com assombroso desafio a nossa frente: uma ponte férrea de cerca de 30 metros de altura sobre o Rio Paraíba do Sul. Tínhamos de atravessar a ponte, de 50 metros de comprimento, pisando nos dormentes e vendo o rio lá embaixo, sem poder fixar as vistas nele.
Havia só duas opções e uma alternativa: voltar ou seguir em frente. Vínhamos andando desce cedo e era tarde. Voltar não era o caso. Havíamos obtido lá atrás a informação de que o trem já havia passado e não correríamos o risco de dar de cara com ele no meio da ponte. Sílvia foi à frente. Atrás dela eu ia para agir caso ela escorregasse e ficasse entalada entre dois dormentes, suspensa naquela altura.
Um a um, fomos pisando nos dormentes, contando com o apoio imprescindível do cajado, e principalmente, da mão de Deus. Numa situação desta, não se podem fixar as vistas nas águas do rio lá embaixo. É enorme o risco de ficar tonto e cair. As vistas devem estar fixadas nos dormentes. A minha ocupação era dupla: cuidar de mim e dela, que à frente rezava em voz alta.
Se um de nós caísse daquela altura, mergulharia nas águas do Rio Paraíba do Sul morto, tamanha à distância até lá embaixo. Se chegasse vivo lá embaixo, morreria afogado porque não teria forças para emergir, nem braços para nadar.
Passo a passo apoiado pelo cajado, pisávamos um a um todos os dormentes. Claro que os nativos da região, imaginamos, deviam fazer o percurso até com os olhos fechados. Mas para quem não estava acostumado a andar sobre dormentes, inda mais a uma altura daquela, correndo o risco de estrebuchar lá de cima, isso é no mínimo uma façanha. Ou será que está dentro da cota de loucura de cada um?


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Por Alberto Sena - 4/2/2013 08:22:35
Com o perdão da ignorância

Alberto Sena

Desculpem-me pela ignorância em matéria de prática política, mas quero entender certas coisas porque estou para chegar à triste conclusão de que os políticos estão nos fazendo de bobos ou nós somos é bobos mesmo.
Por favor, alguém me corrija se eu estiver errado: para os políticos chegarem lá nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas, no congresso, nos governos federal, estaduais e municipais, eles precisam ou não do nosso voto?
Se eles precisam do nosso voto, quer dizer, do voto do povo, para se elegerem por que quando são eleitos os políticos fazem tudo que o povo não quer? Eles não são representantes do povo? Tinham então de fazer o que o povo quer. E não o que eles querem. Se eles viram as costas para o povo porque é que continuam lá fazendo falcatruas em nome desse povo?!
Para ser um pouco mais claro, toda hora acontecimentos políticos nos chocam. Será que vamos ter de viver em ‘estado de choque?’ Outro dia mesmo o povo brasileiro queria ver o ex-presidente Sarney (e outros) fora da política pelos motivos que todos conhecemos e ele acabou presidindo o Senado.
Agora, para substituir Sarney quem apareceu? Renan Calheiros, o mesmo que renunciou ao mandato para não ser cassado por corrupção e voltou a se eleger senador. Logo surgiram novas denúncias contra ele, de uso de notas frias para comprovar despesas e outras, antes da eleição no Senado, e ainda assim 56 entre 76 senadores votaram em Renan e ele foi eleito.
Lá no sertão norte-mineiro, em Montes Claros, especialmente, corre de boca em boca a expressão ‘um gambá cheira o outro’. Essa expressão serve direitinho para aplicar ao Senado, onde os seus ocupantes elegeram para presidente um colega que só não foi cassado por corrupção porque renunciou ao mandato e, por último, eleito senador reincidiu no erro. Para usar outra expressão corriqueira, “o semelhante atrai o semelhante”.
Qual moral tem um Senado composto de políticos que abusivamente acobertam erros dos seus? E por que esses mesmos políticos continuam no poder? Isto é uma das coisas que não entendo e gostaria que alguém com mais tino político me fizesse entender.
Será que é porque eles compram votos? E se compram, por que será que há brasileiros que se sujeitam a isso?
Quem já viajou pelo mundo sabe que não há país melhor para viver do que no Brasil. Haja vista a quantidade de estrangeiros que assentaram praça em cidades brasileiras. E eles vêm e se dão bem, porque, literalmente, essa é uma terra onde emana leite e mel. O problema brasileiro é político e está intimamente ligado aos políticos.
O pior de tudo é que eles decidem os rumos do povo e não respeitam a opinião pública nem a justiça, como se só o clamor popular não fosse suficiente para evitar as aberrações que a cada dia testemunhamos.
Vejamos o caso dos petistas condenados no júri do ‘mensalão’ e que agora movem mundos e fundos para anular o julgamento, como se tudo aquilo que vimos e ouvimos na TV fosse uma palhaçada. É preciso cumprir as condenações já, senão nós e a justiça estaremos sendo violentados.
Os políticos chafurdam na própria má fama e eu na ignorância fico matutando sobre o que podemos fazer para acabar com “essa pouca vergonha”, como diria a minha mãe, Elvira, que, assim como eu, não entendia de política, mas fora formada com base em bons princípios e soube transmiti-los.
Sou defensor do otimismo, de nascença. Acho que o Brasil tem tudo para vir a ser uma nação respeitada, em condição de dar qualidade de vida para toda a sua população, mas essa ‘crasse’ política é uma vergonha mundial e precisamos politizar os nossos patrícios para mudarmos esse quadro terrível.
Não podemos continuar mais como ‘vaquinhas de presépio’ como em passado historicamente recente, quando o regime era de exceção. Não devemos aceitar as imposições como se ainda vivêssemos na era do coronelismo tão repudiado.
É necessário que as pessoas de bem, dotadas de espírito público entrem para a política. Se quem tem vocação não assume uma candidatura para mudar o deplorável quadro político, os aproveitadores, os interesseiros, aqueles que só pensam em legislar em causa própria assumem o poder e vão se locupletando nele em nosso nome.
Se eles pensavam que nós éramos bobos, se enganaram redondamente, nós somos mesmo é idiotas.


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Por Alberto Sena - 28/1/2013 08:07:36
Como diria Casimiro de Abreu

Alberto Sena

Como diria o poeta Casimiro de Abreu, “Eu me lembro! Eu me lembro...” Ele, e não o poeta recordava também de vivências, de quando morava em Montes Claros. Até início da década de 1970, era ‘foca’ do O Jornal de Montes Claros, do dr. Oswaldo Antunes, onde deu trabalho ao sempre lembrado Lazinho Pimenta, que tinha a incumbência de copidescar o incipiente texto. As primeiras incursões no jornalismo foram em coberturas de esportes e logo depois de polícia, no JMC.
Tudo aconteceu como num estalar de dedos, de 1969 a 1972, quando de mala e cuia adentrou a jardineira, aliás, foi em trem de ferro e definitivamente rumou para Belo Horizonte, onde encontrou o jornalista Robson Costa, filho da professora, Bernadete Costa, que o levou para trabalhar no jornal Estado de Minas. Lá, teve o privilégio de trabalhar com o jornalista e escritor Wander Piroli, numa redação onde conviveu com o também jornalista e escritor Roberto Drummond, além de outras feras como Sebastião Martins, Délio Rocha, Lincoln Gonçalves, André Carvalho, Paulo Emílio Coelho Lott, Fialho Pacheco, Paulo Narciso, João Gabriel da Silva Pinto e outros mais – a lista é grande.
Mesmo consciente de sua insignificância, foi assimilando o aprendido com um e com outro e ainda hoje se considera “foca com certa experiência”, mas sempre aprendendo com os outros e com a leitura do livro da vida cotidiana. Quem lê estas linhas deve estar se interrogando querendo saber ‘adonde’ se quer chegar. Sugestão: desça os olhos ao próximo parágrafo.
Sempre esteve em reportagem, até que um dia... Bem, mas antes desse dia muito água passou por debaixo da ponte. Foi repórter de todas as áreas da redação e num dia belo do século passado foi guindado à condição de editor e então editou nas áreas de agropecuária, meio ambiente e economia. O tempo voou como condor nas alturas e durante e depois de uma parelha de anos sem fazer reportagens, dedicou-se a escrevinhar crônicas, contos e algo mais que espera poder publicar, até que Helcio Zolini, diretor de Jornalismo do Hoje em Dia fez o convite para coordenar a editoria do ‘Minas’.
Foi uma boa experiência, mas o tempo todo sentia coçar as pontas dos dedos reclamando a volta para a reportagem, considerando que tantas foram publicadas ao longo da carreira e muitas delas resultaram em consequências positivas para a sociedade. Não ia agora entrar nesse mérito para não parecer que jogava confete em si mesmo, mas quem acompanhou e ainda acompanha o seu trabalho desde os primórdios é testemunha.
Para chegar ao ponto: já não mais coordena o ‘Minas’. Está de volta à reportagem. E pode dizer de boca cheia que se sente mais útil nessa função e o primeiro resultado colhido saiu quinta-feira, 24, quando o Hoje em Dia publicou sua primeira reportagem da nova fase. A vibração foi a mesma sentida em 1972, quando no EM iniciou-se na grande imprensa, com a cobertura de um acidente de ônibus. Desta vez, no Hoje em Dia, que passou por mudança total – só manteve o nome – inclusive mudança de formato, agora em tabloide, o assunto foi o lago de Águas Claras, que a Vale do Rio Doce enche já faz 11 anos e vai continuar enchendo por mais 15 anos.
O lago é o resultado final de uma exploração de minério de ferro durante 38 anos. Tudo começou na ditadura militar. Águas Claras passou por várias mãos de mineradoras, até ser adquirida pela Vale. A intenção da empresa era fazer lá um condomínio de luxo, mas suspendeu esse projeto e agora não sabe qual destinação dar a área. A prioridade agora é a ‘recomposição’ do terreno, daí o lago em enchimento. Os sinais da degradação estão vivos lá.
A segunda reportagem desta nova fase está por sair. É sobre a barragem de Rio Manso, que fornece água para mais de 1,6 milhão de usuários da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ele foi lá com o fotógrafo Ricardo Bastos e o motorista Sílvio, acompanhado de Fabrício, da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), para averiguar denúncias de que a barragem vem sendo poluída por lixo deixado por pescadores, que invadem a área porque a vigilância da Copasa está meio capenga.
Concomitantemente a responsabilidade de trabalhar para cumprir a tarefa, nenhum filho de Deus deixaria de curtir o lugar, paradisíaca região de Rio Manso, que desperta em toda pessoa o desejo de espetar a bandeira em algum ponto ali do chão onde puder contemplar a mais bela paisagem. O importante é saber conciliar o trabalho e a alegria de contemplar a natureza.


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Por Alberto Sena - 10/1/2013 10:38:20
Prefeito de Porteirinha pagará promessa, por ter sido eleito, no presépio de Grão Mogol

Grupo de foliões chamado Comunidade do Sítio, que fez o pedido a Deus, vai também à Matriz de Santo Antônio.
O prefeito de Porteirinha, Silvanei Batista Santos (PSB) vai neste sábado, 11, a Grão Mogol, no Norte de Minas, a fim de cumprir a promessa que os integrantes do grupo de foliões Comunidade do Sítio fizeram para que ele fosse eleito: visitar o Presépio Natural Mãos de Deus e a Matriz de Santo Antônio onde farão duas apresentações. A história do prefeito tem ingredientes que, pela ótica econômica, podem ser comparados à luta dos personagens bíblicos Davi e Golias. Neste caso, a funda e a pedra usadas por Silvanei, como Davi contra o gigante, foram o patrimônio de R$ 13,5 mil; moto no valor de R$ 4,5 mil e Parati modelo 1992, avaliada em R$ 9 mil.
Ele venceu a disputa da prefeitura contra o prefeito em busca de reeleição, o empresário e pecuarista Juraci Freire Martins (PP), que declarou à Justiça Eleitoral patrimônio de R$ 24,4 milhões (o terceiro maior entre os candidatos a prefeito do interior de Minas, na eleição passada), incluindo cerca de 20 mil reses, 32 fazendas e 12 casas.
Durante a disputa pela prefeitura de Porteirinha, Silvanei, apelidado Nei, filho de carroceiro, sofreu preconceito e até deboches, pois as pessoas achavam que, com tão pouco recurso, ele não teria como vencer o poderio econômico do adversário. “A minha eleição – ele disse à época – prova que, para a gente ser alguém na vida, não precisa ter dinheiro. Tem de ter coragem, humildade, caráter e respeitar as pessoas”.
Silvanei, que se dirigiu à prefeitura numa carroça, no dia da posse, acompanhado do pai e um cortejo de cerca de cinco mil pessoas, disse que irá a Grão Mogol em ônibus fretado e com boa parte do seu secretariado. Dentre os passageiros estarão os integrantes do grupo de foliões da Comunidade do Sítio, que fica próxima de Porteirinha e de Riacho dos Machados; e o ex-prefeito Alonso Reis da Silva (PT). Será fretado um ônibus para a viagem e depois de cumprida a promessa, ainda no sábado, a comitiva retornará a Porteirinha.
O presépio completou, em dezembro de 2012, um ano e já recebeu a visita de quase 30 mil pessoas, o que representa mais de quatro vezes a população urbana de Grão Mogol. Permanente e a céu aberto, a obra conta as passagens do nascimento de Jesus, com esculturas em tamanho além do natural de todos os personagens bíblicos do maior acontecimento da humanidade.
Construído há milhares (milhões?) de anos “pelas mãos de Deus”, conforme o responsável pela obra, Lúcio Bemquerer, costuma dizer, da descoberta dele à criação da infraestrutura para facilitar o acesso a cadeirantes foram empregados oito meses de trabalho ininterrupto, com recursos próprios. Um ano depois, a obra é de fato considerada como a maior do mundo em sua categoria de permanente e a céu aberto, candidata ao Livro Guinness dos Recordes.


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Por Alberto Sena - 7/1/2013 09:12:01
As três Anália’s e a flatulência

Alberto Sena

“Maracangalha”, letra e música de Dorival Caymmi’, foi lançada em 1957, de modo que até nos primeiros anos da década de 60, em Montes Claros, era muito tocada no rádio e até cantada exaustivamente em “grito de carnaval”. Mas o detalhe da letra da música, a personagem Anália – “se Anália não quiser ir, eu vou só...” – é que chamava a atenção porque na cidade havia uma zona de “baixo meretrício”, à época assim chamavam uma das zonas boêmias de Montes Claros, onde a ‘cafetona’ atendia pelo nome de Anália.
Ocorre que, quando a família morava na Rua Corrêa Machado, no trecho entre as ruas Dr. Veloso e João Pinheiro, havia na época o campo do clube de futebol União logo em frente. O campo era fechado por muro de fora a fora e como já se encontrava meio abandonado, os meninos fizeram aos pouquinhos um buraco circular no meio do muro. Era só passar pelo buraco e a pessoa estava no barranco do lado de dentro do campo. Ali a meninada se esbaldava o dia inteiro com bolas de meia, de borracha e de capota.
Era vizinha nossa, separada só por um muro, uma família vinda da roça. Era a mãe, viúva; um filho e duas filhas. O filho se chamava Antônio, apelidado Tone ou Toninho e uma das filhas era Anália. O nome da outra era Iara. Daquela data em diante, depois que a família se mudou para a casa vizinha, não se cantou mais a música de Dorival Caymmi porque Anália podia achar que estávamos falando dela.
É que em pouco tempo a viúva e as filhas dela encrencaram conosco. Tone ficava mais tempo na roça do que na cidade. E tudo que as vizinhas falavam tinha a ver com ele. “Quando Toninho chegar, vamos falar com ele... Quando Toninho chegar nós...” Era Tone pra lá e Toninho pra cá. Nas primeiras chuvas, as vizinhas tamparam na base do muro, uma abertura por onde escorria a água vinda de outros quintais. Resultado: o nosso quintal, que recebera toda a água da chuva vinda dos vizinhos inundou porque a enxurrada não tinha por onde escoar.
Claro, tivemos que desobstruir o buraco do muro para dar vazão à enxurrada. As vizinhas fizeram o maior escândalo. Disseram: “Pode deixar, quando Tone chegar, Tone vai dar um jeito nisto”. Mas Toninho demorou, o período chuvoso passou e tudo ficou como sempre. Outros períodos vieram e não tivemos o mesmo problema com as vizinhas. Em compensação, elas fechavam a cara para nós sempre que nos viam.
Até aqui, tudo narrado foi para chegar a este ponto: numa noite, estávamos – minha mãe, irmãs e o irmão caçula – sentados em cadeiras na calçada. Fazia calor tal e qual faz nesta época do ano. Na porta da casa vizinha estavam Anália e o noivo dela. Os dois conversavam animadamente. E nós, também. Até um momento de grande desconserto quando o noivo de Anália deixou escapar sem querer querendo uma flatulência e Anália entrou correndo para dentro de casa, envergonhada. Enquanto ela entrava, o noivo, desconsertado também, levantava da cadeira e ia embora sem nem olhar para trás.
Passaram-se alguns instantes, Anália voltou. Olhou para um lado e para outro da rua à procura de ver o noivo. Ela devia supor que ele jamais iria embora, mesmo em se tratando de uma situação constrangedora como a ocorrida. Como não podia deixar de ser, acompanhamos a movimentação de Anália, até que ela resolveu pé antepé, atravessar a rua e se dirigir, sem mais nem menos, rumo ao buraco no muro do campo.
Foi quando percebemos, Anália achava que o noivo se escondera lá. Então, ela se foi aproximando do buraco no muro, como quem queria assustar o outro, e ao pôr a cabeça do lado de dentro soltou um ruído pela boca mais ou menos parecido com “buuuuuu...” Mas ao perceber que o noivo não estava ali, ela retornou correndo para dentro de casa envergonhada em dobro.
Claro, fomos condescendentes com ela. Não rimos desbragadamente, mas entre dentes, tapando a boca com as mãos.
Desde então, toda vez que escutamos “Maracangalha” nos recordamos de Anália – dela e das outras – do noivo, do episódio da flatulência e do buraco do muro do campo, e caímos na gargalhada. Mas sem desrespeito aos personagens, mais pela comicidade intrínseca ao acontecimento.


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Por Alberto Sena - 2/1/2013 09:23:21
Injusta condenação

Alberto Sena

Quem acompanhou as narrativas sobre as agruras de um cão de raça japonesa, aqui feitas não carece de apresentações, mas quem toma conhecimento agora deve ser informado de que todas as medidas foram tomadas para livrar o animal do ambiente em que é obrigado a viver preso a uma corrente. Ninguém, nenhuma ONG nem instituição alguma que se diz “defensora dos animais” apareceu para livrar o cão do sofrimento, pois, claro está que ali não é o lugar dele e por isso ele uiva, chora como se humano fosse.
Nesta manhã de domingo, 30 de dezembro de 2012, fiquei um bom tempo na janela observando o cão. Por uns instantes a mim me pareceu que entrei no corpo do animal e pude sentir o drama dele. O ambiente onde o cão se encontra é inóspito. Fizeram para ele uma casinha e se muito a corrente o deixa ir uns dez metros ao redor. Ele tenta ir mais adiante, mas o tranco da corrente o obriga a recuar. Isto o irrita. Deixa-o decepcionado.
Posso estar enganado, mas a mim me parece que o cão foi retirado de alguma casa onde era bem tratado. Devia ter banho e tosa com frequência. Certamente comia ração de qualidade. Volta e meia ouvimos o cão uivar e chorar como gente grande e pensamos que ele uiva e chora com saudade do ambiente anterior. E ninguém pode fazer nada por ele, porque se pudesse alguém ou alguma instituição “defensora dos animais”, já teria tomado uma atitude.
Observando o animal da janela, vejo-o indo e vindo. Lembrei-me do Tio Patinhas, personagem de Walt Disney, das revistinhas do Pato Donald. Rico, dono de uma piscina cheia até a borda de moedas, quando Tio Patinhas ficava preocupado, ele costumava andar pra lá e pra cá, de modo a abrir uma pequena trilha no chão.
Claro que nenhuma relação há entre Patinhas e o caso do cão sofredor, que é pobre e pode ser considerado “cachorro sem dono”. E mais: por ser cão, ele não tem autonomia nenhuma para fazer o que bem quiser, depende da vontade de quem tem a posse dele no momento. Mas o chão onde ele pisa indo pra lá e pra cá pode até afundar de tanto que o animal, “preocupado”, anda. Só de vez em quando, depois de muito ir e vir até onde a corrente o deixa ir, ele entra na casinha e desaparece das vistas. Vai descansar frustrado, pois todas as suas tentativas de ganhar a liberdade foram em vão.
Antes de o cão chegar ali, o lugar onde fizeram a casinha dele era parcialmente coberto pelos galhos de um abacateiro. Mas porque o abacateiro estava fincado num precipício, homens do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil foram lá e cortaram a árvore. Podia acontecer de cair sobre um barracão onde vivem três famílias. Com o corte do abacateiro ficaram expostos para quem passa pela rua e olha na parte mais alta, o tronco deixado para segurar o barranco e a casinha do cachorro.
Dizem que em Belo Horizonte há 30 mil cães sem dono perambulando pelas ruas da cidade. Em minha opinião isto já configura um problema de saúde pública. Imagina o tanto de doenças que esses animais podem transmitir. O cão personagem do nosso texto está ali, limitado, mas recebe comida e água. Outro dia, num desses dias de calorão danado, o cachorro uivou feito lobo, latiu e chorou. Cheguei à janela para averiguar o que se passava e vi um homem magro, franzino mesmo, com uma vasilha na mão. Supus ser água. O cão reclamava água. Bebeu feito um animal no deserto ao encontrar o oásis.
Tenho minhas dúvidas se o cão é de fato bem alimentado e dessedentado. E para piorar um pouco mais a vida do coitado, o tempo todo amarrado àquela corrente, limitado apenas àquele espaço, isto tudo significa sofrimento. Mas o que podemos esperar de uma sociedade na qual os indivíduos vão se tornando cada vez mais individualistas, não se importando sequer com os semelhantes que vivem nas ruas. Se não se importam com os semelhantes, vão se importar com o sofrimento de um cão amarrado a uma corrente?
Mas é preciso ressaltar, aqui, que Virgínia Abreu de Paula, de Montes Claros, ferrenha defensora dos animais tentou de lá fazer algo em defesa do cão. Entretanto, mais de seis meses depois da chegada do pobre coitado àquele ambiente onde vive atualmente, ele é obrigado a levar uma vida de cão condenado por algum crime que não cometeu.


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Por Alberto Sena - 22/12/2012 13:00:12
“Filhos do dragão” lançam livro em BH

Alberto Sena

“Os filhos do dragão cospem fogo” é o título do livro que será lançado dia 26 de dezembro (quarta-feira), no Café Viena, na avenida do Contorno, 3968, no Santa Efigênia. Da obra participam 16 “anjos campesinos” filhos das gerais, sendo 14 deles sertanejos montes-clarenses e duas filhas do dragão, nativas das Alterosas. O organizador da obra é Raphael Reys, que explica abaixo:
O título foi escolhido pelo escritor Felippe Mattos Prates, descendente de Juca Prates, o criador do Jucapratismo. Ele, assim como Alberto Sena são montes-clarenses e no dizer do jornalista Luiz Carlos Novaes, editor do Jornal de Notícias, são viciados em Mocmania (mania de ser montes-clarenses).
A obra que organizei, apresentei e analisei, participando também do bojo tem como espírito, a tomada da extensão sensorial de cada participante no que se refere a sua adaptabilidade nas Alterosas, Capital de todos os mineiros.
Seus sustos, medos, superações e mesmo a sua visão como campesino que chega a metrópole para cursar universidade ou em busca de melhores oportunidades profissionais.
É, portanto, bem diversificada. Daí a sua importância como depoimento. Trafega desde o extenso relato sobre o romantismo de Belô nos anos 50, escritos pela beletrista Virgínia de Paula, filha de Hermes de Paula, historiador e escritor da nossa urbe.
Há tomadas de pura suavidade e sustentabilidade de alma, como os depoimentos da neo-acadêmica Mary Pimenta e Fernanda Belotti em escritos que nos lembram os Contos Campestres do poeta Virgílio. Essa última, morando há quase três décadas na Suíça Italiana chora a saudade de um Belo Horizonte cosmopolita.
A verve dos filhos do dragão descritos pela escritora e poeta Cláudia Cardoso
Crônicas de puro jornalismo profissional e competente, como as de Alberto Sena. Em sua vasta experiência como jornalista profissional. Mostra-nos as máscaras urbanas dos habitantes da grande cidade.
O escritor Leonardo Alvarez Campos, também jornalista em suas ousadas visões sobre a urbanidade e os urbanos. Chegam a nos confidenciar relatos sobre a sua psicografia, obtidas em exercício em fraternidades.
Depoimentos precisos como o de Ucho Ribeiro, Nilo Pinto, e as belezas escritas pelo jornalista Haroldo Tourinho, o Cabaret. A extensão e as tomadas do músico e também escritor Waldemar Euzébio e a precisão da lavra da médica e jornalista Mara Narciso.
As dúvidas e o saudosismo de Tomaz Maia, o Tomaz Capiau que, residindo nas Alterosas há 50 anos não volta a Montes Claros.
A leveza de estilo e o bom humor do nosso Coronel Tininho, o Juventino Silva, uma grande alma.
A criatividade da escritora e poeta Karla Celene nos mostrando o lado romântico dos bares de uma BH que agora só existe em nossos corações.
Os poemas de Nenzão, o sociólogo Geraldo Maurício, em mesas da Cantina do Lucas em tempos do mais puro glamour.


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Por Alberto Sena - 10/12/2012 08:19:37
Relembranças

Alberto Sena

Compartilhei de Walkiria Braga e Carlos Meira fotos do grupo escolar onde estudamos o antigo primário, hoje Escola Estadual Gonçalves Chaves, na Praça João Alves, em frente ao Automóvel Clube, que nem de leve existia. Acabei fazendo um tour por Montes Claros de quando podíamos encontrar nós mesmos em cada esquina da cidade.
Foi em 1956, quando Lúcia, minha irmã, me levou a primeira vez à escola, que tudo começou a acontecer. Era para fazer um teste a fim de determinar em que sala o menino ficaria. Feito o teste, ao final e ao cabo, ele ficou com a enérgica professora Bernadete Costa, mãe do ainda futuro jornalista Robson Costa, que, 15 anos depois levaria o menino para a redação do jornal Estado de Minas. As janelas da sala de aula davam para a rua. Da sala se podia ver a praça Dr. João Alves. Do outro lado era o Instituto Mineiro de Educação, um casarão antigo, onde hoje é o Automóvel Clube.
O mais gostoso dessas lembranças é recordar que só fizemos provas finais no quarto ano; do primeiro ao quarto alguns poucos meninos e meninas da nossa sala foram dispensados das provas finais. Entre os quais eu me encontrava e me recordo como se tudo estivesse acontecendo agora que saímos correndo carregando a pasta de cadernos, livro, estojo e tudo mais; a alegria era tanta que jogávamos tudo para cima.
Éramos os primeiros a entrar em férias. Podíamos ter mais tempo para jogar finca ou bolinhas de gude na casa da Rua São Francisco, que tinha uma área recuada à frente além do limite da rua. Lá e no quintal, com fundo para a linha férrea, eram o nosso reino mágico onde a relação telúrica se dava em primeiríssimo grau com a terra, o pó vermelho característico do sertão norte mineiro.
Houve uma vez que, ao agachar para abrir a torneira de um dos canteiros da Praça Dr. João Alves encontrei uma corrente com uma medalhinha de ouro estampada, tendo nela a figura de Nossa Senhora das Graças. Estava no meio de uma poça d’água ao redor da torneira. Alguém que fora fazer lá a mesma coisa que fui fazer a deixou cair do pescoço e nem percebeu.
Relembranças feitas, as fotos postadas por Walkiria Braga e Carlos Meira me levaram à praça Dr. João Alves, onde nas imediações moravam Marco Antônio, Haroldo Tourinho e Geraldo Santana Machado.
Revi na Praça Dr. Chaves, a Matriz de Nossa Senhora e São José e foi mesmo que ouvir a voz metálica de padre Dudu. Ali na praça moravam Waldemar Brandão e família; João, Antonilda e Fabíola Canela, além da família Mendes, cujo chefe levou o telégrafo e a telefonia para Montes Claros.
As fotos me levaram à Escola Normal Professor Plínio Ribeiro e lá pude me encontrar rapidamente com os colegas de então, como Marco Antônio e Marco Aurélio Rocha, Ricardo e Fernando Deusdará, entre outros.
Aproveitei que já estava ali e fui à Rua Padre Teixeira e adjacências e me lembrei dos Caribé, dos Gomes e dos Versiane. E me vi também aos namoricos na Praça, Dr. Chaves, achando que a qualquer momento o padre Dudu apareceria para ralhar com a gente porque àquela hora era para estarmos dentro da igreja participando da Cruzada. Nunca consegui sair da primeira faixa amarela.
Revi a foto do antigo prédio que já foi cadeia, virou colégio e já nem sei mais o quê, incrustado na esquina das ruas Camilo Prates com Dom João Antônio Pimenta. Ao lado dele funcionou e nem sei se ainda funciona o fórum onde nos tempos de repórter do JMC cobri acalorados debates no tribunal do júri, entre Sidney Chaves e Georgino Jorge de Souza.
Montes Claros era uma cidade pacata. A fama alimentada pela figura de Dona Tiburtina já estava sepultada, se bem que, de vez em quando, os membros da família dos Mió executavam mais um e a paz era quebrada.
Que Montes Claros tinha vocação para se tornar a grande cidade que vivenciamos hoje ninguém alimentava a menor dúvida. Mas naquela época não se podia imaginar que chegasse a tal ponto de se tornar uma metrópole, com os bônus e os ônus próprios de uma cidade que recebe gente do Brasil inteiro.
Mas, apesar dos pesares, ainda é possível encontrar a si mesmo, na cidade pacata existente dentro da metrópole, em meio à azáfama de todo dia.


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Por Alberto Sena - 3/12/2012 08:26:37
A culpa é do asfalto

Alberto Sena

Há muito que discutir sobre a intensidade da relação telúrica das crianças com a terra nua em comparação com a que os adultos de hoje tiveram na infância, principalmente se originários do interior.
A geração que “vai dobrando do Cabo da Boa Esperança”, como dizia o professor Pedro Santana, da antiga Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, em Montes claros, teve infância de pés descalços, em contato direto com a terra.
Essa forte relação telúrica foi sem dúvida de grande valia e o seu quase fim estaria diretamente relacionado com o surgimento do asfalto predominante aqui e no mundo.
Senão, vejamos: quando as crianças podiam pisar os pés na terra, tinham o direito de se enlamear assim que as primeiras chuvas batizavam a poeira; nessa época, qual criança não pegou bicho-de-pé, um bichinho que provocava coceira gostosa, mas não se podia coçar?
Agora, quando iniciamos mais um dezembro em nossa vida, se não fosse o asfalto, as ruas seriam de terra batida, cobertas de cascalhos, e certamente haveria muita poeira no ar. Mas as chuvas sempre faziam a poeira assentar e era então que as crianças jogavam finca e bolinha de gude no chão molhado.
Quando as ruas eram de terra não ouvíamos falar de enchentes. As águas das chuvas caíam e se infiltravam livremente na terra. Era divertido, lúdico até ver os soldadinhos de pó que os grossos pingos de chuva faziam brotar da poeira.
Veio o asfalto e pôs um ponto final em tudo isso e muito mais, como na brincadeira de pegar tanajura. As crianças de hoje talvez nem saibam o que seja tanajura. Grosso modo é uma espécie de inseto, uma formiga grande que brotava de buracos no chão e em barrancos e ao ganhar asas voava pelas ruas de terra e lama.
Sabiam-se as tanajuras comestíveis. E quando elas surgiam voavam pelas ruas e as crianças corriam atrás delas e derrubavam-nas, em pleno voo, com a camisa ou o que fosse. Juntavam tudo num canto. Depois, havia quem levasse para casa a fim de fazer “uma fritada”. Bundinha de tanajura “contém muita proteína”, diziam.
O asfalto acabou com tudo. Ao impermeabilizar a terra, direcionou as águas das chuvas para as sarjetas. As enxurradas seguem para as bocas de lobo, geralmente entupidas pela cultural falta de educação dos brasileiros, que insistem em jogar papel, plástico, lixo, enfim, nas ruas.
Vieram então as enchentes. Se pegarmos uma fotografia sacada décadas atrás parece que foi tirada hoje, quando casas e pontes desabam devido à força das mesmas águas que sempre desceram dos céus, mas muito mais desabam devido à imprevidência e a corrupção das ditas autoridades que, desalmadas, lixam-se diante do sofrimento de milhares de famílias.
As gerações do asfalto são, portanto, completamente diferentes das gerações que tiveram essa relação telúrica com a terra nua. Os filhos do asfalto geraram logo no pós-guerra a “juventude transviada”, personificada em James Dean (1931-1955) e noutros exemplos da cultura a nós imposta pela transmudada estratégia colonialista estadunidense.
Pois foi com o advento do asfalto, que nos trouxe muito conforto, mas também fez o mundo ganhar em velocidade e, consequentemente, em acidentes com mortos, feridos e muitos prejuízos materiais; foi com ele, essa massa escura de piche com pedras, escórias e algo mais, só transposta pelo martelete, ferramenta que faz o operário trepidar agarrado nela como se estivesse em febre maleita; a culpa recai sobre ele, o asfalto.
Tudo que há de natural podemos chamar de gente. Árvore é gente. Animal é gente. Nuvem também. Nós somos gentes. A diferença é que somos humanos. Terra, a nossa casa, esse planeta maravilhoso dotado de belezas em profusão, também é gente. Não há dúvida de que a gente terra sofre dores a cada explosão em seu seio.
A terra tem também poros, respira. Será que quem chegou até este ponto da leitura já imaginou se lhe acontecesse a desventura de passar por uma seção de tortura e alguém lhe tampasse todos os poros do corpo, como é que a pele faria para respirar?
O asfalto tampou e a cada dia tampa mais os poros da Mãe Terra. Gerou e gera um tipo de gente humana que a cada dia mais se distancia dos “valores verdadeiros”.
Se o final dos tempos não acontecer nos próximos dias, nunca nós saberemos aonde a perda dessa relação telúrica com a terra nua levará a humanidade, nos próximos 30 anos.


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Por Alberto Sena - 26/11/2012 08:22:29
Ascensão e queda de um ídolo

Alberto Sena

Sei que estamos de saco cheio desse caso do goleiro Bruno e peço desculpas, mas não me contenho em falar sobre o assunto porque sou repórter do tempo. O exemplo dele é semelhante ao de alguns famosos, ainda na memória de muitos brasileiros, e de anônimos que nem memória deles nós temos.
Quem se der ao trabalho de remontar aos dias antes do desaparecimento de Eliza Samúdio vir à tona, e acompanhou o goleiro pela TV, defendendo a meta do Flamengo, pôde perceber a arrogância dele. Adjetivos como prepotente, violento, entre outros podiam ser lidos nas ações do goleiro.
Bruno, em verdade, é uma vítima. Ele é vítima de si mesmo. Originário de Ribeirão das Neves, de família pobre, o goleiro não estava preparado psicologicamente para se conservar na posição em que o futebol o colocou, por obra e graça do destino. Ele se enquadra naquela expressão popular ouvida em Montes Claros e no Norte de Minas: “Um gambá cheira o outro”.
Noutras palavras, a expressão regionalista poderá ser traduzida por: “O semelhante atrai o semelhante”. Quais eram as amizades de Bruno? Quem acompanha o envolvimento dele no caso Eliza Samúdio conhece.
Devido ao despreparo psicológico de ter em mãos dinheiro para gastar com orgias e coisas tais, ele achou que estava acima do comum dos mortais. Podia fazer o que bem quisesse, afinal era ele, Bruno, cotado para jogar no Milan da Itália e até para defender a Seleção Brasileira.
Quem tem um amigo do tipo Macarrão, que se presta a escrever nas costas (por que nas costas?) uma frase tirada da letra de música jurando amizade eterna, experimenta o cúmulo da bajulação. Evidentemente, visando ganhos pessoais, Macarrão estava disposto a tudo para agradar Bruno.
Bem, nem tudo, como se pôde compreender agora que ele jogou “macarrão” no ventilador ao apontar Bruno como “mandante” do desaparecimento de Eliza. Ele acaba de ser condenado a 15 anos de cadeia e a essa altura está tremendo e temendo pela vida, apesar de não ter entregado “Bola”, suspeito de ser o autor do sumiço da mãe do filho de Bruno.
Desde criança foi incutido na cabeça de muitos de nós a expressão: “Quem tudo quer tudo perde”, provérbio português, para explicar a ambição dos despreparados para administrar as benesses que o destino lhes põe nas mãos.
Num exercício de tentar entrar na cabeça de Bruno, a fim de apurar o que passou pela mente dele desde o início do caso, no primeiro momento, a sua postura arrogante era de quem tinha mãos limpas. E quem não se lembra do sorriso irônico dele, no dia da prisão?
Bruno pode até não ter participado diretamente da execução de Eliza (se é que ela não “está na Europa”) e na ingenuidade proporcionada pela prepotência, achou que nada o abalaria. Afinal, era goleiro do Flamengo, famoso e os seus quase dois metros de altura nunca seriam alcançados.
Deu com a cara na trave e no travessão. Este é o destino de quem não possui princípios de humildade. E por falar em humildade, não se pode confundi-la com pobreza ou simplicidade. Humildade é a maior energia existente no universo. Vejamos os exemplos de Jesus Cristo, Francisco de Assis, Maratma Gandhi, Luter King, Madre Teresa de Calcutá, João Paulo II.
Uma pessoa materialmente pobre moradora da periferia, que o prefeito de BH Marcio Lacerda não quer “ser babá” dela, pode não ser humilde, porém, pode ser simples ou pobre. Um rico pode ser humilde, embora materialmente tenha posses.
Bruno será julgado em março. Desde já devemos nos preparar para mais doses do caso, porque o julgamento foi desmembrado. Este pode até nos surpreender, pois não sabemos o que rola na cabeça de juiz ou na barriga de mulher grávida (a não ser que ela seja submetida ao ultrassom), mas tudo indica que ele será condenado, mesmo não havendo corpo para provar.
A condenação de Macarrão sinalizou o que poderá acontecer em março. A não ser que Bruno, assustado com o que lhe parece hoje um pesadelo, pratique o ato referente ao “boato” gerador de um corre-corre no tribunal, em Contagem, quinta-feira, 23: “Bruno suicidou-se”.
O título para este texto não poderia ser outro senão: “Ascensão e queda de um ídolo”, com o seguinte acréscimo, vítima de si mesmo.


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Por Alberto Sena - 16/11/2012 10:54:56
Amor de “filhos de dragão” cuspidor de fogo

Alberto Sena

“Os filhos do dragão cospem fogo” é o título do livro que será lançado das 16h às 19h, no casarão dos Maurício, dia 1º de dezembro de 2012 do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, em meio às festividades da 22ª Festa Nacional do Pequi, de Montes Claros, programada para 27 deste mês a 2 do próximo.
A publicação foi organizada por Raphael Reys, e além de textos do próprio, há também a participação de: Felippe de Matos Prates, Virgínia Abreu de Paula, Cláudia Cardoso, Leonardo Álvares da Silva Campos, Mary Pimenta Alckimin, Haroldo Costa Tourinho Filho, Ucho Ribeiro, Waldemar Euzébio, Karla Celene Campos, Juventino Silva (Tininho), Geraldo Maurício (Nenzão), Alberto Sena Batista, Fernanda Belloti, Nilo Pinto,Tomaz Maia e Mara Narciso.
No íntimo de cada um há anjos e dragões travestidos em eus vários. O fundamental é saber qual a predominância no dia a dia porque, há os anjos do bem e os dragões do mal e vice-versa. Descobrir o Eu verdadeiro é o diamante cobiçado, e de acordo com a prática Nele baseada, se poderá anular a influência dos eus, quais satélites orbitam estrelas.
Mas uma leitura rápida do mundo no início da segunda dezena de anos deste século XXI basta para concluir que os dragões diversos estão à solta nos dias atuais, e interpretar a figura mitológica desse animal depende da crença de cada um, nas nações do ocidente e do oriente, onde a representatividade dele é do bem para uns e do mal para outros.
Urge as pessoas encontrarem meios de apaziguar os seus dragões. A humanidade segue célere rumo à sina de destruir a si mesma, sem que para isso seja necessária ira divina, se é que Deus possua sentimento do tipo. Primordial é o uso que cada um faz de si mesmo.
Tudo que se encontra fora está também dentro de nós. Somos réplica ínfima do existente no universo; somos microcosmos, seres espirituais. O bem e o mal se acham tanto fora como dentro de cada humano sobre a face do planeta. O importante é a opção de vida assumida tendo por base o livre arbítrio.
Pecadores nós todos somos. Paulo de Tarso expôs o eterno conflito entre fazer o bem que queria e o mal que não queria; conflito arquetípico.
O fogo cuspido pelos “dragões” escritores do livro em realidade é fátuo, posto não queimar nem destruir; é edificante. É fogo do bem porque tem poder de transmudar corações como o ferreiro malha o ferro incandescente na bigorna do tempo. Os relatos são de época, quando o destino dos jovens montes-clarenses era Belo Horizonte, famosa pelo epíteto de “Cidade Jardim”.
Enquanto Montes Claros seguia a sina de cidade-polo, na década de 1970, a vida fervilhava em criatividade em todas as áreas culturais, movimento incontido pelo regime ditatorial militar da época, a expulsar ou cassar cabeças.
O fogo cuspido por esses “dragões” identificados, com nomes e endereços por todos sabidos, gravou nas páginas do livro o retrato de Montes Claros e de Belo Horizonte duma época que se esvaiu no tempo feito o fumo expelido por Maria Fumaça; o trem de ferro, este sim, mais adequado à simbologia do dragão porque literalmente cuspia fogo e fumaça pelas ventas enquanto vencia a rudeza do sertão; a delicadeza rústica do Cerrado desde o interior de nós mesmos.
Não convém adiantar narrativa de nenhum dos autores, sob o risco de cometer injustiças, porque a publicação é ampla e envolve “dragões” vários que remetem todos ao convite para uma viagem de mais de 300 páginas pelas entrâncias e reentrâncias da alma, da mente e do corpo de cada um dos seus escrevinhadores.
Poder-se-ia comparar também essa viagem a um mergulho em nós mesmos. Ninguém ficará imune nem impune em relação às lembranças, qual chuva criadeira torrencial, afloradas ao nível do subconsciente de quem ousar pegar as páginas do livro, como tábuas dos náufragos sobreviventes de um tempo registrado em textos e fotos.
Vida de dragão é tão ou mais difícil que a vida da gente comum. Uns e outros se identificam de modos vários, entretanto, a comparação mais apropriada para a vida de dragão é captar a imagem de um navio que chega ou de um navio que sai do porto. Mas não necessariamente nessa mesma ordem. Uma boa viagem para todos.


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Por Alberto Sena - 12/11/2012 08:26:03
Pare o mundo, quero viver

Alberto Sena

Décadas atrás, o antropólogo Darcy Ribeiro, personalidade encarnada em “vários darcys” – professor, político, indigenista, escritor, construtor de universidades, entre outros – previa os dias em que nós ficaríamos presos dentro de apartamentos ou condomínios, guardados por homens armados e com toda parafernália de segurança instalada, enquanto os ditos bandidos estariam à solta nas ruas.
Pela leitura e oitiva diária da mídia local e nacional, os dias previstos pelo notável brasileiro chegaram. O pior de tudo é a culpa, qual nuvem escura a pairar sobre as nossas próprias cabeças. Várias foram as chances das autoridades e da sociedade resolverem o problema da violência, mas tanto uma como a outra ficaram naquela situação: “Vai, que estou olhando...” E olhando estão até hoje, mas boquiabertas, perdidinhas, tanto a sociedade como as autoridades, enquanto os crimes pipocam.
Se tivéssemos atacado o problema socioeconômico décadas atrás, naquela época em que ladrões eram chamados de “amigos do alheio” e não fugiam de motos – mesmo porque motos naquela época eram raras – mas “em desabalada carreira”, o problema da violência não teria chegado ao ponto em que está hoje em dia. Literalmente, todos nós estamos presos em casa – e nem assim nos sentimos seguros.
Nem seria necessário saber um pouco de aritmética para entender que mais barato seria atacar o problema socioeconômico, numa tacada só, do que buscarmos agora uma solução, quando os furos estão por todos os lados. E o sangue escorre de perfurações à bala ou das armas brancas. Aliás, o temor é tão grande que, nem é necessário arma para assaltar. Os bandidos chegam e dizem: “Passa pra cá” e pronto.
Eles estão se constituindo em “quarto poder”, não necessariamente nessa mesma ordem. De dentro dos presídios, eles atacam como se tivessem o dom da ubiquidade. Mandam matar desafetos e policiais como se ambos fossem insetos que, no início do período chuvoso, rodeiam lâmpadas e são chamados de mariposas.
Resta saber agora, diante da cruz e da caldeirinha, o que os cidadãos – e a sociedade como um todo – que fecharam os olhos para o problema socioeconômico e o deixaram agravar com o passar das décadas, podem fazer para se sentirem seguros. Posso daqui dessa tribuna dar uma sugestão: resta entrar num cofre a prova de dinamite. Sim, porque os bandidos tornaram-se tão ousados, usam armas mais poderosas do que as armas da polícia.
Explodir bananas de dinamite tornou-se comum hoje em dia. Tão banal como estourar foguete ou traque em festa junina. O inacreditável, em meio a tudo isso, é a facilidade com que os bandidos encontram dinamite, artefato controlado pelo Exército.
O caso mais dramático, se não fosse cômico, ocorreu na pacata cidade de Campo Belo, Sul de Minas, onde um grupo de jovens, entre eles algumas meninas menores de idade, lançou uma banana de dinamite no pátio do quartel da PM e por sorte não havia nenhum policial no local naquele momento. Mas a dinamite destruiu oito carros, sendo dois ou três deles “viaturas da polícia”.
O caso de Campo Belo é citado aqui para mostrar como essa geração destituída dos “valores verdadeiros” banaliza tudo, principalmente a vida. Podia citar, também, as dezenas de casos de “saidinhas de banco” e explosões de caixas eletrônicos, que estão deixando a polícia qual “cego em tiroteio”.
Nem sempre a polícia atende aos chamados porque as ocorrências aumentaram tanto – e o efetivo cresceu feito rabo de cavalo – que não sobram homens nem carros. E quando atende algum chamado, vem de sirene aberta, o que assusta os bandidos e os policiais só se dão ao trabalho de fazer o tal do BO – Boletim de Ocorrência.
A época em que todas as ocorrências eram de fato apuradas se foi já faz algum tempo. Depreende-se em meio a todo esse emaranhado que as ocorrências são apuradas por amostragem. Claro, a preferência é sempre para os casos de mais visibilidade. Joãos (e Marias) Ninguém vêm sendo mortos a três por dois, tanto aqui, nesse Curral del Rey, como em Montes Claros – e noutros lugares – onde os assassinatos já bateram o recorde do ano passado.
Muito triste essa constatação. A tristeza aumenta ainda mais para quem se faz o questionamento: “Quê mundo vamos deixar para os nossos filhos, para os nossos netos e para os filhos dos nossos bisnetos?”


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Por Alberto Sena - 5/11/2012 08:10:42
Terapia da pia de cozinha

Alberto Sena

Outro dia confessei, aqui, neste bendito espaço, apreciar lavar pratos, louças e congêneres, como exercício terapêutico; literalmente, “ter a pia” diante de mim. Enquanto a bucha com detergente eu passo e deixo a espuma escorrer debaixo da torneira aberta, reflito sobre as coisas do mundo e descubro temas para mais um texto, como este d’agora.
Sei que nem todo homem gosta de executar essa tarefa. Os motivos são vários, não cabe aqui destrinchá-los. No meu caso particular, descobri essa via terapêutica de livre e espontânea pressão, nuns dias em que nós – Sílvia e eu – nos dávamos ao luxo de contratar empregada doméstica. Duma hora para outra, ela nos deixou com a panela engordurada na mão.
A necessidade de dar cabo da arrumação da casa nos levou a refletir sobre a possibilidade de não ficarmos à mercê de uma pessoa estranha escarafunchando a nossa intimidade. Enquanto a espuma de detergente borbulhava na tampa duma panela, descobrimos: “Se dividirmos as tarefas, será possível prescindir da doméstica e contratar uma faxineira a cada 15 dias”.
Deu certo. E vai dando certo, embora, devo admitir, fico com a parte mais leve, a lavação dos pratos, panelas e louças. Nessa tarefa, a minha maior ocupação é usar racionalmente a água. Jamais deixo a torneira aberta enquanto ensaboo panelas, pratos e que tais.
Uma das coisas mais incômodas no dia a dia é deparar na rua com pessoas desperdiçando água por meio da “hidrovarrição” das calçadas. É preciso não dispor de um mínimo de senso ecológico para fazer uma coisa desta. Enquanto em vários lugares a notícia é de falta d’água, é justo desperdiçar quando achamos tê-la em abundância?
O fato de encarar a pia como exercício terapêutico despertou, recentemente, o interesse de uma equipe da Rede Record, a propósito de uma reportagem sobres homens que executam essa tarefa. A reportagem veio ao nosso apartamento e fez uma tomada seguida de entrevista. Acredito deva alcançar grande repercussão.
Já se foi o tempo em que as tarefas caseiras eram executadas só por mulheres. Principalmente depois de elas terem feito a “revolução dos sutiãs” não seria justo deixar as mulheres trabalharem três turnos: empresa, casa (arrumação) e família.
Mas – sempre há um “mas” em história verdadeira – admito não gostar nem um tiquinho de lavar roupa. Ficamos sem máquina de lavar por um tempo e até comprarmos outra, eu tive que encarar também a tarefa. É brutal! O lado bom: descobri porque as lavadeiras de beirada de rio Verde Grande cantam, enquanto batem a roupa na pedra: pra afastar as dores.
Nem sempre fui assim. Venho de Montes Claros, de uma família de 11 filhos, seis mulheres. Nunca precisei lavar nada. E sempre gostei do que vem da cozinha. Cozinhar não é comigo. Embora de vez em quando possa fritar um bife ou um ovo. Uma vez ousei cozinhar arroz. Ninguém, a não ser eu mesmo, comeu. Dava para usá-lo como argamassa. Mas até hoje me gabo de ter ensinado à minha respectiva, exímia cozinheira, a arte de fritar ovo.
Transformações ocorreram depois de fazermos duas vezes a pé o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, em 2001e 2002; e três vezes a pé o Caminho da Fé, em 2003, 2004 e 2005, de Águas da Prata a Aparecida do Norte (SP). Mais de 800 km e mais de 400 km, respectivamente.
Aprendemos não ser necessária essa parafernália toda para viver bem com a gente mesmo e com os outros. Em caminhada longa, o importante é levar o essencial. Numa ocasião desta podemos avaliar o quanto a pessoa tem ou não apego aos bens materiais.
Esse aprendizado funciona como antídoto ao consumismo. Compro o essencial. Não gosto de ir a lojas comprar roupa. Não gosto de fazer compras em supermercados.
Não dirijo. Quem dirige é ela, por opção dela. Esse estresse de trânsito congestionado, essa loucura de determinadas pessoas ao volante, disso eu não sofro.
O que gosto mesmo é de andar. Para mim, viver é andar. Considero o exercício completo para o espírito, para a mente e para o corpo. Andar faz parte dos meus exercícios terapêuticos. Melhor do que lavar pratos.
Agora, preciso encontrar um meio de preservar as mãos contra os estragos causados pelo detergente.
Luvas?
Nem pensar. Detesto o cheiro delas.
Vou é providenciar um creme para as mãos e o conserto da máquina de lavar louças.


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Por Alberto Sena - 28/10/2012 16:50:42
Moradores de rua

Alberto Sena

Os humanos decepcionaram tanto uns aos outros, no decorrer dos séculos, que, nos dias atuais, animais irracionais em risco – ou uma árvore sob a ameaça de ser derrubada – tocam mais o coração do que uma pessoa em sofrimento na rua esparramada debaixo duma marquise dia e noite.
O mandamento – “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” – é afrontado em toda parte. As pessoas, embora dotadas da capacidade de amar umas as outras priorizam os animais irracionais, inconscientemente ou não, em detrimento dos da sua espécie. Desse modo, as cenas de humanos na sarjeta não sensibilizam a mais ninguém.
Quem é multissensor e aplica os ouvidos a escutar e os olhos a enxergar o mundo tal qual ele é, observa o quanto tem crescido as cenas de moradores de rua na capital mineira (e em Montes Claros, não?). Se se pudesse – e é possível, basta querer e tomar uma atitude – estabelecer com eles um corpo a corpo, saber a história de vida de cada um e buscar as raízes do problema individual e coletivo, uma solução seria encontrada para cada caso.
O fato de haver aumentado o número de moradores de rua é um sinal de alta periculosidade. Significa problemas em vista. Tanto de ordem política como socioeconômica. Mas o país não está indo tão bem? Por que então o número de gente vivendo nas ruas aumentou? Efeito retardado da crise que se abate sobre os Estados Unidos e a Europa? Cuidemos para evitar a explosão da bolha econômica.
As autoridades e a sociedade devem deixar para trás a estratégia do “vai que estou olhando...” Precisam encarar os problemas que dizem respeito aos cidadãos com o intuito de resolvê-los, caso contrário os problemas se voltarão contra nós mesmos, como um bumerangue, sob a capa tenebrosa da insegurança pública; do trânsito insuportável; das favelas em profusão, entre outros.
Priorizar os humanos no dia a dia da cidade não significa largar mão da problemática dos animais irracionais, “nossos irmãos”, no dizer de Francisco de Assis, o santo.
Não podemos nos conformar com o ocorrido em Caeté, onde um cão foi barbaramente torturado, em 19 de setembro, e agonizou por 12 horas numa área de condomínio e ninguém fez nada para socorrê-lo.
Uma pessoa – ou um grupo de pessoas – capaz de maltratar um animal, inda mais com o requinte como o cão de Caeté foi maltratado, pode praticar algo pior com o semelhante. O mais chocante: muita gente ouviu a agonia do cão, mas ninguém “viu nada”.
É cruel a maneira como certos humanos tratam a si mesmos e aos outros. O desamor é clamoroso. E como o Mestre nos ensinou: “Não é aquilo que entra pela boca que torna o homem impuro; o que sai da boca é que torna o homem impuro”.
Para muitos, porque consumistas, adeptos do ter ao invés do ser, conquanto o problema deles estiver resolvido, o que passa com o semelhante não lhes diz respeito. Afinal, dizem geralmente, “trabalho honestamente” e não dispõe de tempo para tratar de assuntos dessa natureza.
Como fermento em massa de bolo, o problema socioeconômico cresce à surdina. O Brasil vai receber o mundo em 2014 e também em 2016, se até lá ainda estiver convivendo com moradores de rua, certamente a mídia externa explorará o assunto à mancheia.
Que este é o País dos contrastes todos nós sabemos. Mas temos de ficar de olho para as estatísticas não serem mascaradas em virtude da Copa do Mundo. Agora que o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs um basta na escalada da famigerada expressão “no Brasil tudo acaba em pizza”, ganhamos alento.
E conclamamos a quem interessar possa assumir uma nova postura, condizente com a ética, contra a corrupção, contra os corruptores e contra os corruptos.
Os ladrões de colarinho branco são os mais perversos. Encarnados em cargos políticos decisivos, eles legislam em causa própria, usufruem do dinheiro público destinado à saúde, educação e outros setores do interesse de milhares de pessoas e não dão a mínima atenção aos brasileiros moradores de rua.
Conquanto os animais de estimação possam levar os seus donos todo dia cedo para passear, a fim de fazer xixi e coco nas calçadas públicas, pouco importa a eles se humanos estejam ou não sendo covardemente queimados enquanto dormem na rua.


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Por Alberto Sena - 22/10/2012 08:22:16
Tragédias anunciadas

Alberto Sena

Naquela hora do dia quando a canícula arranca reclamações de variados tipos e até impropérios, ouviam-se os ruídos intermitentes de uma escavadeira. A máquina subia o barraco, fincava as garras no chão e arrastava a terra para baixo, terra avermelhada, constituída de tauá.
Flocos consideráveis de nuvens prenunciavam o que podia acontecer mais tarde, uma benfazeja chuva de início de temporada. Foi então que veio a pergunta a ser feita a nós mesmos e às autoridades: “As nossas cidades estão preparadas para receber o aguaceiro sem o risco de passar pelas mesmas dificuldades dos anos anteriores?”
As tragédias provocadas pelas chuvas têm se repetido a cada ano, há décadas. E em todas as vezes a ladainha das autoridades foi a mesma de sempre: “O dinheiro para ajudar as vítimas e reconstruir o patrimônio destruído será liberado rápido devido a emergência”.
Essa declaração hipócrita é um exemplo de que a teoria na prática é outra. O jornal Hoje em Dia mostrou, em uma série de reportagens, que as cidades mais atingidas pelas chuvas de janeiro deste ano receberam promessas. Dinheiro, que é bom, para algumas veio em gotas e insuficiente. Isso significa: as cidades correm os mesmos riscos, agora que troam os trovões.
De algumas décadas para cá, as imagens dos estragos feitos pelas chuvas são quase os mesmos. Daria até para usar as imagens do século passado como se fossem atuais. Os problemas são velhos conhecidos.
Guidoval, na Zona da Mata, foi uma das cidades abordadas na reportagem do jornal. Durante as chuvas de janeiro, o município foi castigado e os escombros lá ainda estão até hoje à espera das chuvas novas.
Neste momento, chove em Beagá. E enquanto o vento assopra e ao entrar pelas frestas da janela emite ruído como de uivo de lobo, os respingos de chuva se espalham pelo vidro. Na realidade, aqui para nós, desta vez o que houve foi só um ensaio de chuva. Ela começou forte, com pingos grossos, parecia até granizo, e logo em seguida diminuiu de intensidade. Apesar dos arremedos de trovões e das nuvens escuras, não se podia dizer que choveu o necessário para amenizar o calorão da primavera em flor.
Num rápido exercício de cachimônia, qualquer leigo no assunto poderá deduzir ser mais econômico prevenir, dotar as cidades de infraestrutura capaz de resistir aos impactos das tempestades, do que “socorrer” depois os municípios atingidos.
A essa altura, de tanto ver e testemunhar devido ao dever de ofício, se pode facilmente chegar à seguinte conclusão: a imprevidência é uma lástima, principalmente quando se trata de serviços públicos.
No caso particular de Beagá, onde o prefeito reeleito admite haver cerca de 80 pontos de inundação na cidade, quem exercita a massa encefálica pergunta: “Por que a PBH não toma providência para acabar com os alagamentos?” Simplesmente afixar uma placa nesses locais para avisar: “Área sujeita a inundação...” ou algo parecido, não basta. É muito cômodo. A PBH está cheia de técnicos e eles têm obrigação de encontrar “uma solução técnica” para os problemas da cidade.
Quem aqui aportou há mais de 40 anos sabe: naquela época não havia inundações. O ribeirão Arrudas corria a céu aberto canalizado em algumas ruas do centro de Beagá. Evidentemente, os problemas surgiram com o crescimento da cidade e o faz de conta das sucessivas administrações.
Da janela aberta para o mundo se pode enxergar uma obra da PBH no Aglomerado Barragem Santa Lúcia, lá de onde vem o ruído da escavadeira. Os peões trabalham pouco. A obra se arrasta. Ainda não sabemos ao certo o que está sendo construído. Dizem que serão alguns prédios para as famílias carentes.
A obra fica na parte voltada para a barragem Santa Lúcia. Claro, num ponto privilegiado, certamente para chamar a atenção de toda gente que por ali passar. É a PBH fazendo de conta que faz. Enquanto isso, a urbanização, um dever a ser cumprido pela municipalidade, continua resistindo chegar à favela.


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Por Alberto Sena - 14/10/2012 09:02:34
Minha primeira namorada

Alberto Sena

A minha primeira namorada se chamava Rosa. Era linda! Eu tinha sete anos de idade e morava em Montes Claros. Ela já era adulta. Devia ter 11 anos mais. Eu era apaixonado pela Rosa.

Tudo começou quando minha mãe me levou à casa de Rosa. Minha mãe era amiga da mãe dela. Quando cheguei à casa de Rosa, ela disse cheia de alegria:

_ Menino bonito!

Minha mãe gostou do elogio e eu muito mais. Em minha opinião, foi amor à primeira vista. Rosa morava perto de casa. A partir daquele dia, a maior sensação era ver Rosa. Ela foi a minha primeira namorada e também a minha primeira decepção amorosa.

Hoje descobri: havia entre nós, pelo menos da minha parte, o que chamam de “amor platônico”. Antes que alguém maldoso pense bobagem, vou dizendo logo, nada aconteceu entre nós.

Muitas vezes fui com os amigos jogar bolinha de gude na porta da casa de Rosa só para vê-la chegar da rua, vindo ora do trabalho, ora da escola. Nem sempre coincidia de encontrar Rosa. Mas quando acontecia de vê-la, ela dizia:

_ Eh menino bonito!

Eu ficava cheio de alegria. Gostava de ouvir a voz de Rosa. Ela era branca, mas não tão branca como Branca de Neve. Tinha os cabelos pretos e um sorriso cheio de dentes alvos.

Uma vez, Rosa me chamou para ir a casa dela. Era o dia do seu aniversário. Lembro-me bem de que à tardinha fui tomar banho e naquele dia levei a sério o dizer da minha mãe:

_ Lava bem atrás das orelhas. Tira toda essa tiririca do pescoço.

Todo dia minha mãe dizia a mesma coisa. Naquele tempo, o banho era em bacia. Mas como era o dia do aniversário de Rosa, caprichei. Lavei bem atrás das orelhas, esfreguei com a bucha os pés encardidos de tanto andar descalço. Limpei bem entre os dedos e esfreguei os braços e as pernas. Fiz tudo isso pensando: “Vai que Rosa veja sujeira em mim...”

Quando chegou a noite, fui com minha mãe e minhas irmãs à casa de Rosa. Ela estava bela. Vestia roupa branca e tinha fita azul amarrada aos cabelos. Fiquei igual bobo olhando o rosto de Rosa, enquanto as pessoas a cumprimentavam. Quando chegou a minha vez, ao invés de eu abraçá-la, pois era o aniversário dela, foi ela quem me abraçou e disse outra vez:

_ Eh menino bonito!

Ela disse e foi conversar com outras pessoas e de certo modo fiquei triste porque achava que ela ia me dar mais atenção. Mas compreendi: Rosa não podia ficar à minha disposição porque tinha de dar atenção também às outras pessoas.

Não foi nesse dia que Rosa me decepcionou. Depois do aniversário dela, passaram-se muitos dias veio a notícia: “Rosa vai se casar”. A partir desse momento, para mim o céu caíra sobre a minha cabeça.

Morto de ciúme, eu fiquei com a pulga atrás da orelha. Queria saber com quem Rosa iria se casar. Soube que o casamento dela havia sido marcado para a tarde de sábado. Hoje posso perguntar, sem medo de ser ridicularizado: “Por que Rosa fez isso comigo; foi casar com outro?!”

No dia do casamento de Rosa fiquei da janela observando o movimento lá na casa dela. Não arredei pé. Minha mãe e minhas irmãs foram ao casamento. Eu não. Era muito desaforo. As pessoas estranharam, pois sabiam do quanto eu gostava de ir à casa de Rosa. Mas ninguém sabia do “namoro secreto”.

Quando vi de longe Rosa sair pelo portão de grades verdes e entrar no carro tipo sedan preta toda vestida de branco, com véu e grinalda, senti o coração apertado. Eu podia até ouvir as batidas. O meu coração batia descompassado porque se despedia de Rosa. E para sempre.

Nunca mais me atrevi a ir jogar bolinha de gude na porta da casa de Rosa. Prometi a mim mesmo nunca mais poria os pés na casa dela. Prometi e cumpri.

Com o passar do tempo compreendi: Rosa nunca seria minha namorada, por mais que ela me achasse bonito. Ela era muito mais velha do que eu. E grandona. Se eu fosse beijá-la, o que nunca aconteceu, seria preciso subir numa cadeira para alcançar o rosto dela.

O pior aconteceu quando um dia, muitos e muitos dias depois do casamento de Rosa, ela apareceu na casa da mãe dela com um embrulho nos braços. Vi Rosa de longe. E só depois de ouvir o choro de uma criança, percebi duma vez por todas: Rosa não era mulher para mim. Ela me traiu ao se casar com outro. E para complicar mais ainda, a cegonha trouxe-lhe um filho. Para mim foi o fim, definitivamente.

Eu disse, então, de mim para mim mesmo: “Adeus, Rosa; não quero ver você nunca mais”. E nunca mais vi Rosa. Nem sei que fim ela levou.


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Por Alberto Sena - 6/10/2012 12:09:13
Na raiz do problema

Alberto Sena

Quando os ponteiros do relógio giram em sentido contrário e param no tempo da ampulheta ou quando as fases do dia eram lidas por meio da posição solar, compreende-se que nada mudou em termos de violência (urbana).
A violência é intrínseca ao ser humano, universal; desde o início da humanidade, metaforicamente inserido no Velho Testamento da Bíblia Sagrada, quando Caim matou o próprio irmão Abel.
Ao longo desse tempão o que mudou foram a roupagem e as armas usadas na prática da violência. Para corroborar isso, basta recorrer aos alfarrábios. Nos livros antigos, quem leu a poesia épica de Homero (século VIII a.C), por exemplo, aprendeu que a violência era praticada com o uso de espadas, lanças etc. E cabeças rolavam a três por dois.
Mas alguém haverá de questionar o porquê da abordagem do tema considerando ser o escriba adepto da paz apregoada por Cristo, e depois dele, o Marátma Gandhi, precursor da não-violência. Tanto Cristo como Gandhi foram vítimas dela. A intolerância faz parte da rotina da humanidade em todos os tempos; muda só a intensidade.
Alexandre Dumas, escritor francês, autor do eterno livro “Os Três Mosqueteiros” (Les Trois Mousquetaires), na oportunidade da releitura do romance escrito em 1844, retrata bem essa violência, repudiada em todos os tempos.
Em Paris daquela época, sair às ruas era um exercício arriscado, inda mais em tardias horas da noite. Em cada esquina, em cada beco, num átimo alguém podia saltar sobre o outro e... era uma vez!
Há, então, algo diferente do que presenciamos aqui e em todos os lugares do Brasil, inclusive em Montes Claros, aonde a criminalidade vinda mais de fora do que de dentro, desfigura os usos e os costumes da outrora pacata cidade hospitaleira?
MOC, como é chamada, deverá bater o recorde de homicídios dos anos anteriores. Em Montes Claros os traficantes de drogas digladiam à luz do dia e do luar.
Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan estavam sempre prontos a lutar por qualquer motivo. Os duelos eram praticados em nome do rei, da rainha, do cardeal ou de quem fosse. A violência corria solta como corre hoje em dia. E nós, baseados nos tempos atuais, fazemos comparações e dizemos a toda mão que “nunca se viu tanta violência quanto hoje”.
Se na época dos três mosqueteiros, na verdade quatro, a vida era banalizada, continua sendo hoje, no dia a dia perigoso do viver, e a polícia se mostra incapaz de dar cabo dela. Os crimes acontecem, e na maioria das vezes, a polícia, paga com o dinheiro público, se mostra ineficiente.
As causas dessa violência podem estar fora do ser humano (também), motivada pela desigualdade socioeconômica. Mas antes de tudo, a violência vem de dentro das pessoas e pulsa nelas no mesmo ritmo das batidas do coração.
O que fazer para mudar esse quadro deplorável? Investir maciçamente na melhoria do ser humano? Rios de dinheiro são gastos aqui e lá fora com armas e munições. O medo superdimensiona a violência.
E mesmo sabendo que violência gera violência, como Cristo e Gandhi disseram, os homens e as mulheres preferem se fechar entre quatro paredes “protegidas” por cercas elétricas. Ilusão em primeiro grau, pois isso não basta para dar segurança física a ninguém.
Quando há predisposição para o crime, nada segura alguém mal intencionado. Os exemplos são diários. É só ler jornais ou assistir o noticiário do rádio e da TV.
Pode até ser que nos tempos atuais a violência seja maior devido à superpopulação. Temos mais de sete bilhões de almas no nosso sofrido planeta. Na época do romancista Alexandre Dumas, o mundo era menor. A diferença são as estatísticas.
Senão na maneira de conviver com a violência. A nossa sociedade, ao invés de priorizar as causas da intolerância, prefere cuidar, cada indivíduo a seu tempo, da segurança própria (e da família), egoisticamente, enquanto espia da janela o crescimento medonho do problema, por enquanto, lá fora.
As oportunidades de vencer as causas da violência foram muitas, desde Adão e Eva, mas todas passaram ao léu como se não dissessem respeito à sociedade alguma (doentia).
Na raiz da violência, quem a dissecar com os bisturis adequados, e a intenção de substituí-la pela paz, concórdia e tolerância, vai encontrar o egoísmo como a causa de todos os pecados.


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Por Alberto Sena - 30/9/2012 08:41:08
Uso político da seca

Alberto Sena

Desde criança, em Montes Claros, ouvíamos dizer, e várias vezes sentimos nos ombros e até na moleira, os efeitos da seca crônica do Norte de Minas, porque tínhamos de buscar latas d’água em algum lugar. Era quando das torneiras das casas de Montes Claros só se ouviam o ronco do cano cheio de ar.
Antes, muito antes de nós o problema da seca no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha existia e ao que parece ninguém conseguirá resolvê-lo um dia. O que se pode fazer – e já devia ter sido feito – é encontrar meios de amenizar o problema climático, de modo permanente. É justamente por esta janela que os maus políticos furtivamente entram: fazem uso da aflição de milhares de pessoas, em benefício próprio. Daí o surgimento da expressão “indústria da seca”. Há sempre alguém ganhando com a desgraça alheia.
Por duas vezes consecutivas fizemos uma série de reportagens para mostrar às autoridades e à sociedade o drama da seca no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha. Foi na década de 1980, há 32 anos. Fizemos este roteiro: Belo Horizonte, Montes Claros, Janauba, Porteirinha, Monte Azul, Mato Verde e Espinosa, por onde entramos no Vale do Jequitinhonha, até Pedra Azul, e retornamos pela BR 116, a Rio-Bahia, perigosíssima, também naquela época.
Tanto tempo depois, secas outras castigaram e ainda agora castigam outra vez o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha. Muitas promessas não foram cumpridas enquanto rios de dinheiro público inundaram os bolsos dos “políticos indignos”, numa afronta à sociedade aparentemente incapaz de reagir.
Uma das características negativas dos brasileiros é a lentidão para reagir quando é necessário solucionar problemas relacionados à coletividade. Vejamos: o Brasil foi o último país a abolir a escravidão negra. Até hoje o Brasil não resolveu o problema da Reforma Agrária. E pelo visto e revisto, nunca conseguirá uma maneira de conviver bem com a seca do Nordeste por causa dos maus políticos.
No Estado de Israel, menor que o menor estado brasileiro, Sergipe, em qualquer lugar do país é possível abrir uma torneira e ver sair dela água, mesmo no deserto da Judeia ou no Mar Morto. Neste, se pode boiar sobre água 100 vezes mais salgada que a água dos oceanos e depois entrar em um banheiro e tomar gostoso banho de água doce.
Lá em Israel, água é “uma preciosidade”. Não há desperdício. Na agricultura, a irrigação é feita em gotas ao pé da planta, de modo mais racional possível, e o resultado são frutos vários exportados fresquinhos de manhã cedo para a Europa.
Evidentemente, o problema da seca no Nordeste, aqui inclusos Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha, é político. E não basta ter “vontade política” para atenuar o problema. É necessário haver prática política porque só “vontade” muitos políticos dizem ter, mas na hora do “vamos ver”, o resultado é pífio; mas a grana escapada pelo ladrão, não; é em espécie.
Quem tem em si mesmo a imagem do planeta terra como um mero ponto de parca luz tendente a desaparecer da vista perante a imensidão do espaço sideral, não se conforma com o fato de a humanidade não se convencer, numa comparação, de que não passa de uma formiga, e pode eventualmente ser esmagada pela sola desavisada do sapato de alguém ao dar um passo.
Abaixo de Deus, já disse aqui, noutra ocasião, tudo na terra depende da política. Se nós vivemos bem é devido a política. Se nós estamos mal é a política a culpada. E como este país é cheio de desigualdades socioeconômicas, grande parcela da população sofre ano sim e no outro também por causa da política.
No Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha o problema é a seca. Aqui, por essas plagas, logo virá o problema das enchentes. Um e outro são problemas políticos resultantes das promessas não cumpridas.
A seca é mais antiga. E o uso político dela também. O escritor Graciliano Ramos marcou para sempre o drama da seca nordestina a partir da família expulsa da terra andando pela estrada tendo a cadela Baleia a frente. “Vidas Secas” é o título do livro. É só pegar pra ler.


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Por Alberto Sena - 24/9/2012 08:11:08
Vitória das crianças

Alberto Sena

Gosto de ouvir a algazarra das crianças na rua, quando elas estão exercendo o direito de brincar. Crianças têm de brincar, brincar e brincar. Faz bem ao espírito, à mente e ao corpo saudável delas. Aquela que brinca, um dia pode vir a ser um adulto criativo, resolvido.
Toda vez quando ouço a algazarra de crianças na rua me lembro do cinematográfico Frederico Fellini, em “Amarcord”. Lindo filme. Nele há uma cena, não só de crianças, numa manifestação de rara beleza cênica recepcionando os primeiros flocos de neve a caírem na praça onde havia uma fonte.
Essa algazarra a qual me refiro acontece à porta do prédio pelo menos duas vezes ao dia, senão o dia quase inteiro. Mas de manhã, e principalmente ao final do dia, sempre acontece. Mais me chama a atenção a algazarra do final do dia, quando meia dúzia de crianças na faixa de 8 a 9 anos se reúnem para brincar.
Nem sei do que essas crianças brincam. Importa-me a algazarra delas e o fato de a algazarra delas me remeter ao filme de Frederico Fellini, que em verdade é um mergulho no inconsciente. Essa capacidade de fazer algazarra é própria do espírito infantil. Mas sobrevive além da fase adulta.
Certa feita, em 2001, para situar bem no tempo a passagem – peço licença ao leitor para contar – íamos, Sílvia e eu, a caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, a pé, quando entramos num intrigante povoado chamado Molinaseca, depois de descermos uma montanha. Deparamos com um belo rio, largo, cheio de pedras. As pedras davam mais velocidade à água.
À beira do rio vimos um prédio onde se lia a palavra “Hotel”. Era o que mais queríamos naquele momento. Depois de andarmos naquele dia mais de 35 quilômetros, o que as pernas pediam era uma banheira cheia de água quente para nela ficarem metidas até as panturrilhas sentirem-se aptas para o dia seguinte.
Fomos direto ao hotel. Pedimos para ver o apartamento antes de aceitarmos nos hospedar e o achamos ótimo para a ocasião, muito mais pela localização, à margem do rio, de onde podíamos ouvir o divino bulício das águas. Ali pudemos encher a banheira e descansar as pernas.
Devia ser mais de sete horas da noite, embora o sol estivesse presente. Era início da primavera na Europa. Foi quando pudemos ver da janela um grupo de crianças acompanhadas, quiçá de suas respectivas mães. Como se fossem movidas a pilhas alcalinas, as crianças pulavam de pedra em pedra feito cabritinhos.
Fechamos a janela e fomos nos relaxar de fato numa cama confortável. Claro que nem só de beliches de albergues e abrigos vivem os peregrinos a caminho de Santiago de Compostela. Ali relaxados ouvimos a algazarra das crianças, e mais uma vez nos lembramos de Frederico Fellini, em “Amarcord”.
Crianças são crianças em todos os cantos do planeta. Embora iguais, infelizmente, há diferenças de ordens política e socioeconômica, pois uma criança europeia não se compara a uma criança de certas regiões da “Brasáfrica”.
Na Europa, que neste instante antropológico vive a crise do euro, as crianças têm padrão de vida digno, enquanto na “Brasáfrica”, em muitas regiões, as crianças vivem na miséria.
Em 22 de abril de 1987, ao autografar-me a 2ª edição do seu livro intitulado “Aos trancos e barrancos – como o Brasil deu no que deu”, Darcy Ribeiro escreveu, com caneta tinteiro, a seguinte dedicatória: “(...) Escrevi este livro para abrir os olhos da sua geração sobre o fracasso da minha”.
Confesso-me: fiquei estupefato com tamanha seriedade e importância da dedicatória. Pensei e ainda penso nisso até este momento em que trepido nas teclas do notebook. “Se a geração dele não conseguiu, será que a minha conseguirá?”
Peço emprestado de Hugo Werneck, o papa do ambientalismo mineiro, um dos precursores do ambientalimo nacional, a frase: “É preciso plantar jequitibá”. Para quem não sabe, Jequitibá é uma árvore que se torna adulta depois dos sessenta anos.
Nós até nem vamos pegar as boas transformações que um dia se darão a partir do investimento feito em nossas crianças, às quais, de antemão, transfiro a responsabilidade de tornar este Brasil brasileiro um país digno.
Assim como, em 1987, Darcy Ribeiro confessou o fracasso da geração dele, de antemão confesso o fracasso da minha, diante dessa política cheia de vícios e impregnada de corrupção.
Mas, apesar disso, sobrevive a certeza: um dia as crianças haverão de vencer.


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Por Alberto Sena - 17/9/2012 08:19:48
Essencial é a alegria de viver

Alberto Sena

O essencial é ter alegria de viver. Sentir-se vivo pisando o chão do planeta conscientemente. Todas as idades são boas. Cada idade depende do que se tem por dentro. O essencial não está fora do ser.
Com o passar dos anos, as transformações físicas vão se acentuando. Vêm os cabelos brancos. E quando a pessoa se olha no espelho nota as mudanças sutis, inevitáveis. O melhor que se tem a fazer é não se preocupar com isso.
O essencial é o que foi plantado dentro. O interior nunca envelhece, amadurece. Cada um de nós aqui está veio crescer interiormente. Quem tem essa consciência investe em si mesmo porque a redenção é tarefa de cada um. Mas um não redime o outro.
A felicidade não está na mulher com quem se convive. Ou no homem. Não está no filho ou na filha e muito menos no emprego. A felicidade está dentro de cada um. É parte intrínseca do essencial. Cada um deve cultivar o seu jardim interior.
Imagine o jardim de Claude Monet. Lindo, mágico. O pintor francês criou fora de si o jardim existente dentro dele. Inclusive, o jardim de dentro, materializado fora, lhe serviu de modelo para os vários e incríveis quadros.
Quem vive a reclamar constrói em si mesmo o inimigo mortal. É como disparar um tiro pela culatra. Se a energia gasta para lamuriar é a mesma para usar bem a cabeça, em benefício próprio, por que não empregá-la de forma positiva?
Só quem ignora as potencialidades internas do ser humano não se ocupa com a tarefa de controlar os próprios pensamentos. O essencial nesse caso é distribuir bênçãos, em nome de Jesus Cristo. Seja para os amigos seja para os inimigos.
A melhor idade é a idade que a pessoa tem. O passado é como a bagagem no bagageiro do carro estrada da vida adentro. O futuro é construído agora. Os nossos atos são como atos de atirar bumerangues.
Sabendo disto, é primordial lançar ao largo e ao estreito as boas palavras, inda mais quando se tratar do outro. Mas preste atenção, as pessoas não são conhecidas de fato apenas porque diz belas palavras. Os atos, a obra em si, denunciam o modo de ser das pessoas.
Ninguém ignora: vivemos dias difíceis como difíceis sempre foram os dias em todas as épocas. O que acontece no dia a dia é fruto dos nossos atos. Um gesto move as paredes invisíveis ao nosso redor.
Cada um possui o chamado “magnetismo animal”, aura reconhecida pelos sensitivos. Quando as pessoas correm, como os velocistas nas Olimpíadas, elas “furam” a parede invisível. O invisível existente é muito mais do que o visível materializado.
Por tudo isto, é preciso ter cuidado com o que falar e com o que fazer a si mesmo e aos outros. Primeiro porque a gente não sabe como é que o cérebro decodifica o que falamos. É sempre importante pronunciar palavras que causam transformações positivas.
Uma palavra negativa dita na hora errada – como se houvesse hora certa para pronunciar palavra negativa – poderá causar desastres. Vejam por exemplo o que disse o ex-presidente George Bush quando ainda comandava os Estados Unidos: “Deus disse: Bush invada o Iraque”.
Hoje, se fingindo de morto, ele sumiu do noticiário. Sabe lá o que apronta. Há perdão para quem usa o nome de Deus em vão a fim de fazer o que Bush fez no Iraque e em outras partes do mundo? Neste plano de vida, ele devia ser considerado “criminoso de guerra”.
Mas não estamos aqui para julgar ninguém. Para isto existe a justiça dos homens, falha, mas é a que temos. Infalível é a justiça divina. É nela que devemos fixar o olhar, porque ninguém, nenhum ser humano é deste planeta.
Estamos, a cada ano, nos dirigindo rumo à vida. Sim, porque só existe vida. A morte é só o pretexto para cada um arrumar as malas da alma para serem vistoriadas quando chegar a hora do desembarque n’alguma estação que não conhecemos.
Daí surgir o misoneísmo, o medo que temos do novo. Haveria algo mais novo neste plano de vida terrestre do que a morte? Ela é a janela para a vida eterna, em Deus, se a graça Dele permitir.


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Por Alberto Sena - 13/9/2012 08:44:38
Pela porta estreita

Alberto Sena

Ao lado estava um homem ajoelhado. Parecia em desespero e ao mesmo tempo não; falava com Deus.
_ Senhor, obrigado por sua ínfima, mas infinita centelha que a mim dá vida.
O homem abaixou a cabeça, escondeu o rosto com as mãos e disse quase num sussurro:
_ Senhor, dê mais vigor à minha alma. Como um leque, expanda a minha memória para eu nunca esquecê-Lo. Multiplique os meus neurônios, fortaleça a minha mente e o meu cérebro. Dê-me a sabedoria, inteligência e discernimento.
A voz do homem parecia mesmo voz de quem falava com Deus. O semblante dele se iluminou e se acaso houvesse mais alguém a observar o homem, tinha-se a impressão de que ele estava numa outra dimensão. Podia o mundo desabar naquele momento e ele ficaria naquela mesma postura.
Foi quando o homem pressionou os olhos com a palma das mãos. Ao levantar a cabeça, ele fixou o olhar num ponto à frente, no meio da cruz de Jesus. Em seguida, balbuciou:
_ Obrigado, Senhor, pelos olhos, ouvidos, nariz, boca, dentes, língua e garganta. Obrigado pelo coração, pulmões, estômago, fígado, baço, rins, bexiga, pênis, braços e mãos, pernas e pés. Obrigado, Senhor pelo corpo por inteiro.
O homem fez uma pequena pausa e prosseguiu:
_ Obrigado, Pai, pela energia curadora vinda do Senhor, essa energia que corre o corpo da cabeça aos pés. Ela restabelece o que precisa ser restabelecido; ela fortalece os órgãos que precisam ser fortalecidos; ela cura o que precisa ser curado. Dê a mim e à minha família paz, saúde e alegria de viver. Abençoe todos os meus parentes, meus vizinhos de prédio. Faça de mim, Senhor, canal. Quero ser como um cano de PVC e rogo-Lhe: seja a água a percorrer toda a extensão do cano. E abençoado seja quem comigo algum contato pessoal - ou não – tiver.
Alguém empurrou a porta e o toque de mão a fez ranger. O lugar era próprio para se ficar ajoelhado porque é ajoelhado que se deve falar com Deus. Ninguém é digno de ficar diante Dele. E muito menos em pé. O ranger da porta não incomodou o homem. Ajoelhado, mas aparentemente hirto, o homem seguiu na oração:
_ Senhor, perdoa-me as minhas faltas. São tantas, nem consigo enumerá-las. Mas o Senhor sabe. Sou alma viva fraca, como fracas são todas as almas vivas. Sei que quando me sinto fraco, no Senhor me fortaleço. Agradeço-Lhe por tudo, Senhor; pelo que sou, porque o comando de mim é Seu.
Uma mulher de trajes escuros aproximou-se do homem a passos miúdos e se curvou até um dos ouvidos dele e falou algo inaudível. O homem permaneceu imóvel por mais algum tempo e depois dirigindo o olhar para o meio da cruz de Jesus, balbuciou:
_ Obrigado, Senhor, pelas pessoas que me querem bem. Peço-Lhe, abençoe-as. Mas abençoe também as pessoas que porventura não me queiram bem. Sei que ódios, rancores e mágoas próprias e dos outros são curadas com amor, bênçãos Suas, Senhor.
Em seguida, o homem se levantou não sem certo esforço talvez porque tenha ficado ajoelhado ali por muito tempo. Ele pegou o chapéu deixado sobre um banco e com ele numa das mãos saiu arrastando os pés.
Não se sabe se outras pessoas observaram o homem. Pode até algum mais ter observado, mas ninguém ouviu o monólogo dele com Deus.
Foi à conta de volver a cabeça para trás e ver a silhueta do homem desaparecer na porta larga, aberta. Ele sim estava preparado para atravessar a porta larga, depois de ter entrado pela porta estreita de Deus.


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Por Alberto Sena - 10/9/2012 08:54:23
Eles entram com tudo

Alberto Sena

O mesmo fenômeno observado este ano com os ipês roxos se deu agora com os ipês amarelos. Ignoro se o fenômeno se repete em Montes Claros, cidade cujos montes nem tão claros são mais. Mas pelo menos os ipês amarelos vistos daqui desta janela mágica estão floridos de novo; eles perderam as flores há mais de um mês e voltaram a florescer, como aconteceu com os roxos.
Evidentemente, isto não é ocorrência natural normal. Alguma alteração deve ter ocorrido para provocar a dupla florada dos ipês, primeiro os roxos e agora os amarelos. Para nós é um privilégio poder apreciar duas vezes num ano só o mesmo espetáculo, basta arredar um pouco a cadeira e espiar pela janela.
Em tese, os ipês roxos florescem em junho. Os primeiros sinais da florada a gente observa nos espécimes da Praça da Liberdade. Mas não é só lá que há ipês roxos. Eles estão espalhados por diversos pontos da cidade. Neste ano, 15 dias depois de perder as flores, os ipês roxos já apareciam grávidos e logo estavam floridos de novo.
Essa florada dos ipês amarelos, logo depois dos roxos, não veio vigorosa como a primeira. Mas isto pouco importa. O importante é rever os ipês novamente floridos e se possível brincar mentalmente de contar as flores que o vento lépido derruba dos cachos, com ciúme da beleza dourada dos espécimes vistos da janela.
Aquele ali da esquerda, ao fundo, foi o que mais vigor em flor mostrou na primeira florada. Desta feita, foi o que menos flor renovou. Já o ipê do meio, mais próximo da janela, ficou em flor e quase tudo renovou nesta segunda florada. O espécime menor floresceu parcialmente; mas o importante foi a demonstração da capacidade de renitência da parte dele.
A nova florada dos ipês amarelos coincidiu com a da paineira, “barriguda” chamada. As maitacas gostam de pousar nos galhos da paineira. Ali deve ter algo para elas comerem. Não fosse o enfeite amarelo das flores dos ipês, a paisagem dalém da janela estaria cinza, mais para seca, tão queimada.
O tempo seco fica ainda mais seco porque há quem não consiga controlar o gesto de riscar um palito de fósforo para pôr fogo no mato. Da janela se podem observar pelo menos três grandes focos lambidos pelo fogo. Um deles até ofereceu perigo para algumas casas e foi necessária a interveniência do Corpo de Bombeiros.
O fogo afugenta os pássaros campestres para o perímetro urbano. Tonou-se cena comum encontrar passarinhos longe dos seus ninhos, em todos os cantos da cidade. A impressão é nítida: a natureza, a partir do bicho homem (e mulher), está em alvoroço.
A essa altura do campeonato da vida, não se poderá dizer que há algo de errado ou se sempre foi assim ou se foi assado, trata-se de uma questão cíclica etc. As explicações são diversas e muitas delas visam à defesa dos interesses econômicos e políticos.
Com ipês amarelos floridos ou não, independentemente de as maitacas afugentadas pelo fogo pousarem ou não na paineira, é de bom alvitre cada cidadão brasileiro tomar uma atitude para livrar os municípios de maus políticos, aqueles interessados simplesmente em legislar em causa própria ou meter as mãos cheias de dedos no dinheiro público.
Ipês floridos ou maitacas esvoaçantes nada têm haver com essa corrupção. Devemos atacá-la pela raiz, como se fora erva daninha. Quem tem sensibilidade para apreciar o fulgor duma flor não pode votar de qualquer jeito, senão perde até o direito de reclamar depois da bobagem consumada, para prejuízo de muitos.
Quem é alfabetizado em matéria de natureza sabe fazer a leitura do que ela escreve em linhas certas: a segunda florada dos ipês significa outra oportunidade para cada espécie dizer a que veio. Da mesma forma, politicamente pensando, essas eleições são uma boa oportunidade para o cidadão mostrar o seu amadurecimento.
Destruir, deturpar, desvirtuar: estes verbos são de fácil conjugação e prática. Construir, corrigir, recompor: estes são também verbos fáceis de conjugar. Difícil é tomar uma atitude e praticá-los diadia.
Temos muito a aprender com os ipês, sejam roxos ou amarelos. Se abaixo de Deus tudo tem haver com a política, miremos e adotemos a política dos ipês: as eleições próximas podem ser a nossa segunda chance para, enfim, acertarmos.
“O pior analfabeto”, Bertold Brecht, dramaturgo alemão dizia: “É o analfabeto político”, aquele que diz: “detesto política” ou “política não está com nada”. Quem assim pensa abre a porta aos maus políticos e eles entram com tudo.


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Por Alberto Sena - 3/9/2012 08:14:51
Deus no coração

Alberto Sena

Não vi nem li, aqui, ou em Montes Claros, nada mais objetivo e transparente como a luz do sol a respeito de Deus. Contam-se que teria acontecido com Albert Einstein, quando ele se achava nos primeiros anos da escola. Ressalto: se o fato sucedido tiver parte com ele ou não, importa pouco, já que nem tudo inserido na internet é verdadeiro, e por isto não é digno de fé; frases e pensamentos assinados com o nome de gente famosa, se se fizer um trabalho de investigação, a autoria pode ser de outras pessoas.
Mas verdadeiro ou não o vídeo mostra o suposto Einstein na sala de aula ouvindo o professor dirigir aos alunos, para quem queria provar a inexistência de Deus, a seguinte pergunta: “Tudo que existe foi Deus quem criou?” E os alunos, em uníssono, responderam: “Foi”.
O professor saiu com mais esta: “O mal existe, então Deus criou o mal; Deus é o mal?” Nas cabecinhas podiam-se ver pontos de interrogação. Um dos meninos levantou em seguida para corrigir o professor. Seria Albert:
_ Com licença, professor. O frio existe?
_ Que tipo de pergunta é essa? Claro que ele existe. Você nunca ficou com frio? – ele respondeu.
_ Não, professor, na realidade o frio não existe. De acordo com as leis da física, o que consideramos frio é na realidade a ausência de calor.
E o jovem emendou:
_ A escuridão existe, professor?
_ Claro que existe – disse ele.
_ Não, você esta errado, senhor, a escuridão não existe. A luz nós podemos estudar, mas a escuridão não. A escuridão é na realidade a ausência de luz.
O colóquio entre aluno e professor não parou por aí. O menino disse, então, ao vetusto professor:
_ O mal não existe. É a mesma coisa que o frio e a escuridão. Deus não criou o mal. O mal é o resultado do que acontece quando o homem não tem o amor de Deus presente em seu coração.
Dito isto, o aluno sentou-se.
Muitas das vezes atribuímos o que acontece de mal a Deus e há até quem se indigne com Ele se dizendo abandonado, “como é que deixou acontecer isto comigo?” etecétera e tal. Deus não tem nenhuma culpa. Tudo que Ele criou, Ele mesmo avaliou e viu que era bom, inclusive o ser humano, que, talvez pelo fato de ser animal racional, se revelou o pior da criação, mas não por culpa de Deus, senão do próprio ser humano.
É insuficiente ter confiança em si mesmo. Tem-se que ter primeiro confiança em Deus. E não é suficiente crer em Deus. É necessário sentir Deus em si mesmo. Nunca se sentir Deus porque ninguém é digno, mas sentir que, se vivo está, é graças à centelha divina existente em cada um de nós. Quando a centelha divina se retira, o corpo fenece.
As desigualdades existentes – poucos com muito e muitos com tão pouco ou nada; o consumismo e a ganância – quanto mais se possui mais se quer, pois em meio ao hedonismo crescente, o verbo conjugado é ter e não ser; o deus é o dinheiro. O ser humano é digno de respeito e admiração pelo que possui e não pelo que ele é em termos de índole, caráter, honestidade, capacidade de trabalho etc.. E, sobretudo, crente em Deus.
Religião alguma redime o ser humano. O que redime o ser humano é a prática diuturna da fé em Deus. A escuridão habita os corações em todos os níveis. E o resultado disto se pode acompanhar dia e noite por meio da mídia.
Jesus Cristo, o filho de Deus entre nós, deu-nos o primeiro mandamento: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como eu vos amei”. Quem entre os corajosos que a este ponto da leitura chegaram poderá confessar amar o próximo “como eu vos amei”, com tamanha intensidade?
É o egoísmo. Esta é a raiz dos males. Deus não criou o egoísmo. O egoísmo é a ausência do amor de Deus no coração das pessoas. E porque as pessoas depositam a confiança nelas próprias, no hedonismo, e não em Deus – não tendo o amor Dele no coração – a humanidade vive num impasse intransponível.
A não ser que, de repente, aconteça de os seres humanos abrirem o coração para as mensagens divinas, quais pingos de chuva a jorrar constantemente dos céus em forma de graças e bênçãos.


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Por Alberto Sena - 26/8/2012 11:36:51
Amor

Alberto Sena

Nunca li título mais feliz de um livro: Amor. Simplesmente, Amor. Precisaria dizer mais alguma coisa?
Flávio Pinto, o autor, escritor, cronista, jornalista de cepa, invoca em sua viagem nas ondas dos textos publicados no site montesclaros.com, a simplicidade que, ao mesmo tempo, lhe confere grandeza de espírito e humor refinado, próprio do seu modo de ser.
Amor possui cola. Gruda nas mãos. O leitor não consegue se desvencilhar do livro na hipótese remota de querer se apartar dele.
Flávio Pinto é um dos nossos precursores, num tempo em que o coração de Montes Claros pulsava com uma dose a mais de amor. Com mais fragor e fulgor, sem aleivosia.
Em Amor, ele transporta para as páginas do livro o que a cidade produziu de melhor numa época na qual o pulsar da vida era cadenciado. Podia-se ouvir o coração acelerado da donzela amada.
Nas linhas das crônicas do livro há uma espécie de código nem tão secreto. Mas o leitor conhecedor – ou não – do autor decifra um a um, palavra por palavra, todos os itens desse código aqui recriado.
Ao mesmo tempo, não há segredo algum para quem sabe de fato o significado de Amor. Amor de todas as maneiras, a vida inteira, mas principalmente o amor combustível universal, sem o qual nada existiria, nem mesmo essa “figura descolorida que vos fala”, para usar expressão costumeira de um amigo comum, Fernando Gontijo.
Daqueles tempos, Flávio desfrutou do melhor da era romântica do pós-guerra, quando as transformações prometiam mais mundos do que fundos, mas a vida seguia curso pachorrento, lento, e ao mesmo tempo dinâmico. Montes Claros era o centro do universo.
O livro transpira histórias vividas, renhidas; esparrama nomes vários de gente que com ele curtiu a vida no centro do universo, com versos e reversos, num lugar predestinado a ser o que é hoje, apesar dos ônus, que os bônus nos fazem esquecer.
É a partir do micro que se poderá alcançar o macro – e vice-versa – e Flávio consegue com isto mostrar-se um escritor de um tempo nunca perdido, sempre mantido dentro de cada um de nós, latente. Basta “futucar”.
E como quem “futuca” bicho de pé só para sentir o gostinho gostoso da coceira, ele vai ao íntimo de si e de nós mesmos com a maior facilidade, com toda propriedade, com mão de mestre.
Nas orelhas do livro está a declaração de Waldyr Senna Batista sobre a trajetória e a glória do amigo com quem interpôs elevados colóquios filosóficos estimulados por Haroldo Lívio, que escreve na contracapa. O prefácio é de Paulo Narciso.
Não podia ser melhor, um livro intitulado Amor. A pronúncia da palavra é como o disparo de um raio capaz de cruzar todos os quadrantes do planeta, na velocidade da luz.
Mas cuidado. Todo cuidado é pouco ao manusear o livro. Se você é daquelas pessoas que dizem não ter tempo para nada, o dia precisaria ter 48 horas, se porventura Amor chegar às suas mãos, é capaz de você se estacar de repente para pensar: “Hummm... viver é tão gostoso!”
Desde que seja com amor. Simples assim.
Como conheço os textos, recomendo a leitura. Faço, porém, alerta máximo: se você deixar Amor entrar menina dos olhos adentro, o seu coração se abrirá.


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Por Alberto Sena - 24/8/2012 08:07:34
Presépio recebe a 14ª escultura

Alberto Sena

Comparar a notícia do surgimento do Presépio Mãos de Deus, em Grão-Mogol, com o impacto de um bólido vindo do espaço, não é nenhum exagero. A notícia se multiplica a cada dia mais pelo mundo, 70 vezes sete, por todos os meios e principalmente o boca a boca.
Foi por intermédio da mídia que a professora aposentada da UFMG e UEMG, Regina Almeida, integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG) e da Academia Feminina de Letras de Minas Gerais soube da existência do presépio em Grão-Mogol. Movida “pela fé e pela cultura”, ela contou, reuniu 20 pessoas da Pastoral da Comunicação da Paróquia São João Evangelista, no bairro Serra, em Belo Horizonte, e rumou com elas para Grão-Mogol.
Foram de avião a Montes Claros e de ônibus completaram o roteiro. “Foi uma viagem abençoada”, disse. Regina lidera o grupo de atuação dinâmica no seio da paróquia, e com a experiência de mais de cem países visitados por ela e alguns dos paroquianos também, diz nada igual ter visto no mundo, a não ser o presépio do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Aparecida do Norte (SP).
Todos os personagens do grupo “ficaram impressionados com a obra, feita com recursos próprios do sr. Lúcio Bemquerer, que nos recebeu muito bem”, acentuou Regina. O dinamismo dela tem por missão “elevar o nível da fé e da cultura”.
Das 17 esculturas de personagens bíblicos, testemunhas do nascimento do Menino Jesus previstas para povoar o presépio, 14 já estão instaladas em seus devidos nichos, algumas em pedra sabão e outras em cimento.
Nunca Grão-Mogol recebeu visita de tanta gente fazedora de opinião como tem acontecido nesses últimos oito meses, atraídas pelo presépio e as belezas naturais do município, como serras, cavernas, grutas, cachoeiras e as casas de pedras feitas por escravos do século XVIII, além da catedral de Santo Antônio e as ruas seculares calçadas de pedras. A cidade surgiu com o garimpo de diamantes e ficou como que estagnada durante décadas. A inauguração do presépio deu a Grão-Mogol outra motivação.
Uma folheada no livro de visitas, no qual as pessoas apõem a assinatura, se poderá constatar a origem dos visitantes. Nos finais de semana sempre chegam ônibus de turistas religiosos, como que seguindo a “estrela” do presépio, obra permanente e a céu aberto, tida como a maior do mundo na sua categoria.
Como costuma dizer o autor da obra, Lúcio Bemquerer, o presépio ali estava desde milhões de anos. O que ele fez além de enxergar o que estava coberto pelo mato foi dar ao local a infraestrutura necessária para receber os visitantes, priorizando as pessoas com necessidades especiais, os cadeirantes.
Recentemente, o presépio recebeu a visita do cardeal dom Serafim Fernandes de Araújo, que lá rezou uma missa para mais de quatro mil pessoas, o que foi considerado o maior acontecimento de Grão-Mogol, para a sua população de mais de sete mil habitantes.
O município dispõe de um hotel confortável – Paraíso das Águas, com 34 apartamentos – e possui temperatura agradável, parece estar dentro de um microclima, o que sugere aos visitantes internacionais a comparação com o clima europeu. Fora do município, a sensação de mudança da temperatura é nítida quando o visitante se aproxima de Francisco Sá e, principalmente, de Montes Claros, cuja BR 251 devia ser duplicada imediatamente, devido ao volume intenso do tráfego de carretas, cegonheiras e ônibus.


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Por Alberto Sena - 20/8/2012 10:37:24
Ler, ler e ler literatura

Alberto Sena

Posso estar enganado, e se eu estiver enganado, por favor, me corrijam: leitura não interessa a muitos dos nossos jovens de hoje. Ler livros, literatura. Pergunto: quantos livros você leu neste ano? Se a resposta for nenhum, a minha constatação estará corroborada. Se você disser que leu um, apenas um, isto é muito pouco, precisa ler mais.
Acredito: esse desinteresse por parte dos nossos jovens está intrinsecamente relacionado com a internet. Estamos em convívio com uma geração de internautas, jovens que preferem se comunicar via informática e a se entreter por meio das várias opções tecnológicas oferecidas, enquanto os bons livros da literatura clássica dormitam, talvez, na estante.
Lembro-me, como se fosse hoje, do primeiro livro lido: “Os músicos de Bremen”. Foi ali pelos sete anos, em Montes Claros. Em seguida “As mais belas histórias”, de Lúcia Casasanta, lido, relido e trelido. Outros livros vieram em seguida, como os das coleções de Monteiro Lobato e de Malba Tahan; “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint Exupéry, veio em seguida.
Este último bateu fundo na alma. Hoje tive a grata surpresa de saber que uma colega de trabalho, já adulta, em vias de se casar, confessou ter lido esse belo livro de Exupéry, recentemente. O livro dele já vendeu dezenas de novas edições. É um livro eterno. Mas o que mais me chamou a atenção foi o fato de a colega ter lido só recentemente “O pequeno príncipe”.
Mas nunca é tarde. Aliás, antes tarde do que mais tarde, sempre se poderá ler o livro desse aviador francês, precursor do serviço postal lá pras bandas do Oriente Médio. Ele escreveu também “Terra dos homens”, outro livro que até hoje corre o mundo e, claro, deve render fundos para a família do escritor.
O que podemos apreender de uma leitura dos clássicos da literatura nenhum banco de escola formal servirá de termo de comparação. Livros incríveis foram escritos muito antes de nós e são tão surpreendentemente atuais que nos levam à seguinte reflexão: “Como é que pode um ser humano escrever um livro deste?”
Por exemplos: “A divina comédia”, de Dante; Dom Quixote, de Cervantes; Germinal, de Émile Zola; “Odisséia”, de Homero; Ulisses, de James Joyce; “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Marques; “Grade Sertão Veredas”, de João Guimarães Rosa; “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, entre tantos outros.
Sobre “Os sertões”, trata-se de uma grande reportagem. Muitos devem tê-lo na estante, mas nem todos se deram ao trabalho de lê-lo. Ouve-se dizer: “O livro é muito pesado, principalmente na primeira parte”. Há discordância: “Os Sertões” é um dos livros mais bonitos da literatura brasileira (universal), em que pese à temática baseada no massacre de Canudos.
Massacre. Este é o vocábulo apropriado. Ao mesmo tempo, lendo-o se pode constatar: de fato, “o sertanejo é um forte”. Tudo começou a partir de uma denúncia esfarrapada feita por um juiz baiano contra o Antônio Conselheiro. O exército foi acionado e por vezes consecutivas acabou afugentado pelos bravos sertanejos.
Nas fugas, os soldados abandonaram as armas, canhões, principalmente, e sem querer municiavam os bravos sertanejos, lutando com espingardas, até que na última investida do exército, houve o massacre. Aquilo nunca poderá ser chamada de “guerra”. Aquilo foi um morticínio, e quem se der ao prazer de fazer a leitura do Euclides verá: foi um conflito estúpido, entre irmãos. Uns mataram uns aos outros sem dó nem piedade.
Grande deve ser o prazer de ler. Lembro-me de uma vez em que passamos uma semana num sítio em Juramento, na Grande Montes Claros, e levamos seis livros para ler. Houve quem dissesse: “Vocês não irão aguentar ficar lá esse tempo todo”. Quem disse isso não conhecia nada da nossa disposição. Em seis dias os livros já estavam lidos.
Passamos sete dias estirados numa rede debaixo de uma frondosa goiabeira. Um lugar cheio de música natural. Ora vinha o vento, cálido; ora eram os passarinhos, sanhaços, principalmente. Eles aportavam na goiabeira e usufruíam do prazer de comer goiaba ainda no pé. Nós também, goiaba e literatura.
Outro dia, os cientistas descobriram: nós devemos fazer três coisas para mantermos a cabeça azeitada: “Ler, ler e ler”. A gente deve atentar bem para isto, a não ser que alguém queira abrir a porta para aquele “alemão”, que costuma entrar sem bater com os nós dos dedos na porta.


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Por Alberto Sena - 13/8/2012 10:45:52
De olho no ano 3000

Alberto Sena

No ano de 1987, Darcy Ribeiro em Belo Horizonte como secretário Extraordinário para Assuntos Sociais, no governo de Newton Cardoso, para muita gente era ele “um estranho no ninho”. As pessoas não sabiam: o compromisso de Darcy era com a educação e em nome dela, ele estava disposto a todo esforço, até mesmo participar de um governo como o de Newtão.
O pequeno notável Darcy estava de volta a Minas e passaria aqui seis meses tentando desasnar crianças e jovens, mas não conseguiu dar os primeiros passos nesse sentido porque encontrou forte resistência dos lobistas do minério de ferro. Eles não admitiam escolas de argamassa armada, em terra onde o poderio do aço é mais forte.
Daí, quem tem memória boa vai se lembrar: construíram, em Belo Horizonte, próximo ao Bairro Primeiro de Maio, uma “escola de lata” batizada por Darcy de “forninho de assar criança” e tudo ficou como dantes, aqui e lá na casa dos Abrantes.
Mas o que quero contar é o seguinte: aqueles seis meses do ano mencionado arriba foram um dos melhores da nossa vida profissional. Era um privilégio para nós, eu e o colega jornalista Carlos Olavo da Cunha Pereira, revolucionário de esquerda, perseguido pela ditadura militar, o encontro diário com Darcy, no gabinete dele, às 8h. Foi ele quem estabeleceu: “Quero falar com os dois logo cedo”.
Foi num desses encontros matutinos que Darcy me presenteou com o livro Kadiwéu. Um livro fora do convencional, até mesmo no formato, composto de “ensaios etnológicos sobre o saber, o azar e a beleza”. E fez uma dedicatória: “... Este livro que será – único entre os mil – editado no ano 3000 ...”. A expressão dele chamou-me a atenção. Volta e meia retiro o livro da estante e releio a dedicatória.
Darcy não morreu. Ele é um homem muito além do nosso tempo. Assim como ficaram na história poucos nomes entre os inúmeros habitantes que passaram pelo planeta, desse nosso tempo, certamente, o nome de Darcy estará entre os mil.
Da dedicatória dele nasceu a reflexão seguinte: quem pode imaginar ao certo quantas civilizações passaram pela terra? Ninguém. Civilizações várias passaram por aqui e delas nenhuma memória há.
Em vida, um dos temores de Darcy era o de não ser lembrado. Mas, como não lembrar sempre dele se ele era um homem que mantinha uma relação de profundo amor ao ser humano?
Nele habitavam Darcy’s vários – o antropólogo, o indigenista, o professor, o escritor, o poeta, o político... São tantos dons numa só pessoa, não há como não imaginar alguém, no limiar do ano 3000, mergulhado na obra antropológica dele.
Assim como até nós chegaram os clássicos da literatura, os filósofos, os livros considerados sagrados e os gênios das artes plásticas e da música, quais serão as outras 999 personalidades que, entre as mil prenunciadas por Darcy, ficarão para semente no ano 3000?
Apesar de todo aparato tecnológico, se o final dos tempos ocorresse hoje, a terra num reboliço só invertesse tudo, fazendo o mar virar sertão e o sertão virar mar, será que restaria algo que provasse a sua, a minha, a nossa passagem por este planeta?
Darcy é de boa memória pela obra. Mas imagina o que sobrará, em termos de memória, de certos políticos a nos envergonhar, quando a história registrar os acordos espúrios, os enriquecimentos ilícitos e outras aberrações por eles praticadas?
Data vênia, para usar outro título de livro de Darcy, “Aos trancos e Barrancos – Como o Brasil deu no que deu”, no ano 3000, aqui por estas plagas tudo será diferente. Até lá, se a corrupção persistir e o país alcançar estágio tão evoluído de existência, os corruptos e os corruptores serão julgados, condenados e ficarão atrás das grades.
No ano 3000, o céu será da cor de anil Collmann, marca antiga de um ingrediente usado pelas lavadeiras em roupas brancas, porque a poluição do ar, do mar e da terra será banida, colocada no mesmo saco preto de lixo da corrupção.
Quem viver verá: a vida no ano 3000 será simples. Os homens e as mulheres poderão estar morando em cavernas, como augurou Darcy. Só resta saber se sobrarão em pé cavernas para abrigar possíveis sobreviventes humanos.
Eu, particularmente, já estou de olho, enquanto resta tempo, numa caverna lá pras bandas de Grão-Mogol, no Norte de Minas / Vale do Jequitinhonha.


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Por Alberto Sena - 5/8/2012 22:24:37
Na menina dos olhos

Alberto Sena

Até prova em contrário, apesar de tecnicamente ser leigo no assunto, acredito: as causas dos insistentes tremores de terra em Montes Claros estão intimamente ligadas às explosões de dinamite por parte da indústria cimenteira e das mineradoras.
E mais: a demora da equipe de analistas da Universidade de Brasília (UNB) em apresentar um resultado plausível da coleta de dados dos sismógrafos instalados em Montes Claros dá margem às especulações. Fica parecendo que no ar há algo mais além de urubus, helicópteros e aviões de carreira.
E por falar em carreira, foi cômica para não dizer trágica, a ida de uma técnica de Brasília a Montes Claros para “acalmar” a população quanto aos possíveis perigos dos tremores, quando ocorreu o abalo de 4,5 graus na escala de Richter. Ela desceu no aeroporto Mário Ribeiro e foi diretamente para a Prefeitura para dizer à mídia: “Fiquem tranquilos”, sem sequer fazer a primeira investigação na cidade.
Noutra vez, o técnico em meio ambiente e sócio da Associação Brasileira de Água Subterrânea, José Ponciano Neto acompanhou uma equipe de analistas da UNB na cidade. Ele sabe que os técnicos coletaram dados dos sismógrafos; dados recolhidos do HD interno, que iriam auxiliar os estudos dos tremores. O próprio Ponciano estranha a demora da equipe em apresentar os resultados. O que será que há por baixo desses tremores? Há temores?
Dia três deste mês foi registrado outro abalo, de pequena intensidade. Nunca ouvi ninguém dizer em Montes Claros, naqueles tempos bons de criança, adolescência e já adulto, até 1972, que a nossa terra querida tremeu algum dia. Como acredito que terra também é gente como nós, humanos, também somos gente, ela sente dores como qualquer filho de Deus.
Vamos imaginar: esse nosso torrão natal é como um Gulliver, personagem de Jonathan Swift, irlandês de Dublin. Estirado na praia de Lilipute, depois do naufrágio, imobilizado por cordas presas à terra por estacas, o que poderia fazer Gulliver se ao invés de setas recebesse pelo corpo explosões de bombas caseiras? – nem ouso fazer comparação com bananas de dinamite.
Uma, duas, três... mil, milhares de explosões de bombas depois, o que restaria de Gulliver além de gritos de dor e a sangueira a escorrer-lhe pelo corpo até que, para alívio, viesse a morte porque ninguém, terra alguma é constituída só de pedras e minério de ferro. Terra também sente dor, chora. Se se pudesse captar o choro da terra por meio de algum aparelho sensível, iríamos ouvir e sentir com quantas dinamites se fazem um abismo ou se podem incomodar as placas tectônicas que, para encontrar posição melhor de estar, se ajeitam, se recompõem e o movimento faz a terra tremer. Tremer de medo.
Em meio a essa demora dos técnicos em apresentar resultado crível sobre os abalos sísmicos, antes que nós possamos pensar na possibilidade de haver barreiras e comprometimentos entre uns e outros, com empresários, técnicos e autoridades, antes de tudo isso passar por nossas cabeças, convém explicar logo as causas desses tremores.
Cobramos, nós e a sociedade montes-clarense, uma explicação. Sempre soube: tremor de terra é ocorrência frequente lá no Japão, onde a terra treme todos os dias e os japoneses estão se preparando para o grande terremoto. Tanto é que nós gabávamos de aqui no Brasil não ocorrerem tufões, furacões, terremotos e outros desastres naturais. Mas, em compensação...
Ponciano, que também não é bobo nada, levanta a hipótese: “O pior é, se os técnicos divulgarem que o último abalo não foi registrado pelos sismógrafos locais, como já aconteceu em outras vezes”. Se porventura isto acontecer Ponciano, é necessário que a sociedade montes-clarense se reúna e faça um movimento na cidade para, não pedir, mas exigir, para ontem, uma explicação.
É possível enganar as pessoas por algum tempo, mas o tempo todo, não. E se Montes Claros não reagir, estará fazendo papel de boba, e poderá esperar pelo pior, porque a ganância é maior e não respeita ninguém. Na menina dos olhos dela há o brilho dos cifrões.


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Por Alberto Sena - 30/7/2012 09:15:17
Grão-Mogol e o presépio influente

Alberto Sena

Grão-Mogol não deve crescer assim como Montes Claros cresceu. Nem se pode comparar uma cidade com a outra porque são diferentes em tudo.
O aspecto primordial é a localização geográfica e a topografia. Uma está cravada entre serras. Nasceu do garimpo de diamantes. A outra é plana e se expandiu horizontalmente; agora cresce para cima. Grão-Mogol tem casas do período colonial e ruas originais (calçadas) de pedras.
Enquanto Montes Claros cumpria a sina de cidade polo, a bucólica Grão-Mogol paralisada no tempo ficou por longo período.
O que a princípio parecia ruim aos olhos de muitos, devido à falta de opções para os filhos trabalharem e estudarem se tornou algo positivo. Enquanto Montes Claros se expandia, Grão-Mogol conservava a qualidade de vida.
Lá o ar é puro. E essa pureza do ar é visível por meio de um sinal nas pedras que fazem de Grão-Mogol um presépio natural: os liquens, garatujas formadas naturalmente, um convite ao exercício à criatividade mental quando contemplados com os olhos de ver.
Todos se conhecem em Grão-Mogol. Na lista telefônica da cidade constam não os nomes, mas os apelidos dos assinantes. No perímetro urbano são cerca de sete mil habitantes.
Lá as pessoas passam mais devagar pela vida. Não há aquele estresse natural das grandes cidades, hoje a regurgitarem carros e as suas consequências.
Mas quem tem olhos para ver percebe, Grão-Mogol pode ser compreendida de dois modos: antes (durante) o garimpo de diamantes e depois do Presépio Mãos de Deus, inaugurado em dezembro de 2011. Quase oito meses depois, o presépio já atraiu a Grão-Mogol três vezes mais a sua população.
Concomitantemente ao presépio foi inaugurado o hotel Paraíso das Águas, com 34 apartamentos confortáveis tanto quanto os dos bons hoteis de Montes Claros e da capital. Agora a cidade ganha um supermercado.
A chegada de ônibus cheios de turistas para visitar o presépio causa mudança no comportamento dos gramogolenses. Há notícias de que alguns comerciantes vêm de requalificar os seus estabelecimentos; donos de restaurantes reveem os seus cardápios; moradores reformam casas para a eventualidade de receber visitantes.
O presépio, por ser perene e a céu aberto, lá está o tempo todo como sempre esteve há milhões de anos, até ser vislumbrado por Lúcio Bemquerer, que acabava de cumprir exílio involuntário de 20 anos sem retornar à terra natal.
Visitantes oriundos das várias cidades do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha foram e continuam indo se encantar com o presépio.
Mas cada dia mais cresce o interesse de gente de fora do Estado em conhecer o presépio. Nos cinco livros cheios de assinaturas dos visitantes, religiosos ou não, podem-se encontrar gente dos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre, Goiás, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e também do exterior, França, Alemanha, Bélgica e Estados Unidos.
Ao que tudo indica o presépio que “as mãos de Deus semearam”, como Bemquerer gosta de dizer, pode tanto ajudar na redenção de pessoas, individualmente, como também da Grão-Mogol como cidade histórica, pobre de diamantes, mas rica em acervos os mais diversos; desde cavernas, grutas com inscrições rupestres às múmias encontradas abaixo do piso da impressionante Matriz de Santo Antônio.
O presépio Mãos de Deus pode ser visto pela internet, por meio do Google Eart. A infraestrutura da obra privilegia pessoas com dificuldades especiais, como os cadeirantes. O acesso às dependências do presépio é todinho feito por meio de rampas calçadas de pedras tipo São Tomé, originárias do próprio município.
Além disso, o presépio recebeu 12 esculturas em cimento, no tamanho maior que o natural, de personagens bíblicos do nascimento do Menino Jesus.
Os arredores de Grão-Mogol são atrativos para o trekking. Há trilhas tão antigas quanto à cidade, como a do Barão de Grão-Mogol. Ele mandou construir uma especial para que fosse confortavelmente carregado pelos escravos, da fazenda ao perímetro urbano, numa liteira.
Por tudo isto e muito mais, Grão-Mogol emana luz própria. Desenvolve e cresce aos pouquinhos. Mas não como Montes Claros cresceu.
Em compensação, não sujeitará aos problemas característicos das metrópoles, vítimas delas próprias, onde a cada dia mais o silêncio e a paz são assombrados pelo estampido de armas de fogo ou pelo ronco das motocicletas e das descargas dos automóveis poluidores da atmosfera.
Em termos de qualidade de vida, Grão-Mogol se assemelha às pequenas cidades europeias. Há um microclima lá. Na maior parte do ano é temperado. Mais agradável que o longo inverno europeu.


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Por Alberto Sena - 22/7/2012 12:11:37
Pela volta do transporte ferroviário

Alberto Sena

Quando viajo pela BR 251, que atravessa Montes Claros e se conecta à BR 116, Rio-Bahia, reflito sobre o tamanho da estupidez humana. Não entendo, e muito menos compreendo, porque o governo federal opta por investir, em matéria de transporte, só nas rodovias em detrimento das ferrovias.
Com essa extensão territorial, o Brasil devia investir em estrada de ferro a fim de desafogar as rodovias brasileiras congestionadas de caminhões, carretas, cegonheiras, bitrens e as suas consequências.
É de assustar o tráfego de caminhões pesados na BR 251. E não é necessário ir muito longe para verificar o tamanho da estupidez humana nesse particular: do trecho entre Montes Claros até o entroncamento com a estrada de Grão-Mogol, MG 307, carretas cortam cegonheiras, que ultrapassam bitrens e assim vão-se filas e mais filas de veículos cujo peso das cargas destrói logo o asfalto. Asfalto vagabundo importa dizer.
Quem já teve a oportunidade de sair do País e conheceu rodovias holandesas ou alemãs fica boquiaberto quando viaja por uma BR como a 251. Lá fora, o asfalto das estradas é consistente, nem de leve se parece com essa rala camada preta vista aqui. As estradas são bem sinalizadas e os motoristas respeitam as leis.
O dinheiro do contribuinte é utilizado para pagar asfalto mais durável, entretanto a qualidade duvidosa redunda na baixa durabilidade; bastam chuvas primeiras para esburacar as estradas.
O declínio do transporte ferroviário de carga e de passageiros se iniciou no governo do então presidente Juscelino Kubitschek famoso, JK chamado. Ele até ganhou o epíteto de “presidente estradeiro”. E tinha de sê-lo porque comprou o lobby automobilístico norte-americano ao trazer para o Brasil a indústria automobilística. Era necessário abrir estradas para os carros, e assim o fez JK. As estradas de ferro foram relegadas, abandonadas, enferrujadas, destruídas, enfim.
Essa geração a envelhecer a cada passo viveu os tempos gloriosos da ferrovia. Houve época que se podia viajar de trem a partir de Salvador, na Bahia, passando por Montes Claros, até Belo Horizonte, onde era feita conexão para o Rio de Janeiro no trem Vera Cruz. Além do transporte de passageiros e de carga, uma viagem desta era uma aula sobre Brasil para as pessoas debruçadas nas janelas do trem.
Embora nem tão antigo assim, viajei com a família de Montes Claros à capital, de Maria Fumaça, logo substituída pela máquina a óleo. Uma viagem de Montes Claros a Belo Horizonte em trem puxado por Maria Fumaça demandava 24 horas. Saíamos às 5h da manhã e só chegávamos ao destino às 5h do dia seguinte. Depois, com o advento da máquina a óleo, o tempo de viagem caiu para 15 horas.
A estrada de ferro, depois de instalada, requer menos manutenção que as rodovias. Um vagão de carga leva muito mais mercadorias que caminhões, carretas, cegonheiras e bitrens.
Em qualquer lugar da Europa o cidadão pode viajar de trem. No Japão, território pequeno, é possível pegar um trem bala e atravessar o país. Em Israel, menor que o nosso Estado de Sergipe, trens cortam o território por onde um dia andou o Salvador da humanidade.
Pelo que se pode vislumbrar de tudo isto, em defesa da volta do trem de passageiros, o problema do transporte brasileiro é político. Alguns ganham com os investimentos em rodovias.
Nem imagino o tamanho dos prejuízos sofridos pelo contribuinte com a destruição das ferrovias, das estações de belo estilo arquitetônico e das máquinas em todos os quadrantes do País.
Mas acredito: se se fizesse um plebiscito entre os brasileiros sobre a necessidade de investimento em ferrovias, o resultado certamente seria um estrondoso “sim”. Por tudo, os trens são mais interessantes que os carros, protagonistas de acidentes horríveis, ceifam diariamente dezenas de vidas.
Não se deve ignorar: acidentes ferroviários também acontecem, mas, atualmente, trens modernos são menos vulneráveis e muito mais confortáveis. Numa viagem de trem se pode andar de um vagão para o outro ou sentar à mesa do restaurante e se servir de bebida e comida em alto estilo.
Na cabine de uma carreta, o que acontece ao condutor senão ficar atento para não trombar no outro ou ter atenção para desviar dos múltiplos buracos em proliferação nas estradas brasileiras? Estradas mal construídas compactadas com o dinheiro público, que alimenta a corrupção desenfreada a envergonhar os cidadãos de bem.


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Por Alberto Sena - 16/7/2012 08:07:47
Os ensinamentos do pai

Alberto Sena

Era manhã de sábado. Em geral, as manhãs são mágicas. As de sábado então, muito mais. Descíamos a rua pelo asfalto. Durante os dias considerados úteis (como se sábado e domingo fossem inúteis) a rua é movimentada de gente, carros e motos. Mas aos sábados, a rua fica um paradeiro só, dá até para andar pelo meio do asfalto.
A rua faz uma curva lá embaixo e do lado direito da calçada oferece a opção de uma pequena escada, adentrando por um beco entre dois prédios. O do lado esquerdo possui jardim bem cuidado, de gramado verdinho. Vale a pena apreciá-lo.
Em determinado ponto do jardim um homem de tez clara, de cerca de 1,80m de altura, curvava-se sobre um buraco aberto no gramado em declive, de onde retirava terra. Do lado dele havia duas crianças. Dois meninos, certamente filhos dele; e uma muda de árvore. Eles pareciam eufóricos vendo o pai abrir um buraco na grama para plantar uma árvore.
Íamos passando, ela e eu. Vimos a cena e enquanto descíamos outros 126 degraus de uma escada que dá acesso à rua de baixo, nós comentávamos a respeito e o que se deu em seguida: virei o rosto para a esquerda, na direção do pai com os filhos do lado, e disse-lhe em voz alta: “Agora falta só escrever o livro”.
O homem assentiu com a cabeça e em voz alta sem olhar quem havia feito a observação. Ele continuou sobre o buraco, preparando-o para plantar uma muda de árvore, talvez uma sibipiruna. Os dois meninos, em uníssono, perguntaram:
¬_“O que ele disse, pai?”
O pai respondeu:
_ “Ele disse “só falta escrever um livro”, porque na vida, o homem deve plantar uma árvore, gerar um filho e escrever um livro para se sentir realizado”.
Vimos os meninos compenetrados. Descemos as escadas comentando o quão importante foi essa cena fortuita, em que o pai ensinava na prática aos dois filhos como deviam plantar uma árvore. E o gesto dele despertou em nós, caminhantes, a observação feita em voz alta e então os meninos puderam receber a teoria – “plantar uma árvore, gerar um filho e escrever um livro” podem tornar um homem realizado.
Em nós cresceu a certeza de que aqueles dois meninos, um deles com aparência de seis anos e o outro com pouco menos, jamais se esquecerão daquele sábado mágico, quando o pai os chamou para irem ao jardim a fim de plantar mudas de árvores. Eles crescerão com o exemplo prático e a filosofia do tripé que pode tornar o homem realizado, livre do sentimento de ter passado em vão pelo planeta terra.
Fomos andando rumo ao Mercado Central. Levava na sacola uma pequena câmera fotográfica. A essa altura íamos pela rua São Paulo. Na Praça Camões, na rua Marília de Dirceu, fotografamos o acolhimento de um tronco caído que se acoplou em outra árvore da mesma espécie, numa clara demonstração do quanto a Mãe natureza é solidária.
Com a câmera na mão pudemos documentar o estado precário da rua São Paulo, onde há bueiros com tampa virada para cima e outros bueiros maiores; em pelo menos dois deles uma das lâminas de ferro solta numa das extremidades. Se não acontecer ali uma intervenção rápida, daqui a pouco vamos registrar algo pior. Abaixo do asfalto um ribeirão corre.
Belo Horizonte já foi chamada de “Cidade Jardim”. Isto foi há décadas. Hoje a capital de Minas perdeu o charme. Quem chega à cidade pela avenida Antônio Carlos, de ônibus ou desembarcado no Aeroporto da Pampulha, leva um choque ao deparar com a via sem as palmeiras imperiais que tanto a valorizava.
Os belo-horizontinos devem cuidar de fotografar a cidade por todos os ângulos a fim de guardar as fotos para a posteridade. As transformações desfiguram o que sobrou da BH “Cidade Jardim”. A próxima vítima, em nome do transporte coletivo urbano será a avenida Pedro II. Vai perder sibipirunas, paineiras, entre outras árvores.
Há uma bolha de calor em Belo Horizonte. Estamos dentro dela. Essa bolha de calor cresce. A sensação de quem tem sensibilidade é essa: devido a perda de massa verde e também devido aos edifícios recém construídos revestidos de espelhos refletores da luz do sol, isto somado ao calor do asfalto e do concreto dos prédios, torna a temperatura de Belo Horizonte, antes dotada de clima temperado, comparável a qualquer outra cidade do sertão norte-mineiro.


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Por Alberto Sena - 9/7/2012 09:36:24
Como Rei do Universo

Alberto Sena

Se você tem 59 anos de idade, não se iluda, tenha nascido em Montes Claros ou em qualquer outra parte do Brasil: você é candidato a entrar para o rol dos idosos ao completar 60 anos, quer queira, quer não queira. Não há escapatória. E antes que seja mais um nas estatísticas do IBGE, convém fazer logo a seguinte pergunta: desde a instituição do Estatuto do Idoso, em 1997, pode-se dizer que a Lei vingou? Jovens e idosos respeitam-na?
Num País como o nosso, onde “há lei que pega e lei que não pega”, pode vir a ser uma boa pergunta para início de uma reportagem de algum reporte arguto sobre os idosos, a fim de abrir os olhos e os ouvidos dos que, como você, aumentarão em breve a lista e as filas, principalmente as das casas lotéricas e dos bancos.
O atendimento prioritário aos idosos é a partir dos 60 anos. Sexagenário, você é idoso e não tem “meu pé me dói”. O melhor que tem a fazer é praticar o aprendizado teórico em termos de como viver a vida tendo paz de espírito, saúde e alegria. Senão tudo poderá lhe doer se levar uma vida sedentária, se não andar, se não exercitar a musculatura ou se pecar em não ingerir muita água (dois ou mais litros por dia, porque a demência vem aí, simplesmente porque o idoso se esquece de beber água) ou se não alimentar de frutas, legumes e verduras, principalmente.
Se você não se importar com nada disso, não haverá remédio: entrará também para o rol de outra categoria, “a do condor”. E sempre que encontrar com um amigo há muito distante ou mesmo próximo demais, irá dizer: “Tô com dor aqui, tô com dor cá”. E então ganhará logo a pecha de “velho chato, só sabe reclamar da vida”.
Observe: muitos idosos que deviam estar na fila prioritária preferem a outra, por vários motivos. Um deles é a “vergonha” ou a falta de consciência plena de se aceitar como idosos. Com isto, eles deixam de fazer valer a lei. Outros acham a fila prioritária demorada demais, porque os filhos pedem aos pais idosos para pagar contas e lá na boca do caixa eles ficam por muito tempo.
Quem se acha na outra fila também reclama dos idosos por ocuparem espaço deixando a outra criada exclusivamente para eles. Tem mais: a fila prioritária maltrata os idosos. Em determinados lugares, eles ficam em pé vendo a outra fila fluir com mais agilidade. No fundo, no fundo, essa “prioridade” nem inglês quer ver, e muito menos nós, pois segrega o idoso ao não lhe oferecer a prioridade devida, no sentido lato da palavra.
Segundo o estatuto, “o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
Na prática, isto acontece hoje em dia? Nas filas de banco, nos ônibus lotação, onde jovens ocupam os lugares dos idosos fazendo de conta que dormem. Idosos são atropelados ao descerem do ônibus, como aconteceu algum tempo atrás com dona Maria das Graças. Ela morava em frente à antiga Fafich, na Rua Carangola, em Belo Horizonte e ao descer do ônibus levou a trombada de um jovem escolar. Caiu debaixo das rodas do ônibus em movimento e ficou com parte do corpo e da perna com os ossos à mostra. Morreu horas depois de um angustiante resgate. Flagrantes envolvendo idosos podem ser registrados diariamente. Basta ter olhos para ver.
Neste Brasil varonil, de modo geral, precisamos resgatar muitos dos valores verdadeiros solapados cada dia mais. Um deles, o mais importante entre os importantes, é o resgate do direito à boa educação a partir da família, consolidada na escola formal de qualidade.
Precisamos resgatar a civilidade, que, em comunidade, nos confere a noção de respeito ao espaço próprio e do outro. Precisamos resgatar o amor à vida própria e a do outro. Precisamos resgatar a capacidade de contemplar os elementos da natureza.
A partir desse aprendizado iremos, enfim, amar uns aos outros, como ensina Jesus Cristo. Ele vive e reina pelos séculos como Rei do Universo.


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Por Alberto Sena - 2/7/2012 11:12:03
Com a força de muitas águas

Alberto Sena

Bastaram pouco mais de seis meses para Lúcio Bemquerer, empresário gramogolense ter o nome mudado para sempre: ele é reconhecido hoje por onde anda na cidade ou fora dela como “Lúcio do Presépio”, presépio cujas pedras ele e os cerca de 15 mil habitantes do perímetro urbano e da zona rural do município de Grão-Mogol e dos demais municípios que o circunvizinham acreditam ter sido “semeadas pelas mãos de Deus”.
Visto, sentida a paz reinante no lugar, a cada dia mais santificado pelas gentes de fé obreira, o presépio já foi visitado por mais de 20 mil pessoas, contando com as mais de quatro mil que participaram da missa celebrada pelo cardeal dom Serafim Fernandes de Araujo, acontecimento considerado o maior de todos os tempos já realizado em Grão-Mogol.
O presépio existe já faz tempo suficiente para mostrar resultados e mesmo acontecimentos considerados por muitos como “milagres”, mas “Lúcio do Presépio” mantém a discrição, uma das suas características, porque ele sabe: todo milagre acontece de dentro para fora, depende do tamanho da fé das pessoas.
Dos “milagres”, ele não faz alarde. Dele só escapou uma pequena grande prova do quanto a fé em Deus, na pessoa de Jesus Cristo, pode operar nas pessoas: na sala de preces e orações, onde se encontra Nossa Senhora das Graças retratada numa imagem posta no pedestal, onde se pode acender velas, até aquela data, 30 de junho de 2012, ninguém havia deixado de revelar e fazer multiplicar o gesto por agradecimento de graças alcançadas ou promessa feita ali naquela sala onde o silêncio facilmente remete o cristão à paz de um lugar celestial.
As pessoas têm o presépio como o próprio presépio aonde o Menino Jesus veio ao mundo, há 2012 anos. Quem não puder ir à Belém da Judeia para vivenciar com mais vigor as experiências crísticas, tem bem muito mais perto o presépio de Grão-Mogol, onde as pedras cobertas de liquens denotam a pureza do ar também falam como falam as pedras de Jerusalém.
Neste final de semana, “Lúcio do Presépio” mostrou pormenorizadamente a obra a José Romualdo Bahia, ex-secretário da então pasta da Indústria, Comércio e Turismo do governo de Francelino Pereira, que se fazia acompanhar de Humberto Mota, presidente da Dufry do Brasil Duty Free Shop Ltda e presidente do Conselho Superior da Associação Comercial do Rio de Janeiro; de Roberto Luciano Fagundes, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas); Jorge Hatem Osório, empresário mineiro residente em Campinas; de Alberto Oswaldo Araújo, engenheiro e ex-presidente da Minas Brasil Seguradora; Lindolfo Paoliello, jornalista, escritor, empresário, professor da Fundação Dom Cabral; e Rúben Veloso, economista, diretor-presidente da Prosper Consultoria.
A visita deste final de semana é a prova cabal do quanto o presépio mudou a rotina da Grão-Mogol do século XVIII que parecia fadada a viver estagnada no tempo desde que os últimos garimpeiros ávidos em encontrar o grande diamante aposentaram as bateias. Foi como se do céu viesse um bólido envolvido por um fogo diferente desse nosso fogo Elemental. Assim é visto o presépio que aos crentes enche de emoção e devoção. Nele estão cerca de 15 esculturas em tamanho maior que o natural, representando personagens bíblicos humanos e animais irracionais testemunhas do nascimento do Cristo, que aqui e lá vem a todo momento nos corações para salvar a humanidade do pecado.
Perene e a céu aberto, daqui a pouco o presépio poderá ser reconhecido pelo Guiness Book, como recomendou o padre alemão Bertram Princellius, em recente visita, como o maior do mundo. Construído em pouco mais de oito meses, inaugurado em dezembro de 2011, sem dúvida, o presépio marca para sempre Grão-Mogol e a região do seu entorno.
Numa comparação, o bólido vindo do espaço mergulhou fundo no lago de água parada chamada Grão-Mogol e suas ondas se vão mundo afora levando a notícia do presépio. Daqui a pouco essas ondas retornarão com a força de muitas águas. E nelas, se assim o Pai de todos nós der permissão, virá o Papa Bento XVI, quando visitar o Brasil proximamente, repetindo o gesto dos magos seguidores da estrela cujo foco de luz aponta para Grão-Mogol. Lá onde vive hoje o predestinado Lúcio, “o do presépio”, como ele passou a ser conhecido e reconhecido.


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Por Alberto Sena - 26/6/2012 08:21:05
Fazimento de jornal

Alberto Sena

Quem tem o saudável costume de ler jornal impresso não imagina como funciona o processo de fazimento de um jornal. O processo de fazimento de uma revista, embora seja parecido com o do jornal, tem as suas particularidades. A revista semanal, quinzenal, mensal ou bimestral, grosso modo, tem mais tempo para ser editada. Dependendo, claro, de cada caso, porque no frigir dos ovos, ambos têm os seus deadlines.
Para editar um livro, ainda que o processo tenha parecença com a edição de jornal e de revista, difere muito. Um livro não é escrito em um só dia, leva tempo. Diz a lenda: Garcia Marques escreveu Cem Anos de Solidão em 15 dias. Parece lenda, pois ele levou mais tempo.
O jornal também pode ser bimestral, mensal, quinzenal, semanal, diário ou mesmo publicado três vezes na semana. Iniciei-me em 1969, no O Jornal de Montes Claros, cujo dono, Oswaldo Antunes, faleceu recentemente e lhe rendo homenagens, um jornal feito no chumbo pelas incríveis máquinas linotipo; circulava três vezes na semana. Era divertido, lúdico, observar o passeio das peças de chumbo gravadas pela máquina linotipo.
Vivi e vivo desde os 17 anos em redação de jornal. Na minha concepção, jornalista é sentinela da sociedade. Ai de nós se porventura e por mal dos nossos pecados, a imprensa tivesse cerceado o direito e a liberdade de expressão. Vivemos isto na ditadura militar para nunca mais se repetir.
Em um diário dos nossos tempos, um grande jornal feito o Hoje em Dia, que surpreendeu o mercado neste mês de junho ao mudar completamente, conservando só a marca já consagrada, o leitor nem imagina a trabalheira que é fazer todo dia uma edição. O maravilhoso do processo de fazimento de jornal diário conta com o envolvimento de uma porção de gente no trabalho. O processo possui magia.
Se antes da informática o ruído que mais se ouvia numa redação de jornal grande como o Hoje em Dia era o das máquinas de datilografia, hoje o burburinho é de vozes e de toques de telefones.
Imagina uma composição de trem de ferro. A máquina é a redação. Puxa as editorias, quer dizer os vagões, tocada pelo óleo ou a eletricidade proporcionada por uma equipe superior, na qual cada um tem a sua nomenclatura.
A pauta é fundamental para a ordenação da edição do dia seguinte. Sem ela fica difícil fazer um grande jornal. No cumprimento da pauta estão os repórteres e fotógrafos das respectivas editorias – Primeira Página, Política, Economia, Brasil, Esportes, Cultura, Mundo, Minas, Opinião e Fotografia. Pautados, eles envolvem uma frota de carros e motoristas para saírem à cata da notícia.
Eu, particularmente, defendo a ida do repórter ao local. Sempre quando o repórter vai ao local, ele faz matéria ou reportagem mais bem elaborada. No local o repórter vê, pergunta, ouve e capta sensorialmente, até, o melhor da notícia. É ao final da apuração, dentro ou fora da redação, que o repórter encontra a melhor maneira de abrir um texto.
Quando os repórteres chegam e a redação entra em um estado de quase torpor, é que de fato começa a edição e a corrida para cumprir os fluxos tendo em vista facilitar o trabalho da gráfica e depois de impresso o jornal ser distribuído às bancas e aos assinantes por meio de motocicleta, carro, ônibus e avião para BH e o interior do Estado.
Posso estar enganado, e se eu estiver, por favor, me corrijam, mas, nos meus 43 anos de jornalismo, eu nunca ouvi dizer sobre algum jornal que tenha mudado da água para o vinho em apenas oito meses. Foi o que se deu com o jornal Hoje em Dia, dirigido por Fabiano Freitas e Helcio Zolini.
Sem dúvida, foi uma grande ousadia. O jornal ficou melhor para ser lido. Ganhou em qualidade e economia de papel com o formato tabloide. No tamanho anterior, ficava até incômodo ler jornal dentro de um ônibus lotação, sem perturbar quem estava sentado do lado ou evitar as olhadelas para bisbilhotar as manchetes.
Mas voltando ao processo de fazimento de jornal, se for um diário, levando-se em conta a rapidez como tudo se dá, a possibilidade de erros gráficos e de português é maior do que em revistas e livros.
É claro, cada vez mais se deve apurar e reduzir o número de erros. E para isto, no Hoje em Dia o professor Helinho fica de olhinhos abertos. Errar é humano. Desumano e repetir os mesmos erros.


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Por Alberto Sena - 18/6/2012 17:45:00
Como criar “monstros”

Alberto Sena

Na década de 1970, eles eram chamados, em Belo Horizonte, de “menores abandonados”. Muitos morreram jovens, em circunstâncias várias. Os que sobreviveram e não tiveram a oportunidade de mudar de vida geraram os “pivetes”, denominação inventada pelo jornalista, poeta e escritor Henry Corrêa de Araújo, que durante bons anos trabalhou na pesquisa do jornal Estado de Minas.
Ainda alçados à condição de pivetes, as autoridades constituídas responsáveis pela assistência à infância e à adolescência tiveram várias oportunidades para resolver o problema deles, e como o problema não foi resolvido, logo eles, por uma questão de sobrevivência e em defesa própria, se transformaram em “trombadinhas”.
Nessa ocasião, o prefeito Célio de Castro (1932-2008) até prometeu “acabar” com esse dolorido problema social em seis meses. Equivocou-se, a dimensão da ferida era maior do que imaginava. Segundo o levantamento que fizera na época, eles eram em número de 800. Abandonados pela cidade, abandonados cresceram, e com o passar do tempo foram alçados à condição de assaltantes a mão armada.
E se antes eles roubavam bancos, entravam armados, tiravam o dinheiro dos caixas, hoje eles não se dão mais a esse trabalho. Simplesmente dinamitam caixas eletrônicos e nem mesmo a presença de câmaras os tiram de cabeça na hora de praticar a ação.
Podemos concluir, espiando pelo espelho retrovisor do carro em alta velocidade: convivemos atualmente, pode-se dizer metaforicamente, com a terceira geração dos “menores abandonados” de então, os sobreviventes em meio à guerrilha urbana na qual a maior vítima foi a instituição familiar.
Como a família não foi assistida a tempo, o problema social transformou-se num “monstro”. Uma espécie de quarto poder, mas não necessariamente nessa mesma ordem, já que profissionais do crime, organizados, muitas das vezes eles suplantam a autoridade constituída.
No início do problema, quando ainda havia tempo de resolvê-lo, muitos morreram e muito mais morrem hoje na adolescência, na condição de “aviãozinhos” do tráfico de drogas. Tráfico que teve trajetória ascendente numa época em que os “menores abandonados” ganhavam o asfalto.
Uma espiada pelo espelho retrovisor vai nos dar conta do quanto a sociedade colaborou na evolução da “marginália”, quando teve, em vários momentos, a oportunidade de resolver o problema e não o fez. Criamos “monstros”, e estes agora vêm contra nos mesmos.
O antropólogo Darcy Ribeiro já dizia, na década de 1980, que chegaria o tempo – e já chegou o tempo – em que ficaríamos presos em condomínios protegidos por cercas elétricas e homens armados, enquanto lá foram os “marginais” estariam à solta praticando tudo quanto é tipo de crimes.
Já vivemos o bastante para percebermos que as forças policiais perderam completamente o domínio da situação. Não conseguem apurar os crimes, e no caso da Polícia Militar, há anos o efetivo é o mesmo. E com um agravante: muitos policiais acabam se envolvendo com “marginais” e se tornam piores do que eles.
Refletir profundamente sobre os vários lados da violência incontida deveria ser uma prioridade da sociedade, tendo em vista colocar um freio no problema, vislumbrando o Brasil do ano 2030. Alguém aí já pensou como será a vida aqui e alhures dentro de 18 anos? Quê país nós estamos construindo para as almas nascidas no dia de hoje?
Lá atrás, quando toda essa situação se iniciava, nas décadas de 1960/70, um sociólogo argentino, em visita ao Brasil disse a seguinte frase: “Se a riqueza não vai à pobreza, a pobreza vai à riqueza”. Se numa hipótese os que se refugiam em favelas, onde a maioria dos moradores é gente de bem (estão ali por força das circunstâncias, muitos vindos do interior do Estado em busca de uma sorte melhor), se eles combinarem com “colegas” de outras favelas um ataque em massa, com hora marcada, não haverá polícia nem exército capazes de contê-los.
É a proteção divina que nos garante. A impunidade é gritante e eles sabem do poder que, como quem toma um prato de mingau pelas bordas, foram violentamente conquistando homiziados em favelas onde a polícia teme entrar.
O Brasil evoluiu, mas para alcançar o status de primeiro mundo ainda está longe. Apesar de tudo, o mundo em crise aposta no avanço do País, ainda que mergulhado na corrupção e sofrendo as mazelas sociais lamentavelmente usadas no discurso demagogo dos políticos em todas as épocas.


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Por Alberto Sena - 11/6/2012 08:19:55
Vida (intra) extraterrestre

Alberto Sena

Há um ditado espanhol que diz: “Não creio em bruxas, mas que elas existem, existem”. Parafraseando este ditado, digo: creio em seres extraterrestres; não acreditar neles, é estultícia. Senão, vejamos: o que há no universo entre galáxias, estrelas, astros, cometas e tudo mais, numa comparação grosso modo podemos usar a imagem de um Maracanã cheinho de ervilhas, até à tampa.
Até a Igreja Católica, com todo o seu conservadorismo, que a fez crer e querer enfiar nas cabeças da Idade Média que a terra era o centro de tudo, hoje já admite a existência de vida extraterrestre, senão não entregaria a um religioso do Vaticano a tarefa de investigar o que para muita gente é tão claro como a luz do sol: em algum lugar da nossa galáxia ou fora dela há vida semelhante à nossa, superior e até inferior também.
Uma coisa é crermos em vida extraterrestre e outra é a ciência ter de comprovar a existência para crer. E nesse diapasão, os nossos cientistas mandam ao espaço naves para saber se lá há água. Claro que há água em todo o universo. Basta ler na Bíblia para concluir que há “águas de baixo e águas do alto”, em todos os cantos. Até na lua mais perto de nós tem água.
Admitir que em todos os tempos o nosso planeta recebeu e recebe visitas de seres extraterrestres não é nenhum exagero. Basta volver os olhos para trás para verificar esses grandes monumentos erigidos há milênios que parecem antenas que unem a terra com algo existente em algum lugar do universo.
Há mais de cem anos, o precursor das viagens espaciais e intraterrestre, o francês Júlio Verne escreveu “Viagem ao redor da lua” e “Viagem ao centro da terra”. Em julho de 1969, com todas as suas limitações, o homem pisou na Lua. E quem já foi até o centro da terra para saber o que há lá?
Assim como temos notícias de seres que vêm do espaço, temos também informações de seres que vieram do espaço e podem estar vivendo dentro da terra ou no fundo dos mares. Acho tudo isto possível, assim também como creio na existência de seres como o “Pé Grande”, o abominável homem das neves.
Quem neste mundo pode dizer o que acontece no mais recôndito das nossas florestas, ou no mais longíquo rincão da terra, aonde ninguém pisou, ou, ainda, no mais distante e no mais profundo dos nossos mares? Claro que é preciso levar em conta a capacidade do ser humano de imaginar as fantasias mais extravagantes. Mas dificilmente alguém poderia testemunhar uma investida de seres extraterrestres se porventura eles quisessem descer alhures sem serem vistos.
No caso dos seres extraterrestres nem é preciso ver para crer na existência deles considerando que a terra além de não ser quadrada, como se pensava antes de Cristóvão Colombo, comprovadamente, com base nas imagens do telescópio Hubble, não está sozinha no universo. Ademais, a terra linda como é, possui todos os dotes possíveis para chamar a atenção de quaisquer seres de outras galáxias que porventura estejam perambulando pelas imediações do nosso planeta.
Soube que em Olhos D’Água, próximo de Bocaiúva (MG), a meia hora de Montes Claros, no Norte de Minas, 80% da população têm casos de aparições de OVNIS para contar. A informação partiu da lavra do amigo Leonardo Campos, que além de jornalista e escritor é advogado e paleontólogo.
De certo modo fiquei deveras curioso, com vontade de ir aos Olhos D’Água para verificar “in loco” a informação do amigo, como todo repórter que se preza gosta de fazer. Crente como sou em Deus, acho que Ele não iria criar um universo maravilhoso como o nosso só para colocar num lugar chamado terra um povinho dotado de consciência sado-masoquista ou com tendências ao autoextermínio, como é o nosso caso, deixando as belezas maiores, muito maiores do que as que conhecemos, só para enfeitar a criação, para deleite Dele próprio.
Até prova em contrário, se acaso de repente eu me vir diante de um ser extraterrestre que me convide para dar um passeio pela galáxia dele, garanto aceitar o convite com a maior boa vontade. Em algum outro lugar do universo deve haver uma terra semelhante à nossa, onde se poderão lançar as sementes da justiça, da igualdade entre os povos, da paz, da concórdia e da alegria de viver entre os homens e as mulheres.


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Por Alberto Sena - 8/6/2012 11:42:11
A pequenez do ser humano

Alberto Sena

Em psicologia há um vocábulo – “misoneísmo” – que significa medo do novo, do desconhecido. A título de exemplo, esse medo se manifesta a partir daquele friozinho na barriga quando se está diante de uma experiência nova. O fato de termos medo da morte é também chamado de “misoneísmo”. Não sabemos a hora nem para aonde iremos, por mais que haja quem ache que saiba.
Diante de nova experiência, confessamos não estar atacados por nenhum sentimento “misoneístico”. Mas, como acontece sempre quando se está tomando pé de uma nova situação, é necessário ficar de olhos abertos para enxergarmos bem o que é preciso fazer a fim de desincumbir da missão da melhor maneira possível.
Mas não basta ficar só de olhos abertos. Os ouvidos, a memória e o sensorial devem estar aguçados para tudo aprender e apreender. O homem – e a mulher, também, claro! – tem capacidade de absorver o que quiser em se tendo boa vontade e curiosidade para isto. Só não tem mais essa capacidade de assimilação dos ensinamentos quem já morreu ou quem está vivo morto esperando só um toque para deixar o corpo cair no chão.
Se nós estamos vivos e dispostos, em pleno uso das faculdades espirituais, mentais e físicas temos mais é que ir em frente sem sequer olhar pelo espelho retrovisor para não perdermos um instante sequer o foco daquilo que brilha como uma nova estrela no céu.
Em outras palavras, como hoje tudo está condicionado ao computador, é preciso conhecer o sistema utilizado em rede. É claro que isto não acontece duma vez. Superada essa fase, as possibilidades são como um grande leque chinês aberto; enormes. A coisa funciona como quem aprendeu a andar de bicicleta. Quem aprendeu na infância nunca mais vai esquecer como se faz isto, mesmo se ficar sem pedalar durante décadas.
Nem tão antigos somos, mas somos do tempo em que se fazia jornal no chumbo, em Montes Claros e na capital, gravado por máquina linotipo. O linotipista tinha à frente teclas como as de máquinas de datilografia e gravava as matérias redigidas em laudas de papel nas antigas e operantes Remingtons. Assim que eram gravadas em chumbo, as peças davam verdadeiro passeio pela linotipo e iam se juntando num compartimento ao lado de onde se sentava o linotipista.
Depois da linotipia, veio a composição a frio. Durou pouco tempo e logo foi substituída pela informática. E as redações dos grandes jornais perderam as máquinas de datilografia, substituídas pelo silêncio dos computadores responsáveis pelo fim da era romântica da imprensa.
Quando estavam em uso as máquinas de datilografia, as redações se enchiam de papeis e de barulho. Numa comparação, o estresse talvez fosse maior do que hoje em dia, quando predominam nas redações as vozes dos profissionais e o toque do telefone ou o som de aparelhos de TV.
Quem quer se manter na ativa precisa se reciclar sempre porque, de fato, ninguém sabe tudo. Melhor, a rigor ninguém sabe é de nada. Quando achamos que sabemos, uma simples reflexão nos faz cair na real. Numa comparação, é a mesma coisa de quando a gente acaba de ler um belo livro. Podemos resumir o livro, mas dizer de cabo a rabo o conteúdo dele, dificilmente nós seremos capazes de fazer isto.
Claro que há exceções. Lá em Nova Iorque (EUA) havia um camarada que decorara todo o catalago telefônico da cidade. Ele fez do aparelho telefônico brinco e o dia inteirinho atendia quem para ele discava a fim de saber o número de alguém, e com isto garantia o pão de cada dia.
A capacidade de decorar é intrínseca ao ser humano. Mas uma coisa é decorar e outra diferente é entender e apreender algo novo. Estamos convencidos de uma coisa: o que mais sabemos é que, se sabemos alguma coisa, sabemos muito pouco. Saber disto é como porta e janela abertas para que possamos aprender alguma coisa. É porque sabemos da nossa ignorância em relação a muitos assuntos que, com a permissão de quem conseguiu chegar até o final deste texto, pedimos a devida licença para nos retirarmos, enfim; a fim de poder nos recolher à nossa própria insignificância.
Um bom exercício para se adquirir a consciência da insignificância do ser humano é imaginar a pequenez da terra diante da grandeza do universo. Quem viu a passagem de Vênus diante do sol pôde entender o quanto o ser humano é pequeno para ousar se arvorar em tão grande.


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Por Alberto Sena - 3/6/2012 19:01:58
O parto de nova missão

Alberto Sena

Inicio hoje, quatro de junho de 2012, uma missão nova em matéria de jornalismo. Um novo desafio, assim eu me refiro à missão que se me oferece. Depois de pelo menos uma década longe da redação de um grande jornal, distante do burburinho e até do estresse natural gerado pela corrida entre o trabalho de fazimento da matéria à edição para cumprir o fluxo, eis que me vejo de volta a esse mundo mágico da redação por meio do qual a gente tem a oportunidade de aprender um pouco mais sobre o que é ser humano e o que vem a ser a humanidade como um todo.
Vou coordenar a equipe do Caderno Minas do jornal Hoje em Dia e, evidentemente, espero poder dar a minha melhor contribuição, hoje mais maduro do que uma década atrás, podendo dar mais de mim mesmo na tarefa de prestação de serviços que sejam em benefício da comunidade, da cidade, de Minas e do Brasil.
Lembro-me duma vez, em 1979, quando eu morava com a família em Viçosa (MG), Zona da Mata. Trabalhava na Imprensa Universitária da UFV, num campus lindo, bem cuidado, um brinco de lugar. Foi quando o diretor da Imprensa Universitária esfregou na boca de um colega uma folha de jornal tabloide, porque ele não havia colocado na edição uma determinada matéria que recomendara. Isto se passou assim, diante de mim. Fiquei estupefato.
Eu não podia mais continuar ali diante de tamanho desrespeito. Foi quando o telefone tocou e era o eterno Wander Piroli me convidando: “Tenho duas ocupações para você, uma num jornal, que vamos lançar (Jornal de Shopping) e outra numa rádio (Guarani Onda Rural) que irá ao ar.” Nada melhor do que ouvir um convite desses sendo jornalista de nascença. Resultado: em dois tempos estávamos, eu e a família, de volta a Belo Horizonte.
Participar do nascimento de algo novo é gratificante para o profissional que sempre trabalhou em jornalismo diário. Ao mesmo tempo, participar do novo parto do jornal Hoje em Dia, parto natural, sem ajuda de fórceps, é uma corrida em que se tem de matar um leão a cada dia. Inda bem que leão não faz parte da nossa fauna, senão iríamos presos em flagrante todos os dias sem direito a fiança, punição que cabe a quem abater animal nativo.
A minha volta à redação vem envolta de boa aura, graças a Deus, porque retorno para participar do esforço de ajudar o colega de muitas jornadas, Hélcio Zolini, Diretor de Redação, a lançar um novo jornal Hoje em Dia. Ele está acolitado por profissionais do nível de Pérsio Fantin e Nairo Alméri, na chefia da redação.
O leitor atento então se perguntará até em voz alta: “O jornal Hoje em Dia vai mudar?” Vai, respondo. Só não estou autorizado a entrar nos mínimos detalhes dessa mudança, porque escrevo essas linhas como se estivesse redigindo uma crônica entre as muitas que já publiquei desde o momento em que essa necessidade surgiu, o que não faz muito tempo, mas já foi tempo suficiente para eu escrever cerca de 200.
Posso dizer que vem aí um novo jornal Hoje em Dia, cujas mudanças, sob todos os aspectos, irão gerar transformações na imprensa mineira. O novo jornal vai se adequando aos novos tempos pós-surgimento da internet, que diariamente nutre os navegantes on line com tudo que acontece no mundo. Quem é internauta e está ligado aos acontecimentos do mundo tem a impressão de que o jornal impresso que circula no dia seguinte já chega com notícias velhas.
O Hoje em Dia novo vai dar um ou mais passos adiante. Vai surpreender o mercado e os seus leitores de uma maneira bastante positiva. Embora eu saiba a data em que o novo jornal circulará de corpo e rosto novos – em breve – não posso informá-la agora, porque, como disse, não tenho autorização. Apenas escrevo devido à empolgação de estar diante de um bom desafio, salutar, que me estimula a gerar ideias, criar e praticar o que sempre fiz desde os 17 anos de idade, quando comecei a reportar para O Jornal de Montes Claros, final da década de 1960.
O jornalismo praticado com seriedade e responsabilidade, tendo em vista mostrar a realidade dos acontecimentos diários, enxergando na outra ponta a necessidade de resgatar os valores essenciais aos seres humanos, é um estímulo para todo profissional. Ai da sociedade brasileira se não fosse o trabalho de sentinela da sociedade atribuído à imprensa.
As denúncias, as cobranças e os caminhos apontados pela imprensa são fundamentais para a solidificação dos alicerces democráticos.


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Por Alberto Sena - 28/5/2012 09:04:42
A contemplação das nuvens

Alberto Sena

Fico com os pés no chão, mas contemplo as nuvens deste inverno realmente frio nesses derradeiros dias de maio. Converso com elas, tento enxergar nelas possíveis figuras que vão se formando ao embalo do vento. Neste momento, vendo as nuvens pela janela mágica, observo numa delas a semelhança do homem de pedra. Noutra próxima, a parecença é de uma baleia em pleno salto fora d’água.
A minha conversa com as nuvens é puramente mental. E não podia ser doutro modo, sem que eu corresse o risco de as pessoas acharem-me louco. Não sou adepto do solilóquio. Mas vejo por onde ando uma pá de gente falando sozinha, gesticulando como se estivesse diante do outro, inda muito mais nos dias de hoje em que tanto se comunica via telefone celular.
É quando me debruço no parapeito da minha janela, de onde vislumbro todo o poderio ferrífero da Serra do Curral, que emprego algum tempo no salutar exercício de observar nuvens, como ensina Carl Gustav Jung, filósofo, psiquiatra e escritor suíço, praticante de yôga. O exercício de contemplar nuvens, ele o explicita no livro “Memórias, Sonhos e Reflexões”, de excelente leitura.
Descobri que, além de observar as nuvens, posso sacar fotos delas a partir da minha janela. Fotografando-as parece que elas ganham mais vida ainda e posso, inclusive, compartilhar esse exercício com outras pessoas, muitas delas adeptas desse costume, como Virgínia Abreu de Paula, amiga em Montes Claros, onde plantou raízes.
Para dizer a verdade, tenho costume de observar nuvens desde criança, em Montes Claros. Quando menino, sim, podia gastar horas de papo para o ar, deitado na terra do quintal ou em algum monte de areia e ficar ali viajando nas asas das nuvens. Lembro-me como se fosse hoje, na Rua São Francisco, em Montes Claros, eu ficava um tempão contando carneirinhos.
Carneirinhos de nuvens se davam quando o vento parava e ficava mais frio, justamente como está agora. A partir da linha do horizonte podem se formar pequenos flocos de nuvens, de tal modo que quando a gente saca uma foto tem-se a nítida impressão da profundidade da abóboda celeste. A imagem é linda, semelhante as que eu via estirado na terra do quintal daquela casa aonde os espectros de Rock Lane, Roy Rogers, Rex Alen, caubóis estadunidenses se misturavam com os fantasmas de Saci Pererê, Mula Sem Cabeça, Lobisomen e outros personagens que pululavam por entre as páginas dos livros de histórias infantis de Monteiro Lobato e “As Mais Belas Histórias”, de Lúcia Casasanta. Fase deveras marcante, e por ter sido marcante, perdura.
Jung não disse, mas para o meu gosto de contemplador de nuvens – e de tudo que diz respeito à natureza – melhor é contemplar nuvens quando elas estão bonitas e mesclam o azul do céu. Contemplar nuvens carregadas, escuras, prontas para desabar em forma de chuva de granizo, como nos aconteceu no Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, cuja foto está entre os meus guardados, não tem nada de divertido. Ainda mais quando não há um abrigo por perto, como quase aconteceu conosco.
Há pessoas que se referem à nuvem sempre que estão diante de uma situação embaraçosa. Quando as perspectivas são sombrias. Dizem: “Vamos aguardar a dissipação das nuvens...” Não contemplo nuvens negativas. As nuvens que contemplo são boas. Até em legítima defesa procuro pensar em nuvens positivas, aquelas que se mostram límpidas, branquinhas como neve, e que afinal de contas enfeitam o azul do céu.
Uma das cenas mais engraçadas tendo como personagem central uma nuvem me ocorreu na infância, quando lia uma revistinha em quadrinhos. Não lembro mais qual, só me recordo que o personagem, uma criança, contemplava uma nuvem até que ela se foi aproximando e ao pairar sobre a cabeça dele, ganhou o formato de um regador e despejou chuva sobre ele. Volta e meia me lembro disso ao contemplar nuvens.
Ademais, reparem e depois me informem: o ser humano vem perdendo a capacidade de contemplar a natureza. O corre-corre desenfreado da vida cotidiana é o pretexto para as pessoas irem se endurecendo. E os reflexos desse endurecimento de coração e de alma nós vemos principalmente nas grandes cidades.
Para fechar esse monólogo com Jung, ele próprio diz no livro citado que a contemplação dos elementos naturais – nuvens, águas, árvores, animais etc. – é o melhor exercício para fazer as pessoas embrutecidas resgatarem de fato a natureza humana.


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Por Alberto Sena - 23/5/2012 11:47:55
Faltam agora as autoridades de Montes Claros atribuírem os tremores de terra ocorridos na cidade e região à aproximação do Domingo de Pentecostes, dia 27, quando os cristãos comemoram a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo. Naquela ocasião, a terra tremeu como ensina a Bíblia, que para os cristãos é sagrada.
A terra tremer por força do Espírito Santo, ou por força dela mesma, que é também gente como a gente, só não é humana como nós, mas possui camadas que, ciclicamente precisam se acomodar; isto é uma questão que não compete a nós interferir. Outro argumento, mais plausível, até, é levantar a possibilidade de os tremores de terra estarem sendo provocados pelos maus-tratos à terra árida do sertão.
As autoridades norte-mineiras estão tapando o sol com a tábua de pirulito idêntica ao estado em que, sob vistas grossas e algo mais estão deixando as terras entregues à sanha das explosões de dinamite para exploração de cimento e minério de ferro. Basta ter memória para dar nela corda e verificar que os tremores começaram e estão se agravando por causa das esplosões.
Vamos por partes, como diria o estripador de Londres. Suponhamos que a terra tenha o estereótipo humano. Se se cortar-lhe um pé, ainda assim a terra andará, mas precisará adaptar alguma coisa no pé, dar uma mexida na camada mais baixa para se adequar ao novo modus vivendis. Isto vale para todos os membros e reações semelhantes as dos humanos, como uma diarreia.
Na ânsia de chamar chineses e outros empresários de várias nacionalidades, as autoridades da região estão pensando só nos impostos e nos royalties e se esquecendo de averiguar o que de fato elas estão fazendo lá pelas tantas nas pedreiras e nas minas e outras atividades relacionadas com a explotação da terra árida do sertão norte-mineiro.
Com sinceridade, a esta altura do campeonato de tremores e de explosões de dinamites ali e acolá, já passa da hora de os montes-clarenses saírem em passeatas pelas ruas da cidade e se concentrarem em algum lugar da urbe para protestar, exigir uma explicação plausível para os fenômenos que a cada dia mais deixar a população assustada.
É necessário exigir da Prefeitura de Montes Claros e da Câmara de Vereadores uma tomada de atitude. É fundamental fazer isto ressoar com força na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e na Cidade Administrativa até chegar ao Congresso e aos ouvidos da presidente Dilma Rousseff, para que ao fim e ao cabo, os montes-clarenses tenham uma satisfação.
O ser humano quando treme, treme de frio, treme de medo e de algo mais. A terra, como gente que é, treme de medo das explosões de dinamites. Essas explosões e nem tanto a tábua de pirulito a que a região se tornou, com os poços artesianos e cisternas, são as causas dos tremores.
Como ideia apenas, pois não tenho conhecimentos técnicos suficientes para discutir o assunto, sugiro aos conterrâneos criar uma comissão integrada por técnicos – geólogos, meteorologistas, ambientalistas etc. – para apurar o que de fato se passa lá embaixo, na superfície e por trás de tudo isto.
O que não dá para engolir é a aparente apatia das autoridades em relação aos repetidos fenômenos que vêm ocorrendo em Montes Claros. Antes das ocorrências de tremores, lá as pessoas costumavam dizer: “Lugar bom para se viver é no Brasil e aqui em MOC, porque não temos terremotos, vulcões, ciclones...” Ao que o outro sempre redarguia: “Mas temos uns políticos que são um desastre maior”.

Pentecostes (em grego antigo: πεντηκοστή [ἡμέρα], pentekostē [hēmera], "o quinquagésimo [dia]") é uma das celebraçőes importantes docalendário cristão, e comemora a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo. O Pentecostes é celebrado 50 dias depois do domingo de Páscoa. O dia de Pentecostes ocorre no décimo dia depois do dia da Ascensão de Jesus


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Por Alberto Sena - 22/5/2012 16:11:58
Os pés-chatos

Alberto Sena

Na época em que para nós Montes Claros e os montes-clarenses viviam mergulhados em romantismo, ali pelas décadas de 1950/60, a vida na cidade parecia seguir o seu curso devagar quase parando. Pelo menos esta é a impressão, ao tentar ver da janela dos fundos os retalhos do que se passou, como se um véu cobrisse as lembranças ávidas em encontrar uma fresta por onde escapar.
Entramos na fase do “Tiro de Guerra (TG)”, que para muitos antes de nós fora “uma experiência inesquecível”. No dia da primeira apresentação, cada um só de cueca passava por uma balança e em seguida eram-lhe tiradas as medidas do corpo e altura. O sargento observava cada um e como o TG não tinha capacidade para absorver todos os que se apresentaram, era preciso encontrar justificativa para considerar muitos em “excesso de contingente”.
Uma justificativa era o fato de o pretenso soldado ter “os pés chatos”. Naquela manhã em que se deu a primeira apresentação, os sargentos reuniram duas turmas. Uma delas era dos que prestariam serviço militar durante um ano, tendo 60 pontos para gastar em decorrência de eventuais falhas ou mesmo punições. Em cada uma dessas possibilidades, o atirador perdia dois pontos. Se chegasse aos 60 pontos, era excluído e teria de “prestar o exército” em Belo Horizonte.
A outra turma era dos que foram considerados em “excesso de contingente” e em meio à turma havia vários amigos. Uns olhavam para os outros sem entender entendendo o que certamente aconteceria, de modo que quando os sargentos Conca e Leite se dirigiram para eles dizendo absurdos, chamando-os de “imprestáveis para servir a pátria” e outras denominações mais que o tempo cuidou de apagar, mas eram palavras que poderiam ter influído na autoestima de cada um, eles ficaram cabisbaixos.
Cabisbaixos, alguns só de malandragem, porque de fato não queriam prestar o serviço militar, porque significaria uma transformação na vida por pelo menos durante um ano. Eles eram “imprestáveis” segundo os sargentos, porque tinham “pés chatos”. Quando crianças não tiveram a oportunidade de usar botas ortopédicas. Botas horrorosas, mas importantes porque corrigiram os pés de muita gente.
Revendo-as agora, de memória, até que não eram tão feias assim, as botas ortopédicas. Elas tinham internamente uma saliência para os lados de dentro dos pés, o que forçava com o tempo os ossos responsáveis por achatá-los, desenhando aquela curva sem maiores incômodos por ter de usá-las durante o tempo suficiente para corrigir o defeito.
Convém informar que a essa altura o golpe militar de 1964 havia acontecido fazia cinco anos. Logo nos primeiros dias do TG, passando próximo dos sargentos Conca e Marcos ouvimos um dizer ao outro, como quem falava com a intenção de nos fazer ouvir também: “Cuidado com esse, ele é perigoso”
A frase ressoou e ainda hoje ressoa e a explicação não era outra senão o fato de trabalharmos no O Jornal de Montes Claros. Naquela época ainda vigorava censura à imprensa. Um coronel da Polícia Militar era mantido na redação do JMC. Lia as matérias, mas não há lembrança de que ele tenha censurado alguma.
Incompreensível o temor dos sargentos, mas justificável porque a ditadura parecia ter olhos em todos os quadrantes, e naquela época do soldado mais raso até o de mais alto coturno se arvoravam em “autoridades”. Houve até um episódio marcante, a prisão, por engano, do jornalista do JMC, Waldemar Brandão. As autoridades estavam em busca do irmão dele, mas prenderam Waldemar, que hoje vive aposentado pelo Banco do Brasil em Belo Horizonte, onde mora próximo da antiga Fafich, na Rua Carangola.
Naquele tempo em que o Brasil e Montes Claros viveram atmosfera sombria, quando parecia haver “inimigos” espionando por todos os lados, nós vingávamos a prepotência e os xingamentos dos sargentos na quadra de futsal, que na época era chamado de futebol de salão, quando disputávamos partidas entre sargentos e atiradores.
Pernas de pau, eles, era divertido meter-lhes bolas por debaixo das pernas; gingar o corpo para um lado e ir para o outro, jogando-os no chão, sem tocar neles. Os sargentos ficavam uma fera. Principalmente o sargento Leite, um matogrossense descendente direto de índios. Ele tinha algumas falhas de dentes e correndo bufava feito um touro na arena acossado pelo toureiro.
Do TG, nenhuma saudade. Foi numa época em que a juventude tinha ideologia. E ter de submeter a sargentos cascas-grossas revoltava. O fato de ter de cortar os cabelos do tipo “príncipe Danilo” era outro fator de revolta. Saudade há dos colegas atiradores. Deles guardo lembranças. E uma foto, simplesmente.


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Por Alberto Sena - 22/5/2012 14:43:43
Uma noite no vapor Benjamim Guimarães

Alberto Sena

Quando pernoitamos no navio vapor Benjamim Guimarães, em Pirapora (MG), nem de leve passava por nossa cabeça um pouco da história dessa histórica embarcação. Hoje soubemos que o BG foi construído nos Estados Unidos, em 1913. Há, portanto, 99 anos. A famosa embarcação navegou do Rio Mississipi à Bacia Amazônica até chegar a Pirapora por meio do Rio São Francisco, onde foi restaurada pela Franave – Companhia de Navegação do São Francisco.
O BG é uma referência da navegação. Foi muito utilizado no transporte de cargas e passageiros no trecho entre Pirapora e Juazeiro, na Bahia. Mas naquela noite do ano de 1969, ali pernoitamos, eu na condição de repórter do O Jornal de Montes Claros, responsável pela cobertura de Esportes, e o time do Casimiro de Abreu e a comissão técnica, com o técnico João (ou era José?) Maria Melo à frente.
Fomos de Montes Claros a Pirapora de ônibus. O lateral esquerdo Marcelino, ex-Atlético Mineiro, brincalhão como ele só, fazia a maior bagunça dentro do ônibus e dava gargalhadas. Famoso por ser bem dotado, ele sacava da “mangueira” e saía batendo-a no encosto de braço das poltronas, assustando quem estava dormitava. E tome gargalhadas do Marcelino.
Naquela época, a estrada Montes Claros a Pirapora nem asfaltada era. O ônibus levantava poeira e no meio da noite ouvíamos os cascalhos saltarem debaixo da engrenagem. Saímos de Montes Claros à tardinha e em Pirapora fomos direto para o BG, que estava ali ancorado fazia muito tempo devido a algum problema de manutenção.
Depois de acomodados no BG, fomos todos dar um giro pela cidade. Claro que o nosso destino era o Bambuzinho, um barzinho que não sei se ainda existe. Ficava à beira do Rio São Francisco. Além de ser um lugar agradável, coberto de folhas de coqueiro e paredes de bambu, o lugar proporcionava bela vista do rio. Uma lua cheia ajudava a compor o cenário típico para se viver a dois, apaixonadamente.
De novo, Marcelino foi atração no Bambuzinho, aonde encontrou alguém para com ele dançar, separadamente. Ele ria e sacudia o corpo, principalmente as partes de baixo, o que chamava a atenção dos circunstantes, mas o craque, como se diz, “estava nem aí”. Queria mesmo é se divertir, mostrando as suas qualidades de jogador, quer dizer, dançarino experiente. Na época, antes de ir jogar no Casimiro de Abreu, ele era bajulado pela direção do Atlético. Quando acontecia um desentendimento entre ele e a diretoria, Marcelino rumava para Montes Claros e os diretores vinham buscá-lo às pressas, quando o Galo tinha uma partida importante.
Naquela noite fazia frio. A umidade do Rio São Francisco seria a responsável pelo frio de doer os ossos. Nada que não pudesse ser resolvido após sorver algumas caipirinhas. Não recordo se Marcelino ou outro jogador ali presente bebia, mas o repórter “que vos fala”, naquela época bebia caipirinha. Hoje, não. A não ser um vinho tinto, seco, procedente da Espanha ou do Chile. Até da Argentina. Los hermanos produzem bons vinhos. E churrascos também. A carne argentina é deliciosa. O gado pisoteia os Pampas e talvez isto influa de modo especial no sabor da carne.
A parte não tão boa aconteceu depois que retornamos às acomodações do navio vapor. O fato de ser uma embarcação antiga justificava o surgimento de várias frestas. De madrugada, quando o tempo parece quedar, um vento gelado entrava na cabine onde eu dormia e não havia cobertor que esquentasse o corpo. Tanto por causa do frio como devido à excitação de ir curtir a praia do rio, passei a madrugada inteira torcendo a favor do nascer do sol.
Quando o dia amanheceu, foi um alívio. Depois do café, com os jogadores concentrados até a hora do jogo, peguei os meus paninhos e fui para a praia. Diferentemente da noite, o dia prometia muito sol e calor. Sentado se podia ver o desfile de biquines. Dentro d’água, eu me metia debaixo das duchas, até a hora do almoço.
E o jogo? O leitor aficionado em futebol pode perguntar, com toda razão. Respondo, para terminar: sabe que nem me lembro? Em verdade, o que eu queria mesmo é exaltar a beleza de Pirapora e a eficiência do navio vapor, que aos 99 anos ainda está aí para servir a gregos, troianos e a nós todos que gostamos de incursionar ao passado a fim de buscar uma história para contar.


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Por Alberto Sena - 14/5/2012 15:19:21
O maior acontecimento de Grão-Mogol

Alberto Sena

A visita do cardeal Serafim Fernandes de Araújo a Grão-Mogol, no final de semana, decerto “foi o maior acontecimento da cidade” desde priscas eras, quando se descobriu lá o veio diamantífero. As crianças e os jovens gramogolenses de hoje nunca mais vão se esquecer do dia 12 de maio de 2012.
O empresário Lúcio Bemquerer, o construtor do Presépio Natural Mãos de Deus, que motivou a ida de dom Serafim a Grão-Mogol, com o adjunto da Paróquia de Santo Antônio e do prefeito Jéferson Figueiredo, telefonou no sábado à noite, assim que o cardeal viajou para Montes Claros, onde no domingo embarcou para Belo Horizonte. Entre enfático e emocionado, Bemquerer disse: “Foi o maior acontecimento da cidade”.
A princípio, se muito, ele esperava de 1,5 a 2 mil pessoas na missa que o cardeal celebrou no sábado à tarde. Mas “vieram mais de quatro mil pessoas”, disse. Ele foi surpreendido, e em um momento achou até que os corrimões ou corrimãos (tanto faz), que, como o próprio nome indica, têm a função de deixar correr as mãos, não iriam suportar tamanho acúmulo de gente.
Só da zona rural de Grão-Mogol e de cidades circunvizinhas, cada uma delas com a imagem do seu respectivo patrono, mais de 600 pessoas acorreram ao chamado para homenagear o cardeal Serafim, que, em verdade, promoveu a segunda inauguração do presépio, inaugurado que foi na primeira vez em dezembro de 2011.
Bemquerer, agora, faz exercício de mentalização para levar o Papa Bento XVI a Grão-Mogol quando da sua próxima vinda a Belo Horizonte, em atendimento ao convite que o governador Antônio Anastasia fez a ele, pessoalmente, quando da sua visita ao Vaticano. Dom Serafim acha difícil, mas não impossível a ida do Papa Bento VVI à cidade para conhecer o presépio. Mas disse a Bemquerer que a primeira iniciativa para isto seria a formalização do convite via bispado de Montes Claros, representado por dom José Alberto.
Em meio às mais de quatro mil pessoas que se acercaram do presépio, lá estavam três delas – Terezinha (Tê) Batista Murça (minha irmã/mãe), Rita Murça Amorim, filha dela; Sandra Murça, prima de Rita – que de Montes Claros e de Belo Horizonte, respectivamente, foram participar da missa celebrada pelo cardeal no presépio.
Via FaceBook, Rita enviou, além de uma foto de Tê com Bemquerer, que guardo comigo para a posteridade, uma “minirreportagem” contando maravilhas da missa que o cardeal celebrou e levou a multidão a se encher de emoção. “Adoramos a visita à Grão Mogol” – disse Rita. E completou: “Ficamos conhecendo sr. Lucio Bemquerer e dom Serafim Fernandes de Araújo, pessoas humildes, maravilhosas”.
Rita contou que “dom Serafim sentiu-se muito orgulhoso por estar em Grão-Mogol”. Disse o cardeal: “A maior riqueza desse povo simples não é a riqueza material e sim a humildade que eles possuem”.
Para dom Serafim, “Grão-Mogol é mais bonita que Diamantina, com suas belas montanhas”. Sempre muito aplaudido, o cardeal repetia que só tinha a dizer: “Eu amo Grão-Mogol e seu povo”.
O padre Geraldo Magela Rodrigues Ruas ficou com a incumbência de saudar o cardeal, e ao final da saudação, ele o agraciou com a música “Amar como Jesus Amou”, de padre Zezinho, uma das canções preferidas de dom Serafim.
Padre Geraldo Magela agradeceu também ao empresário Lúcio Bemquerer e ao prefeito da cidade, Jéferson Figueiredo, que fez um breve discurso, dizendo ter se sentido “tocado” com a manifestação de carinho dos gramogolenses e visitantes ao presépio e ao cardeal, que pela primeira vez visitou a cidade, e antes de viajar, na sexta-feira, 11, dizia: “Vou pagar uma dívida comigo mesmo e com o povo de Grão-Mogol”.
Dom Serafim Fernandes disse e repetiu várias vezes: “Gosto demais de Grão-Mogol, voltarei”. Diante do carinho e dos aplausos do povo, muitos exibindo imagens de santos padroeiros e terços, o cardeal, visivelmente emocionado, disse: “Está havendo um empate: gosto demais de vocês”.
E Rita concluiu a minirreportagem com uma opinião pessoal: “Foi tudo muito bonito!”


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Por Alberto Sena - 14/5/2012 14:07:47
Chega de barulho

Alberto Sena

Barulho. O tema é recorrente, mas é preciso reclamar sempre, até que as pessoas e as ditas autoridades responsáveis por nos evitar enlouquecer, por causa de tanto ruído sem nenhum controle, tomem de fato uma atitude. Tanto barulho assim é um sinal: a crosta, aquela tiririca dizendo melhor, de terceiro mundo perdura em nós, embora o País tenha experimentado melhorias em vários setores.
Mas ainda há muito chão a percorrer até de fato alcançarmos os mesmos níveis das condições de vida nos países do primeiro mundo, mesmo agora, diante da crise que enfrentam. Não dá para comparar o pobre brasileiro com o pobre europeu.
Ao que se depreende daquilo que pela janela se vê passar, o Brasil dificilmente chegará a esse ponto se não investir pesado em dois setores: educação e saúde. O barulho infernal que se ouve a qualquer hora do dia ou da noite está intimamente relacionado com a falta de educação das pessoas porque, mal educadas, não conhecem os limites, pois lhes falta o bom senso.
O barulho excessivo torna-se a cada dia um problema de saúde pública e assim deveria ser tratado daqui por diante. Basta observar as pessoas. O que há de gente falando sozinha, neurótica, paranoica e tal e coisa por aí, não está no gibi. Muitas delas assim estão por causa da barulheira da cidade. Esse estresse danado.
A economia do País pode derramar reais por todas as burras, mas se não houver investimento maciço em educação e saúde, o Brasil não perderá essa tiririca que nem caco de telha retira no banho de sexta-feira. Educação e saúde são o que há de fundamental para fazer o desenvolvimento criterioso de um país. Basta dar um giro nos calcanhares e verificar o que se dá em pequenos países que não dispõem de tantos recursos naturais nem de tanta gente e que investem em educação e passam quinal no Brasil.
As riquezas nacionais devastadas a partir de Pedro Álvares Cabral até os dias de hoje devem ser canalizadas para fazer deste País a maior potência mundial, não das armas, mas do conhecimento, do saber e do respeito aos seus cidadãos. Temos riquezas suficientes para fazer o bem-estar dos brasileiros e ainda emprestar dinheiro ao FMI de tristes lembranças. Mas o Brasil precisa fechar a torneira por onde bilhões de reais escoam no torpe financiamento da corrupção.
Corrupção no Brasil precisa ser considerada crime hediondo. Os brasileiros de boa vontade devem estar coesos a fim de fazer uma limpa nos governos, no Congresso e nas câmaras municipais. Urge acabar com esse cancro que nos leva a quase desacreditar na espécie humana, quando políticos que nos envergonham roubam os recursos destinados a salvar vidas e a desasnar milhões de brasileiros. Quem assim faz precisa ser penalizado para que a impunidade não nos deixe impotentes diante de tamanho descalabro.
Tudo isto faz barulho e tem a ver com o barulho que a cada dia fica mais grave. No meio da noite se ouvem caixas acústicas nas alturas; carros transitam com aparelhagem de som de mau gosto no bagageiro; durante o dia kombis velhas, caindo aos pedaços transitam com alto-falantes vendendo frutas, legumes e verduras de não se sabe qual a procedência; o vendedor de abacaxi incomoda se achando dono de si ao usar também alto-falante; depois vem o vendedor de “pamonha, pamonha”; e por que não falar também do amolador de facas? Este é o que menos incomoda ao utilizar-se de um apito do tipo gaita que ele assopra e depois grita: “Amooolaaadorrrdefacaaa, tesouraaa, alicateee e cortador de unhaaa...”
Houve um tempo em que para a utilização de alto-falante era preciso antes tirar uma licença na prefeitura. Parece que qualquer pessoa pode hoje sair por aí gritando em alto-falante ou deixar o alarme do carro disparar durante horas; buzinar, então, de madrugada, é o que há de mais comum.
Sem falar das máquinas que são utilizadas em larga escala na construção civil, como o bate-estaca, o martelete, as serras e outras ferramentas barulhentas, tudo isto misturado com o ronco dos motores dos caminhões tipo caçamba, que, além do barulho, espargem poeira e monóxido de carbono por todos os canos, porcas e parafusos.
A julgar pelo andar, esta carruagem parece transportar esqueletos sobre folhas de zinco. Com tanto barulho ao redor, o fim dos tempos deve estar próximo mesmo. Pelo jeito, tudo deverá terminar numa só explosão: booommm... Porque as ditas autoridades demonstram não dar mais conta de conter o barulho infernal. Se é que no inferno seja barulhento assim.


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Por Alberto Sena - 9/5/2012 09:04:24

Dom Serafim acha possível Papa Bento XVI visitar Grão-Mogol

O cardeal Serafim Fernandes de Araújo acha plenamente possível a ida do Papa Bento XVI a Grão-Mogol, no Norte de Minas, para conhecer o Presépio Natural Mãos de Deus. Ele aventou essa possibilidade em Belo Horizonte, às vésperas da sua viagem a Grão-Mogol, com a intenção de conhecer a cidade e o presépio considerado o maior do mundo.
É justamente o fato de ser perene e o maior do mundo que justificaria a visita de Bento XVI ao presépio, quando ele vier a Belo Horizonte, convidado que foi, pessoalmente, pelo governador Antônio Anastasia, quando de sua visita ao Vaticano. A primeira atitude a ser tomada, segundo dom Serafim, para que o Papa possa visitar o presépio, é a formulação do convite por parte do bispo da região a que pertence Grão-Mogol, dom José Alberto, de Montes Claros.
Dom Serafim vai ter recepção à altura de um postulante à sucessão do Papa Bento XVI, em Grão-Mogol. Por telefone, ele lembrou que, enfim, “vou pagar uma dívida que tenho comigo mesmo e com o povo de Grão-Mogol”. E contou que, quando era seminarista, viajando a cavalo entre Carbonita e Itamarandiba, ficava encantado com as serras de Grão-Mogol, mas nunca visitou a cidade.
Quando ele puser os pés lá, às 11h30 do dia 11, sexta-feira, os sinos da Matriz de Santo Antônio soarão e em seguida o cardeal receberá a saudação e o acolhimento de crianças da catequese e do coral infantil. Mais tarde, às 14h30, dom Serafim visitará pontos turísticos da cidade, e na Casa da Cultura receberá saudação e acolhimento feito pelo grupo de seresta e autoridades locais. Às 19h, o cardeal rezará missa na Matriz Santo Antônio auxiliado por membros do Grupo de Jovens e integrantes do Movimento Feminino Cristão (MFC).
No dia seguinte, às 9h30 várias comunidades rurais e de outras cidades vizinhas irão ao encontro de dom Serafim, no Ginásio Poliesportivo Quita Benquerer, e uma hora depois haverá “momento de oração e louvor” no local. Após o almoço, às 13h30, haverá apresentações culturais, palestra e apresentação teatral. Uma hora depois, será realizada uma caminhada com os padroeiros das comunidades vizinhas saindo do ginásio poliesportivo em direção ao Presépio Mãos de Deus, onde o cardeal rezará missa, às 17h30, com a participação de todas as pastorais.
A programação foi elaborada pela Paróquia Santo Antônio e o Instituto Mãos de Deus, responsável pelo presépio, com o apoio da Prefeitura Municipal de Grão-Mogol. São esperadas cerca de duas mil pessoas. Para os gramogolenses, a visita de dom Serafim à cidade será “um momento histórico”.
Mais informações: 3238-1316 (Presépio) e 9175-3796 (Magela)


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Por Alberto Sena - 7/5/2012 11:18:23
Religião, política e futebol

Alberto Sena

É comum ouvir dizer, há três discussões que se devem evitar para não ter o que se arrepender: sobre religião, política e futebol. Peço vênia para discordar, pois tudo nesta vida deve ser discutido, de modo democrático e respeitoso, evidentemente. Nenhuma das três vertentes tem a ver uma com as outras, mas se completam.
Para começar de trás para frente, o futebol é a paixão do brasileiro. Não só do brasileiro, mas do mundo inteiro. Basta ligar a TV lá no exterior para constatar isto. Há quem não dê importância alguma ao futebol. Mas em verdade o futebol é uma válvula de escape por onde o cidadão comum põe para fora o que já não aguenta mais guardar em si mesmo. Ele não é capaz de identificar o que é, mas enquanto está ali assistindo a partida em que o seu time ganha ou perde, o cidadão exterioriza aquilo que fica entalado na garganta, como um grito; guardadas as proporções, à semelhança do que acontecia na arena romana onde gladiadores digladiavam até a morte.
Quanto à política, esta é realmente a “arte de governar os povos”. Abaixo de Deus, o poder é político. Tudo está relacionado com a política. E quem diz “política está com nada” e “não dou a mínima para a política”, está se enquadrando naquela assertiva do dramaturgo alemão, Bertold Brecht, que disse: “O pior analfabeto é o analfabeto político”, aquele que diz de peito arfante frases semelhantes às registradas linhas atrás.
Se a sociedade vive mal ou se vive bem tudo tem a ver com a política. Daí a importância de cada brasileiro levar a política a sério e tratar de se politizar da melhor maneira a fim de mudar o Brasil. Os políticos que nos envergonham e envergonham o mundo estão lá em Brasília, nos Estados ou nos Municípios onde governam ou legislam em causa própria porque nós os colocamos lá. O voto é obrigatório e então as pessoas votam de qualquer jeito ou visando interesses próprios, perdendo a oportunidade de pensar grande, no bem-estar da coletividade. Isto acontece em todos os quadrantes do Brasil, e no caso particular, em Montes Claros, que se prepara para eleger o próximo ocupante da Prefeitura Municipal.
E quanto à religião, esta é a base do ser. Não que seja necessária à pessoa pertencer a esta ou àquela religião. O cidadão deve procurar ter “mente religiosa”. O que isto significa? Simples. Embora trabalhoso e requeira anos de estudos, leituras diversas, controle de si mesmo, consciência de que tudo está dentro de nós mesmos e se estamos vivos é graças à centelha divina que há dentro de cada ser vivente.
Quem tem mente religiosa está convicto de que ninguém consegue fugir de Deus, mesmo que se meta a viajar pelo espaço sideral à procura de um lugar onde não se possa encontrá-Lo. Ele está em nós e em todos os lugares, mesmo que os ateus não admitam – neste caso a negação é a própria confissão da existência, porque ninguém precisa negar a existência do que não existe.
Religião, política e futebol são segmentos distintos, porém, em determinadas ocasiões se interagem. O importante é discutir um e outro, os três, porque é da discussão que surgem as grandes ideias. O futebol mineiro não está lá grandes coisas. A política, a boa política clama por ser passada a limpo. A religião, a fé em Deus e o temor a Deus é que vão salvar a humanidade.
Na próxima sexta-feira, 11, Grão-Mogol, no Norte de Minas, viverá grande demonstração de fé: cerca de duas mil pessoas são esperadas para recepcionar o cardeal dom Serafim Fernandes de Araujo, que pela primeira vez vai à cidade a fim de conhecer o Presépio Natural Mãos de Deus, o maior presépio do mundo.
A ida de dom Serafim a Grão-Mogol vai coincidir com a chegada da figura do galo ao presépio, obra em tamanho muitas vezes maior que o natural. Uma coincidência, apenas. Pois como todos sabem, dom Serafim é torcedor aguerrido do Atlético, que tem no galo a sua representação. Pelo visto, uma visita como esta do cardeal a Grão-Mogol se revestirá dos três segmentos expostos nesta pauta: religião, política e futebol. Cada um na sua respectiva medida. Embora estejam juntos, não se misturarão, mas que individualmente são passivos de acaloradas discussões, ninguém poderá negar.


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Por Alberto Sena - 2/5/2012 11:12:26
Amor na Zona já tem data de lançamento

Alberto Sena

Quem cobriu o setor de polícia para O Jornal de Montes Claros (1970/ 72) e Estado de Minas (1972/79) durante quase dez anos acumulou na vida prática tudo que advém de matérias acadêmicas cujas denominações terminam em ‘gia’: antropologia, sociologia, psicologia etc., além de olho clínico para dizer o que é e o que não é. Daí fazer aqui, com base na vivência cotidiana, um vaticínio sobre o livro Amor na Zona organizado por Geraldo Maurício, do qual ele próprio participa, juntamente com mais 17 outros autores: o livro corre sério risco de ser lido e trelido em todo o Brasil depois de lançado em Belo Horizonte, na noite de 1º de junho próximo, uma sexta-feira, no Hotel Liberdade, de Paulinho Boechat. O evento já tem até nome: “Uma festa na zona”.
A equipe organizadora do lançamento concluiu que, se não mais existe aquela zona boêmia romântica e folclórica como antigamente, reconstruir o ambiente em “mise-en-scéne” de cinema poderia se encaixar bem naquela expressão: “A emenda saiu pior do que o soneto”. As zonas boêmias dos dias atuais têm outras características e se resumem em motéis, boates de show e danças. “É justamente isto que queremos mostrar”, disse Geraldo Maurício.
Amor na Zona foi organizado com base numa certa cronologia. Os textos, todos contendo narrativas do tempo em que lá em Montes Claros e de resto em todo o território nacional, a maioria dos homens iniciou vida sexual em zonas boêmias, estas existiam em profusão em determinadas regiões brasileiras, numas mais e noutras menos. Em Montes Claros havia na época contextualizada, verdadeiro “amor de zona”. Havia certo romantismo, glamour até.
O livro a ser lançado será lido tanto quanto por quem vivenciou experiências semelhantes na época retratada, 1960/70 e até antes, como pelas gerações atuais. Despretensiosamente, o livro traça uma linha do tempo e por meio dele quem não conheceu poderá conhecer agora e comparar os avanços em relação ao sexo, antes considerado tabu e hoje banalizado. Tão banalizado que as zonas boemias tão desancadas em épocas passadas perderam a razão de existir, e se existir ainda alguma deve estar restrita aos rincões do Brasil.
O leitor vai perceber, naquele tempo em que se namorava de mãos dadas, beijos fortuitos eram roubados, abraços, e quando muito em alguns casos se conseguia “um sarro”, como se dizia na época, ao contrário de hoje, tudo pode acontecer entre os namorados logo no primeiro encontro. A diferença é que naquelas décadas perdidas no tempo, amor de zona tinha romantismo também. Havia, inclusive, casos de pessoas “bem-casadas” da sociedade montes-clarense que mantinham mulheres na zona boêmia. Diziam: “Não mexa com aquela ali não porque ela é mulher de fulano...”
Amor na Zona tem prefácio do escritor, ex-juiz de direito, roedor contumaz de pequi, Augusto Vieira, que atende pelo epíteto de Bala-Doce. O livro traz textos de Darcy Ribeiro, João Valle Maurício, Mario Ribeiro Filho e de gente muito viva como Ademir Fialho, Augusto Vieira, Alberto Sena, Armênio Graça Filho, Alvarez, Haroldo Tourinho, Hildeberto Mendes, Geraldo Maurício, Marcos A. Pereira, Mazinho Silva, Murilo Antunes, Paulo Henrique Souto, Raphael Reys, Tininho Silva e Virgínia de Paula.
O lançamento do livro acontecerá na véspera do Dia Internacional das Prostitutas (dois de junho). A data veio a calhar, porque estão previstos vários eventos em Belo Horizonte neste ano. Esse foi o gancho que a equipe organizadora do lançamento precisava para promover o evento, que é do interesse de homens e mulheres, profissionais de psicologia, antropologia, sociologia, sexologia, literatura, intelectuais/jornalistas e quem mais se interessar possa.
Como escreveu em 2008, Letícia Barreto, autora de uma tese sobre a prostituição em Belo Horizonte, nas cercanias da Rua Guaicurus, “zona boêmia pode também ser uma coisa séria”. E era mesmo, pelo menos lá em Montes Claros. Naquela época, zona boêmia era tão séria que “as pessoas de bem” davam voltas para não passar próximas do local. Para as crianças então, zona boêmia era a mesma coisa que “casa do capeta”. Mal sabiam esses meninos que logo estariam fazendo diabruras por lá.


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Por Alberto Sena - 27/4/2012 16:24:08
O presépio de Grão-Mogol e a carga de emoção

Alberto Sena

Lúcio Bemquerer, gramogolense que cumpriu exílio involuntário de Grão-Mogol, para onde retornou depois de 20 anos, podia ser o que quisesse na vida, até ministro, sem falar nos convites recebidos para ser candidato a governador ou secretário de Estado. Recusou a todos com o jeito polido de ser. Economista e sociólogo, ele optou por ser empresário e durante bom tempo esteve à frente da Prosper Consultoria, em Belo Horizonte, com os companheiros Waldemar e Rúben.
Lúcio Bemquerer deu voltas pelo mundo. Foi presidente da Associação Comercial de Minas (ACMinas) por duas vezes; durante cinco anos foi diretor-executivo do Fórum de Líderes da Gazeta Mercantil, que reúne cerca de mil dos maiores empresários brasileiros. E por aqui paro.
O intento, neste momento, é contar o quanto Bemquerer vive hoje muito mais do que sempre, quando levava vida de empresário de terno e gravata entrando e saindo de aviões. Idas e mais idas a São Paulo, onde eram feitas as reuniões do Fórum de Líderes; idas e mais idas ao Rio de Janeiro, onde mantinha um apartamento.
Faz, se muito, três anos que Bemquerer redescobriu a terra natal. Lá ele vive a melhor etapa da vida dele. Reformou um casarão antigo na Praça São Sebastião. Ao final do casarão, ele construiu uma cozinha moderna com vidros temperados para não esconder a paisagem da Serra do Espinhaço. Fez duma pedra enorme deixada dentro da cozinha uma adega. Ao fundo, do lado de fora, plantou um jardim e instalou mesa e bancos, e deve ter sido dali que, de tanto observar o conjunto de pedras embaixo do terreno, veio-lhe a iluminação de construir o um presépio.
A partir desse momento, a vida de Bemquerer começou a mudar. Comprou o terreno, tomou todas as providências necessárias e contou com a participação de gente-bem e em oito meses a obra estava sendo inaugurada e o Brasil e o mundo tomaram conhecimento de que em Grão-Mogol, no Norte de Minas, surgiu um presépio, o maior do mundo na categoria de natural, perene, a céu aberto.
A carga emocional vivida por Bemquerer nesses últimos, digamos, 15 meses, ninguém a não ser ele mesmo é capaz de expressar tamanha energia. Desde o início da construção do presépio, que em verdade já estava pronto há milhões de anos, semeado pelas Mãos de Deus, ele não parou de trabalhar. Talvez esteja trabalhando mais do que antes quando estava metido em terno e gravata.
Bemquerer preservou as pedras. O que ele fez foi seguir o traçado das pedras para construir rampas pensando principalmente nas pessoas com necessidades especiais, os cadeirantes. Em outras palavras, ele retirou o mato e revelou o presépio pré-existente.
A noite da inauguração foi apoteótica. As luzes adequadamente instaladas e a lua cheia linda iluminavam o lugar de onde as vozes do Coral Maristela Cardoso, da Unimontes e do Conservatório Lorenzo Fernandez fluíam límpidas para toda Grão-Mogol ouvir. As autoridades civis, militar e religiosa ali estavam juntamente com os gramogolenses e gentes da região do Norte de Minas e da capital. Foi uma grande festa gravada eternamente, para anunciar enquanto durar a vida no planeta: o Menino Jesus nasce permanentemente em Grão-Mogol para salvar a humanidade,
Bemquerer não consegue conter a alegria e a carga emocional advindas do presépio porque foi por intermédio do presépio que ele pôde reencontrar amigos e amigas que nem imaginava pudesse rever, como por exemplo, as 48 mulheres do Grupo Lisieux. Elas estiveram em visita ao presépio e foi emocionante sob todos os aspectos. Elas, muitas delas, viúvas de homens com os quais Bemquerer conviveu, personagens importantes da sociedade montes-clarense.
Agora, do dia 11 a dia 13 de maio, Bemquerer se prepara para o que será a segunda inauguração do presépio: Grão-Mogol estará em festa com a visita do cardeal dom Serafim Fernandes Araujo. Ele visitará o presépio e depois rezará uma missa. São esperadas cerca de duas mil pessoas para a segunda inauguração do presépio.
Esta é a primeira vez que dom Serafim vai a Grão-Mogol. E se o presépio atraiu o cardeal, que, como sabemos desfruta do direito de ser eleito e de eleger o sucessor do Papa, há quem diga que a ida do Papa Bento XVI a Grão-Mogol, com o objetivo de conhecer o presépio, é bem possível, já que ele virá a Belo Horizonte, a convite do governador Antônio Anastasia.
Certamente que algum repórter astuto fará essa pergunta a dom Serafim, na primeira oportunidade que tiver. Podemos até imaginar uma possível manchete: “Papa Bento XVI em Grão-Mogol”.


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Por Alberto Sena - 23/4/2012 12:16:44
(...) Cerca de duas mil pessoas são esperadas no Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão-Mogol, Norte de Minas, para a missa que o cardeal dom Serafim Fernandes Araujo rezará no local, dia 12 de maio. O cardeal já confirmou a ida à cidade, aonde chegará dia 11 e cumprirá intensa programação até o dia 13. Essa será a primeira vez que dom Serafim visitará a cidade, atendendo ao convite do construtor do presépio, o economista e empresário Lúcio Bemquerer.(...)


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Por Alberto Sena - 23/4/2012 08:17:54
Encontro insólito com os “Músicos de Bremen”

Alberto Sena

Encontrar os “Músicos de Bremen”, em Bremen, na Alemanha, foi mais fácil do que podíamos supor.
Fazia frio em Bremen. O frio era acentuado pelo vento. Eles, os músicos de Bremen, eram em número de quatro – o burro, o cachorro, o gato e o galo – e nós éramos cinco. Um dos integrantes do quinteto era uma criança esperta de três anos de idade.
A nossa incursão rumo ao ponto onde encontramos os “Músicos de Bremen” começou dentro de um café. Era preciso esquentar as partes de dentro do corpo antes de irmos para as ruas enfrentar o frio.
Em meio ao ruído do vento se podia ouvir longe, muito longe, ora um tropel parecido com o do burro da história contada pelos Irmãos Grimm, como se ele estivesse correndo pelas ruas; ora se podia ouvir também o latido de um cão, latido tão longínquo quanto o tropel do burro.
Houve até um momento em que se fez silêncio no café e ouvimos o miado de um gato e em seguida um galo de canto metálico cantou e encantou-nos. Tudo isto era a expressão clara de que estávamos no caminho certo.
Saímos do café e foi como se levássemos uma lambida de língua fria no rosto. Assim como quem não queria nada, fomos andando a espreitar ali e acolá, para não perder nenhum lance. Num certo ponto aconteceu aquilo que nós esperávamos: a chuva. Choveu frio e tivemos que abrir guarda-chuva e sombrinha. Mas nada, nem neve, se acaso tivesse caído, iria nos impedir de encontrar os “Músicos de Bremen”.
Fomos andando, os nossos olhos corriam em derredor em giros de 360 graus. Os nossos ouvidos capturaram um som misturado de ruído de animais, como se estivéssemos chegando num Zoo. A criança de sete anos dentro de mim se sobrepôs num salto e identificou o lugar ao virar uma esquina. E para a nossa surpresa, os quatro músicos de Bremen viraram monumento de metal parecido com cobre, quando nós é que tínhamos de virar estátuas diante da grandeza dos bichos.
Estavam lá, não em carne e osso, como gostaríamos que fosse, mas metalizados, os quatro que, na história dos Irmãos Grimm fizeram ladrões fugirem em desabalada carreira, como fugiam os chamados “amigos do alheio” de antigamente lá no Brasil, país distante cerca de oito mil quilômetros daqui. As patas do burro brilham e rebrilham sob a luz do sol de tanto que as pessoas passam as mãos nelas.
Ali estávamos diante e dos lados dos personagens que pareciam tão reais como sempre foram tanto fora como do lado de dentro do mundo da imaginação. Prova cabal do quanto são competentes os alemães ao darem vida à fantasia que ajudou a formar o imaginário de gerações de seres humanos e ainda por cima gera rios de dinheiro com a fama da história que correu e ainda corre mundos e fundos.
Em Bremen, quase tudo gira em torno dos “Músicos de Bremen”, vistos em versões diferentes umas das outras e em toda forma de miniaturas. Estar ali, ser fotografado junto ao monumento, foi em verdade uma viagem insólita até o universo fantasioso das histórias de então, em tempos bons lá em Montes Claros, carregadas de mensagens que quais pilares ajudaram a formar o caráter de gerações ao redor do mundo, porque os Irmãos Grimm, e também escritores brasileiros como Monteiro Lobato e Lúcia Casasanta, foram almas iluminadas que nos deixaram bela herança cultural.
Os brasileiros devem se espelhar no marketing alemão em torno de uma fantasia, para caírem na real de fazer o mesmo em relação aos nossos valores. Minas, como síntese do Brasil, possui escritores, poetas, cronistas, gente da mais alta estirpe, que pode ser explorada no melhor sentido, a fim de atrair o turismo cultural.
Guardadas as diferenças geográficas e as questões climáticas, o Brasil possui potencial mal explorado, e no caso particular de Belo Horizonte, o estrago que vem sendo feito na Savassi, é de partir o coração. A Savassi perde a cada dia a possibilidade de vir a ser, mal comparando, pois está aquém, ao Batel, de Curitiba, e à Rua Vieira Souto, de São Paulo, ou algo parecido.
Até o momento sob o impacto de tão impactante encontro com os “Músicos de Bremen” conformamo-nos, enfim, jamais poderíamos encontrar vivos os quatro valentes porque eles foram uma invenção fantasiosa dos Irmãos Grimm.
Invenção fantasiosa que ganhou vida própria e rende rios de dinheiro para a cidade de Bremen, numa demonstração exemplar de como fazer o marketing da fantasia materializar euros no mundo real.


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Por Alberto Sena - 19/4/2012 10:31:14
Lembranças do Dr. Oswaldo

Alberto Sena

Uma das imagens marcantes que conservo dele faz o ponteiro da vida bater em sentido contrário num mergulho ao início da década de 1970. O corpo de um homem havia sido encontrado, carbonizado, no município de Brasília de Minas. A princípio as suspeitas eram de que o crime tivesse sido encomendado por questões relativas à seara da política local. Veio de Belo Horizonte o coronel Humberto, que acabou virando delegado de Montes Claros, para apurar o assassinato praticado com características de pistolagem. Segundo a polícia, a vítima teria sido morta em Montes Claros e o corpo fora levado para o município de Brasília de Minas, de certo com intenções de transferir responsabilidades e criar dificuldades para apuração.
À época, eu era “foca” no jornalismo como se é em verdade a vida inteira. Coube-me fazer a cobertura do assassinato e corria a boca pequena que um suspeito havia sido preso. O caso foi acompanhado por uma promotora vinda de Belo Horizonte especialmente para essa missão. O “foca” em questão era tímido ou nem mesmo sabia como abordar as autoridades da época para colher informações.
Cheguei à redação e ele foi logo me perguntando, e devo confessar, levei um susto. Foi mais ou menos este o diálogo:
_ Alguma novidade sobre o caso de Brasília de Minas?
_ Não.
Disse-lhe.
_ Como não?
_ A polícia não quer dar nenhuma informação.
Eu disse.
E então ele entrou para o escritório dele, contiguo a redação, pegou o telefone preto e discou para a promotora que se encontrava em Brasília de Minas. Conversou com ela durante uns dez minutos, tempo suficiente para arrancar dela uma manchete de impacto, considerando que o caso ganhou repercussão nacional.
Enquanto ele conversava com a promotora, caneta e papel a mão, anotava tudo com agilidade, de modo que ao terminar de falar com a mulher, apanhou algumas laudas de redação e ao invés de sentar-se à máquina para escrever, ele, em questão de poucos minutos escreveu de próprio punho a reportagem e a elevou para os linotipistas Andrezzo e Milton gravarem em chumbo.
Da redação, sentado de frente a porta do escritório dele, eu observava a maneira como ele escrevia e para mim aquilo foi marcante porque o tinha na melhor conta. Sabia-o homem de respeito, competente, que além de advogado trabalhara nos bons tempos do Diário de Minas, em Belo Horizonte, onde fora colega de redação de profissionais de renome ainda hoje na ativa.
Evidente que a essa altura quem o conheceu em vida sabe que falo do Dr. Oswaldo. Ele era chamado assim. De lado da redação ficava o secretário Waldyr e do outro era a sala dele. Se a gente queria entrevistar alguém por telefone, o melhor lugar era a sala do Dr. Oswaldo porque mais calma. A sala dele havia do lado esquerdo janelas basculantes que davam para um pequeno quadrado de área onde reinava um pé de goiaba.
Isto foi no tempo em que O Jornal de Montes Claros era na Rua Dr. Santos, 103, ali onde fica hoje uma agência bancária. O espectro da cidade atual já se podia vislumbrar, mas Montes Claros mantinha ainda os seus costumes, os hábitos acolhedores de uma cidade sempre hospitaleira.
Pelas mãos do Dr. Oswaldo e de Waldyr passaram nomes importantes da imprensa. Em verdade digo que na redação do jornal Estado de Minas, O Jornal de Montes Claros era famoso e passou a ser chamado de “Escola de Jornalismo”, numa época em que escola nenhuma de jornalismo havia em Minas.
Foi uma pena que o Dr. Oswaldo tenha sido levado a encerrar a circulação do O Jornal de Montes Claros. Pena, digo eu porque se a nossa cidade é o que é hoje, em termos de desenvolvimento, damos graças ao empenho do O Jornal de Montes Claros, principalmente, porque naquela época, quando escola de jornalismo não havia em Minas, a imprensa de Montes Claros (O Diário de Montes Claros e a Rádio ZYD7) tornou-se uma referência.
Montes Claros é cidade hospitaleira, mas tem demonstrado não venerar na medida certa o nome dos homens e das mulheres que fizeram a força e a grandeza da cidade de hoje. O Dr. Oswaldo foi um deles e deve ser lembrado até o final dos tempos.


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Por Alberto Sena - 17/4/2012 14:10:28
À procura dos “Músicos de Bremen”

Alberto Sena

A história dirigida ao público infantil, nos idos da década de 1950, intitulada “Músicos de Bremen”, contada pelos alemães Irmãos Grimm, foi uma das primeiras leituras, assim que comecei a me “desasnar”, termo que Darcy Ribeiro, ex-aluno do “Grupo Escolar Gonçalves Chaves”, onde também eu estudei, gostava de repetir sempre quando o assunto era educação.
Fiquei impressionado com a história dos “Músicos de Bremen”. E impressionado me encontro até hoje, mais de meio século depois da leitura dessa história, que agora aflora na lembrança como se fora um desejo em vias de se concretizar. É que da infância até os dias de hoje fatos interessantes se deram e os dois mais interessantes compartilho.
O primeiro é que minha filha se casou com um alemão e sabe onde ela foi morar? Em Bremen, na Alemanha. Foi como se, aos sete anos de idade, ao ler a história dos Irmãos Grimm, ela fosse para mim uma premonição do que se daria na minha vida mais de meio século depois. Resultado: ganhei um neto alemão, nascido em Bremen, que vai completar três anos de idade em meados de abril.
Daqui da minha janela mágica, de onde à distância posso contemplar os contornos da Serra do Curral, começo a sonhar. No sonho estamos com as passagens compradas e as malas prontas para embarcar pela TAP, num roteiro português, “com certeza”, rumo a Alemanha, onde Levi nos espera, junto com os pais dele, com uma bola de futebol na mão.
Como sonhar não é pecado nem requer gastos monetários, importa sonhar porque o sonho “é o prenúncio da realidade”. O desejo é tão forte e persistente que mais dia menos dia dará fruto possível a toda árvore frutífera.
Vejo-nos então nas ruas de Bremen perguntando a uns e a outros onde vivem os “Músicos de Bremen” para satisfazer a curiosidade do menino de sete anos que gostaria de tê-los abraçado e acarinhado na década de 1950.
Primeiro abraçaremos o burrinho, depois o cão, em seguida o gato, e, por último, o galo. Falaremos com eles o quanto foram corajosos. E se ainda for possível encontrá-los pelas ruas de Bremen gostaria imensamente de ir a casa deles para ver de perto como eles vivem hoje.
Quem não conhece a história dos “Músicos de Bremen” talvez não esteja entendendo essa conversa, mas em rápidas pinceladas, vai um resumo: eram eles animais descartados pelos donos e se juntaram em viagem estrada afora. Acabaram ocupando uma casa abandonada. À noite chegaram alguns assaltantes e cada um dos animais exercitou os seus dotes: o burro zurrou, o cão latiu, o gato miou e o galo cantou. Foi um festival de coices, mordidas, unhadas bicadas e bater de asas.
Houve um momento em que o cão subiu no dorso do burro, o gato ficou sobre o dorso do cão e o galo lá encima. Foi uma barulheira danada. Os assaltantes largaram tudo lá achando estarem sendo assaltados por um monstro. Se vivos ainda forem, devem estar correndo até hoje sem saber do que se tratava.
Vamos aproveitar essa parte do sonho para convidar os “Músicos de Bremen” a virem ao Brasil, com passagens, hospedagem em hotel de categoria cinco estrelas, tudo pago, a fim ver se eles são capazes ainda de criar versão nova da história dos Irmãos Grimm.
Se estiverem ainda em forma, possivelmente os “Músicos de Bremen” possam sacudir as árvores das florestas brasileiras a fim de derrubar os frutos podres, principalmente os frutos corrompidos pelos vermes da má política, que, esperamos, a Lei da Ficha Limpa possa varrer da nossa seara nas próximas eleições.
Se de tudo não for possível encontrar vivos os “Músicos de Bremen”, ficaremos contentes com pelo menos uma foto junto ao monumento que foi erigido em homenagem aos três quadrúpedes e ao bípede galo que puseram os foras da lei pra correr em desabalada carreira, como faziam os antiquados gatunos daqueles tempos.
Pelo menos uma foto queremos deles mesmo estando em bronze, para se juntar aos nossos guardados, a fim de provar para a posteridade que a história dos Grimm é tão real que até parece estar sendo escrita agora, a fim de mexer com o imaginário de crianças de sete a 150 anos.
E antes que me acordem sonho que estamos a bordo de uma Airbus em viagem de quase dez horas para a Alemanha. Dona Merkel que nos aguarde, porque queremos dela explicações críveis sobre essa crise europeia que coloca em risco a economia do planeta.


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Por Alberto Sena - 10/4/2012 09:25:40
Vamos jogar finca?
(Ou viagem por meio dum “buraco de minhoca”)

Alberto Sena

Depois de descoberto o potencial elástico dos fios de lembranças, podendo puxá-los de todo jeito ou até mergulhar por dentro deles, a impressão é de que são como os “buracos de minhoca” buscados pelos cientistas espaciais na tentativa de encontrar meios mais práticos, curtos e rápidos de explorar o universo.
À exceção das ruas centrais de Montes Claros, as demais eram de terra batida. Na época do estio, a poeira levantava à passagem de cada um dos poucos carros do trânsito local. Mas em compensação, quando era chegado o período das águas acontecia o milagre do reviver vibrante de tudo em derredor. O pó das ruas desaparecia e era então que se sabia chegado o tempo de jogar finca.
De tanto jogar, a pontaria ficava afiada que nem faca amolada. A finca seguia, com a maior presteza, o gesto de mão cuja linha era traçada a partir dos olhos rumo ao chão amolecido pela água da chuva benfazeja.
Com a lembrança desses momentos, hoje, se pode compreender a importância da brincadeira, quando o contato telúrico era em primeiríssimo grau, porque os pés descalços pisavam na terra e não em calçamento ou em ainda no incipiente asfalto.
Para quem está chegando agora, o que é narrado aconteceu há mais de meio século, no tempo em que as crianças inventavam os seus brinquedos, como confeccionar uma finca com as próprias mãos, tarefa que não é para qualquer um nem para muito adulto.
Primeiro era preciso procurar no quintal ou pelas ruas da redondeza de casa um pedaço de ferro próprio para servir de finca, depois de passado por minucioso, lento, paciente parcimonioso processo de uma quase alquimia.
Encontrado o pedaço de ferro apropriado, o passo seguinte era dado rumo à caixa de ferramentas para pegar um alicate. Ato contínuo prender o ferro ao alicate e levá-lo ao fogo diretamente ou às brasas do fogão a lenha.
Quando o ferro virava brasa, era o caso de imprimir a agilidade de um raio e correr ao quintal, e com o auxílio de um martelo e uma pedra fazer a ponta da finca, num trabalho semelhante ao de uma gueixa ao manusear o alimento com gestos delicados, cerimoniosos, pacientes.
Depois de idas e vindas, a finca aprontada, o próximo passo era arranjar um parceiro e iniciar a brincadeira, que, para quem não sabe, era assim: riscavam-se com a ponta da finca dois triângulos no chão, um distante do outro cerca de dois metros. Os triângulos seriam as “casas” de um e de outro.
Para iniciar de fato a brincadeira, era preciso cada um fincar a finca dentro da própria casa e o que conseguia fazer isto primeiro saía fincando a finca com a maior elegância no chão e enquanto ela estivesse caindo em pé, o jogador traçava no chão os riscos da sua jornada ao redor da casa do adversário até voltar à própria casa, dentro da qual era dado o golpe sacramental.
O gostoso da brincadeira estava justamente na volta, quando se podia traçar outra linha paralela à primeira, fincada por fincada, a mais estreita possível, para dificultar ao máximo a vida do adversário, que muitas das vezes não tinha pontaria boa o suficiente para passar por entre as estreitas linhas paralelas, quando era chegada a sua vez de fincar a finca.
Enquanto uns brincavam de finca, outros jogavam bolinha de gude ou corriam à caça de tanajuras apanhadas ao abano de camisas. Os sonhos eram tantos, mal cabiam no interior da caixa craniana.
De uma brincadeira se podia passar à outra, do modo como se davam as conversas dos adultos sentados nas portas das casas por conta de um dedo de prosa e de chupar picolé para driblar o calor.
Baseado na relatividade do tempo, tudo isto parece ter acontecido ontem. Naquela época, a pedagogia recomendava às crianças doses homeopáticas de leituras de fábulas, contos de fadas, parábolas e histórias que, como sementes lançadas ao chão, tiveram um tempo para germinar, cada uma segundo a espécie e a qualidade intrínsecas.
Montes Claros, mais de 50 anos depois desse ouro de aluvião que tomou conta de um estágio de vida desta geração, vive o que foi augurado antes, muito antes de nós, como cidade-polo.
Os fios elásticos de lembranças espicham, mas não partem, assim como o espectro da cidade cantada e decantada sobrevive dentro da metrópole e se poderá revisitá-la sempre, por meio de um “buraco de minhoca”.


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Por Alberto Sena - 2/4/2012 08:19:24
A bola de capota

Alberto Sena

Para aproveitar da elasticidade dos fios de lembranças, espichemo-los até o final da década de 1950 ao início do arquetípico ano de 1960, em Montes Claros.
Morávamos na Rua Corrêa Machado em frente ao Campo do time de futebol União Esporte Clube. O campo ocupava quase o quarteirão inteiro. Era contiguo ao Asilo São Vicente de Paulo, na extremidade norte; tinha divisa com a Rua Corrêa Machado ao sul; a leste fazia limite com a Rua Dr. Veloso, e a oeste com a Rua João Pinheiro.
O campo tinha resquícios de grama nas laterais, mais para a linha de fundo. No meio resplandecia terra vermelha característica do sertão montes-clarense. No início da desativação do campo, o portão fechado a corrente e cadeado, pairava sobre o lugar aura melancólica agravada pelo silêncio reinante.
Não havia mais o grito da torcida, as arquibancadas de madeira estavam entregues às intempéries, o mato crescia para completar o quadro de abandono.
Foi quando descobrimos ser possível usufruir daquele espaço, e para isto, bastava puxar com força o portão, abrir uma brecha nele por onde cada um podia passar. Primeiro o dono da bola de borracha.
E assim o campo ganhou vida novamente. Com o passar do tempo, alguém de unhas possantes ou com o auxilio de alguma ferramenta, achou por bem abrir um buraco no muro. Misteriosamente, o buraco aumentava de tamanho a cada dia. Numa manhã ensolarada apareceu esburacado o suficiente para uma criança entrar em pé sem abaixar a cabeça. O muro não era mais obstáculo às incursões da meninada.
A partir deste dia foi decretado amor eterno, enquanto durasse a alegria no usufruir diário e o dia inteiro do campo como se fora a segunda casa. Naquela ocasião, as férias escolares se resumiam em tomar o café da manhã e ir para o campo. Voltar na hora do almoço e rumar de novo para o campo. No meio da tarde retornar para tomar água e fazer às pressas um lance e voltar para o campo, até o cair da noite.
Nessa época percebemos: campo de futebol vicia a gente. Às vezes, em noite de lua cheia e com o adjunto da claridade da luz do poste da Rua Corrêa Machado, convocávamos reunião extraordinária. Tirávamos par ou impa, dividíamos as turmas e bola pra quem tem pernas. Jogávamos futebol numa alegria esfuziante.
Um dia o irmão mais velho chegou lá em casa com uma bola de futebol de couro, bola de capota chamada. Os olhos ficaram enormes sobre a bola. O irmão tratou logo de jogar ducha fria no fogo daquele olhar cobiçador: “Nem toque nela; vou guardar para quando eu me aposentar”.
A bola de capota ficou no quartinho dos fundos do quintal onde imperavam pés de abacate, pinha, goiaba, fruta do conde, urucum e uma parreira, além de dezenas de latas de plantas ornamentais que dona Elvira gostava de cultivar, como costela-de-adão, comigo-ninguém-pode, begônia, espada-de-são-jorge, brilhantina, samambaia, avenca, orquídea, entre muitas outras.
Volta e meia, enquanto dona Elvira remexia vasos e conversava com as plantas, sem que o irmão soubesse, a oportunidade era propícia aos chutinhos com a bola de capota. Só que a bola era grande demais para aqueles pés descalços. Saciada a vontade de dar chutinhos, era ela recolocada no mesmo lugar, dentro do quartinho.
Se anos depois a casa não tivesse sido derrubada para a construção de outra, lá no quartinho a bola de capota estaria do mesmo jeitinho em que o irmão a guardou para quando ele se aposentasse.
Hoje, mais de meio século depois de tudo isto, vivendo a terceira juventude e de direito aposentado faz já bom tempo, de fato ele ainda trabalha muito, donde se poderá concluir, de duas uma: ou é viciado em trabalho ou trabalha porque o trabalho o diverte. Ou as duas opções juntas.
Quanto à bola de capota, dela é capaz de ele nem se lembrar. E se naquela época, nem tempo tinha para jogar uma pelada no Campo do União, agora, a essa altura da juventude terceira, é que ele não vai jogar mesmo. E é uma pena, não porque ele tenha dependurado as chuteiras antes mesmo de tê-las calçado, mas porque a velha bola de capota sumiu.
O irmão nunca desconfiou de quantas vezes ela rolou nas terras vermelhas dos campos de futebol da imaginação e dos sonhos. Mas, reservadamente, só aqui entre nós, a bola de capota rolou também muito fora dos campos oníricos.


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Por Alberto Sena - 26/3/2012 08:36:38
Como se mudam os costumes

Alberto Sena

Em Montes Claros houve um tempo, início da década de 1960, quando a Igreja Católica ainda era hegemônica, que os jovens de então eram mandados ou levados pelos pais à igreja a fim de assistir a missa. Tanto podia ser na Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José, na Praça Dr. Chaves, missa rezada pelo famoso padre Dudu, ou na Catedral de Nossa Senhora Aparecida, padroeira de Montes Claros, onde o padre tinha olhos verdes, cabelos penteados da testa para trás, e era considerado o terror das donzelas useiras em decotes ou blusas de mangas curtas dentro da igreja. Estas disfarçavam os decotes e as mangas curtas com xales ou véus. Se alguma delas inadvertidamente entrava na igreja com roupas decotadas, lá de cima do altar, o padre ordenava que se retirasse da igreja. Para as donzelas isto era um vexame danado.
Acontecia com a maior frequência de os jovens irem à missa mais pela oportunidade de encontrar e flertar com as donzelas do que participar propriamente do rito religioso, mesmo porque as missas ainda eram rezadas em Latim, naqueles tempos de tranquilidade e romantismo que caracterizaram Montes Claros, com seus 100 mil habitantes ou até menos.
Enquanto o padre de temperamento nervoso fazia o tradicional sermão, os jovens e as donzelas, cada uma delas mais bem vestida do que a outra, “roupinha de ver Deus”, como se dizia na época, trocavam olhares, espargiam hormônios da testosterona por todos os poros, o padre esbravejava contra o comportamento abusivo da sociedade montes-clarense, antes, muito antes do advento da televisão na cidade.
Uns diziam que o padre era nervoso porque sofria de “neurose de guerra”, problema que nunca os jovens tiraram a limpo, se é que de fato ele tinha estado mesmo na Segunda Guerra Mundial como capelão, juntamente com os pracinhas que lutaram na Itália. Assim como também não havia comprovação do fato de o padre, fumante inveterado, ignorar completamente os ditames da Igreja, no concernente ao celibato. Corria à boca pequena que ele tinha mulher e filhos. Se isto era verdadeiro, só mesmo os filhos dele, a essa altura com mais de 50 anos, poderão dizer.
Montes Claros de então era uma cidade boa para se viver. O golpe de 1964 ainda não havia acontecido e as pessoas se divertiam com as fitas exibidas nos cines Coronel Ribeiro, São Luís e Fátima, que veio em seguida, além dos parques de diversão e os embates entre os times do Casimiro de Abreu e o Ateneu. O velho Ferroviário era como o time do América da capital, sempre em terceiro lugar. Os dois primeiros clubes deram importantes valores ao futebol mineiro e nacional, como Chinesinho, Manoelito, João Batista, Manoelzinho, Dito, Marcelino, Jomar e outros.
No domingo de manhã não se podia fazer nada, antes de ir à missa. Missa “assistida”, o programa era a Praça de Esportes para jogar pingue-pongue, nadar, jogar futebol de salão ou futebol numa área gramada chamada de “pista”, atualmente em risco de sumir de vista, se vingar as intenções da Prefeitura de Montes Claros; e a singular boate.
Quem é dessa geração logo vai se identificar com tudo isto aqui narrado e poderá muito bem fazer comparação entre a nossa cidade de então e a Montes Claros de hoje. Evidentemente, sob alguns aspectos, na década de 1960 a cidade era melhor. Mas em muitos outros, afora a segurança pública, matéria em que Montes Claros toma bomba, a cidade de hoje é melhor.
Mas a Igreja Católica não é mais hegemônica. As missas há muito tempo são rezadas em português e com o padre de frente para os fieis, ao contrário de quando eram rezadas em Latim. Hoje os decotes e as mangas curtas não incomodam mais porque as pessoas “participam” – antes “assistiam” – as missas como querem. A televisão veio e hoje a cidade simplesmente cumpre o que foi prenunciado em passado longínquo sobre a sua condição de cidade polo, com todos os bônus e os ônus.
Como montes-clarense com domicílio eleitoral em Belo Horizonte, daqui vejo o período como uma boa oportunidade para alertar os conterrâneos sobre a importância de escolher bem o próximo administrador da cidade, para que não tenham do que se arrepender depois. E passar o ano inteiro a reclamar dos políticos colocados na Prefeitura e na Câmara Municipal. Quem quer mudar alguma coisa, politicamente, vê as próximas eleições como ferramentas de saneamento básico, porque, nunca, em tempo algum, se falou tão mal dos políticos como nos dias atuais.
Nunca os políticos tiveram conceito tão baixo perante a população brasileira. As notícias de corrupção, propinas, superfaturamentos etc. circulam todos os dias. Quem não quiser ter do que reclamar depois, que então vote certo, tanto em Montes Claros como em todo o Brasil.
Quem avisa amigo é, como diz o velho deitado sob a marquise de uma das ruas estreitas de Montes Claros.


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Por Alberto Sena - 19/3/2012 08:21:33
A maior novidade do presépio de Grão-Mogol

Alberto Sena

Era previsível a influência do Presépio Natural Mãos de Deus na cidade de Grão-Mogol e região. Primeiro que a obra foi considerada pelos mais de sete mil habitantes no perímetro urbano da cidade como “a maior novidade”. Comparavelmente a um bólido descido do espaço dentro de um grande lago, a repercussão da notícia se espalhou de dentro para fora e o presépio já recebe visitas de estrangeiros com crescente frequência, o que também era de se esperar, tendo em vista a grandiosidade da obra tida como “o maior presépio do mundo na categoria de perene e a céu aberto”.
É na medida da visita frequente de almas crentes em Deus que os lugares santos são santificados. Veja o que se deu ao Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, desde há quase 1.500 anos. Dá para imaginar a quantidade de pessoas que santificaram o famoso caminho espanhol? Veja o que aconteceu a Fátima, em Portugal; e veja também o que acontece no Caminho da Fé, rumo ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida (SP), pela Serra da Mantiqueira, trilhado por romeiros e peregrinos. Por onde passa cada um deixa algo intrínseco à natureza humana, e como ser espiritual ao mesmo tempo capta as boas energias dos lugares.
Em síntese, é isto que se vê acontecer com o presépio de Grão-Mogol. A frequência das pessoas interessadas em ver de dia ou à noite a permanente mostra do nascimento do Menino Jesus, tem numa constância que pode ser visualizada por meio de uma ascendente linha imaginária nos livros onde os visitantes assinam e comentam o que acharam da obra.
O dramaturgo Nelson Rodrigues, o chamado “Anjo Pornográfico”, disse um dia que “a unanimidade é burra”. Como intelectual, ele disse isto em nível cerebral. A unanimidade testemunhada no presépio de Grão-Mogol vai além da massa encefálica humana, mergulha no universo espiritual por intermédio da fé. Não há nos livros onde os visitantes se manifestam nenhuma crítica em relação ao presépio.
Neste final e início de semana, informa Lúcio Bemquerer, o construtor do presépio, um grupo de membros do Rotary Clube de Montes Claros e da região visitou a obra sábado, e no domingo, equipes de profissionais da Emater-MG também foram conhecer o presépio. Os visitantes têm inestimável potencial multiplicador, a partir do clássico boca a boca ao acesso midiático.
Propositalmente, a grande novidade do presépio ficou para ser revelada ao leitor que até a este ponto chegou: uma figura semelhante a um rosto que a pessoas associam ao de Jesus Cristo é visto numa pedra lascada. Observem a foto e tirem as suas próprias conclusões. Lugar mais compatível para o rosto de Cristo surgir não havia melhor que no presépio de Grão-Mogol.
Mas tudo na vida é milagre. O fato de estarmos vivos é o milagre maior. Entretanto, o rosto de Cristo ser observado numa pedra lascada nada tem de extraordinário. No livro “O Homem e os seus Símbolos”, o psiquiatra e filósofo suíço, Carl Gustav Jung menciona o chamado “teste do borrão de tinta”, que serve de estímulo a “livres associações”.
O teste foi projetado pelo psiquiatra também suíço, Herman Rarschach, que explica: “Qualquer forma irregular e acidental é capaz de desencadear um processo associativo”, o que se pode aplicar ao caso da figura vista numa pedra lascada do presépio.
Ainda para citar Jung, conta ele no referido livro: “Leonardo da Vinci escreveu em seu caderno de notas: “Não ser difícil a você parar algumas vezes para olhar as manchas de uma parede, ou as cinzas de uma fogueira, ou as nuvens, a lama e outras coisas no gênero nos quais vai encontrar ideias verdadeiramente maravilhosas”.
A oportunidade de fazer esses tipos de associações está por todos os cantos de Grão-Mogol, onde até os liquens das pedras são convites ao devaneio, à meditação e às associações do tipo que o psiquiatra ensina. Afinal, Grão-Mogol ostenta o epíteto de “Cidade Presépio”.
Para breve o presépio receberá a visita do cardeal Dom Serafim Fernandes de Araújo, que se fará acompanhar dos vários bispos da região de Grão-Mogol e de Montes Claros. Essa visita, pode-se dizer será a consagração do presépio se for levado em conta que Dom Serafim, por ser cardeal, tem bom relacionamento no Vaticano, além de possuir autoridade eclesiástica para escolher o sucessor do Papa Bento XVI.
E por falar em Vaticano, o Papa vindo ao Brasil e a Minas Gerais (o governador Antônio Anastasia fez pessoalmente o convite a ele), quem poderá descartar uma possível ida dele a Grão-Mogol para conhecer o presépio?
Na pedra lascada, as pessoas enxergam um rosto; observe você também e conclua com os olhos do corpo e do espírito


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Por Alberto Sena - 12/3/2012 08:14:52
De como dona Elvira morreu

Alberto Sena

Não sei exatamente o porquê, mas hoje acordei com saudade de minha mãe. Uma pequena grande mulher, que, embora não possuísse dotes intelectuais expressivos, aprendeu tudo que sabia na vivência diária de mãe, com uma penca de filhos.
Lembrei-me dos olhos castanhos dela a me olhar, a me sondar, a me escarafunchar a alma querendo adivinhar, e adivinhando, o que se passava comigo. Surpreendi-a com o olhar prescrutador de mãe, o semblante diferente do costumeiro, entre sério e vaticinador. Perguntei o que ela pensava naquele momento e mãe desconversou-se.
Naquele dia eu estava de volta. Havia me transferido de Montes Claros para Belo Horizonte e aproveitei o pretexto do Dia das Mães para revê-la. Ela estava no quarto e eu fazia não sei o quê quando a vi olhar-me com aqueles olhos inquisidores que só as mães têm. No fundo, no fundo, eu sabia sobre o que mãe pensava. Por vontade dela, eu não teria saído de casa aos 22 anos para cumprir o meu destino na capital. Se dependesse dela, a minha saída de casa só aconteceria depois de casado, como se deu com os meus irmãos e irmãs.
Naquela época, fevereiro de 1971, Montes Claros parecia, ao contrário de hoje, uma cidade pequena demais para mim. Cada um dos amigos já havia ido atrás do seu próprio destino. Ficou em mim enorme sensação de vazio. As ruas da cidade não tinham mais nenhum atrativo. Tinha mesmo que ir-me embora. A maioria dos amigos viera para Belo Horizonte.
Soube depois que mãe não se conformara com a nossa separação. Talvez porque ela não estivesse em condição de compreender que filho é como passarinho, assim que ganha asas voa para cumprir o próprio destino traçado por Deus, sujeito ao livre arbítrio.
Trago na lembrança, muito vivamente, o olhar da minha mãe. E talvez tenha sido aquele olhar que me ajudou mais tarde a viver e a compreender aquilo que escreveu Gibran Kalil Gibran em “O Profeta”, livro cheio de sabedoria: “Vossos filhos não são vossos filhos; são filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma; vieram através de vós, mas não de vós; e embora vivam convosco, não vos pertencem”.
Kalil Gibran me ajudou muito a compreender a minha atitude ao deixar a casa de mãe. E me ajudou também a não alimentar sentimento de culpa porque, afinal de contas, eu estava cumprindo o que era o meu destino. Com o tempo, mãe se acostumou com a minha ausência física, porque a toda mão mantinha contato com ela por telefone e a visitava nas ocasiões festivas.
Mas o olhar dela jamais saiu da minha lembrança. Ela partiu já faz 27 anos. Morreu em Belo Horizonte, no Hospital Mater-Dei, o mesmo hospital em que há 25 anos nasceu o meu filho Pedro, em 15 de janeiro, dia em que meu pai morreu, em 1961.
Mãe morreu devido a um erro de diagnóstico. Quanto a isto não há a menor dúvida. O médico responsável pelo tratamento, cujo nome propositalmente omito, também já morreu. Ele era muito conhecido na capital. Tornou-se político influente e talvez a política tenha suplantado a competência dele no exercício da medicina.
O médico me disse, na ocasião, que estava estudando o caso da minha mãe. Ia curá-la, como afirmou com medicação a base de cortisona e que por isto “ela vai inchar um pouco, mas não é para se preocupar”. Acontece que mãe, ao contrário, começou a definhar, mas o abdômen sim ficou inchado. E ela reclamava de dores. Mãe voltou ao médico três vezes e ele disse: “Não se preocupe, é assim mesmo”.
Na quarta vez que tivemos de levá-la ao hospital, o médico não se encontrava lá. Ela foi atendida por outro profissional, que me disse, textualmente: “É preciso operá-la com urgência, senão ela morrerá; mas ela pode morrer também na mesa de operação”. Não havia alternativa.
Lembro-me bem: eu e a minha irmã mais nova acompanhamos mãe deitada na maca até à porta da ala onde ela foi operada. Dei-lhe o último beijo na face e fiz na testa dela o sinal da cruz. Mãe tinha olhar semelhante àquele que ela lançou-me pouco depois da minha partida para Belo Horizonte.
No dia seguinte, a notícia veio por telefone: “Venha para o hospital porque mãe não está bem”. Eu a encontrei no CTI e ela respirava com a ajuda de aparelho. Aliás, como pude verificar vida mesmo não havia mais naquele corpo miúdo, valente, fervoroso de mãe. A máquina é que comandava o movimento de abrir e fechar de boca, dando a impressão de que ela ainda respirava. Era Dia das Mães.


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Por Alberto Sena - 8/3/2012 14:11:51
Padre alemão visita presépio de Grão-Mogol

O padre alemão Dertram Princellius, da Arquidiocese de Berlim, visitou o Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão-Mogol, Norte de Minas, e sugeriu inscrever a obra no Guiness Book, “porque é o maior do mundo e não há nada igual”. O padre é coordenador de uma forania em Perleberg, distrito de Prignitz, estado de Brandenburg, e segundo o construtor do presépio, economista e sociólogo Lúcio Bemquerer, “o padre ficou encantado e escreveu no livro de visitas: Presépio feito sob a inspiração divina”.
O padre alemão fez a visita ao presépio em companhia do monsenhor José Osanan de Almeida Maia, chanceler da Arquidiocese de Montes Claros, que também não conhecia a obra e se dizia impressionado. A visita de Princellius foi de dia. Ele celebrou, em seguida, uma missa na Matriz de Santo Antônio, em Grão-Mogol, e à noite, sob o clarão de uma bela lua cheia, ele voltou para ver a obra iluminada.
Segundo Lúcio Bemquerer, vários padres já foram ao presépio, inclusive estrangeiros, mas este é o primeiro padre alemão residente na Alemanha a visitar o presépio. Princellius tem 66 anos e sofre de artrose. Mas o problema de saúde não o impediu de subir e descer as passarelas do presépio. “Ele ficou impressionado com a beleza natural da lapa / manjedoura”, disse Bemquerer, que ouviu do religioso alemão ideias sugestivas para incremento do presépio.
Inaugurado em dezembro do ano passado, o presépio já recebeu quase 20 mil visitantes até hoje. Para breve, está prevista a visita do Cardeal Dom Serafim Fernandes, que será acompanhado por todos os bispos em atividade no Norte de Minas.


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Por Alberto Sena - 5/3/2012 08:54:04
“Amor na Zona”

Alberto Sena

Uma grande parte dos homens montes-clarenses hoje na faixa dos 50 anos de idade para cima iniciou vida sexual na zona boêmia de Montes Claros. Zona boêmia havia em profusão, na cidade, nas décadas derradeiras do século passado, antes, muito antes do advento dos motéis.
Falar de sexo naquela época era tabu. Hoje em dia, tudo mudou. A iniciação sexual da juventude acontece mais cedo diante da acessibilidade às informações a respeito de sexo, via TV, internet e outros veículos mais, que fizeram desaparecer do mapa a zona boêmia.
Tanto tempo depois daquelas incursões à zona boêmia de Montes Claros, que carregava o epíteto de “baixo meretrício”, quando na realidade era “um amor de zona”, com certa dose de glamour até, o montes-clarense Geraldo Maurício percebeu que, no mínimo seria interessante traçar nos dias atuais uma linha do tempo até àquela época do século passado, quando muitos senhores “bem casados” da sociedade montes-clarense eram assíduos frequentadores das “casas das mulheres” – Anália, Roxa, Zé Coco, entre outras tantas.
Foi com essa motivação que Geraldo Maurício coordenou outro livro, este considerado primo-irmão do primeiro – “Éramos felizes e sabíamos” – intitulado “Amor na zona”, no qual personalidades de Montes Claros, muitas delas ainda no meio de nós e outras pos-mortem, contam suas experiências na zona boêmia daquela época em que se amarrava cão com linguiça.
Trata-se de uma coletânea de histórias assinadas por Ademir Fialho, Augusto Vieira, Armênio Graça Filho, Alvarez, Darcy Ribeiro, Haroldo Tourinho, Hildeberto Mendes, Geraldo Maurício, João Vale Maurício, Marcos A. Pereira, Mario Ribeiro Filho, Mazinho Silva, Murilo Antunes, Paulo Henrique Souto, Raphael Reys, Tininho Silva, Virgínia de Paula e, para completar, dois textos de minha simplória autoria.
O livro debulha o tema sem saudosismo e de forma bem humorada, sem o uso de linguagem chula, mas com boa dose de romantismo, porque naquela época a zona boêmia era com frequência o fim da noite de muitos dos que viveram as transformações sofridas por Montes Claros até se tornar essa metrópole de meter medo, devido à violência trazida de fora, a partir da BR 251, que corta a cidade.
O livro está pronto. Tenho comigo um exemplar, e posso dizer que, afora a minha participação, a picardia, a beleza e o ineditismo das histórias vão aguçar a curiosidade de gerações de ontem e de hoje, não só de montes-clarenses, mas de modo geral, dos brasileiros, porque as lembranças da zona boemia ainda estão vivas, muito tempo depois do advento dos moteis e em meio à licenciosidade sexual.
Falta agora só definir o local, o dia e o horário do lançamento do livro, em Belo Horizonte e Montes Claros. Para manter as características da abordagem, o lançamento deverá ser em algum lugar o mais próximo possível da compatibilidade do tema. Em seguida, o livro será lançado em outras praças.
O tema é instigante, despertará a curiosidade e o interesse de leitura da parte de homens e de mulheres, indistintamente.
Na época retratada nas 127 páginas do livro, “as moças de família” tinham curiosidade de saber como era a zona boêmia tão decantada em prosa, versos e outras maneiras mais que ouviam dizer e eram proibidas até de se aproximar do lugar.
Algumas delas devem ter conseguido satisfazer a curiosidade, é possível, antes do desaparecimento da zona boêmia. As que não tiveram a mesma sorte poderão, enfim, se satisfazer lendo o livro “Amor na Zona”, com prefácio do escritor Augusto Vieira, o Augustão Bala-Doce. Li o livro de cabo a rabo e posso dizer que tem tudo para ser sucesso de público, o tema é incomum. As histórias contadas pelos 18 autores são curtas e de leitura fácil porque simples. A coletânea, além de atrativa para leitores de todos os níveis e idades, é um prato cheio para sexólogos, sociólogos, antropólogos e quem mais queira pesquisar, estudar ou mesmo se divertir com os casos contados por respeitados senhores montes-clarenses, que ajudaram a transformar Montes Claros.
Lançamento em breve.


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Por Alberto Sena - 27/2/2012 08:34:27
Facebook perde a magia

Alberto Sena

Grande parte dos amigos no facebook é de Montes Claros. É possível que uns discordem e outros concordem, montes-clarense ou não: o facebook perde a magia. Deixou de ser novidade. No início, causou frisson, talvez pela curiosidade em relação à novidade, e se poderá até dizer, pela possibilidade de reencontrar, ao menos virtualmente, pessoas sobre as quais não se tinha notícia do paradeiro. Pessoas que passaram por sua vida da mesma forma como você passou pela vida delas. Mas reencontrar o fio da meada perdido depois de tanto tempo, trazer o passado para o presente pode vir a ser algo inócuo.
No primeiro momento, cada um mostrar o que anda fazendo ou mesmo dedicar preciosos minutos em bate-papos com amigos virtuais, postar comentários, fotos, vídeos etc. tudo isto foi e ainda é bom, diverte. Mas não tem mais o gostinho especial da novidade, quando era expectante “entrar no facebook”.
Com o passar dos dias, observando essa ferramenta da rede social, se pôde descobrir que é uma maneira de as pessoas massagearem o próprio ego e o ego dos outros. Quem aderiu à rede há mais tempo, se ainda não se despertou para o detalhe, poderá verificar, daqui para frente: a afluência diária das pessoas ao facebook caiu.
A situação ficou no seguinte pé, conforme se pode depreender do comportamento humano: “O importante é o que eu posto na rede; importa só que leiam ou vejam o que postei e façam comentários a respeito; assim o meu ego infla feito balão”.
O que o outro, “o amigo ‘facebuquiano’ postou não importa”. Quando muito, ganha um “curtir”. Com uma ressalva: quem clica em “curtir” não quer dizer que leu ou viu o material postado. Até pode acontecer de ler ou ver e ao invés de comentar preferiu só clicar no “curtir”. Pode ser.
Acontece com frequência de clicarem em “curtir” só para, como se diz, “fazer média”. Na realidade, além de um exercício de egocentrismo, o facebook vai levando as pessoas a exercitarem outros comportamentos também.
Há quem realmente lê ou vê o que os outros postam. Mas o número dessas pessoas diminuiu com o passar dos dias. E o fato de serem poucos os que fazem isto, é possível identificá-los e contá-los nos dedos de uma das mãos.
Outra coisa observada hoje no facebook: se antes a rede foi usada para mobilizar pessoas em torno de ações sociais de relevância, o que se vê agora, com exceções, são inserções irrelevantes, que denunciam a mediocridade do que circula nos meandros da massa encefálica.
Antes, o facebook chegou até a despertar expectativa semelhante a daquela criança, que, estimulada pela possibilidade de uma novidade guardada para o dia seguinte, dorme mais cedo para a noite passar logo e ela ganhar o presente. Em outras palavras, o facebook, para muita gente, chegou a ser quase paixão, cujo vigor se esvaiu com o tempo e a ferramenta se torna agora simples companheira.
Para dar um exemplo prático, tomemos a questão da corrupção. Houve – e isto é preciso realçar – reação vigorosa contra a corrupção, no âmbito do facebook, mas hoje pouco se age contra esse cancro da sociedade brasileira, responsável por problemas em cadeia, à medida que políticos, empresários etc., se apossam do dinheiro público.
Pior: o dinheiro furtado não volta aos cofres públicos. E precisamos exigir o ressarcimento do que foi furtado, corrigido. Notícias são publicadas, o valor do furto é anunciado, mas o dinheiro desaparece feito fumaça, o que leva as pessoas mal intencionadas a concluírem, diferentemente de outros tempos, quando se cunhou a frase, “o crime (não) compensa”. Isto é muito triste.
Posso suscitar com esta catilinária reações dos amigos “facebuquianos” as mais diversas. E se de fato isto acontecer consideremos como “uma novidade”. Ninguém é obrigado a concordar com as elucubrações dos outros, mas o marasmo poderá ser constatado a partir de um “tour” pelas postagens nas páginas do facebook.
Particularmente, opto por gerar consequências. Evidentemente, quero que as pessoas leiam o que posto e comentem. “Curtir” somente pode ser interpretado como “desinteresse?” Pode e não pode.
Gosto de curtir o que os outros postam, mas gosto também de fazer comentários. Em verdade, os comentários são o tempero, a pimenta, o azeite e os demais condimentos que poderão resgatar a magia do facebook; magia que se perde.


70484
Por Alberto Sena - 22/2/2012 10:06:12

Morro Dois Irmãos em questão

Alberto Sena

Nesta quinta-feira, 23, quando o País já deverá estar refeito da rebordosa do carnaval, em Montes Claros membros do Conselho de Política Ambiental (Copam) farão uma reunião técnica para examinar o pedido da Lafarge (antes Matsulfur) de operar em área próxima ao símbolo da cidade, o Morro Dois Irmãos. Mas uma resposta só deverá ser dada depois que os conselheiros representantes da Semma, MP, Fiemg e Ongs, que pediram vistas ao processo, já tiveram uma opinião formada sobre o pedido da indústria.
Munido de fotos aéreas, Eduardo Gomes, coordenador técnico do Instituto Grande Sertão, de Montes Claros, confirma a degradação do símbolo da cidade, particularmente o menor do Morro Dois Irmãos, degradação denunciada pelo paleontólogo, advogado e escritor Leonardo Álvares da Silva Campos. A exploração cimenteira destruiu um quarto do morro, já faz 20 anos.
Agora, por meio do processo Nº 00380884/2012, deu entrada na Superintendência Regional de Regularização Ambiental (Supram) de Montes Claros pedido de licença de lavra do último vizinho ao Morro Dois Irmãos, e em virtude disto, há o receio de que a Lafarge retome a exploração no menor deles, segundo mensagem Nº 70388, de 11 de fevereiro, publicada neste montesclaraos.com.
“Vale lembrar” – disse Gomes – “que em 1993, quando a ainda Matsulfur fez o primeiro Eia / Rima da indústria, houve audiência pública na Câmara Municipal e a preservação das feições do Morro Dois Irmãos, no mínimo sua visibilidade da cidade com o aspecto de símbolo”, foi uma das garantias.
Segundo informou ele, em 2007 o processo foi aprovado “com a condicionante de criar uma reserva, no prazo de 24 meses, o que não aconteceu até hoje”. Gomes afirma: “O Estado foi conivente com a falha da empresa, contra a qual caberia, inclusive, uma autuação e um processo no Ministério Público; mas passaram por cima de tudo, e agora, ela veio com novo processo de licenciamento, sem cumprir as determinações anteriores”.
Como se poderá observar em fotos aéreas feitas por Gomes, o Morro (o menor) Dois Irmãos se encontra nessa situação faz 20 anos, com um quarto dele explorado. “Não houve avanço” – disse – “quer dizer, como está ainda temos a possibilidade de preservação do que restou do símbolo da cidade”.
A escritora Virginia Abreu de Paula, da Academia Feminina de Letras de Montes Claros, conta que a fábrica de cimento foi inaugurada em 1969, na gestão do prefeito Toninho Rebello. “A autorização foi dada no mandato do prefeito Pedro Santos”, disse ela. E apresentou o Decreto Nº 57165, de 04 de novembro de 1965, que “autoriza a Companhia Materiais Sulfurosos Matsulfur a Pesquisar Calcário no Município de Montes Claros, Estado de Minas Gerais”. O ato foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) número 57165, de 08 de Novembro de 1965. “Quero saber quem eram os vereadores e se existe algum registro deste dia na Câmara Municipal”, disse Virgínia.
Ela se recorda muito bem “do susto que levamos ao saber que isso aconteceria”. A família estava à mesa de jantar quando soube da notícia e o pai dela, Hermes de Paula, saiu para buscar informações. Ao voltar, ele já estava mais tranquilo, mas “penso que meu querido pai, com toda sua sapiência, era facilmente ludibriado”. Ele chegou dizendo que a mineração não afetaria o Morro Dois Irmãos.
O Grupo Lafarge é francês e chegou ao Brasil em 1959, conforme informa o site da indústria, que tem como slogan “Matéria-prima para a vida”, com a inauguração da fábrica de cimento de Matozinhos (MG). A empresa se foi consolidando “no mercado brasileiro e construiu uma trajetória marcada pela capacidade empreendedora e pelo compromisso com o desenvolvimento sustentável”.
Lafarge possui sete unidades da divisão Cimento no Brasil, além de Matozinhos: Arcos, Santa Luzia, Montes Claros (MG); Caaporã (PB), Candeias (BA), Cantagalo (RJ) e Cocalzinho (GO)
Ainda conforme o site da empresa, “o Cimento Montes Claros é líder absoluto no norte de Minas Gerais e comercializado também na Bahia, é reconhecido como componente ideal para todos os tipos de obras, especialmente as que necessitem apresentar maior resistência e durabilidade”.
Considerando que “desenvolvimento sustentável” é uma das prioridades da empresa, a questão do Morro Dois Irmãos se apresenta como uma boa oportunidade para a Lafarge demonstrar, na prática, coerência em relação ao seu slogan.


70435
Por Alberto Sena - 15/2/2012 11:00:26
O símbolo virou casquinha?!

Alberto Sena

“O Morro Dois Irmãos será como o Pico do Itabirito, em Itabira (MG), apenas um retrato na parede”. Foi o que a jornalista, cronista e médica Mara Narciso disse ao acompanhar os textos publicados neste montesclaros.com e no Facebook sobre o que acontece com o símbolo de Montes Claros. “Nosso símbolo virou isso”, ela completou.
Para Mara Narciso, “quem pode fazer não faz por não querer ou por ter interesses monetários; e assim vamos vendo a desfiguração da nossa paisagem”. Ela lembrou que na década de 1970 “era o progresso, a glória, a industrialização, os empregos, o nome de Montes Claros sendo levado para o Brasil inteiro. Agora ficamos com a ferida, e os dólares se foram. A poluição deve ter matado de silicose um bocado de gente, e a degradação ambiental e a vergonha ficaram a nos espiar, a nos acusar de omissos, de cegos e idiotas. Estou envergonhada e nem sei por onde começar”.
Ao final, ela considerou “bom tema” este, jornalisticamente falando. Como repórter, Mara sabe avaliar bem uma boa pauta, mas além de ser isto ou aquilo, o mais importante é que o clamor tenha conseqüências. Se a mineração rói o Morro Dois Irmãos, feito rato rói o queijo, é porque “alguém” autorizou. Os empresários não seriam doidos ao ponto de agir ali de madrugada, em surdina.
É preciso questionar as autoridades de Montes Claros, e é o que fazemos neste momento, a partir da Prefeitura Municipal, Secretaria de Meio Ambiente, ambientalistas, poetas, gente simples do povo e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e quem mais tiver envolvimento nisto: quem autorizou os empresários a minerar no Morro Dois Irmãos? Isto, no mínimo, vale uma verificação, uma investigação.
“Ao menos os sonhos não morrem”, foi com essa frase que o paleontólogo, jornalista e escritor Leonardo Campos encerrou a catilinária romana em resposta à pergunta: “Como Montes Claros deixou isto acontecer?!" Disse ele: “Capitalismo selvagem, respondo eu. Se, quando o morro era devorado por trás, a fábrica gerava empregos diretos e indiretos, havia arrecadação a alimentar a obesidade do Estado, nós, preservacionistas, só víamos aquilo, impotentes. Eu mesmo denunciei o fato, diversas vezes, no jornal “O Diário de M. Claros”, até cansar. Os poetas, Alberto, os sentimentais, estão ficando em desuso, ou perdendo seu prazo de validade. Importante, no contexto geral de uma sociedade, é encher as burras de dinheiro, mormente em Montes Claros, onde grassam e se multiplicam como bactérias os colunistas sociais. Que se atropelem tudo, que tudo venha abaixo, como o Colégio Diocesano, o mercado velho, a casa de d. Eva, a sede antiga do Colégio Imaculada, desde que concomitantemente o dinheiro traga sorrisos e muito gáudio aos potentados, não tendo nenhuma força a voz dos sonhadores. Alberto Sena, Virgínia de Paula... Montes Claros assim se transforma: o forasteirismo descompromissado com nossas melhores tradições, sempre abocanhando um naco delas, como prova o Morro Dois Irmãos: só restou a casca da frente; o interior lindo virou cimento para construir novos espigões insentimentais, “ad perpetuam”.
A escritora Virginia Abreu de Paula, cujo pai, Hermes de Paula, é apontado pelo poeta e escritor Wanderlino Arruda como um dos “construtores de Montes Claros” acercou-se da roda do Facebook para dizer: “Pelo visto, assim como temos o livro “Construtores de Montes Claros”, seria importante editar um livro sobre “Os Destruidores de Montes Claros”, com fotos na capa.
Às voltas com os seus botões, Virgínia fica “pensando se não seria hora de se criar aqui uma sociedade de amigos da cidade, que realmente tivesse a função de trabalhar pela preservação do que ainda resta; não podemos desistir”.
Virgínia já tomou a iniciativa de enviar cópia do texto anterior ao Eduardo Gomes, do Instituto Grande Sertão, que encabeçou o pedido de tombamento da Serra com o Morro Dois Irmãos. “Sei que há pessoas lá dentro do conselho que nos apoiam, que têm real interesse. Não podemos dar por perdida essa causa porque ainda temos munição”, ela disse.
Pessoalmente, achei boa essa ideia de se criar uma “Sociedade dos Amigos de Montes Claros” para ajudar a frear a ação dos destruidores da nossa cidade e da região. Um livro sobre os destruidores também vale a gente pensar com o maior carinho. Como destruidores, eles também merecem figurar em livro tanto quanto os construtores. As diferenças entre uns e outros não são uma mera questão semântica.
Entretanto, ponho o tino jornalístico em funcionamento e concluo: no momento, o melhor a fazer é visitar o Morro Dois Irmãos, sacar fotos dele de todos os lados, filmá-lo. Se não aparecer ninguém que em Montes Claros esteja para fazer isto, irei aí exclusivamente para visitar o morro, porque, confesso, estou envergonhadíssimo. Achava que o morro (os dois) estava preservado, intocado. E tudo aconteceu e não ouvi nenhum clamor da imprensa de Montes Claros e de lugar nenhum contra essa agressão, esse desrespeito contra o símbolo da cidade.


70419
Por Alberto Sena - 14/2/2012 10:17:43
Morro Dois Irmãos pede socorro

Alberto Sena

Debruçado no parapeito da janela, inocentemente, pensava ter alertado os montes-clarenses que ficaram quanto à necessidade de proteger da sanha mineraria o Morro Dois Irmãos, símbolo de Montes Claros, quando fui surpreendido pelo comentário do paleontólogo, advogado e escritor Leonardo Álvares da Silva Campos, no âmbito do Facebook, que me permito transcrever, achando que, em assim fazendo, estamos iniciando uma discussão sobre a terrível degradação do nosso patrimônio; mais, o símbolo de Montes Claros.
Disse Leonardo Campos, autor do livro “A Inacabada Família Humana”, o que para mim, confesso, foi estarrecedor: “Infelizmente, Alberto, a coisa não está “mexida”, mas arrombada. Vendo o Morro Dois Irmãos por trás, a impressão que se tem é a de dois dentes com cáries na face oculta. Ou seja, o Dois Irmãos são uma dupla de casquinhas, para quem os vê da cidade, nada mais. Como está, nem com cirurgia “dentária”, eis que sua formação data do pré-cambriano superior, equivalendo eu dizer que sua idade é de 600/700 milhões de anos. Enfim, o que não tem remédio, remediado está”.
Em seguida respondi a ele declarando minha total ignorância em matéria de preservação do Morro Dois Irmãos: “‎Como Montes Claros deixou isto acontecer?! Fico espantado diante da inércia dos montes-clarenses que ficaram lá, Leonardo. Suas informações são gravíssimas, em minha opinião. Como que os poetas, os ambientalistas e as autoridades do setor ambiental deixaram isto acontecer? Foi em surdina? De madrugada? Ninguém viu?”
Nisto, a escritora Virgínia Abreu de Paula, da Academia Feminina de Letras de Montes Claros, em incursão pelo Facebook, pôs mais combustível na conversa que, sinceramente, espero, seja semelhante à água morro abaixo e ao fogo morro acima.
“Um grupo de pessoas”- disse Virgínia – “deu entrada a pedido de tombamento de toda a Serra dos Montes Claros, incluindo os Dois Irmãos. Esperemos que nosso Conselho do Patrimônio Histórico volte logo a funcionar e atenda nosso pedido.
“Uma coisa é certa: uma vez feito o pedido não poderiam fazer nada contra o local enquanto o Conselho não der seu parecer. Assim é a lei. Mas, quando fiz o pedido de tombamento do Ginásio Diocesano, ele veio abaixo sem o menor problema. O pedido não foi levado a sério. Eu acredito que este pedido referente a Serra será acatado. Mas é bom investigar. Como deixamos isso acontecer? Bem, não são muitos os montes-clarenses que dão valor a patrimônio histórico e à natureza. O dinheiro fala mais alto. Além disto, há muita informação errada. Eu, pelo menos, tinha certeza que o Morro Dois Irmãos estava tombado. Lembro de meu irmão conversando sobre isso, muito confiante que a Matsulfur ia parar com sua destruição. Mas, assim como eu estava enganada muitos outros também estavam. Pensando que o Morro estava a salvo, nada fizemos. No ano passado fiquei sabendo que a destruição continua. Quando trabalhei na Fábrica de Cimento tinha remorso por estar participando de uma firma que estava destruindo minha cidade. Não aguentei ficar mais de dez meses e foi este um dos motivos. Alguém conhece a poesia “O Morro Morrendo?” É sobre o Dois Irmãos. De autoria de Walmor, meu irmão. E vejo aí outra explicação para que a coisa tenha chegado a esse ponto. Geralmente, os sensíveis não são bons para tomar providencias. Não sabem o que fazer. Escrevem poesias, crônicas sentidas, compõem músicas em defesa deste e daquele lugar. Mas não conseguem ir á luta de fato para impedir os abusos. Gente, ainda é hora. Leonardo, não é verdade que não há jeito, que “o que não tem remédio remediado está”. Podemos salvar nosso símbolo se realmente nos empenharmos. Me ajudem a cobrar do Conselho uma resposta favorável. A cobrar que a lei do tombamento seja respeitada. Um pedido com várias assinaturas foi entregue ao secretário de Cultura Ildeu Braúna. Vamos todos ligar para lá e saber o andamento disto”.
Aos montes-clarenses ausentes e aos montes-clarenses que ficaram, principalmente à mídia local, o desafio está posto. Alternativa é uma só. Opções são duas. Ou salvemos o nosso símbolo agora, ou amargaremos em pouco tempo o peso da nossa omissão.
Leonardo, Virgínia, Simone, esta autora da mensagem Nº 70388, de 11 de fevereiro de 2012, publicada no montesclaros.com, que fez a denúncia baseada no fato de já ter dado entrada na Supram de Montes Claros, o processo Nº 00380884/2012, com pedido de licença de lavra do último vizinho ao Morro Dois Irmãos; e eu, jornalista montes-clarense radicado em Belo Horizonte, nós achamos que Montes Claros, se a cidade em união quiser poderá salvar o Morro Dois Irmãos da destruição. Antes agir tarde do que mais tarde.


70408
Por Alberto Sena - 13/2/2012 10:39:24
Poetas e ambientalistas uni-vos

Alberto Sena

“O Morro Dois Irmãos (complexo da Serra do Melo ou Ibituruna) poderá ser parcialmente destruído”. A denúncia abre a mensagem Nº 70388, de 11 de fevereiro de 2012, publicada no montesclaros.com, assinada por Simone. Ela faz a denúncia baseada no fato de já ter dado entrada na Supram de Montes Claros, o processo Nº 00380884/2012, com pedido de licença de lavra do último vizinho ao Morro Dois Irmãos.
O Morro Dois Irmãos, o símbolo de Montes Claros, lembra as pirâmides do Egito, uma ao lado da outra. Pensando bem, e se forem mesmo pirâmides como se pode observar por meio desta bela fotografia que estamos vendo agora, assinada por Vinícius Queiroga, imagem selecionada para o Google Earth?
Nesta perspectiva, se pode dizer também que o Morro Dois Irmãos se parece com os seios da terra do semi-árido. E se forem mesmo os seios da terra do semi-árido, além da necessidade de preservá-los a qualquer custo seria também o caso de mudar-lhes o nome? Ao invés de “Dois Irmãos” passaria a ser chamado “Morro Duas Irmãs”, porque se parecem com dois seios. Certo?
Errado. Estamos ocupados com a defesa de um morro, que, em verdade são dois, ambos investidos da força de um símbolo para uma cidade da grandeza de Montes Claros. Mexer num só fio telúrico do Morro Dois Irmãos devia ser a mesma coisa que mexer com os brios dos montes-clarenses de modo geral.
Deveria ser a mesma coisa que rasgar e queimar a bandeira de Montes Claros em praça pública. Ou senão apagar para sempre da memória dos montes-clarenses o hino da cidade, ou a canção “Amo-te muito”, de João Chaves.
Em símbolo não se mexe.
Nós já vimos muita coisa acontecer em Montes Claros, embora nem sejamos tão antigos assim. É que o progresso se acelerou de tal forma que nem se pode fazer uma comparação do que era com o que é hoje a cidade. Vimos o município alcançar as eras socioeconômicas do comércio de gado bovino ao carvão vegetal e ao algodão que o bicudo do algodoeiro comprometeu. Do comércio como cidade polo à cidade industrial e cultural da região. Todas as fases tiveram, e porque ainda persistem cada uma ao seu modo, têm ainda os seus lados positivos e negativos; uns mais negativos do que os outros e vice-versa.
Montes Claros e o Norte de Minas de modo geral entram noutro momento neste século XXI: a era mineraria. Trata-se de uma atividade devastadora, mais devastadora do que as outras atividades econômicas juntas, que, aos trancos e arrancos, fizeram o desenvolvimento de Montes Claros.
A mineração, além de devastadora é voraz sob todos os aspectos, porque ela chega com o poder dos dólares e se acerca de tudo. As áreas onde a mineração atua se assemelham a laranjas antes e depois de chupada até o bagaço.
Foi o que as Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), hoje Vale do Rio Doce, surgida durante a ditadura militar, fez ao quase destruir o principal cartão postal de Belo Horizonte, a Serra do Curral. Foi preciso denunciar que a mineradora tinha planos de minerar na serra ao ponto de rebaixá-la ao nível da Praça Rui Barbosa (Estação Ferroviária).
Um estudo da Fundação João Pinheiro feito, à época, alertava para o perigo, e então publicamos no jornal Estado de Minas uma reportagem editada por Roberto Drummond, que deu o seguinte título: “Sou gente-serra e eu hoje solto meu grito: estão me matando”. A partir desta denúncia e de outras que se seguiram, o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu o poema “Triste Horizonte”, e a MBR buscou tecnologia (por bancadas) menos degradante para preservar a fachada da serra vista pelos belo-horizontinos, porque do lado de Nova Lima ficou enorme buraco de mais de 200m de profundidade, que se vai enchendo d’água para virar um grande lago.
A Serra do Curral é um símbolo para Belo Horizonte tanto quanto o Morro Dois Irmãos o é para Montes Claros. A mineração costuma utilizar da tática do rato que come o queijo a partir das beiradas. Se o último vizinho do Morro Dois Irmãos já tem pedido de exploração, e sabendo da condescendência das autoridades, que os montes-clarenses fiquem de prontidão.
Que ninguém ouse tocar nos seios maternos do semi-árido. Poetas de Montes Claros socorram o Morro Dois Irmãos, como Drummond fez ao defender o símbolo dos belo-horizontinos. A força, a leveza e a beleza da poesia são fulminantes.
Portanto, poetas e ambientalistas uni-vos.


70404
Por Alberto Sena - 13/2/2012 09:15:52
Lembranças do tio Severo

Alberto Sena

Ele se recordou da infância, e foi como se tudo estivesse acontecendo novamente, mas não com a mesma afluência e nitidez como quando viveu mais de meio século atrás. Viu-se então sentado no chão da cozinha. Empurrava um carrinho de carretéis vazios, desses usados para linha de costura, com direito a todos os ruídos próprios dos carrinhos de brinquedo, ruídos produzidos na garganta, com ajuda da língua e dos lábios, costume que as crianças de hoje achariam no mínimo ridículo. A mãe dele junto ao fogão a lenha estava às voltas com os preparativos do almoço. No fogão ardiam as rachas de lenha que ele havia trazido nos braços escalavrados, compradas de um vendedor próximo de sua casa. No momento em que um passarinho que ele ouvia, mas nunca o via, cantou um canto mais ou menos parecido com “fii-fiii”, a mãe dele pensou em voz alta, antes de assoprar as rachas de lenha para aumentar as chamas do fogão:
_ Quando esse passarinho canta é porque vai chegar alguém.
_ Quem? Ele perguntou.
_ Não sei – a mãe respondeu.
Sempre que ela dizia isto geralmente acontecia de chegar alguém, mas era improvável a relação entre a chegada de alguém e o canto do passarinho. Muitas das vezes quem chegava era o irmão mais novo dela, Severo chamado, uma pessoa querida, boníssima, tímida, cujos pés eram virados para os lados, à moda Chaplin, o que lhe dificultava o andar.
Como sobrinho, ele amava o tio, que quando chegava de Jequitaí (MG), sempre trazia algum presente ou mesmo dava dinheiro “para você comprar o que quiser e o dinheiro der”.
Quando o tio chegava, alguém tinha de ceder-lhe a cama. E isto sempre sobrava para ele, ainda mais porque o tio era também o seu padrinho de batismo.
O tio tinha o costume de assoar o nariz à mesa, bem no meio da refeição, enquanto todos almoçavam ou jantavam. Naquela época eram quatro as refeições diárias, contando com os cafés da manhã e do “meio-dia”, este nunca servido antes das 2h.
A calma do tio, pelo que pôde observar muito depois, já adulto, era aparente. Embora nunca o tivesse visto demonstrando o nervosismo latente, soube que ele tentara tirar carteira de motorista seis vezes consecutivas, sem sucesso. Só conseguiu na sétima vez.
Talvez ele não fosse tão nervoso assim. Os pés dele possivelmente o impedissem de mostrar ao instrutor que já sabia dirigir bem, mas na hora de provar, se enrolava com freio, embreagem e acelerador.
O tio era exímio contador de piadas. Quem o visse contando uma piada não seria capaz de imaginar ser ele tão tímido. Uma vez, o tio contou a piada dos loucos que cismaram que eram jacas ainda na jaqueira. Todo dia um subia na árvore enquanto os outros gritavam lá de baixo: “Amadureceu”. E a jaca despencava lá de cima.
Essa piada contada desse jeito não tem a menor graça. Pelo contrário, isto era no mínimo uma tragédia diária, se de fato fosse verdade. Mas era só piada e contada pelo tio, com “misancene” ou mise-en-scéne, era de fazer as pessoas rirem até a barriga doer. Aquela pantomima parecia ao sobrinho e aos demais, o que havia de mais engraçado.
Mas havia uma terceira coisa no tio que o sobrinho e afilhado observava: o pito de cigarro de palha. Quando ele acendia o tal cigarro, com uma binga, o ambiente ficava com o cheiro do fumo de rolo. E ele costumava fumar o cigarro de palha dentro do quarto.
Evidentemente, as lembranças pululam na memória como simples reações naturais de uma criança, e só a essa fase as recordações devem ser creditadas. Crianças têm maneiras e maneiras de interpretar o mundo ao seu redor.
Se fosse hoje, se o tio entrasse por aquela porta, o sobrinho e afilhado o receberia com forte abraço e muita emoção. As lembranças a essa altura da vida, seriam motes de piadas contadas ao modo dele, o mais tímido e o mais engraçado contador de piadas. Para o sobrinho, o tio só não era melhor do que Oscarito, Grande Otelo e Zé Trindade, em voga na época.
Para compará-lo com alguém dos dias atuais, com uma dose de exagero, o tio podia quase se igualar a Chico Anísio, insuperável comediante que luta pela vida numa cama de hospital. Pena que naquela época não havia televisão. E o rádio nem tempo teve de descobrir o tio Severo Sena Leite, que foi, sem ter sido, grande humorista.


70339
Por Alberto Sena - 6/2/2012 09:30:50
Revolução armada na madrugada

Alberto Sena

Há fortes indícios de que eles estejam se organizando, cada madrugada um pouco mais, para lançar um movimento de guerrilha revolucionário. Nós pudemos constatar isto na noite passada, quando eles se reuniram na frente do nosso prédio, para discutir, certamente, um posicionamento quanto à estratégia de ação.
Não temos notícia se os mesmos indícios ocorrem também em Montes Claros, mas aqui, num raio de 200m ao redor de onde eles se reuniram ninguém dormiu na noite de sexta-feira para sábado.
Não dá para dizer ao certo, mas em cálculo por baixo, eles não são menos de 30 integrantes barulhentos. E porque fazem barulho, as pessoas já estão com medo deles. Vimos o grupo crescer de pouco em pouco e achamos que eles vão crescer mais em número e podem se transformar num exército apátrida. É só esperar para ver.
Da nossa janela, no meio da madrugada, enquanto eles estavam lá na rua, em algazarra infernal, se é que lá no inferno seja também assim, cada um querendo se expressar mais alto do que o outro, pudemos ver que são tipos heterogêneos.
Cada um quer impor a sua ideologia e se manifesta atabalhoadamente, de modo contundente, um querendo sobrepujar o outro. Mas já dá para notar um líder no meio deles.
Achamos que se a reunião deles fosse de dia, ninguém ajuizado ousaria passar próximo do grupo sem correr o risco de sofrer algum tipo de violência. Não dá para confiar em nenhum deles estando em grupo. Esfomeados, o poder de fogo deles aumenta consideravelmente, e é aí onde mora o perigo.
A impressão é de que se alguém for contra o grupo, a possibilidade de uma reação da parte deles será imediata. E é preciso considerar que nada têm a perder e nós temos tudo a perder porque eles podem ser capazes de fazer qualquer coisa esfomeados como estão e em grupo composto de cerca de 30 integrantes.
Além do mais, porque não têm residência fixa, nem recebem assistência alguma, eles vivem perambulando pelas ruas ao deus dará e a essa altura se transformaram em tipos que podem ser hospedeiros de doenças transmissíveis. Para frear essa insipiente organização revolucionária será necessário as autoridades agirem rápido, se é que ainda resta tempo.
Sabendo que as autoridades são lentas para tomar atitude em questões dessa natureza, se eles não forem contidos, o risco ao sair de casa e com eles dar de cara é grande de dia e maior à noite. A ferocidade está na cara de cada um. Quando mostram os dentes, não estão simplesmente sorrindo, estão mostrando o que são capazes. Que ninguém se engane quanto a isto.
Eles não vestem farda de exército revolucionário. Cada um é diferente do outro. O que os une, pelo que pudemos constatar, é o fato de viverem na rua e se encontrarem em meio à madrugada, enquanto a cidade dorme.
Nós não temos meios para detê-los. O máximo que podemos fazer é o que fazemos agora. Lançamos este alerta às autoridades a fim de tomarem uma providência o quanto antes, dentro do princípio de que é melhor prevenir do que remediar.
As autoridades costumam tomar providências tarde demais contra os perigos que nos cercam; quando fazem alguma coisa é depois que há vítimas fatais. Por enquanto não há notícia de que eles já fizeram alguma vítima. Mesmo porque ainda estão em fase de organização. E o temor é justamente este: organizados, eles poderão ser mais perigosos do que os lobos das estepes de Hermann Hesse.
Mas de lobos eles nada têm. São cães abandonados, que ninguém quer cuidar deles, nem as autoridades. Se os direitos humanos são solapados, os dos animais nem se fala. Esses cerca de 30 passam as noites se juntando uns aos outros, formam uma matilha de meter medo. Só vendo para crer. Alguém já imaginou do que eles serão capazes se acontecer de serem liderados por um cão com mais sapiência canina?
De dia, escondem-se em lugar incerto e não sabido. Dispersam-se. Mas à noite, como é o caso agora, já podemos ouvi-los ladrar como se estivessem convocando os demais para nova assembleia legislativa, quer dizer, deliberativa.
Somos a favor deles. Este texto é uma prova disto. Discordamos do modus operandi. Entretanto, pressentimos, o estouro de uma revolução dos bichos, de George Orwell é iminente, a partir do movimento guerrilheiro dos cães abandonados. Quem viver vai morrer de medo.


70278
Por Alberto Sena - 30/1/2012 08:50:44
Superlativo presépio

Alberto Sena

A superlatividade do Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão-Mogol, no Norte de Minas, medida por meio de um livro de registro de visitas, de cem páginas, cada uma delas com 32 assinaturas e comentários variados, quase todos superlativos, realmente impressiona.
Da inauguração, em nove de dezembro de 2011, até hoje, o presépio já foi visitado por quase dez mil pessoas da região, de outras cidades mineiras, de estados como São Paulo, Goiás e Mato Grosso, e até gente do exterior, França e Suíça, atraída por mais este atrativo de Grão-Mogol.
O referido livro de registros é uma peça importante como fonte para que seja contada a história dessa obra sem precedentes no mundo. Nas páginas dele pululam nomes, localidades de origem e os adjetivos mais superlativos saídos do coração e da alma dessa gente fervorosa, crente em Deus, na pessoa do Menino Jesus.
Quem ainda não foi lá ver para crer, como precisou fazer o apóstolo Tomé, em relação à ressurreição de Jesus, devia ir o quanto antes a fim de sentir a energia emanada do lugar, que desde milhões de anos atrás era só “um amontoado de pedras sobre pedras em harmonioso desalinho”, como diz o economista e sociólogo Lúcio Bemquerer. Ele, que em oito meses criou, com recursos próprios, a infraestrutura necessária à visitação ao presépio.
Téo Azevedo, de Alto Belo (MG), folclorista, repentista, poeta, autor de vários livros, célebre defensor do pequizeiro e da preservação do cerrado, ficou encantado com a grandeza e a beleza do presépio que, de dia, como geralmente dizem os visitantes, “é muito bonito”, e à noite “é lindo demais” devido às luzes que dão às pessoas a sensação de estarem na região da Galileia, no Oriente Médio.
“Uma ideia peculiar, que manteve a religiosidade do povo de Grão-Mogol, além de conservar a tendência pedrelina da região”, registrou o empresário Iran Rêgo, de Montes Claros, que visitou a obra em companhia da família. Bispos e padres da igreja católica; pastores evangélicos; estudantes universitários, jovens como o filho do jogador Montillo, do Cruzeiro, muita gente já esteve lá, e a tendência da afluência é aumentar.
“Maravilhoso” e “espetacular” são adjetivos campeões dos comentários dos visitantes, juntamente com “fantástico”, “inacreditável” e “deslumbrante”. Rita Buéri, de Francisco Sá (MG), escreveu: “Que esta obra seja suficiente para tocar no coração das pessoas e despertá-las para o grande amor de Deus para conosco”.
Em tempo cibernético, quando as pessoas se mergulham no individualismo, porta para o hedonismo, o presépio é visto como uma maneira iluminada de comemorar, em qualquer época do ano, de dia ou à noite, o nascimento do Menino Deus, há mais de dois mil anos ressuscitado, conforme creem os cristãos.
Grão-Mogol possui intrinsecamente particularidades que a tornam cidade única no mundo, histórica tanto quanto Ouro Preto, Diamantina, Mariana, Sabará e outras de Minas e do Brasil, porém, com lume próprio. Surgida no século XVIII, do meio de aluvião do garimpo de diamantes, a cidade ficou como que estagnada no tempo depois da extinção do veio precioso.
A estagnação foi e ainda podia ser encarada como negativa, mas se acabou transformando em algo positivo nos dias atuais porque Grão-Mogol não se contaminou com os vícios dos grandes centros, como Montes Claros, distante menos de 150 km.
Como escreveu recentemente o historiador e cronista Haroldo Lívio, o inventor do dístico “Cidade-Presépio”, em Grão-Mogol, “se você souber apenas o apelido ou o nome pelo qual a pessoa é conhecida, o catálogo da cidade tem para você a informação segura do número que deve discar; não tem como errar”.
Este e outros são os privilégios de morar em cidade onde as pessoas são conhecidas pelos apelidos. Com mais de sete mil habitantes no perímetro urbano, Grão-Mogol ostenta qualidades só encontradas em cidades européias, a começar do micro-clima, milagrosamente diferente da secura do calor de Montes Claros.
Quem conhece a cidade não duvida que o presépio criado com tanto esmero, seja um marco desenvolvimentista histórico para Grão-Mogol. A obra trouxe mais combustível e daqui para frente a cidade se apresenta como a mais atrativa e ao mesmo tempo a mais barata nova opção de turismo (religioso) para o Norte de Minas.
A boa nova se espalha aos quadrantes, transmitida pela mídia e por meio do boca a boca.


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Por Alberto Sena - 20/1/2012 10:09:53
Excitação ao primeiro voo

Alberto Sena

A tarde vencia a primeira metade da quinta-feira de verão. Dentro do ônibus-lotação, em Belo Horizonte (MG), duas meninas, cada uma com no máximo seis anos de idade, conversavam sentadas nas cadeiras laterais, exclusivas para pessoas com necessidades especiais – a mãe de uma delas estava ao lado, em pé, escorada num dos vidros daquele espaço reservado.
Uma das meninas então perguntou à outra:
_ E se não tivesse lugar nenhum neste ônibus para você sentar, o que você ia fazer?
_ Eu ia ficar em pé – ela respondeu.
Morenas, uma das meninas tinha a pele mais clara. Os cabelos castanhos de ambas eram grandes, batiam abaixo dos ombros, sendo que os da outra eram cacheados da metade para baixo. Bonitas e simpáticas, elas tinham as unhas pintadas com esmalte cor de rosa e postura precocemente adulta.
A mãe, ares displicentes, não parecia ser mãe de nenhuma das meninas. O celular dela tocou na bolsa e a menina mais amorenada foi a primeira a ouvir e a denunciou: “Mãe, o celular está tocando”. Se não fosse isto não dava nem para suspeitar ser ela a mãe de uma daquelas crianças.
_ E se não tivesse lugar dentro do ônibus para sentar e nem para ficar em pé, o que você ia fazer? Continuou a menina de pele mais clara, ao que a outra respondeu:
_ Eu ia ficar de cócoras.
_ E se não tivesse lugar no ônibus para sentar, ficar em pé e nem para ficar de cócoras, o que você ia fazer?
_ Eu ia ficar deitada – a outra respondeu.
_ E de que você prefere viajar? A de pele mais clara perguntou. E ato contínuo externou:
_ Eu prefiro viajar de avião.
Ao que a outra redarguiu:
_ Eu prefiro viajar montada num unicórnio.
_ E se não tiver um unicórnio, como você vai viajar?
A outra respondeu:
_ Vou viajar montada num cavalo branco.
E a de pele mais clara reafirmou:
_ Pois eu prefiro viajar de avião.
A moreninha dirigindo-se à mãe, perguntou:
_ Mãe, nós vamos viajar para Disney de avião? Ela [a mais clara] disse que quer viajar de avião e eu quero viajar montada num cavalo branco.
_ Montada num cavalo branco não pode, sua boba – disse a outra menina.
O acontecido depois não foi registrado simplesmente porque o ônibus parou no ponto e as três desceram.
Mas as duas meninas deixaram impressão forte de coraçãozinhos acelerados. Deviam pulsar ao mesmo compasso dos coraçãozinhos de duas crias de passarinhos excitadas pela expectativa de voar a primeira vez.


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Por Alberto Sena - 16/1/2012 08:47:37
O tratador de cães abandonados

Alberto Sena

Ele dá de comer aos cães. Acontece de estando a prosear em roda de amigos, de repente, como se tivesse o condão de ficar invisível, ele desaparece.
“Cadê o homem?” Perguntam. “Está ali dando de comer aos cães”, alguém responde.
Não importa o lugar, desde que surja um cão, abandonado ou não. Quando acontece de não ter comida, sem um gesto de carinho não fica o cão de olhar baixo, semblante perdido, vazio tanto quanto a própria barriga.
Ele não é a encarnação de nenhum novo Francisco de Assis, que falava aos animais quando os racionais não queriam ouvir suas pregações.
Ao dar de comer aos cães, ele o faz não com a intenção de se tornar “santo”. Se é que essa seja a alternativa de caminho para uma pessoa se santificar.
Não é porque dá de comer aos cães – e mesmo se fosse aos animais racionais – que um lugar no céu lhe será assegurado. Disso ele sabe bem.
Mas que o fato de uma pessoa se ocupar em dar de comer aos cães abandonados é algo digno de exaltação, dúvida não há.
Ele é crente em Deus. Diz acreditar piamente em Jesus Cristo. Certamente, a fé o faz enxergar Deus na criação e nas criaturas e é essa fé que o leva a dar de comer, de beber e a conversar com os cães abandonados.
Em meio à roda de amigos quando alguém pergunta: “Cadê ele?” Ouve-se a resposta: “Está dando de comer aos cães”.
Por precaução, ele costuma trazer no bolso algo para dar de comer aos animais. Aproxima-se deles com fala mansa, usa linguagem que só cães e ele entendem. Talvez seja um dialeto, mistura de linguajar canino com palavras da língua portuguesa.
Ele fica de cócoras diante dos animais, passa carinhosamente a mão na cabeça deles e lhes fala um tanto de coisas próximo do ouvido, como se falasse com crianças enquanto nelas faz um cafuné.
Ele sempre encontra vasilha, uma lata vazia, para pôr nela água de torneira e dar de beber aos animais. Como todos já perceberam, ele assegura assistência aos cães abandonados de modo à quase nada lhes faltar. Nem carinho.
Ninguém se arriscou perguntar a ele o que faria se, duma hora para outra, uma matilha o rodeasse e todos os animais em uníssono latissem querendo comida, água e resposta para tantas quantas indagações caninas tiverem.
Num outro dia, nos encontramos na Rua Cristiano Rello, em Grão-Mogol (MG), no Bar do Tone, contiguo ao comércio de secos e molhados de Antônio de Pádua Bicalho. Ele estava irrequieto. Entrou e saiu várias vezes do bar para buscar algo de comer.
Era para o grupo de amigos que fraternalmente dividiam cerveja sob o sol a pino de Grão-Mogol, em época de horário de verão, e também para algum cão, certamente.
Não dá nem para imaginar o tanto de poesia e a cantoria improvisada acontecida naquele sábado ao som de um violão.
Foi quando alguém perguntou: “Cadê ele?” E veio a resposta: “Foi dar de comer aos cães”.
Lá estava ele no meio da Rua Cristiano Rello. Cuidava de dar osso fruto da costela de um suíno anônimo, e gorduras retiradas da feijoada famosa do Bar do Tone.
Na verdade, não era cão, mas cadela de pelo negro brilhoso. Ela surgira ali de repente, como de repente sempre chega alguém de chapéu, “trebado”, querendo mais bebida.
Se acontecer de alguém vir um homem de estatura mediana, simpaticamente calvo, voz de locutor de rádio FM, prosa boa, que de repente desapareceu do meio da roda de amigos e foi visto dando de comer aos cães nas ruas de Montes Claros, onde seres humanos são mortos quase que diariamente (ano passado, até onde pudemos contar, 110 pessoas foram assassinadas) pode ser que seja ele, o tratador de cães abandonados, pessoa sobre a qual falamos desde o início.
“Rúben...” Chamem. Caso o tratador de cães abandonados atenda ao chamado perguntem para identificá-lo melhor: “Rúben Veloso?”
Se ele disser que “sim”, esteja certo, trata-se de um economista competente, consultor em Montes Claros; poeta nas horas vagas e alimentador de cães abandonados sempre que surge a oportunidade.
Com ele poder-se-á puxar prosa boa, falar do carinho que tem pelos animais e quaisquer outros assuntos mais.
Com ele poder-se-á falar, sobretudo, de Deus, com quem nós suspeitamos, Rúben tenha comunicação direta.


70090
Por Alberto Sena - 12/1/2012 12:09:32
A transformação pelo presépio

Alberto Sena

Uma empírica análise socioeconômica do recém-inaugurado Presépio Natural Mãos de Deus, em Grão-Mogol, mostra naturalmente a quem tem olhos para enxergar, o impacto da obra idealizada pelo sociólogo e economista Lúcio Bemquerer. Foi como se um bólido descesse do espaço, e os reflexos desse impacto se estendem pelas terras do Norte de Minas inteiro.
A possibilidade de fazer dos lotes de pedras um presépio estava ali diante dos olhos dos gramogolenses desde os primórdios da cidade, para não dizer milhões de anos, à espera do momento de a ideia brotar na cabeça de alguém predestinado.
Coube ao Bemquerer o privilégio, que dele ninguém poderá tirar, e o seu nome ficará gravado para sempre naquelas “pedras sobre pedras, em harmonioso desalinho”, como costuma definir o lugar.
O prefeito de Grão-Mogol, Jéferson Figueiredo apóia e sabe que precisa investir em infraestrutura a fim de oferecer cada vez mais condições para condignamente receber os turistas que, em crescente afluência, são despertados pelos atrativos do presépio. Na última medição, a média diária de visitas ao presépio foi de 300 pessoas.
A inauguração do Hotel Paraíso das Águas, categoria três estrelas, com 34 apartamentos confortáveis, melhor do que muito hotel de cidades grandes foi um vigoroso sinal do desenvolvimento anunciado para Grão-Mogol.
Entretanto, a cidade nunca chegará ao porte de Montes Claros. E a favor de Grão-Mogol há fatores vários. O principal deles é a sua topografia. Enquanto Montes Claros cresce exageradamente em terreno plano, Grão-Mogol se esconde por detrás de serras, o que lhe valeu o epíteto de “Cidade Presépio”.
Mais ainda: enquanto a BR 251 atravessa o perímetro urbano de Montes Claros e leva gente de todas as partes do Brasil para a cidade, mudando os costumes dos montes-clarenses, Grão-Mogol não padecerá de inchaço porque não é cidade-pólo.
Embora possa alguém achar cedo ainda para tirar conclusões, não é precipitado considerar: o presépio dá mostras de que, apesar da descrença de pessoas quanto à prática religiosa e o desvirtuamento da tradição do Natal, literalmente engolida pela sanha comercial, o presépio, por são Francisco de Assis idealizado em 1223, não morreu. E se antes não morreu, não morrerá jamais, depois da criação deste, o maior do mundo.
O presépio de Grão-Mogol tem tudo para se tornar um lugar de peregrinação durante o ano inteiro. As pessoas ficam impressionadas com o que veem. Em tamanho maior que o natural, os personagens bíblicos esculpidos em cimento despertam a atenção dos turistas.
Com 72m2 de frente e 30m de altura, ali o visitante usufrui de momentos de paz no espaço ecumênico de meditação e no de preces, onde tem a opção de acender velas.
Não raro, a partir da observância do semblante das pessoas, a emoção arranca lágrimas nos olhos e do coração saem efusivos comentários registrados em livro próprio. Ali as pessoas podem ver a representação do nascimento do Menino Jesus tanto de dia como à noite.
Não é exagero nenhum dizer que o Presépio Mãos de Deus irá redimir Grão-Mogol.


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Por Alberto Sena - 9/1/2012 09:37:22
Centenário da santa alma

Alberto Sena

Belíssima agenda 2012 da Santa Casa de Montes Claros, intitulada “Centenário Irmã Beata”, em papel reciclado e em espiral, que a médica, jornalista e escritora Mara Narciso teve a gentileza de enviar.
Na apresentação de cada mês, a agenda, ilustrada, traz versos de cordel que contam parte da vida e da trajetória da Irmã Beata, a holandesa mais montes-clarense que conheci, pessoalmente, no dia 15 de setembro de 1949.
Apreciei a agenda com os olhos da alma, porque elaborada foi para homenagear a Irmã Beata, de quem sou amigo de data nem tão longa assim se considerarmos a relatividade do tempo. Digo sou amigo porque volta e meia bato papo com ela, até publicamente.
Como leigo em matéria deste tipo de publicação, de antemão, peço desculpa aos responsáveis pela edição da agenda, pois não sei se não é usual ou se há alguma restrição quanto ao registro dos nomes dos autores das ilustrações e dos versos de cordel num material desta natureza. Mas acho que, para informação pessoal, seria bom ter lido os nomes de um e de outro na publicação, pois que se trata de algo para ser guardado como se guarda uma relíquia.
E fiquei pensando também se não seria o caso de um registro na agenda, por meio de uma nota, sobre a importância da impressão em papel reciclado. Seria uma boa oportunidade de dar um recado positivo aos usuários, quanto à importância do uso de papel reciclado, tendo em vista a necessidade de preservar o meio ambiente.
Poder-se-ia até chegar ao requinte de calcular o percentual economizado em matéria de celulose para se fazer uma agenda desta. Valorizaria ainda mais a homenagem e certamente estaria dentro do espírito voluntarioso da Irmã Beata.
Preciso tornar isto claro: apreciei muito a agenda, e toda gente deve ter apreciado também, principalmente quem nasceu pelas mãos da Irmã Beata ou por ela tem alguma devoção. Mas não podia deixar de fazer as observações, na condição de comum usuário da agenda.
Acredito piamente que a Irmã Beata tenha gostado da homenagem; ela, que tanto deu de si aos cidadãos de Montes Claros e à própria cidade, a qual amou como se nela tivesse nascido, ao ponto de ser confundida com a própria terra deste sertão, realmente longínquo quando aqui aportou ainda jovem.
Mas à Irmã Beata precisamos render mais homenagens devido à importância que representou e representa para Montes Claros e para a própria Santa Casa, instituição por ela dirigida durante 40 anos.
Penso que, mulher forte como era, e voluntariosa, se viva fosse, a esta altura talvez estivesse lutando politicamente para que a área de Saúde Pública seja vista com mais respeito e tenha os recursos necessários para financiar o melhor atendimento à população. Afinal, saúde diz respeito a todos, pobres, ricos, feios e bonitos.
Talvez fosse o caso de a Santa Casa, por intermédio da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas), promover um evento, congresso, seminário ou ciclo de palestras para, tomando emprestado a energia e a força da Irmã Beata, discutir a Emenda 29, cuja regulamentação foi aprovada pelo Senado e aguarda a sanção da presidente Dilma Rousseff.
O projeto original previa o investimento em Saúde, por parte do governo federal, de 10% da arrecadação bruta corrente. Se isto não tivesse sido derrubado pela bancada governista no Senado, o Brasil poderia ter em breve espaço de tempo, um dos melhores atendimentos em matéria de Saúde Pública do mundo.
Entretanto, do modo em que foi aprovado, o ônus maior continua com o município, obrigado a investir 15% da arrecadação em gastos com Saúde, e muitas das vezes levado até a dobrar. Isto só prova a crueldade dos governos federal e estadual.
Sabe-se que é o prefeito municipal, por estar mais próximo do povão, que, por livre e espontânea pressão socorre os cidadãos doentes que batem à sua porta.
Irmã Beata talvez gostasse de estimular uma discussão profunda em defesa da Saúde no Brasil, assim como posso dizer em seu nome: ela agradece a homenagem da Agenda 2012 – edição, ilustração e cordel – e agradece também a Mara Narciso, cujo material sobre Irmã Beata contribuiu para o poeta escrever em versos a história desta grande mulher; santa alma.


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Por Alberto Sena - 3/1/2012 10:05:27
Em socorro ao Estádio João Rebello

Alberto Sena

Contristado. No mínimo. Assim fica quem vir fotos do estado de abandono em que se encontra o Estádio João Rebello, do Ateneu de Montes Claros, no Norte de Minas.
Quem conheceu o “campo do Ateneu”, como é chamado, ficará contristado ou soltará impropérios vários ao bater os olhos naquelas fotos do mato em todos os espaços, como se fora prenúncio do que se dará ao mundo como no seriado “A Terra sem ninguém”.
O estado em que se encontra o Estádio João Rebello só não mexe com a alma de quem não conheceu a sua importância em tempos nem tão longínquos. A partir dos portões, o abandono do Ateneu pede para merecer manchetes em toda a mídia mineira e nacional.
Só quem não lançou aos ares, ali naquele campo, um grito de gol, talvez não se importasse tanto se visse as fotos do abandono do estádio que motivou manchetes no “O Jornal de Montes Claros”, dadas pelo cronista social Lazinho Pimenta, na década de 1960, quando editor de esportes: “Cassimiro X Ateneu: clássico come-fogo”.
As fotos do estado de abandono do Estádio João Rebello remexeram o fundo do baú de relembranças de quem menino assistiu, com o pai, os aguerridos embates entre Ateneu e Cassimiro de Abreu, equipes que deram ao futebol mineiro e brasileiro craques como Manoelito, Manoelzinho, Jomar, Marcelino, Dito, Alcides, João Batista, entre outros.
Um dos últimos, e gloriosos, times do Ateneu, numa das vezes em que tentou alçar à 1ª Divisão do futebol mineiro, tinha àquela época no ataque a seguinte formação, que no dizer do locutor do rádio, se falava rápido – e falava – soava engraçado: “Dadá, Iaúca, Tibira e Biu”.
Numa vez, o time do América do Rio de Janeiro foi jogar em Montes Claros, no Estádio João Rebello. O goleiro americano era Pompeia, grandalhão de mãos tais como garras de onça. Desde o dia anterior ao jogo contra o Ateneu, Pompeia fez espalhar pela cidade o desafio: “Quem fizer gol em mim, ganha um par de chuteiras”.
O desafio serviu para pôr mais condimento na disputa, e Pompeia, para mexer com os brios dos jogadores do Broca, como o Ateneu era chamado, dizia: “Ninguém é capaz de fazer gol em mim”. E instigava mesmo: “Agarro tudo com uma mão só”.
O que a torcida do Ateneu achava ser mera esnobação ou mesmo mania de grandeza da parte do goleiro do América, logo se confirmou como demonstração da sua real capacidade: numa cobrança de pênalti contra o América, ele agarrou a bola com a mão direita.
O placar do jogo não importa, nem lembrança há. Mas a verdade é que Pompeia, homenzarrão, abriu os braços, fechou todos os ângulos e quando o pênalti foi cobrado, ele só levantou a mão direita e segurou a bola. O espanto foi geral.
Ali naquele campo que o mato engole a cada dia, estão marcas indeléveis, plásticas exibições de grandes goleiros, dignas de retratos na parede, “pontes” patrocinadas por Coró, Buião, Eustáquio, Felipe Gabrich, entre outros que tanto animaram as tardes de sábado e de domingo dos montes-clarenses, num tempo em que as opções de lazer e de diversão em Montes Claros eram poucas.
Nada justifica deixar, em estado de abandono total, o Estádio João Rebello. Por mais intrincados sejam os problemas burocráticos ou a falta de bom senso de associados, nada justifica deixar naquele estado de abandono área de tamanha importância.
Até por se tratar de um estádio carregado de história numa cidade qual Montes Claros, e na iminência da realização de uma Copa do Mundo no Brasil. E se a isto somarmos o fato de o prefeito Luiz Tadeu Leite estar necessitado de espaços para expandir os seus projetos, por que não investir no Estádio João Rebello, ao invés de arrendar parte da Praça de Esportes?
O prefeito procurou a direção do Ateneu para conversar. Disse não ter havido “entendimento”. A direção do Ateneu admite duas conversas rápidas e deixa entrever a possibilidade de entendimento.
O estado de abandono do Estádio João Rebello estampado nas fotos, como Fênix, fez renascer dos escombros as imagens do ano de 1957, quando em meio à multidão de alegria transbordante, um menino assistia as comemorações do Centenário de Montes Claros, com apresentação de cavalhada e outras manifestações folclóricas.
Passada década e meia do marcante acontecimento, ali no Estádio João Rebello, o mesmo menino, agora adolescente, enfrentava o juvenil do Botafogo do Rio de Janeiro, atuando naquele gramado, hoje abandonado.
E noutra ocasião, das arquibancadas que o matagal encobre, pôde ele testemunhar o início do sucesso de um ainda incipiente cantor chamado Roberto Carlos.
Agora, depois de constatar, por meio das fotos que retratam o estado de abandono em que se encontra o Estádio João Rebello, resta como esperança contar com a interveniência de dona Albertina, a matriarca do Ateneu, ela que é mãe do craque “Garrincha”, ponta esquerda, pequena grande mulher, valente, para pôr ordem na causa e na casa.
Ela que cuidou durante anos dos jogadores, lavou os uniformes deles e os tratava com rigor carinhoso; e até morou dentro do estádio, onde constituiu família.
Por onde andará Dona Albertina que ainda não veio socorrer o patrimônio de Montes Claros que se esvai vítima da desfaçatez humana?


70012
Por Alberto Sena - 2/1/2012 08:21:27
Quando os netos chegam

Alberto Sena

Cheguei de Curitiba (PR) havia 22 minutos quando me debrucei sobre o teclado do notebook. Fui à bela e acolhedora capital do Paraná a fim de conhecer a netinha, filha de Thalita e do meu filho, Matheus, o Match, músico de nascença, um dos principais nomes hoje lá no ramo dessa arte de dedilhar cordas de guitarra ou de violão e expandir a voz para cantar a vida em pop rock.
Além disto, ele é produtor musical e já se embrenha também selva adentro do cinema, como promessa de compositor de trilha sonora, ramo carente, segundo dizem, que ressente falta de novos valores mais competentes.
Mas o objetivo deste filho de Montes Claros não é falar de Matheus, pois quero contar é sobre a minha netinha Melissa, um amor de menina, com quase oito meses de vida. Não porque se trata da minha netinha, sem pieguices, quero que entendam bem, mas de fato ela é criatura fofinha. Todos haverão de entender, evidentemente, pois netos são provas da multiplicação e do melhoramento da espécie humana.
Particularmente, nunca tive avós. Como décimo de uma família de onze irmãos, um falecido com pouco mais de um ano e uma irmã que nos deixou há mais de dez anos, nunca conheci avós. Do lado de pai nem de mãe. Acho que nenhum dos meus irmãos conheceu avós.
A netinha, Melissa, é a cara do nome dela. Ou será que o nome é que é a cara dela? Melissa, um mel de menina. Impossível evitar chamar de Mel criança com este nome. Menina de olhos como de jabuticabas amadurecidas pelos raios do sol penetrados por entre as folhas da jabuticabeira.
Mel tem no formato dos olhinhos a mistura brasileira e japonesa. Ela nasceu cheia de vida, criança esperta. Agora, com mais de sete meses, já fica em pé sozinha segura nas bordas do cercado.
Ela integra a safra de seres humanos que chegam para ajudar na difícil tarefa de melhorar o mundo, porque é filha de gente que assim pensa e, claro, tem o que repassar a ela neste sentido.
Não é de bom alvitre pensar que o mundo esteja irremediavelmente perdido nesse emaranhado em que a humanidade se meteu.
Melissa agora faz par com o meu netinho alemão Lévi, que em abril fará três anos. Ele é filho da minha filha Maalali, casada com Norman, alemão, boa praça. Pai, mãe e filho moram na região de Bremen, na Alemanha. Quem leu na infância as histórias dos Irmãos Grimm conhece os “Músicos de Bremen”.
A história do burro, do cão, do gato e do galo, todos eles de alguma forma rejeitados, que se unem para sair pelo mundo e sem querer querendo, como diria Chaves, o humorista mexicano, se envolve com uma quadrilha de ladrões que vai se esconder justamente numa casa abandonada onde eles se encontravam.
Resumindo: os bichos põem os ladrões para correr ao emitir, cada um ao seu tempo e todos ao mesmo tempo, os sons característicos. No escuro, os ladrões pensaram estar em meio a assombrações. Fugiram em desabalada carreira, como fugiam os larápios de antigamente pelas ruas de Montes Claros, onde mais de 110 pessoas foram assassinadas em 2011.
Mas o objetivo não é falar dos “Músicos de Bremen”, e sim do netinho Lévi, que tem tudo para se revelar ao mundo também músico, pois desde cedo ele toca piano, bateria, flauta, tambor e guitarra. Acho que ele pode até mesmo vir a ser grande jogador de futebol. Vi recentemente, fotografia dele ao chutar uma bola que, pelo amor de Deus, vai parecer com Beckenbauer assim, lá na Alemanha. E de preferência, em Bremen.
Já até recomendei à mãe dele apresentá-lo ao Bayer de Munique ou mesmo ao Bremen porque o menino parece ter nascido com uma estrela na testa. Ele corre o risco de vir a ser um grande músico ou famoso craque de futebol. É um garoto mais bonito que o avô e os pais juntos. Ele tem os cabelos lisos, brilhantes, escorridos. Os olhos possuem brilho próprio.
Sinto-me privilegiado. E ao mesmo tempo não me julgo merecedor de tanto: ter um neto alemão e uma neta descendente da gente do Sol Nascente é no mínimo interessante.
E como os filhos são quatro, Deus pode bem me dar pelo menos quatro netos, seguindo a lógica aritmética. Pelas contas, falta-me ganhar mais dois.
Quiçá possa eu ter mais ainda, pois o gosto de ver multiplicar a descendência é algo demasiadamente rico. Aprendizado enorme. Gratificante.


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Por Alberto Sena - 28/12/2011 09:13:51
Personagem fugidio de um livro

Alberto Sena

Ele nos remete à lembrança de Quasimodo, personagem do livro Notre-Dame de Paris, do principal representante do Romantismo literário francês, Victor-Marie Hugo (1802-1885).
Ou senão, ele nos lembra personagem fugidio do surrealismo do colombiano Gabriel Garcia Marques, no livro Cem Anos de Solidão, no qual o Prêmio Nobel de Literatura mergulha fundo no universo da imaginária Macondo.
Esse cidadão grãomogolense seria facilmente confundido como alguém da gênese da aldeia tecida e bordada, com intrincado esmero, por Garcia Marques.
“Essa figura impoluta”, expressão do bon vivant Fernando Gontijo, nos seus melhores anos, em Montes Claros, possui memória comparável a do elefante. Só falta lembrar a árvore genealógica do interlocutor.
O que ele tem por fora esconde a beleza interior, o diamante verdadeiro, cobiçado por garimpeiros e encontrado no garimpo do intelecto.
Ele é pequeno. E como toda gente pequena, é homem esperto, porque respira camada telúrica de ar mais baixa. Ágil aos 83 anos de idade.
A silhueta dele, a maneira de ser, o fato de ele trabalhar diariamente na Rua Cristiano Rello, em Grão-Mogol, negócio próprio, tudo nele e dele lembra personagem de algum romance da literatura universal. Um jagunço de livros como Os Sertões, de Euclides da Cunha; ou Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa.
A fama dele corre toda Grão-Mogol e região. Ele é conhecido da intelectualidade montes-clarense. As pessoas o têm como “verdadeira enciclopédia”. Com memória privilegiada, nos escaninhos dela, ele guarda boa parte da história de Grão-Mogol, de acontecimentos, de casos relacionados com o povo.
Conheci-o, recentemente, por intermédio do amigo, sociólogo e economista Lúcio Bemquerer, que deu de voltar para Grão-Mogol, onde fez enorme presépio a céu aberto, com recursos próprios, depois de ausentar 20 anos da cidade.
Já tinha ciência da sapiência dele e Lúcio avisou-me que ia dar nele “um susto”, enquanto hirto ele se mantinha sentado no batente daquela casa secular onde fica a loja dele de secos e molhados, mais molhados do que secos, contigua ao bar do Tone.
De cabeça baixa, entre as pernas, ele tinha um livro aberto e parecia absorto na leitura. Se o telhado desabasse naquele momento, ele seria capaz de manter-se naquela mesma posição, e lendo.
Aproximamo-nos dele e ele nem percebeu. Lúcio entrou de supetão porta adentro e foi então que ele se levantou num salto para ver quem ali entrara apressadamente. Ao perceber de quem se tratava a fisionomia dele se abriu num largo sorriso. E, então, ele abraçou o amigo.
Lúcio apresentou-me a Bicalho. Logo os dois entabularam conversa animada por alguns instantes. Pelo menos naquele momento, ali na bela, poética e ao mesmo tempo intrincada Rua Cristiano Rello, ele parecia feliz da vida.
A Rua Cristiano Rello é fechada ao trânsito de carros. As pessoas se sentam à porta dos bares ou transitam livremente, como os belo-horizontinos na Savassi; como os montes-clarenses na Rua Simeão Ribeiro; como os curitibanos no Batel; como os ingleses no Soho.
Os casarões coloniais da Rua Cristiano Rello têm portas e janelas coloridas. E em cada porta e em cada janela há marcas indeléveis, que só a memória privilegiada desse pequeno grande homem guarda.
Ele deixou o livro de lado, e a boca pequena, confidenciou algo ao Lúcio. Pouco depois, Bicalho olhou na minha direção com os olhos miúdos, duas testemunhas oculares de acontecimentos históricos de Grão-Mogol – ex-Comarca de várias cidades circunvizinhas, a qual pertenceu Montes Claros – e disparou:
_ Você é nascido onde?
_ Montes Claros.
_ De qual família?
_ Sena Batista – respondi.
_ Então, você é irmão de Waldyr?!
Ele perguntou e ato contínuo deu-me um abraço.
As pupilas dos meus olhos viram Antônio Pádua Bicalho assim, conforme descrito aqui, figura encantada, que Grão-Mogol venera.
Outros personagens importantes Grão-Mogol possui, como Geraldo Ramos Frois, mestre da cultura e botânico responsável pelo viveiro de mudas da cidade.
Mas é preciso dispor de mais tempo, e com mais vagar, extrair do garimpo intelectual dessa gente grãomogolense, os diamantes carreados por aluvião da existência humana; da vida benfazeja, às vezes sofrida, mas também feita de momentos felizes, inesquecíveis.


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Por Alberto Sena - 18/12/2011 14:09:47
As diferenças entre o viver daqui e o de lá

Alberto Sena

São várias as diferenças entre a Rua Cristiano Rello, em Grão-Mogol, no Norte de Minas, cidade de pouco mais de sete mil habitantes na área urbana, e a Região da Savassi, em Belo Horizonte.
A Rua Cristiano Rello é toda fechada para o tráfego de veículos. Na Savassi é grande a quantidade de carros no vaivém diário pelas avenidas Cristóvão Colombo e Getúlio Vargas.
A Rua Cristiano Rello é constituída de casarões do século XVIII, em estilo colonial, de portas e janelas coloridas, e o conjunto arquitetônico sem igual esbanja poesia. Cada uma daquelas casas tem histórias mil para contar; se as paredes falassem, o vozerio delas seria inaudível para tanto acontecimento desde quando a cidade surgiu em decorrência do garimpo de diamantes.
A Savassi surgiu no século passado. Não possui casarões antigos, coloniais. Lá, algumas das casas mais antigas art déco, onde hoje são lojas, foram tombadas pelo Patrimônio Público. A Savassi passa por requalificação, feita a passos de tartaruga, o que deixa descabelados os comerciantes, inda mais em época tida como a melhor do ano para as vendas.
Na Rua Cristiano Rello a poesia tem cheiro. O cheiro perfumoso fica no ar e exala da loja de secos e molhados de Antônio Pádua Bicalho. Ele vai ao interior da loja e volta com um copo plástico meio suspeito na mão contendo cachaça. Diz: “Esta é da boa”. Retorna. Vaivém. Conversa com um, conversa com outro, exercita a memória de elefante, o seu mais rico diamante.
Ao que consta, a Savassi não possui Bicalho nenhum. Mas possui um Ronaldo Brandão, jornalista, cinéfilo, a maior autoridade em cinema de Belo Horizonte. Ronaldo pode ser o Bicalho da Savassi e o contrário pode ser também a mesma coisa, guardadas as preferências pessoais e intelectuais.
A Rua Cristiano Rello tem o boteco do Tone, que serve cerveja geladíssima para ser sorvida debaixo do sol de verão de Grão-Mogol, degustada com feijoada completa ou linguiça no palito. Para quem aprecia feijoada, a do boteco do Tone, para ser completa precisa só de lascas de madeira da pocilga.
No bar do Tone a liberdade é total, quem quiser pode até assumir a cozinha, basta dobrar as mangas da camisa e fritar linguiça para consumo próprio.
Na Savassi, o comportamento é outro: se alguém se senta à mesa dos bares, cafés ou restaurantes logo um garçom uniformizado vem saber o que o cliente quer. Cheio de cerimônia, e de olho na gorjeta, o garçom se esforça para ser agradável e prestativo.
No bar do Tone, e nos demais bares da Rua Cristiano Rello são os donos, propriamente, que atendem os fregueses. E correm para lá e correm para cá, com cara de que bebem quase todas enquanto atendem um e outro, os que gritam o seu nome. Na Rua Cristiano Rello há comércio de eletrodoméstico e de quase tudo, até mesmo sorveteria para espantar o calor tem lá.
Na Savassi há pontos onde se reúnem intelectuais em livrarias. Lá é a região da capital onde há mais livrarias. E nos sábados, pintores de quadros incríveis e de estilos variados se reúnem para vender suas obras num corpo a corpo salutar com os apreciadores das artes plásticas.
Na Rua Cristiano Rello não há livraria. Mas em compensação, num determinado dia e numa determinada hora, com sorte o cidadão grãomogolense, corre o risco de dar de cara num interior de botecos ou mesmo nas portas, sentados à mesa de plástico amarelo, personalidades estimadas como Lindolfo Paolielo, empresário, jornalista e escritor; Paulo César Callado Souza, arquiteto; Rúben Veloso, economista e consultor; Marcos Bemquerer, empresário; Helinho Faria, publicitário; Antônio Dias, ex-deputado e ex-presidente da Assembleia Legislativa de Minas, ex-prefeito de Francisco Sá, fazendeiro e dono de emissora de rádio; Paulo Narciso, jornalista e também dono de emissora de rádio; e Murilo, da Receita Federal, lotado em Bocaiúva.
Como na Rua Cristiano Rello tudo pode acontecer, mais até do que acontece na Paris de Lúcio Bemquerer, para completar é possível ao espectador sentado à porta do boteco do Tone ver passar o historiador, cronista e escritor Haroldo Lívio, devidamente acompanhado da sua Maria do Carmo e uma das filhas, numa manhã de sábado de sol quente. Haroldo possui casa em Grão-Mogol, onde ele se refugia sempre para se livrar do estresse de Montes Claros, transmudada em metrópole.
Por tudo isto e por muito mais que não foi contado, a Rua Cristiano Rello ganha disparado da Savassi, onde a vida corre em velocidade alta. Em Grão-Mogol, ao contrário, a vida vai pachorrenta, pode até ser apanhada em flagrante através de uma janela ou duma porta aberta de um dos seus vários casarões feitos de pedras seculares.


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Por Alberto Sena - 12/12/2011 10:29:34
A grandeza do presépio

Alberto Sena

O que Lúcio Bemquerer fez em Grão-Mogol, ao revelar ao mundo o Presépio Natural Mãos de Deus, é um exemplo de “loucura lúcida”.
Como sociólogo, economista, homem de negócios, ele, que durante 20 anos ficou longe de lá, enxergou no perímetro urbano da cidade, o que ali está havia milhões de anos à espera de alguém predestinado a revelar o que o mato cobria, lotes que ninguém neles tinha interesse. “Um amontoado de pedras sobre pedras em harmonioso desalinho”, como ele próprio define.
O presépio já estava pronto. Mas precisava que alguém criasse a infraestrutura para tornar acessível o que “as mãos de Deus semearam”, prioritariamente às pessoas com necessidades especiais, os cadeirantes, daí a necessidade de construir rampas entre as pedras, sem retirar nenhuma.
Grão Mogol está em festa. E toda essa alegria comunga com o momento natalino. A inauguração do presépio, em nove de dezembro de 2011, foi um acontecimento marcante tanto quanto a obra em si.
Há oito meses, o assunto em Grão-Mogol é o presépio, mas no dia da inauguração, entre as serras ora azuladas ora esverdeadas que escondem e protegem a cidade; nos ares, nas paredes de pedras das casas, no interior da matriz de Santo Antônio feita de pedras, nas pedras do calçamento das ruas seculares, nas árvores, por todos os cantos se ouviam vozes. O encanto estava e permanece em todos os cantos e recantos.
Em Grão-Mogol as pedras falam – e ouvem. Neste momento, desde a inauguração, as pedras falam para o mundo inteiro ouvir, que o Menino Jesus se mostra ali na lapa/manjedoura do Presépio Natural Mãos de Deus, obra perene, eterna enquanto durar a vida do planeta Terra. Porque eterna é a mensagem de conteúdo sempre novo, que de novo o Menino Jesus nos traz.
Enquanto “um amontoado de pedras sobre pedras em harmonioso desalinho”, para se revelar ao mundo como presépio, havia a necessidade de alguém, homem ou mulher, retirar os véus. Coube a Lúcio Bemquerer fazer a revelação. A obra agora é da humanidade e já ganha repercussão na mídia internacional.
A notícia do surgimento do presépio em Grão-Mogol soou feito o barulho do impacto de um meteoro descido sobre as águas paradas de um grande lago. Simplesmente porque o presépio, idealizado em 1223 por são Francisco de Assis, não morreu. Se alguém achar que o presépio morreu, não crê na ressurreição dos mortos, pois o presépio aí está e chama a atenção do mundo por ser o maior em sua categoria de “natural, perene e a céu aberto”.
A não ser no setor administrativo, que funciona em área à parte, o presépio não tem porta para ser fechada. Está sempre aberto, de dia e à noite. Se de dia o presépio é bonito, à noite ele é lindo. Iluminado, as luzes são vistas ao longe.
Da porta de muitas casas se podem enxergar a beleza do presépio e se ouvem os cânticos de corais e o suave som de músicas misturado ao bulício das águas que escorrem por enorme pedra, no ecumênico “Espaço de Meditação”.
Por tudo o presépio chama atenção: por ser presépio; por ser grande e alto (30m2); por possuir personagens bíblicos do nascimento do Menino Jesus em tamanho natural; por dispor de uma “Sala de Preces”, onde os frequentadores podem acender velas; por possuir palco onde se podem apresentar corais e outras manifestações culturais; por ter dois mirantes, e por possuir um “Recanto de Pássaros”, onde ração apropriada será servida aos passarinhos.
Quem no presépio trabalhou, desde o mais simples operário, alguns ex-presidiários, passando pelo mestre de obras, os fornecedores, o escultor criador dos personagens em cimento, todos se orgulham do fato de terem ajudado Bemquerer a transmudar aquilo que aparentemente quase nenhuma utilidade tinha, e que parecia “uma loucura” de alguém tão Lúcio, quero dizer, lúcido.
A partir do presépio e do hotel três estrelas recém-inaugurados, sem dúvida, para a alegria da administração da cidade, Grão-Mogol, quase parada durante décadas no espaço e no tempo, experimentará surto de desenvolvimento.
Mas, felizmente, por mais que a cidade cresça, nunca crescerá tanto quanto Montes Claros, cidade pólo cresceu, de maneira desordenada, ao ponto de se tornar uma metrópole, com os respectivos problemas.
A topografia de Grão-Mogol não favorece a expansão, o que torna a cidade um lugar especial, com qualidade de vida só encontrada em poucos lugares do Brasil. Ou por que não dizer, do mundo?
Grão-Mogol possui brilho e atmosfera próprios.


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Por Alberto Sena - 5/12/2011 08:16:43
Outra conversa macia com ela1

Alberto Sena

Foi num sábado como este três de dezembro do ano de 2011, exatamente no dia 11 de setembro, a última vez que conversei com a senhora por meio de um texto adrede escrito e publicado.
Sei que neste mês de dezembro faz cem anos que a senhora chegou ao Brasil.
Desculpe-me a ignorância, não sei se daí, de onde a senhora está, é possível ler o que escrevemos aqui, neste plano de vida, “neste vale de lágrimas”, como se reza na oração do Credo.
Mas o que quero dizer é que chamei a atenção da sociedade montes-clarense para a necessidade de lembrar o seu benemerente nome por ocasião do centenário da sua chegada ao Brasil.
A senhora há de convir comigo: como ser humano vindo ao mundo pelas suas mãos piedosas e laboriosas, eu fiz – e faço – todo o possível para chamar a atenção da cidade para a importância do centenário da sua chegada ao Brasil e a Montes Claros.
Fiz e faço isto movido, talvez, por sentimento de gratidão que trago desde que nasci pelas suas mãos, na Santa Casa de Misericórdia de Montes Claros.
Mãe Elvira me contou várias vezes como tudo se deu naquele dia 15 de setembro de 1949. E sempre gostei de ouvir mãe contar a mesma história a outras pessoas, toda vez que a conversa era em torno do seu nome.
Informo-lhe que, embora eu tenha me esforçado, juntamente com outras pessoas, cujos nomes a elas licença peço para citar – os escritores Augusto Viera e Mara Narciso – nada aconteceu ou pelo menos nenhuma notícia chegou-me sobre o interesse de alguém ou de alguma entidade filantrópica de Montes Claros ou mesmo a Prefeitura Municipal em lembrar o seu benemerente nome nesta data.
Mas se ninguém moveu uma palha até agora, tempo ainda há de lembrar o seu nome, reverenciando-o convenientemente porque mesmo a senhora não tendo nascido em Montes Claros, devido a mero acidente geográfico, é como se a senhora tivesse nascido aqui, no sertão, nessa nossa terra vermelha do cerrado, onde o pequi é considerado “o esteio”, como para sempre gravou Téo Azevedo.
A senhora chegou ao Brasil em dezembro de 1911, mas foi em fevereiro do ano seguinte que a senhora veio para Montes Claros. E mesmo sem falar português escorreito, mais falando com as mãos laboriosas do que com a língua estrangeira, a senhora adotou a cidade e gerações de montes-clarenses vieram ao mundo pelas suas mãos.
O seu trabalho benemerente sempre foi reconhecido. E tanto é verdade que o seu nome volta e meia é lembrado quando o assunto é beatificação, canonização, santificação. Costumam dizer: “Ela é a principal candidata a santa de Montes Claros”.
Sem querer incomodar, pois presumo, a senhora aí está num ambiente de paz celestial, quero lhe dizer, nesta manhã de sábado, de tempo nublado, sujeito a chuva benfazeja: se a Santa Casa de Misericórdia de Montes Claros ou outra instituição da sociedade montes-clarense não se interessar em lhe prestar uma homenagem, contente-se então com esta homenagem que ora prestamos.
Veja que o verbo da frase foi propositalmente escrito no plural – “prestamos” – porque, sem ter uma procuração de cada um dos que vieram ao mundo pelas suas mãos, falo em nome de todos, e também em nome do veículo que publica este texto.
Aproveitando o solilóquio, se não for abuso da minha parte, em rápidas pinceladas, como diria o pintor Godofredo Guedes, baiano dos mais montes-clarenses que já se viu, quero contar pra senhora algumas coisas; talvez a senhora ainda nem saiba.
Por exemplo: Montes Claros virou cidade grande. E do mesmo tamanho são os problemas advindos do crescimento desordenado. Imagina a senhora o horror: 2011 ainda nem acabou e cem pessoas – isto mesmo, cem pessoas – entraram para as estatísticas do morticínio local. Parece mais estatística de vítimas de ações bélicas. Guerrilha urbana fratricida.
Outra coisa: acredita a senhora?, o prefeito Luiz Tadeu Leite, pela terceira vez ocupante da Prefeitura de Montes Claros, disse estar firme no propósito de entregar parte da Praça de Esportes – lembra dela? – à sanha empresarial. A senhora acredita numa coisa desta?!
Por último querida Irmã Beata, quero lhe informar: veio na hora a graça que intermediou, como intercessora de nascença. Foi para mim prova de que, numa comparação, a nossa relação espiritual é como tênue fio invisível, mas forte o bastante para perdurar por toda a vida. Aqui, e na eterna. Amém.


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Por Alberto Sena - 2/12/2011 10:27:17
Grão-Mogol ganha maior presépio do mundo sexta-feira

A cidade está em festa; personagens do nascimento do Menino Jesus, em tamanho natural, chamam a atenção de dia e à noite
O Presépio Natural Mãos de Deus, de Grão-Mogol, no Norte de Minas, considerado o maior do mundo na sua categoria de “perene e a céu aberto”, será pré-inaugurado nesta próxima sexta-feira, dia nove.
A obra foi construída pelo empresário aposentado Lúcio Bemquerer, em oito meses de trabalho ininterrupto. Ele foi presidente da Associação Comercial de Minas (ACMinas) de 1991 a 1995.
O presépio fica no perímetro urbano de Grão-Mogol, numa área de 3,6 mil m2. Foi utilizado 1,5 km de ferro para corrimões; 1,2 mil m2 de pedras tipo São Tomé, originárias de Grão-Mogol, para calçar a passarela de acesso ao presépio, que tem 72 m2 de frente e 30 m2 de altura.
Construído com recursos próprios, o custo da obra ficou entre R$ 500/600 mil. Trata-se, como o define Bemquerer, de “um aglomerado rochoso de pedras sobre pedras em harmonioso desalinho”. O que ele fez foi simplesmente criar a infraestrutura para acesso dos visitantes ao presépio que ali estava havia milhões de anos à espera de alguém predestinado a descobri-lo.
O presépio conta com 17 personagens bíblicos em tamanho natural, esculpidos em cimento pelo escultor Antônio da Silva Reis: Nossa Senhora jovem e mãe; São José; Menino Jesus; anjo Gabriel (e outro anjo); pastores (2); Reis Magos (3) cavalo, boi, galo, carneiros (2) e burro. Os visitantes têm acesso aos personagens como num palco de teatro.
O Instituto Mãos de Deus, recém-criado, vai gerir o presépio que é o principal assunto em Grão-Mogol, cidade a 143 km de Montes Claros, duas horas de viagem de carro pela BR 251; e a 576 km de Belo Horizonte. A cidade surgiu no século XVIII em função do garimpo de diamantes.
Várias são as atrações turísticas de Grão-Mogol, mas o presépio surge como a maior delas. A cidade possui a Matriz de Santo Antônio, toda de pedras; lapas, cânions, sítios arqueológicos, o Rio Vau e a barragem de Irapé, que forma um lago sem precedentes no País.
(Mais informações: 38 3238-1434, em Grão-Mogol, com o empresário Lúcio Bemquerer; 3344-9076, em BH, com o jornalista Alberto Sena Batista)


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Por Alberto Sena - 30/11/2011 09:45:00
Deixa de “bestage”

Alberto Sena

Imaginação demais ou imaginação de menos é o que pode ter acometido o prefeito Luiz Tadeu Leite ao querer fazer a “bestage”, como se diz em “montesclarês”, de entregar a Praça de Esportes – Montes Claros Tênis Clube (MCTC) – de histórias e glórias tantas, à sanha empresarial.
Daqui dos píncaros da Serra do Curral, onde – pasmem! – em certos trechos se encontram pequizeiros, refleti sobre o que deu na cachimônia do prefeito de Montes Claros para ele querer fazer a “bestage” que diz querer fazer com a Praça de Esportes.
Imaginação de menos ou imaginação demais. Será que o prefeito nunca viveu a Praça de Esportes? Perguntei-me, e contemplava a Babilônia em que Belo Horizonte se transformou vista daqui, desses píncaros.
Naquelas manhãs e naquelas tardes de décadas em Montes Claros, desde a infância, passando pela adolescência e a fase adulta, será que o prefeito em algum momento pensou no desastre à memória física da cidade, o fim da Praça de Esportes como patrimônio público? Será que ele avaliou o dano à memória cognitiva e transcendental de milhares de montes-clarenses?
Não me recordo de nenhuma vez ter encontrado o jovem Luiz Tadeu naqueles embates aguerridos em torno das mesas de pingue-pongue da Praça de Esportes. Nem nas saborosas peladas daquelas tardes e nos fins e inícios de semanas, depois da missa na Catedral ou na Matriz.
O jovem Luiz Tadeu pode até ter vivido a Praça de Esportes. Em algum ponto pode até ter a marca dele, mas se ele não tem a noção do equilíbrio quanto ao que é demais e ao que é de menos, e quer meter estapafurdiamente as mãos na Praça de Esportes, isto é o suficiente para eu duvidar do amor que ele tem a Montes Claros.
Fazer o que o prefeito intenta fazer sinaliza claramente, como os claros montes ao redor, o desamor trancado no coração dele. Além do mestre Oswaldo Antunes e de Waldir Senna, muitos outros escreveram sobre a “bestage” de Luiz Tadeu. Neste momento, as pessoas estão de alguma forma comentando sobre a falta de equilíbrio do prefeito entre o que é demais e o que é de menos.
A memória de Montes Claros vai indo de popa ao vento, dilui feito fumaça. O clássico exemplo é a Rua Doutor Santos. A transformação da principal rua da cidade aconteceu em menos de 40 anos. Até a década de 1970, ela possuía graça. Casarões antigos, que, se preservados, dariam um toque especial à hoje desfigurada Rua Doutor Santos.
Da Praça Coronel Ribeiro abaixo, até a Praça Doutor Carlos, as edificações que lembram a Rua Doutor Santos de então é a antiga casa de Senhorzinho Batista e a de Luiz de Paula Ferreira. Tudo mais ali está mudado para sempre; e no ar fica a pergunta: “Por que não cuidar da memória sociológica e arquitetônica da cidade e construir o novo noutro lugar?”
Se o prefeito Luiz Tadeu fizer a “bestage” de tocar sequer em um fio da Praça de Esportes, ele ficará marcado na história de Montes Claros como o prefeito que deu o golpe mortal na nossa memória. Na memória de quem deu braçadas na piscina olímpica; de quem fez acrobacias ao pular dos trampolins; de quem fez a galera gritar de emoção no Ginásio Darcy Ribeiro; de quem furtivamente, escolhia a Praça de Esportes como recanto para namorar.
E a boate? A única no mundo que funcionava aos domingos das 11h às 13h e cujas paredes eram praticamente uma vidraça só.
No futuro, se o prefeito fizer a “bestage”, as pessoas vão se lembrar, sim, de que ele assumiu a Prefeitura de Montes Claros três vezes, “mas na terceira vez ele caiu na “bestage” de acabar com a Praça de Esportes”.
Na história política da cidade, até hoje o Doutor Santos é conhecido como o melhor prefeito de Montes Claros de todos os tempos. E como não fui do tempo dele, pouco posso dizer a não ser crer ser uma verdade o que dizem as pessoas de bem.
Assim como o prefeito Toninho Rebello, este do meu tempo carrega a fama de “um dos grandes prefeitos de Montes Claros”, dizem dele que “o único erro cometido foi derrubar o casarão do Mercado Municipal antigo”, em cuja torre havia um enorme relógio.
Nem vou repetir aqui quesitos importantes tratados por outros defensores da manutenção da integridade da Praça de Esportes. Nem me julgo no direito de crucificar a administração pública porque há décadas não vivencio o dia a dia da cidade.
Mas alertar o prefeito, sugerir a ele utilizar-se da medida do bom senso e do equilíbrio para não cometer “bestage” que o marcará para sempre, isto eu posso fazer daqui dos píncaros da Serra do Curral. Posso e faço-o agora em bom “montesclarês”: prefeito deixa de “bestage”.


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Por Alberto Sena - 28/11/2011 08:05:25
Manga transcendental

Alberto Sena

O sobrinho André Rodrigues Senna Batista, nutrólogo, trouxe um saco de linhagem de 60 kg cheinho de manga, lá da fazenda de Juramento (MG).
Manga do tipo comum, conhecida por aqui, nessas paragens, pela alcunha de “manga-sapatinho”. O apelido procede; se repararmos bem, o formato dela se assemelha ao de sapatinho de lã para recém-nascido.
A relação com esse tipo de manga é forte. Tão forte quanto à relação com o pequi.
É uma relação telúrica, das entranhas da terra avermelhada do sertão (cerrado), lá onde o sol se esparrama pelas mangueiras e as folhagens refletem calmante halo de prana, a energia vital, e em cujos galhos os passarinhos fazem ninhos.
Não dá para não saborear o suco divinamente preparado nesta época do ano pela Mãe-Natureza.
As chuvas, enfim, vieram na sequência do sol causticante de Montes Claros e as mangas amadureceram. O corpo, então, fala: “Chegou o tempo de chupar manga comum”.
Depois de a pança cheia, basta usar a fita dental – eficiente preventivo até ao ataque cardíaco – para se ver livre dos fiapos de manga.
Já foi dito noutra ocasião, mas a conveniência recomenda repetir: manga comum parece conter reminiscências do paraíso perdido. Desde criança comparamos o suco saboroso de manga comum ao néctar divino.
Enquanto se saboreia o fruto, originário da Ásia, se pode imaginar como deve ser no paraíso, lá onde se pode passar boa parte do tempo chupando manga.
Rica em vitaminas e outros elementos importantes para o organismo, a manga sofreu durante muito tempo o peso de preconceitos.
Já foi até considerada veneno “se misturada ao leite”, invencionice dos senhores escravagistas para impedir o consumo de leite por parte dos escravos.
Outra falsidade cometida contra a manga: “É pesada, indigesta, especialmente se ingerida no desjejum ou à noite”. Nada a ver. Segundo a literatura, “manga é importante como auxiliar dos movimentos peristálticos intestinais”.
A gostosa fruta possui vitaminas do complexo B. A carência das vitaminas desse complexo no organismo “torna impossível a ingestão equilibrada de carboidratos e proteínas”. Resultado: vem a falta de apetite, fadiga, apatia e outros transtornos.
Manga possui também potássio. Em menor quantidade do que o encontrado no abacate, na banana e no mamão, mas ainda assim é significativo. Encontram-se também na manga fósforo, magnésio e ferro, em menores quantidades.
Manga contém principalmente vitaminas A e C, variando. No caso da C, conforme a qualidade da manga, e a rosa é a que possui a mais elevada cota.
A matéria-prima da vitamina A é o betacaroteno, que combate os radicais livres, considerados “a ferrugem do corpo e responsáveis pelo envelhecimento precoce; a manga é um excelente antioxidante do organismo”.
Quem não tem o costume de chupar manga vai correr ao mercado agora a fim de comprar um bom bocado.
A “comum” exaltada aqui nesse minifúndio virtual é diferente da manga encontrada em sacolão e supermercado, originária de plantio irrigado.
A manga comum é fruto de época, encontrada só em meados de novembro até final de janeiro; com um esforçozinho, adentra fevereiro.
Como nutrólogo, o sobrinho André sabe que o corpo do homem e o da mulher é o resultado do que nas refeições diárias eles comem. A compleição física de quem consome mais vegetais, e se exercita regularmente, tende a ser bem diferente da performance de quem se alimenta mais de massas e carnes gordurosas e é sedentário.
Sendo o homem e a mulher fisicamente resultados do que comem, também é verdade que eles são frutos dos próprios pensamentos. A mesma energia gasta para alimentar pensamentos negativos é gasta para elaborar pensamentos positivos.
Assim como no dito antigo: “Diga-me com quem andas e te direi quem tu és”; se pode dizer também: “diga-me o que pensas e te direi como vai o templo da sua alma”.
A manga apanhada no pé, descascada e chupada com as duas mãos livres; sem querer, mas também sem poder conter a escapadela do suco saboroso pelos cantos da boca; e menos ainda deter os dois filetes que, livres escorrem pelos braços até se alojarem nos cotovelos – há algo melhor para fazer o pensamento voar às profundezas da alma?
Saborear manga comum proporciona sensações e recordações as mais recônditas adormecidas nos escaninhos da memória própria e transcendental.


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Por Alberto Sena - 23/11/2011 17:11:27

(...) Experimentalmente, Nossa Senhora e o Menino Jesus foram introduzidos à lapa/manjedoura do Presépio Natural Mãos de Deus, em Grão-Mogol (MG) O presépio terá pré-inauguração, dia nove de dezembro, segundo informa o seu idealizador, o empresário aposentado Lúcio Bemquerer, que em oito meses construiu toda a infraestrutura necessária, com recursos próprios, para facilitar o acesso preferencialmente aos cadeirantes. O presépio já é considerado o maior do mundo na categoria de “natural, perene e a céu aberto”. Com 17 personagens bíblicos do nascimento do Menino Jesus, em tamanho natural, esculturas feitas pelo artista de Contagem (MG), Antônio da Silva Reis, a obra chama a atenção pela sua grandiosidade e beleza. (Mais informações com Lúcio Bemquerer pelo telefone 38 3238-1434, Grão-Mogol).


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Por Alberto Sena - 21/11/2011 07:22:43
Mangas, deliciosas mangas

Alberto Sena

Por pelo menos uma década não fiz de carro e sob a luz do sol o percurso entre Belo Horizonte e Montes Claros. Das vezes em que retornei a Montes Claros, nesse período, foi de ônibus, durante a noite, ou de avião.
Mas foi prazeroso ir de BH a Grão-Mogol, de carro, debaixo do sol, passando de raspão por Montes Claros, naquele sábado, 12 de novembro de 2011, porque levávamos no banco traseiro do carro a imagem do Menino Jesus, para o Presépio Natural Mãos de Deus.
Observei a paisagem de um lado e do outro da estrada e ao mesmo tempo verifiquei com os próprios olhos o estado da BR 135, que, no geral, está bom.
Nessa viagem pude fazer incursão ao passado espiando pelo espelho retrovisor. Contei a Humberto Abdon, fazendo uma comparação: no início da década de 1970, principiante ainda no jornal Estado de Minas, na Editoria de Polícia, o editor Wander Piroli me pediu para fazer a cobertura de um julgamento no Fórum de Curvelo, cidade que se gaba de ser “o centro de Minas Gerais”.
Fui. Quero dizer, fomos – o motorista do carro, Durvalino; o fotógrafo Bicalho e eu. Logo no início da viagem, saindo dos limites do município de BH, observamos caminhões carregados de carvão vegetal indo em direção à capital.
Caneta e papel a mão anotava a quantidade de caminhões carregados de carvão indo na direção de BH. Para quem não sabe, um caminhão de carvão vegetal leva mil a 1,5 mil árvores abatidas. Naquela época, grande era a ocorrência de desmate em áreas nativas do Cerrado para produção de carvão vegetal.
Resultado: contei mais de cem caminhões carregados de montanhas de carvão indo no sentido contrário ao nosso, rumo a BH.
Fomos a Curvelo buscar uma reportagem e retornamos à redação do Estado de Minas com duas. A dos caminhões de carvão valeu uma página inteira na “2ª Seção” do jornal, à época editada pelo recém-falecido jornalista Geraldo Magalhães.
Agora vem a comparação: passaram-se 41 anos. Neste momento, enquanto se pode ler esta frase, caminhões carregados de carvão vegetal continuam indo em direção à capital mineira. A cena se repete diariamente. Mas desta vez não me ocupei com a tarefa de contá-los, mesmo porque o movimento nas BR’s 135 e 521 é infernal – se é que no inferno há movimento de carretas em profusão – o que pode ser constatado a qualquer dia da semana.
É esse movimento perigoso de caminhões e carretas cheias de carvão vegetal e de uma porção de outras mercadorias que chama a atenção para a falta de investimento no País em ferrovias. Se o transporte de carga pesada fosse feito via vagões de trem de ferro, mais eficiente e barato seria até em relação à manutenção e aliviaria bastante o movimento das rodovias.
Por tudo, o transporte ferroviário é mais interessante do que o rodoviário. Antes de o presidente JK comprar o lobby automobilístico norte-americano, que lhe valeu a fama de “presidente estradeiro”, o transporte era feito por via férrea.
O mais agradável durante uma viagem como esta, de BH a Grão-Mogol e vice-versa, é que, além da oportunidade de constatar os pequizeiros, em fase de produção, e porque choveu – mesmo as chuvas tendo chegado atrasadas, o Cerrado está em recuperação fantástica, e exibe o seu verdor em vários tons.
E na periferia de Montes Claros, já na BR 351 cheia de carretas cegonheiras levando ou trazendo carros recém-saídos das fábricas e de caminhões de cores variadas e de cabinas modernas, pudemos sentir o quão perigosa é a estrada, que em oportunidades diversas regurgita um e outro carro, porque se torna estreita para movimento tão intenso.
Além dos pequizeiros, as mangueiras de várias espécies de mangas estão carregadas. Neste momento as mangas proporcionam aos que saboreiam fruto de época verdadeiros manjares brotados do seio da terra vermelha do Cerrado.
Sei de quem acredita piamente: no céu se vive boa parte do tempo a saborear e a lambuzar o rosto por inteiro do suculento caldo de mangas. Mangas, deliciosas mangas!


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Por Alberto Sena - 16/11/2011 07:57:30
Levamos o Menino Jesus para Grão-Mogol

Alberto Sena

Levamos o Menino Jesus para o Presépio Natural Mãos de Deus, em Grão-Mogol, presépio que o empresário Lúcio Bemquerer revela aos mineiros, aos brasileiros e ao mundo. O maior e sem igual, único “presépio natural a céu aberto”.
Pode parecer estranho, mas ninguém seria capaz de medir a emoção da missão que coube a nós, a de levar o Menino Jesus a Grão-Mogol, depois de sete horas de viagem pelas BR’s 135 e 351, de tráfego intenso.
A leitura da nossa tarefa de transportar o Menino Jesus até o presépio de Grão-Mogol, é de fácil entendimento. Lermos o que quer nos dizer a simbologia da tarefa de ir ao ateliê do escultor Antônio da Silva Reis, em Contagem-MG, a fim de pegar a imagem devidamente embalada em plástico-bolha, e em seguida levar o Menino Jesus, deitado no banco traseiro do carro, com os braços abertos como se saudasse a Humanidade em meio a qual acaba de chegar – isto não é um grande privilégio?
O Menino Jesus chegou a Grão-Mogol na tarde de sábado, 12 de novembro de 2011, por volta das 18h, horário de verão. Quando Humberto Abdon parou o palio, em cujo banco traseiro dormia o Menino Jesus, lá estava em visita ao presépio o cronista, historiador, escritor, Haroldo Livio, de Montes Claros, que possui casa em Grão Mogol, acompanhado de Maria do Carmo; também o jornalista Paulo Narciso, da Rádio Montes Claros FM; o filho dele, Paulo Estevão, jovem cuidadoso com o pai e que bem o pai cuida dele – um tão menino quanto o outro; Antônio Pádua Bicalho, que guarda a memória da cidade; Geraldo Frois, mestre na história de Grão-Mogol; Edson Natividade Oliveira, mestre de obras do presépio; e outras pessoas; além, claro, de Lúcio Bemquerer.
Quando o Menino Jesus foi retirado do palio e levado para a entrada do compartimento da administração, os olhares das pessoas se convergiram para a imagem. Boquiabertas ficaram todos no momento em que por detrás da embalagem surgiu a imagem de um menino, o Menino Jesus, esculpido pelo escultor Silva Reis – qualquer dia desses haverei de contar aqui um pouco da história dele, fascinante.
As pessoas se acercaram da imagem do Menino Jesus naquele entardecer de sábado, e depois foi levada para uma sala aonde pernoitou, e na manhã de segunda-feira, levada para a lapa/manjedoura.
Lúcio Bemquerer acompanhou e acompanha tudo e sabe que o presépio é o que de melhor fez até então, em sua carreira empreendedora. Ele ultima os preparativos para a inauguração do presépio, dia nove de dezembro.
O padre Geraldo Magela, pároco da Matriz de Santo Antônio, de Grão-Mogol, se diz em “estado de êxtase” com o presépio edificado em oito meses de trabalho ininterrupto.
Trata-se de “um amontoado de pedras sobre pedras em harmonioso desalinho, que as Mãos de Deus” semearam há milhões de anos e lá ficou esse tempo todo à espera de alguém predestinado, que desse o toque final para torná-lo de fato um presépio em condições de ser visitado por quem se interessar possa.
Com recursos próprios, Bemquerer precisou só criar a infraestrutura necessária para tornar o presépio viável. Ele fez passarelas calçadas com pedra são Tomé, originárias de Grão-Mogol. Contratou o escultor para esculpir em cimento 17 personagens e animais bíblicos, sendo só o Menino Jesus esculpido em resina; e desenvolveu um projeto de iluminação para que os visitantes possam ter acesso ao presépio à noite.
E mais: adaptou uma lapa que a natureza fez a propósito de uma manjedoura; edificou um espaço de meditação, onde de uma enorme pedra cai água e torna o ambiente reconfortante, reforçado por música suave; fez dois mirantes, um de altura média e o outro mais elevado, de onde se descortina esplendorosa vista de Grão-Mogol; fez numa área fora dos limites do presépio construção de equipamentos sanitários, administração e, por último, murou de pedras a parte da frente e os fundos do presépio, tendo o cuidado de instalar vidro temperado no frontispício para não tolher a visão do interior da obra.
Resultado: Bemquerer, que para o padre Geraldo Magela foi “inspirado por Deus”, construiu em Grão-Mogol um presépio “natural e perene a céu aberto”.
Mas não é só o padre que está em “estado de êxtase” com o presépio que será inaugurado dia nove de dezembro. Toda a população de Grão-Mogol e das cidades circunvizinhas não se cansa de fazer os melhores comentários a respeito da obra, antes mesmo da sua inauguração.
Outro que está ansioso também para ver o projeto inaugurado é o prefeito municipal de Grão-Mogol, Jéferson Figueiredo. Ele promete todo apoio necessário para tornar mais fácil o acesso ao presépio, como a construção de um estacionamento, próximo ao local, para carros e ônibus, e uma nova rua de acesso a obra.
O prefeito acredita que o presépio impulsionará o fluxo turístico da cidade, surgida no século XVIII, a partir do garimpo de diamantes. Várias são as atrações turísticas de Grão-Mogol, entre elas, a Matriz de Santo Antônio, toda de pedras; lapas, cânions, sítios arqueológicos, o Rio Vau e a barragem de Irapé, que forma um lago sem precedentes no País.
Mas o presépio, perene, por sua grandeza como presépio e também pela sua grandiosidade natural, é agora, à proximidade do Natal e por ser o maior do mundo na sua categoria, o que mais chama a atenção de Minas, do Brasil e do mundo, em Grão-Mogol.


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Por Alberto Sena - 11/11/2011 15:34:32
Inauguração do presépio em Grão-Mogol

Alberto Sena

Na categoria “natural e a céu aberto” é o maior do mundo - O Presépio Natural Mãos de Deus, em Grão-Mogol, a 576 quilômetros da capital, será inaugurado dia 9 de dezembro. Idealizado pelo sociólogo e economista Lúcio Bemquerer, presidente da Associação Comercial de Minas (ACMinas), de 1991 a 1994, o presépio fica no perímetro urbano da cidade, a 500 m do centro antigo.
Com recursos próprios, Bemquerer edificou o presépio, que considera o maior empreendimento da sua vida, em oito meses de trabalho ininterrupto. Ele ficou 20 anos distante de Grão-Mogol, e ao se aposentar retornou à cidade e logo identificou em um lote de pedras enormes próximo à sua casa, a possibilidade de instalar um presépio tendo em vista estimular o turismo religioso.
A obra possui 3,6 mil m2 de área, 72 m2 de frente e 30 m2 de altura. Foram utilizados 1,5 km de ferro para instalar corrimões e 1,2 mil m2 de pedras tipo São Tomé, originárias de Grão-Mogol, para o calçamento das passarelas que facilitam o acesso até de cadeirantes à lapa manjedoura e ao alto dos dois mirantes. Além disto, foram precisos 70 caminhões de pedras para preencher os espaços ociosos, e dez caminhões de areia branca, o que dá ao presépio um toque especial.
O MAIOR
O custo total da obra foi de mais de R$ 400 mil e pela sua grandiosidade, já vem sendo considerada “o maior presépio natural e a céu aberto do mundo”. O inigualável projeto possui 17 personagens em tamanho natural esculpidos em cimento pelo escultor Antônio Silva Reis. São os seguintes: Nossa Senhora ainda jovem e ela mãe; São José; Menino Jesus; anjo Gabriel (e outro anjo); dois pastores; os três Reis Magos; cavalo, burro, boi, galo e dois carneiros.
Ao sintetizar o presépio, Bemquerer costuma dizer: “Trata-se de um aglomerado rochoso de pedras sobre pedras em harmonioso desalinho”. O que ele fez foi criar a infraestrutura necessária, sem remover uma pedra do local, para possibilitar o acesso a todos os pontos do presépio, que, em verdade, ali estava em estado bruto há milhões de anos à espera de alguém predestinado a identificá-lo.
Para gerir o presépio, que poderá ser visitado tanto de dia como à noite, foi criado o Instituto Mãos de Deus. Tanto debaixo do sol como das estrelas, o espetáculo religioso do nascimento do Menino Jesus é inusitado e de rara beleza. À noite, as pedras recebem focos de luzes, o que deixa cristãos e ateus embevecidos com a beleza do lugar.
DUAS ERAS
Na sua modéstia, Geraldo Ramos Frois, mestre na história local, disse que considera a participação dele “muito pequena”. Nascido e criado na cidade, ele está certo de que “Grão-Mogol passa a ter duas eras distintas: uma antes e a outra depois do presépio”.
A cidade surgida em decorrência do garimpo de diamantes, no século XVIII, ficou como que parada no tempo durante décadas, e com a instalação do presépio, Frois acredita que Grão-Mogol terá “fluxo turístico permanente”. A contribuição da obra tem valor “imensurável, não só em termos de revigoramento da fé cristã, mas para a cidade como um todo”.
Antes mesmo da inauguração, diariamente o presépio recebe visitantes de Montes Claros, Cristália, Salinas e outras cidades da região e até mesmo de países europeus, como a França. Os comentários sobre o presépio sãos os mais expressivos, pois se trata de um “teatro permanente do nascimento do Menino Deus”.
APOIO OFICIAL
O prefeito de Grão-Mogol, Jéferson Figueiredo, vem dando todo apoio necessário a Lúcio Bemquerer para facilitar o acesso dos visitantes ao presépio. Ele disse que já está providenciando um estacionamento para carros e ônibus nas proximidades do presépio e também uma rua ao lado para facilitar o acesso.
Figueiredo elogia a visão empreendedora de Bemquerer e acredita que o presépio impulsionará o progresso da cidade e a melhoria da infraestrutura para o turismo. Um hotel de categoria três estrelas está pronto para ser inaugurado, com 34 apartamentos, e a paróquia Santo Antônio, do padre Geraldo Magela, conclui um centro social com capacidade para abrigar 150 pessoas.
ÊXTASE
O padre se diz “em estado de êxtase” com o presépio, que considera um fato histórico, “porque em si, Grão-Mogol já é chamada de cidade presépio do Norte de Minas, por causa das serras e a igreja Matriz toda de pedras, que se destaca muito como patrimônio”. Para ele, o presépio “é uma bênção porque retrata um acontecimento bíblico que expressa a nova e eterna aliança de Deus para o seu povo, que se dá em Jesus Cristo Senhor, o Emanuel, Deus conosco, como diz o profeta Isaías”.
Na opinião dele, “esta obra bonita de Lúcio Bemquerer vai ficar para sempre dentro da cidade como expressão de fé e amor e ajudará na evangelização, ele, que é abençoado por Deus ao ter essa inspiração”.
O padre afirma que a relação da igreja com o presépio será a melhor possível, e ele ficará incumbido de divulgar a obra em toda oportunidade a todas as paróquias da diocese. Já tomou a iniciativa de convidar o cardeal Dom Serafim para visitar o presépio. Serafim já sinalizou a intenção de se comunicar com o Papa Bento XVI para que a obra seja divulgada pelo mundo inteiro.
PARCERIA
João Costa de Oliveira – o Nem – quatro vezes vereador em Grão-Mogol, duas vezes vice-prefeito e uma vez prefeito, fazendeiro de nascença, é o proprietário do Hotel Paraíso das Águas que será inaugurado em breve. Ele já estabeleceu uma parceria com Lúcio Bemquerer e garante acomodações para os peregrinos que forem à cidade a fim de conhecerem a obra.
O hotel será administrado pelas filhas dele, Diná Ferreira Costa, recém formada em Turismo; Ana Laura Ferreira Costa Mota e o marido dela, Romeu Gabriel da Silva Mota administrador de empresas. Eles se mostram entusiasmados tanto com o hotel como com o presépio, certos que estão do boom desenvolvimentista que Grão-Mogol experimenta, depois de décadas de estagnação socioeconômica.
Juliana Frois, responsável pelo setor de turismo da Prefeitura Municipal de Grão-Mogol vislumbra novos tempos para a cidade. Ela acha que o presépio irá gerar renda para o município e estimulará o comércio local a partir do turismo religioso. A obra, ela disse, “dará uma injeção de ânimo em toda a população”, se somando ao rico potencial turístico do município, que conta com atrativos como o Rio Vau, cânions, balneário, lapas, sítios arqueológicos, cachoeiras, a Igreja Santo Antônio edificada em pedras, trilha do barão e outras atrações.


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Por Alberto Sena - 8/11/2011 08:07:48

Pedra quase solta no ar

Alberto Sena

Quando Bill contou sobre a grande pedra quase solta no ar, nas imediações do hotel Paraíso das Águas, em vias de ser inaugurado em Grão-Mogol, no Norte de Minas, de propriedade do ex-vereador, ex-vice-prefeito e ex-prefeito João Costa de Oliveira – o Nem – confesso, não acreditei. Precisava fazer como São Tomé: ver para crer.
Fomos lá; ele, Lúcio Bemquerer e eu armados de uma câmara fotográfica a fim de registrarmos a tal pedra quase solta no ar, algo deveras inusitado. O lugar fica a poucos minutos do centro da inigualável cidade surgida no século XVIII em decorrência do garimpo de diamantes.
Paramos o carro num ponto até aonde havia trilha e depois embreamos mato adentro e logo divisamos grande quantidade de pedras. Ali, em algum tempo, parece ter sido fundo de mar, senão, como explicar o fato de as pedras terem sido desgastadas até tomarem formatos vários?
Não demorou muito e estávamos diante da pedra quase solta no ar. Em realidade, o formato dela é de uma nau antiga, daquelas usadas por Pedro Álvares Cabral para visitar as terras do Brasil e Cristóvão Colombo utilizou para ocupar a América dos antigos Maias.
A majestosa pedra – veja a foto, garantia da veracidade da informação – é de fato extraordinária. Olhando-a de todos os lados, tem-se a impressão: se alguém subir nela, de uma extremidade à outra, assim quase solta no ar, ela poderá desabar. Bill achou graça, disse: “Não tomba de jeito nenhum”, ele já subiu nela e nada aconteceu.
A pedra está apoiada numa das extremidades em três pontos. Para mim, ela tem tudo para virar ponto turístico. Contornei-a e pude contemplá-la com os próprios olhos e confesso sem a menor cerimônia, fiquei de boca aberta.
Os moradores de Grão-Mogol parecem não dar a mínima importância à pedra. Talvez porque a cidade é toda empedrada. Goza da fama de “presépio a céu aberto”. E como de fato é mesmo. Por todos os cantos encontramos pedras de vários formatos. Há uma parecida com leão sentado; há outra idêntica a galo de peito arfante cantando cocoricó; há pedra parecida com tartaruga e até uma com cara de sapo de boca aberta.
Grão-Mogol é dotada de luz própria. É histórica, mas não se parece com Ouro Preto, nem com Diamantina e muito menos com Sabará. O garimpo deixou a cidade estagnada por séculos. Esse fato nada tem de negativo. Pelo contrário. Por causa disso, Grão-Mogol é hoje modelo de qualidade de vida. Lá o ar é puro e os liquens das pedras denunciam isto.
Em Grão-Mogol não há cerca elétrica. Aliás, há uma, assim mesmo de um homem vindo de fora. Ele parece ter posses. Construiu bela casa e certamente teme ser surpreendido por alguém saltando o alto muro, por isto levou essa coisa esquisita, hoje comum nas grandes cidades, para Grão-Mogol. Razão ele não tem. Tem neurose, talvez, doença típica de quem vive nos grandes centros.
Grão-Mogol é lugar tranquilo. Lá há muito passarinho. As maitacas passam em bandos. E estão se refestelando agora com as mangas amadurecendo em todos os quintais. Sim, lá quase todas as casas têm quintais. E os passarinhos fazem a festa porque os moradores cultivam frutíferas várias. Uma delícia!
Recordo-me bem, quando criança, Montes Claros era igual Grão-Mogol. Lá as famílias sentam-se às portas das casas e batem altos papos. As portas das casas ficam abertas e o vendedor de biscoito passa diariamente. De casa em casa, ele deixa os pacotes. No fim de semana, volta e recolhe o dinheiro fruto das vendas. Há coisa melhor?
Quem vive numa cidade como Montes Claros de hoje, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro ou São Paulo, morre de inveja, tamanha paz, amizade, tranquilidade. Morre de inveja ou sente saudades, porque nos bons tempos viver era muito menos perigoso. Hoje em dia a coisa está feia e barulhenta, parecida com briga de esqueletos com foice e no escuro, em cima de telhado de zinco.
Segundo dizia o antropólogo Darcy Ribeiro, montes-clarense da gema, o fim da Humanidade será de volta às cavernas. E a julgar pelo andar da nossa carruagem, ele está coberto de razão. Se o “degas” aqui estiver vivo até lá, o meu lugar já está escolhido: viverei debaixo da pedra parecida com nau antiga, quase solta no ar. Pelo menos terei a sensação de estar em alto-mar, ao sabor das ondas.


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Por Alberto Sena - 7/11/2011 07:47:35
Dois lindos ninhos

Alberto Sena

Wanda de Sena Batista é minha irmã. Ela mora em Montes Claros, no Norte de Minas, a 433 km de Belo Horizonte, em companhia de Geralda Batista – Ladinha – a terceira irmã nascida da primeira leva de onze filhos dos meus pais, José Batista da Conceição e Elvira de Sena Batista, que já não se encontram no meio de nós.
Wanda mora com Ladinha na Rua Ana Dionísia, no Bairro Clarindo Lopes. A casa onde elas moram tem uma varanda na frente aonde se é possível espichar numa rede, na parte da manhã, porque na parte da tarde a área ferve por causa do sol causticante de Montes claros.
Do lado direito de quem entra pelo grande portão da garagem Wanda cultiva mussaenda rosa. Mussaenda dá flores enormes, uma beleza! Mussaenda é uma planta perene, originária da África e da Ásia. Segundo nos ensina o Google, trata-se de uma planta pouco tolerante ao frio, indicada para as regiões tropicais. Ela está, portanto, no lugar apropriado. Pode até ser cultivada em vasos, isolada ou em grupos, no jardim. O porte da planta pode atingir entre dois e três metros, o que bem comprova o espécime plantado por Wanda na frente da casa, lado esquerdo de quem sai.
O motivo desta abordagem nem é bem a mussaenda, mas um ninho de rolinha marrom lá brotado em meio às folhagens, como se pode constatar por intermédio da foto anexa ao texto. Comigo é assim: capturo a cobra e ainda mostro o pau utilizado, contrariando, claro, o dizer antigo, antes, muito antes de surgirem os grupos de ambientalistas que desaprovam (eu entre eles), a prática de matar os répteis, em verdade, úteis, pois fazem parte da cadeia ecológica, alimentam-se de ratos e outros espécimes encontrados no mato.
Numa visita à casa de Wanda, aonde fui “buscar fogo”, como se diz, quando se trata de uma visita rápida, tive a satisfação de saber: as minhas irmãs não estão sozinhas, pois dos pés de mussaenda brotou o ninho de rolinha. Pude então pegar a mãe rolinha em flagrante, no ninho, e depressa saquei uma foto. A mãe rolinha nem se importou com a minha presença inoportuna, mas cheia de curiosidade. Sentada no ninho, sentada ela permaneceu. Isto me deu a entender: o momento era fundamental para o bem-estar dos futuros filhotes, por isto ela não se moveu do lugar, apenas volveu o olhar, despertada pelo clarão do flash.
Foi ao observar e fotografar o ninho com a rolinha presente que, juntos – Wanda e eu – pudemos constatar outra novidade em fase de broto numa das touceiras da mussaenda: pegamos em flagrante também um cebinho fazendo ninho numa outra galhada. Cebinho, também conhecido como “caga-sebo”, é um passarinho miúdo, de peito amarelo. Quem não o conhece pode se enganar achando trata-se de um canário chapinha.
Quando alguém coloca frasco contendo água açucarada para atrair beija-flor, o cebinho costuma aparecer também e até tenta imitar o dito cujo, que para mim é como anjo descido do céu. Os beija-flores não temem nem gaviões, devido à sua capacidade extraordinária de voar para cima, para baixo e para os lados, numa rapidez de raio; além, claro, do enorme bico mais parecido com agulha grossa de seringa.
O cebinho estava com um talinho seco de planta no bico e nós esperamos que voasse para localizarmos, em meio às galhadas da mussaenda, o lugarzinho escolhido por ele para instalar o ninho. Uma lindeza! Quão delicado é o ninho de cebinho! A essa altura, enquanto escrevo essas mal traçadas linhas, o cebinho já deve estar cuidando de botar os ovinhos, fazendo companhia à rolinha, em convivência pacífica, dando exemplo aos humanos que, muitas das vezes, vivem às turras com a vizinhança.
Diferentemente das rolinhas, os cebinhos cantam. Cantam e encantam o que para Wanda já se tornou uma atração. Quando alguém chega a casa dela, ela não controla o ímpeto de dar a notícia: “Venham ver os presentes que Deus me deu”. Ela diz e convida as visitas para observarem os ninhos. Wanda defende os ninhos como relíquias; com todo o carinho.


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Por Alberto Sena - 1/11/2011 09:12:00
Os bons ares de lá

Alberto Sena

Lá a vida passa devagar, vista de todo lugar. Seja da janela, seja da porta ou do fundo do quintal.
A cidade fascina quem está enjoado dessa correria dos grandes centros. Lá se pode escutar o silêncio, que não é como o silêncio do vácuo, porque a natureza esbanja os seus ruídos característicos.
Os sabiás laranjeira cantam neste momento lá, em todos os cantos. As árvores, muitas deles seculares, são verdadeiros campos de pouso para os passarinhos. Uns chegam, cantam e partem para outros campos de pouso. Outros chegam, cantam, limpam o bico num galho e voam para outras paragens. Mas é preciso ter olhos para enxergá-los e sensibilidade para apreciá-los.
Lá é assim: violência não há. Há amizade. Os vizinhos trocam oferendas. A campainha toca. Chega um com prato de biscoito. Passa um pouco, outro vizinho chega com vasilha de mandioca cozida junto com uma porção de carne de sol. E assim vai o dia inteiro. Uma beleza de cortesia.
Lá as mangueiras regurgitam mangas. Mangas de todos os tipos: espada, sapatinho, rosa etc. Com as chuvas caindo devagar, sem aquela força das temporadas anteriores, dentro em pouco as mangas amadurecerão.
Concomitantemente à safra de mangas, vem o saboroso e forte pequi. Dizem que o pequi de lá é o melhor. Um dia, certamente, vou experimentá-lo. Dizem: “o pequi é vermelho, carnudo, uma beleza!”
Lá, as pessoas falam baixo. São educadas para isto. Não ligam som nas alturas. Por isto também lá é diferente de tudo quanto os muitos lugares vividos e sentidos. É por isto que lá a gente pode ouvir os ruídos característicos da natureza; o bulício das folhas das árvores; o som da jia noturna.
Lá é desse jeito, “sem tirar nem pôr”, como se diz por lá. O ar é puro e se pode saber o ar puro por causa dos liquens que se espalham pelas pedras. A cidade é um verdadeiro presépio ao ar livre. As pedras formam imagens. Basta ter olhos para ver e sensibilidade para enxergar.
Lá tem pedra parecida com leão preguiçoso espalhado no chão. Lá tem pedra parecida com galo. Tem também pedra que se parece com tartaruga. E até pedra com aparência de navio, quase suspensa no ar.
A essa altura deste monólogo quem se dá ao trabalho de ler estas linhas está curioso para saber aonde é lá.
Lá é Grão-Mogol, cidade distante 143 quilômetros de Montes Claros, no Norte de Minas.
Lá é a terra de Lúcio Benquerer. E como reza o próprio nome dele, lá – e em todos os lugares – ele é querido por todos. Vai inaugurar em breve um presépio já considerado o maior do mundo em sua categoria: natural e a céu aberto.
Lá é a terra de Antônio de Pádua Bicalho, que já conta mais de 80 anos e guarda a memória da cidade. Garanto que neste momento ele está sentado na soleira da porta do estabelecimento comercial com um livro aberto, lendo. Grande Bicalho! A cidade toda o reverencia.
Lá é a terra de dona Nem – Maria Paulina Benquerer – com os seus 86 anos vividos na paz e na tranqüilidade de Grão-Mogol. Ela não troca a cidade por nada deste mundo. Ela conta histórias mil. Até mesmo de uma jiboia que um dia apareceu, pasmem todos, no quintal da casa dela.
E quê quintal ela possui! No quintal da casa de dona Nem tem parreira de uva. Bananeiras têm. Mangueiras abarrotadas de mangas por amadurecer. Têm pés de café, de graviola. Este é o paraíso dela. Vida longa para dona Nem.
Lá é onde nasceu e vive Geraldo Ramos Frões, que esbanja sabedoria botânica. Ele cuida do viveiro e do presépio da cidade. Produz uma quase infinidade de mudas. Até de pequizeiro, que é difícil. E as mudas são distribuídas de graça para quem se interessar possa.
Lá não podia ser diferente de tudo isto porque tem a proteção de Nossa Senhora do Rosário, lembrada e festejada no feriado local, segunda-feira, 31 de outubro, com uma alvorada de foguetes.
Grão-Mogol é também do padre Geraldo Magela, que nasceu em Montes Claros, mas adotou a cidade e a região, aonde conduz a paróquia Santo Antônio, toda feita de pedras. O padre se diz em “estado de êxtase” com o presépio enorme em fase de conclusão. Os olhos dele brilham com a novidade.
Lá é assim, como disse em poucas palavras. E se Deus quiser continuará assim, porque cada um dos seus mais de sete mil habitantes cuida de Grão-Mogol como cuida da própria casa.


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Por Alberto Sena - 24/10/2011 09:14:46
Fígado do lado errado

Alberto Sena

De tanto buscar aqui e ali, pesquisar lá e acolá fui descobrindo na vivência diária que o corpo humano, essa carcaça que nos prende ao chão, fala. Só que nem sempre a gente costuma dar ouvidos a ele, a não ser quando alguma coisa nele falha e é então que escutamos o seu apito.
O meu corpo, graças ao bom Deus, continua firme e forte, e antes que pudesse apitar, aprendi que é preciso conversar com ele diariamente.
Descobri que é necessário ter intimidade com ele, da mesma forma como temos de cuidar do espírito, que, em verdade, é o ente mais importante dessa tríade a qual somos formados, nessa ordem: espírito-mente-corpo.
Pois bem, aprendi que pelo espírito e através da mente nós podemos entrar em contato com o Criador de todos nós, por meio das orações. E não há nada mais forte e importante no dia a dia do que orar a Deus.
Assim faço diariamente porque em verdade, nada sou; nada posso; nada resolvo por mim mesmo e só Deus, que de fato conduz a bicicleta da vida, me dá o alento diário, se eu ocupo com a tarefa de pedalar.
Pedalar é preciso. Se eu paro de pedalar, a bicicleta para, porque Deus faz a parte Dele, mas eu – e cada um de nós seres humanos – preciso fazer a minha parte. E a minha parte, pelo que sei, é a parte mais fácil, pois o mais difícil é atribuição divina.
Vai daí que aprendi já faz algum tempo: a gente precisa ter uma relação mais íntima com o corpo. Assim é que todo dia, ao me despertar de mais uma noite de sono, sento-me na cama e tenho o seguinte monólogo com Deus, monólogo estritamente de agradecimento, porque não sou digno – nem nenhum ser humano o é – de ouvir a voz de Deus, por isto chamo a minha conversa com Ele de monólogo e não diálogo:
_“Deus, obrigado pela vida do meu espírito; obrigado por minh’alma; obrigado pela minha mente e pela minha memória, companheira de todas as horas e da minha vida inteira. Obrigado, Senhor, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Salvador, por todos os átomos e todas as células que constituem o meu corpo; obrigado pelos meus ouvidos, meus olhos, minha boca, meus dentes, minha língua e minha garganta. Obrigado, Senhor, pelo meu coração; meus pulmões, meu estômago, meu fígado, meus rins, minha bexiga, meus intestinos, meus braços e minhas mãos; minhas pernas e meus pés.
“Enfim, Senhor, obrigado pelo meu corpo por inteiro, forte, saudável, e principalmente pela energia curadora que vem do Senhor e percorre o meu corpo da cabeça aos pés”.
Essa energia curadora a que me refiro faz parte da “medicina divina”. Ela está em cada um de nós e à medida que nos conscientizamos da existência dela, essa energia cumpre com a finalidade atribuída a ela por Deus.
Enquanto vou conduzindo o monólogo com Ele em agradecimento pelo meu corpo, visualizo em mim cada órgão em seu devido lugar a partir da cabeça, passando pelo tórax, abdômen e membros.
Houve, entretanto, ocasião em que me abateu uma dúvida atroz: aonde se localiza em mim o fígado? É do lado esquerdo ou do lado direito? Tive então de pesquisar para acabar com a dúvida. Afinal, o fígado, esse importante órgão, que funciona como uma espécie de glândula se localiza no lado direito do corpo.
Foi ao acabar com essa dúvida sobre a localização do fígado no meu corpo que me lembrei de um amigo conterrâneo, de Montes Claros, cujo nome licença peço para omitir, que, nos últimos anos de inglória vida de praticante de “alterocopismo”, inveterado bebedor de cachaça, se dava ao trabalho de doar sangue e depois de receber míseros trocados, se enfurnava na Cristal daqueles bons tempos para se embebedar.
Não sei se por ignorância ou por gracejo próprio do caráter dele, depois de encher a cara, ele apalpava o lado esquerdo do abdômen e dizia: “Tô com o fígado alquebrado”. Foi talvez por isto que, embora tenha estudado o corpo humano naqueles anos de colégio, perdi a noção da localização do fígado no corpo.
Hoje não. Sei bem que o fígado está debaixo da costela, do lado direito. E quando agradeço a Deus pelo fígado, visualizo-o direitinho, inteiro, mesmo depois de ingerido na noite anterior uma garrafa de vinho tinto compartilhada com a minha respectiva companheira.
Mas nunca deixo de me lembrar do amigo montes-clarense, sujeito bem apessoado, de cabelos loiros, de olhos azuis, que batia no fígado do lado errado.


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Por Alberto Sena - 17/10/2011 07:36:41
Parem a roubalheira ou paramos o Brasil

Alberto Sena

Montes Claros não ignora que está em curso no Brasil um movimento crescente feito fermento em bolo, contra os corruptores, os corruptos e a corrupção endêmica que atrasa o desenvolvimento do País. Trato deste assunto hoje porque faço parte deste movimento, do qual não participam políticos partidários nem sindicalistas. É um movimento político, sim, mas estritamente popular.
Publiquei no Facebook um texto que poderá ser lido abaixo e o jornalista Jorge Silveira, um dos mais novos integrantes da “Academia Montesclarense de Letras”, fez questão de acrescentar algumas considerações importantes no rol de reivindicações populares para sanear o sistema político do País.
“Em primeiro lugar” – disse ele – “voto distrital, para que cada eleitor saiba quem é o seu deputado (assim se liquidaria com os compradores de voto e tornaria as campanhas mais baratas). Fim do quociente eleitoral, para que Tiririca não eleja Valdemar Costa Neto (seriam eleitos sempre os mais votados). Fim do suplente de senador (é duro votar em Itamar e eleger Zezé Perrela). Fidelidade partidária, para acabar com o troca-troca de partidos, o que é um desrespeito ao voto do cidadão. Quem trocar de partido fica inelegível por dez anos. Por fim, acabar com as coligações, ralo por onde se inicia o processo de corrupção. São bandeiras pelas quais devemos lutar, para purificar os ares da política nacional”.
Brilhante essa participação de Jorge Silveira, que no dia a dia de Montes Claros mete o dedo na ferida da política municipal, assim como Waldyr Senna e outros que dão o bom exemplo a ser seguido. Entendo que – e aqui insiro o texto publicado no Facebook – se juntos dermos um jeito nesse cancro chamado corrupção, juntos transformaremos o Brasil numa grande Nação, não só em termos territoriais.
Sem corrupção, o Brasil será senão a maior, uma das maiores potências do globo, não em termos bélicos, como os Estados Unidos da América do Norte, cuja economia é centrada na fabricação e no comércio de armas, no fomento às guerras.
O Brasil, esse Brasil que a mídia não mostra, tem todos os requisitos para se transformar numa potência do saber; num País onde a miséria foi extirpada; numa Nação de gente educada; território rico de belezas cênicas e recursos minerais, detentor do maior caudal de grandes rios e de matas exuberantes.
E principalmente, os brasileiros serão reconhecidos no mundo inteiro como uma raça sem igual no planeta, miscigenação meticulosamente preparada no caldeirão étnico invejado pelos países ditos desenvolvidos.
Sem corrupção, que revolta a quem preza a ética, sobrará dinheiro para a saúde, e nunca mais os governos haverão de pensar em impostos para financiá-la. E os brasileiros terão assistência médica de qualidade, igual tanto para pobres como para ricos, e daremos adeus às filas do SUS.
Sem corrupção, sobrará dinheiro suficiente para os governos darem educação de qualidade a todos os brasileiros, indistintamente, a partir da base, até os cursos de graduação e pós-graduação.
Brasileiros sem conta serão doutores, pois nossa gente é gente inteligente, capaz de participar ativamente da transformação do mundo, um mundo sem miséria.
Com educação de qualidade, os professores terão bons salários, como acontece na Coréia do Sul, um pequeno país do oriente onde os professores são respeitados, têm os melhores salários. E porque são bem pagos e têm infraestrutura também de qualidade, aquele pequeno país dá um banho, atualmente, no Brasil, em termos de educação e cultura.
Sem corrupção, as cenas horripilantes de irmãos brasileiros dormindo na sarjeta desaparecerão. Há algo mais triste do que andar pelas ruas das cidades e ver seres humanos como nós dormindo no chão frio das calçadas mal engendradas, esburacadas?
Sem corrupção, a fome será banida para sempre do País, porque não dá para aceitar esse descalabro verificado diuturnamente de pedintes nas ruas implorando dinheiro “para comprar pão”. Crianças descalçadas, maltrapilhas de nariz a escorrer catarro e cheio de melecas; crianças que podiam estar em creches com todos os recursos dignos para formá-las tendo em vista um futuro promissor.
Mas para acabarmos com a corrupção é necessário sairmos do comodismo. Enquanto dormimos em camas macias, enquanto nos cobrimos com cobertores quentinhos; enquanto forramos o estômago com frutas, legumes, verduras e carnes de variados tipos milhões de irmãos perambulam pelas ruas das cidades à míngua.
Quem não se posicionar contra a corrupção dará demonstração de conivência com o grupo dos corruptores e corruptos, porque não é compreensível que diante desse descalabro assistido diariamente pessoas de bem possam ignorar ou aceitar que maus políticos e maus empresários continuem usurpando do dinheiro público, nos fazendo de bobos, otários.
Não dá para não reagir contra a ação dos corruptores e dos corruptos que depois de meterem a mão no dinheiro público vão para a TV posar de “celebridades”. Juntos, temos que pôr um basta nisto.
Daqui para frente, os potenciais corruptores e corruptos (eles não têm vergonha mesmo) precisam ter medo da nossa reação, reação política – antes mesmo de nascer, ainda na fase de gestação, o ser humano é político – mas não uma reação político-partidária. Não devemos misturar uma coisa à outra.
Não devemos aceitar partidos políticos em nosso meio. Não devemos aceitar sindicalistas. Esta é uma reação autenticamente popular, de quem tem vergonha na cara e preza a ética como a melhor maneira de construir uma grande Nação melhor para todos.
Precisamos juntos, construir uma reação semelhante às “Diretas-Já”. Temos que ser fermento. Precisamos fazer crescer o bolo da indignação para mostrarmos aos corruptores e corruptos que eles são dejetos da sociedade e devem ser lançados na rede de esgoto.
Corrupção é “crime hediondo”. Quem malversar dinheiro público, além de ser preso e devolver todo o recurso roubado com juros e correção monetária, terá os direitos políticos cassados para sempre, sofrerá todo o escárnio da sociedade. Terá julgamento rápido, sem nenhuma regalia, passará os anos de condenação literalmente atrás das grades.
Queremos, pela ordem (além do que sugere Jorge Silveira e outros ainda poderão sugerir): “Reconhecimento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa no STF, com validade para as eleições de 2012; imediato julgamento, no STF, do “mensalão”, para evitar que os crimes praticados sejam prescritos e os corruptos saiam impunes; inclusão dos crimes de corrupção na categoria de crimes hediondos, sem direito a fiança nem quaisquer outras regalias; prisão e imediato confisco de bens de juízes pegos vendendo sentença, que beneficiam delinquentes e corruptos; imediata devolução aos cofres públicos dos recursos desviados pelos corruptores e corruptos; investimento maciço em Educação, com a imediata adoção do Piso Salarial Nacional dos professores; promoção da Reforma Política, com a abolição do voto secreto nas votações do Congresso Nacional; extinção das emendas individuais no orçamento federal e redução dos cargos comissionados; maior transparência na aplicação dos recursos públicos, com a publicação das receitas e gastos, em todos os níveis – municipal, estadual e federal” – entre outras reivindicações.
Não dá mais para suportar. Quem ficar estático diante da corrupção precisa entender: você também está sendo roubado, reaja. Se nada fizer, de duas uma: poderá ser visto como corruptor ou corrupto. Não dá nem para aceitar a repugnante desculpa de “comodismo”. Reação de protesto, indignação, é preciso.
Dia 15 de novembro, Dia da Proclamação da República, que todas as pessoas dignas, republicanas, saiam do comodismo das suas casas para marcharem contra a corrupção. A palavra de ordem é: “Ou acabem com a roubalheira ou paramos o Brasil”.


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Por Alberto Sena - 14/10/2011 11:54:23

Os passos da paixão de Dídimo Paiva

Alberto Sena

O lançamento dos livros sobre a “Vida e Obra” do jornalista Dídimo Paiva – “Passos de uma paixão” e “Um bunker na imprensa”, na noite de 13 de outubro de 2011, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, reuniu centenas de pessoas entre jornalistas, intelectuais, amigos e parentes do homenageado, que, aos 83 anos autografou os dois volumes, de 190 e 311 páginas, respectivamente.
Presidente do Sindicato dos Jornalistas na década de 1970, Dídimo Paiva é considerado “um dos últimos dos moicanos” do jornalismo mineiro e nacional pela sua coragem, ética profissional e senso de justiça – ele enfrentou a ditadura militar desde os primeiros momentos do golpe que lançou o País em trevas – defendeu e defende a ética profissional como um guerreiro numa trincheira, tendo sido talvez o jornalista que mais escreveu editoriais num só veículo de comunicação, em torno de 15 mil, durante 40 anos de profissão.
Foi uma verdadeira festa o lançamento organizado por “Conceito Editorial”, de José Eduardo Gonçalves e Sílvia Rubião, editores das publicações que marcaram para a posterioridade a vida e obra deste grande jornalista considerado “reserva moral do jornalismo mineiro”.
Com prefácio do escritor Fernando Morais e notas finais de Anis José Leão no primeiro livro, o da vida de Dídimo Paiva, e prefácio do jornalista e escritor Mauro Santayana, no outro, as publicações foram escritas pelos jornalistas Tião Martins e Alberto Sena (Reportagem); e André Rubião, cientista político, organizador da obra, parte da grande série de artigos publicados ao longo da vida profissional do jornalista, hoje aposentado.
Os livros foram idealizados pelos jornalistas Paulo Emílio Coelho Lott e Washington Tadeu de Mello, amigos de Dídimo Paiva de longa data, com recursos da Lei Federal de Incentivo à Cultura. E com o apoio de Andrea Neves da Cunha, Édison Zenóbio, Henrique Bandeira de Melo, J. D. Vital, Luiz Henrique Michalick, Paulo Brant e Sérgio Esser.
Sem dúvida, foi uma noite memorável. O homenageado, cercado pelos parentes, estava visivelmente emocionado, e embora tivesse se restabelecendo de recente fratura sofrida no braço direito, em decorrência de uma queda, o que o impediu de redigir nos últimos meses, já que aposentou definitivamente a máquina de escrever e o computador (os textos dele são manuscritos), pôde abraçar a todos com satisfação e alegria.
“Passos de uma paixão” foram contados a partir de longas conversas gravadas com Dídimo Paiva, o que demandou quase um ano de exaustivo trabalho, tempo em que a vida dele foi escarafunchada desde o nascimento, em Jacuí, no Sul de Minas, até os grandes momentos de sua rica vivência no jornalismo.
Para organizar o livro sobre a obra de Dídimo, André Rubião contou com pesquisa minuciosa feita por Rosângela Guimarães, auxiliada por uma equipe técnica composta por Dejanira Ferreira Rezende, Denise Maria Ribeiro Tedeschi, Joelma Aparecida do Nascimento, Pedro Eduardo de Andrade, Rafael Fanni e Tágila Gonçalves Mendes; com apoio de Bárbara Vieira, projeto gráfico e diagramação de Diogo Droschi, revisão de Cecília Martins e apoio administrativo de Kênia Perdigão.
Os artigos de Dídimo Paiva estavam em cerca de cem caixas de papelão num cômodo fechado a cadeados na casa que ele tem em Mariana, aonde costuma passar o fim de semana com a esposa, Cidinha. Todo o acervo dele foi devidamente organizado, de modo que daqui para frente, sempre que Dídimo quiser encontrar um dos seus guardados será uma tarefa fácil.
Em verdade, para contar a vida e a obra deste homem inigualável seriam necessários vários livros, tamanha a riqueza do que ele obrou nessas mais de quatro décadas de jornalismo. Viciado no trabalho, ele era famoso por trabalhar quase 24 horas por dia. Nos últimos anos, costumava se levantar às 5h e antes de qualquer outra iniciativa, se dirigia à mesa de trabalho, em casa, para redigir os seus famosos manuscritos, artigos publicados em revistas e especialmente no Observatório de Imprensa.
Dídimo poderia ser hoje, homem rico. Mas recusou pomposas ofertas de emprego público para se dedicar única e exclusivamente ao jornalismo. Ele foi o espelho através do qual o ex-torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva colheu as primeiras substâncias para iniciar no ABC paulista o “Novo Sindicalismo”, que o levou a ser, anos depois de quatro tentativas, presidente da República do Brasil.


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Por Alberto Sena - 11/10/2011 14:30:31
O começo e o fim da “guerra” de Canudos

Como certamente fui um dos últimos a ter a graça, a honra e o prazer de ler “Os Sertões”, belíssimo e riquíssimo livro do grande escritor Euclides da Cunha (se por acaso houver ainda alguém que não o leu – o que não acredito, pois me julgo o último leitor dessa grande obra – recomendo ler), tomo a liberdade de inserir no âmbito doméstico deste Face Book, a reação primeira da Igreja Católica (faço questão de ressaltar que ao apor isto aqui não tenho a menor intenção de combater a Igreja Católica) contra as pregações de Antônio Conselheiro, o que se poderá constatar nas páginas 130 e 131 da edição da Abril Cultural, 1982. Ao final de tudo, que cada um que se der ao trabalho de ler esses registros até o fim, possa tirar as próprias conclusões dos motivos que geraram um dos mais violentos episódios da história do Brasil, que, em certa época da nossa vida de estudante, povoaram os nossos parcos estudos e conhecimentos. Leiam abaixo:
Tentativas de reação legal
“Os vigários toleravam com boa sombra os despropósitos do Santo endemoninhado que ao menos lhes acrescia a côngrua reduzida. Percebeu-o, em 1882, o arcebispo da Bahia, procurando pôr paradeiro a esta transigência, senão mal disfarçada proteção, por uma circular dirigida a todos os párocos.
“Chegando ao nosso conhecimento, que pelas freguesias do centro deste arcebispado, anda um indivíduo denominado Antônio Conselheiro, pregando ao povo, que se reúne para ouvi-lo, doutrinas supersticiosas e uma moral excessivamente rígida com que está perturbando as consciências e enfraquecendo, não pouco, a autoridade dos párocos destes lugares, ordenamos a V. Rvma., que não consinta em sua freguesia semelhante abuso, fazendo saber aos Paroquianos que lhes proibimos absolutamente, de se reunirem para ouvir tal pregação, visto como, competindo na igreja católica, somente aos ministros da religião, a missão santa de doutrinar os povos, um secular, quem quer que ele seja, ainda quando muito instruído e virtuoso, não tem autoridade para exercê-lo.
“Entretanto sirva isto para excitar cada vez mais o zelo de V. Rvma., no exercício do ministério da pregação, a fim de que os seus paroquianos, suficientemente instruídos, não se deixem levar por todo o vento de doutrina, etc.”
“Foi inútil a intervenção da Igreja”.
(Nas páginas 166 e 167 se podem ler o que de fato foi o principal motivo do sangrento episódio da história brasileira, no qual um sem número de pessoas, tanto do exército quanto da jagunçada, perdeu a vida de maneira bisonha).
Causas próximas da luta
“Determinou-a incidente desvalioso.
“Antônio Conselheiro adquirira em Juazeiro certa quantidade de madeira, que não podiam fornecer-lhe as caatingas paupérrimas de Canudos. Contratara o negócio com um dos representantes da autoridade daquela cidade. Mas ao terminar o prazo ajustado para o recebimento do material que se aplicaria no remate da igreja nova, não lho entregaram. Tudo denuncia que o distrato foi adrede feito, visando o rompimento anelado.
“O principal representante da justiça do Juazeiro tinha velha dívida a saldar com o agitador sertanejo, desde a época em que sendo juiz de Bom Conselho fora coagido a abandonar precipitadamente a comarca, assaltada pelos adeptos daquele.
“Aproveitou, por isso, a situação, que surgia a talho para a desafronta. Sabia que o adversário revidaria à provocação mais ligeira. De fato, ante a violação do trato aquele retrucou com a ameaça de uma investida sobre bela povoação do S. Francisco: as madeiras seriam de lá arrebatadas, à força.
“O caso passou em dias de outubro de 1896.
“Era esta a situação (Mensagem do Governador da Bahia (Dr. Luís Viana) ao Presidente da República – 1897) quando recebi do Dr. Arlindo Leôni, Juiz de Direito de Juazeiro, um telegrama, urgente comunicando-me correrem boatos mais ou menos fundados de que aquela florescente cidade seria por aqueles dias assaltada por gente de Antônio Conselheiro, pelo que solicitava providências para garantir a população e evitar o êxodo que da parte desta já se ia iniciando. Respondi-lhe que o governo não podia mover força por simples boatos e recomendei, entretanto, que mandasse vigiar as estradas em distância e verificado o movimento dos bandidos, avisasse por telegrama, pois o governo ficava prevenido para enviar incontinenti, em trem expresso, a força necessária para rechaçá-las e garantir a cidade”.
(A mim não cabe, aqui, entrar nos detalhes do que se deu depois, senão teria que transcrever o livro inteiro e não é o caso. O certo é que o conflito se iniciou e foi uma coisa horrenda. Passo, então, a transcrever os momentos finais dessa “guerra” fratricida dando um salto para as páginas 427 / 428 / 429, já depois de morto Antônio Conselheiro, que foi sepultado por um jagunço chamado Antônio também, apelidado de “Beatinho”, que deixou as trincheiras de Canudos e se entregou ao exército juntamente com um dos seus companheiros, conforme descreve Euclides da Cunha).
“Um deles era Antonio, o “Beatinho”, acólito e auxiliar do Conselheiro. Mulato claro e alto, excessivamente pálido e magro, erecto o busto adelgaçado. Levantava, com altivez de resignado, a fronte. A barba rala e curta emoldurava-lhe o rosto pequeno animado de olhos inteligentes e límpidos. Vestia camisa de azulão e, a exemplo do chefe da grei, arrimava-se a um bordão a que se esteava, andando. __ Veio com outro companheiro, entre algumas praças, seguido de um séquito de curiosos.
“Ao chegar à presença do general, tirou tranquilamente o gorro azul, de listras e borlas brancas, de linho; e quedou, correto, esperando a primeira palavra do triunfador.
“Não foi perdida uma sílaba única do diálogo prontamente travado.
_ “Quem é você?
_ “Saiba o seu doutor general que sou Antônio Beato e eu mesmo vim por meu pé me entregar porque a gente não tem mais opinião e não aguenta mais.
“E rodava lentamente o gorro nas mãos lançando sobre os circunstantes um olhar sereno.
_ “Bem. E o Conselheiro?...
_ “O nosso bom Conselheiro está no céu...
“Explicou então que aquele, agravando-se antigo ferimento, que recebera de um estilhaço de granada atingindo-o quando em certa ocasião passava da igreja para o Santuário, morrera a 22 de setembro, de uma disenteria, uma “caminheira” – expressão horrendamente cômica que pôs repentinamente um burburinho de risos irreprimidos naquele lance doloroso e grave.
“O Beato não os percebeu. Fingiu, talvez, não os perceber. Quedou imóvel, face impenetrável e tranquila, de frecha sobre o general, olhar a um tempo humilde e firme. O diálogo prosseguiu:
_ “E os homens não estão dispostos a se entregarem?
_ “Batalhei com uma porção deles para virem e não vieram porque há um bando lá que não querem. São de muita opinião. Mas não aguentam mais. Quase tudo mete a cabeça no chão de necessidade. Quase tudo está seco de sede...
_ “E não podes trazê-los?
_ “Posso não. Eles estavam em tempo de me atirar quando saí...
_ “Já viu quanta gente aí está, toda bem armada e bem disposta?
_ “Eu fiquei espantado!
“A resposta foi sincera, ou admiravelmente calculada. O rosto do altareiro desmanchou-se numa expressão incisiva e rápida, de espanto.
_ “Pois bem. A sua gente não pode resistir, nem fugir. Volte para lá e diga aos homens que se entreguem. Não morrerão. Garanto-lhes a vida. Serão entregues ao governo da República. E diga-lhes que o governo da República é bom para todos os brasileiros. Que se entreguem. Mas sem condições: não aceito a mais pequena condição...
“O Beatinho, porém, recusava-se, obstinado, à missão. Temia os próprios companheiros. Apresentava as melhores razões para não ir.
“Nessa ocasião interveio o outro prisioneiro, que até então permanecera mudo.
“Viu-se, pela primeira vez, um jagunço bem nutrido e destacando-se do tipo uniforme dos sertanejos. Chamava-se Bernabé José de Carvalho e era um chefe de segunda linha.
“Tinha o tipo flamengo, lembrando talvez, o que não é exagerada conjetura, a ascendência de holandeses que tão largos anos por aqueles territórios do norte trataram com o indígena.
“Brilharam-lhe, varonis, os olhos azuis e grandes; o cabelo alourado revestia-lhe, basto, a cabeça chata e enérgica.
Apresentou logo como credencial o mostrar-se duma linhagem superior. Não era um matuto largado. Era casado com uma sobrinha do capitão Pedro Celeste, de Bom Conselho...
“Depois contraveio, num desgarre desabusado, insistindo com o Beatinho recalcitrante”:
(Passando, na sequência, para a página 429, Bernabé disse o que se segue).
_ “Vamos! Homem! Vamos embora... Eu falo uma fala com eles... deixe tudo comigo. Vamos!
“E foram”.
“O efeito da comissão, porém foi de todo em todo inesperado. O Beatinho voltou, passada uma hora, seguido de umas trezentas mulheres e criança e meia dúzia de velhos imprestáveis. Parecia que os jagunços realizavam com maestria sem par o seu último ardil. Com efeito, viam-se libertos daquela multidão inútil, concorrente aos escassos recursos que acaso possuíam, e podiam, agora, mais folgadamente delongar o combate”.
(Agora, Euclides da Cunha narra a chegada dos prisioneiros, na página 430)
“Alguns enfermos graves vinham carregados. Caídos logo aos primeiros passos, passavam, suspensos pelas pernas e pelos braços, entre quatro praças. Não gemiam, não estortegavam; lá se iam imóveis e mudos, olhos muito abertos e muito fixos, feitos mortos. Aos lados, desorientadamente, procurando os pais que ali estavam entre os bandos ou lá embaixo mortos, adolescentes franzinos, chorando, clamando, correndo. Os menores vinham às costas dos soldados agarrados às grenhas despenteadas há três meses daqueles valentes que havia meia hora ainda jogavam a vida nas trincheiras e ali estavam, agora, resolvendo desastradamente, canhestras amas-secas, o problema difícil de carregar uma criança. Uma megera assustadora, bruxa rebarbativa e magra – a velha mais hedionda talvez destes sertões – a única que alevantava a cabeça espalhando sobre os espectadores, como faúlhas, olhares ameaçadores; e nervosa e agitante, ágil apesar da idade, tendo sobre as espáduas de todo despidas, emaranhados, os cabelos brancos e cheios de terra, _ rompia, em andar sacudido, pelos grupos miserandos, atraindo a atenção geral. Tinha nos braços finos uma menina, neta, bisneta, tataraneta talvez. E essa criança horrorizava. A sua face esquerda fora arrancada, havia tempos, por um estilhaço de granada; de sorte que os ossos dos maxilares se destacavam alvíssimos, entre os bordos vermelhos da ferida já cicatrizada... A face direita sorria. E era apavorante aquele riso incompleto e dolorosíssimo aformoseando uma face e extinguindo-se repentinamente na outra, no vácuo de um gilvaz
“Aquela velha carregava a criação mais monstruosa da campanha. Lá se foi com o seu andar agitante, de atáxica, seguindo a extensa fila de infelizes...
(Vamos juntos, para a página 433, na qual o editor do autor inseriu ao lado direito da página o que seria um versal: “Canudos não se rendeu”).
“Fechemos este livro.
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.
“Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos”.
(Ainda na página 433 até o final do livro, na página 434, o editor interpôs o seguinte versal: “O cadáver do Conselheiro”)
“Antes, no amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o cadáver de Antônio Conselheiro.
“Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação de um prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol imundo, em que mãos piedosas haviam disparzido algumas flores murchas, e repousando sobre uma esteira velha, de tábua, o corpo do “famigerado e bárbaro” agitador. Estava hediondo. Envolto no velho hábito azul de brim americano, mãos cruzadas ao peito, rosto tumefacto e esquálido, olhos fundos cheios de terra – mal o reconheceram os que mais de perto o haviam tratado durante a vida.
“Desenterraram-no cuidadosamente. Dádiva preciosa – único prêmio, únicos despojos opimos de tal guerra! – faziam-se mister os máximos resguardos para que se não desarticulasse ou deformasse, reduzindo-se a uma masa (no livro parece faltar um ‘s’ na palavra, que deve ser ‘massa’) angulhenta de tecidos decompostos.
“Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando a sua identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava afinal extinto aquele terribilíssimo antagonista.
“Restituíram-no à cova. Pensaram, porém, depois, em guardar a sua cabeça tantas vezes maldita – e como fora malbaratar o tempo exumando-o de novo, uma faca jeitosamente brandida, naquela mesma atitude, cortou-lha; e a face horrenda, empastada de escaras e de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores...
“Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio. Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas, as linhas essenciais do crime e da loucura...”


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Por Alberto Sena - 10/10/2011 08:26:45
Pequeno traço, polêmica grande

Alberto Sena

Um pequeno traço gramatical pode gerar uma grande polêmica. Exemplo disto é o caso do hífen (ou a ausência dele) na palavra que identifica as pessoas nascidas em Montes Claros. Eu e meus conterrâneos somos “montes-clarenses” com hífen, mas a Academia Montesclarense de Letras, como se pode ler, grafa a palavra sem o referido sinal, porque assim foi registrada em cartório.
O porquê disto ainda não é sabido. O que se sabe é que o fato de a academia ter sido registrada sem hífen e o sinal gráfico ser parte integrante da nossa condição de montes-clarenses, gera certa confusãozinha porque a tendência de quem desconhece é seguir os cânones acadêmicos.
O texto publicado aqui, semana passada, a propósito disto, ao que parece, não despertou, oficialmente, reação alguma da Academia Montesclarense de Letras. Mas no âmbito doméstico do Face Book, o falatório foi intenso como se poderá comprovar abaixo.
Virginia Abreu De Paula, que pertence à Academia Feminina de Letras de Montes Claros teceu alguns comentários: “Gramaticalmente”, ela escreveu, “claro, o correto é com hífen. Pessoalmente, penso que, embora os acadêmicos soubessem da necessidade do hífen, optaram pela sua ausência, pois era assim que todos escreviam no passado. E assim a nossa academia é montesclarense. E, sabendo que os montesclarenses de então, gente tão dedicada à cidade, com amor verdadeiro e desinteressado, gosto de dizer que, montesclarense sem hífen, somos todos nós que também amamos Montes Claros de verdade, que queremos preservar nossa memória e nossa natureza. E com hífen são aqueles que chegaram depois, com nova maneira de ver a cidade, sem muito interesse pelo que é nosso. Devo deixar claro que há jovens montesclarenses e muitos da “velha guarda” que se tornaram montes-clarenses. Enfim, para mim, quando digo que sou montesclarense, assim sem o hífen, é algo como “carioca da gema”. Invencionice minha. Só quando, ao escrever, forçosamente, a bem da gramática tenho de colocar o tal hífen, mesmo que a contragosto. Sei que dona Yvonne (a presidente da Academia Montesclarense de Letras) tem algo escrito a respeito. Ela é pela ausência do hífen. Seria bom que ela compartilhasse o artigo conosco”.
Em resposta a Virgínia, pessoa de docilidade peculiar, eu escrevi no Face Book: “Tudo bem, mas você vai “presa assim mesmo”, como se diz na brincadeira. Mas se a Academia Montesclarense de Letras não utiliza o hífen, considerando que é uma academia que reúne os “imortais da literatura”, de duas uma: está certa ou errada. Se estiver certa, todos nós acompanharemos a Academia. Se estiver errada, que ela reconheça o erro e coloque o hífen. Afinal, a Academia é uma referência. O que não deve acontecer é essa dúvida: com ou sem hífen?”
Mais que depressa, Virginia redarguiu (sem trema): “Está errado dentro da gramática. Está certo nos nossos corações. O que vale mais? Como eu disse, dona Yvonne tem um artigo onde ela tece comentário sobre a razão dela preferir sem o hífen. Talvez tenha encontrado alguma brecha na gramática que permita a opção. Eu não conheço o artigo e gostaria de conhecer. Durante a formação da academia feminina veio essa questão. Foi um bate boca danado. Finalmente, alguém deu o famoso “golpe de João sem Braço” e sugeriu colocarmos o nome Academia Feminina de Letras de Montes Claros. E ficou assim”.
Vai daí que Itamaury Teles de Oliveira, que é acadêmico, deu a sua contribuição: “Alberto, bastante oportuna a sua dúvida. E é bom que se esclareça. Como editor da revista da Academia, adotei o seguinte princípio: onde falava da Academia Montesclarense de Letras, grafava-a sem hífen, pois foi assim batizada no Cartório de Títulos e Documentos. Nos demais casos, eu segui o que manda as normas ortográficas: montes-clarense, com hífen, evidentemente. Já comentei com alguns acadêmicos sobre a necessidade de fazermos uma alteração nos registros, para torná-los consentâneos com as regras ortográficas. Enquanto isso, convivamos com as duas formas, embora o certo seja com hífen”.
Pus, então, um pouco mais de gasolina na conversa: “Aproveitando o mote, Itamaury, acho que é uma boa hora de provocarmos uma solução da questão, porque senão vamos prolongar o problema, que nem é tão problema assim, mas gera uma dúvida incômoda, considerando que se trata de uma Academia de Letras, que, em tese, dita normas que devem ser seguidas, pois reúne a nata dos literatos montes-clarenses. Se a própria Academia grafa a palavra desse modo, e levando-se em conta a respeitabilidade dela, fica parecendo que o outro modo, com hífen, é errado, concorda?”
Itamaury, com o seu jeito diplomático de ser, concordou com a necessidade de uma alteração “para evitar confusão”. E foi mais adiante: “Mas como se trata de nome próprio, não está errado grafá-lo sem hífen, pois assim foi registrado. Se, porventura, tivesse trema, este também poderia ser mantido, embora já defenestrado da língua portuguesa. Curioso, não?”
Virginia voltou à baila: “Seria interessante saber por que registraram assim. Com certeza não foi por desconhecerem a regra gramatical. Teve alguma razão que dona Yvonne sabe a resposta. Por mim, continuo achando que montesclarense “da gema” é sem hífen; eu sou montesclarense”.
Leonardo Campos, que além de jornalista, escritor e advogado é paleontólogo, passava por perto e deu também o seu palpite: “Foi registrado sem hífen mesmo, por desconhecimento da regra gramatical (na época achavam que era assim), isto é, errado”.
Virginia armou-se de mais munição e disparou: “Ainda gostaria de ouvir o que dona Yvonne tem a dizer. Todos escreviam sem hífen. Todos: Cyro dos Anjos, Nelson Viana, Guimarães Rosa. Será que todos ignoravam a regra? Olha, se eles ignoravam essa regra, é que se trata de uma regra a ser ignorada. Sou muito mais eles do que quem fez a regra”.
Itamaury emendou: “Todos os bons dicionários registram esse gentílico com hífen. E mais: em conformidade com a Academia Brasileira de Letras – signatária do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa – os gentílicos permanecem com hífen”.
Virginia concordou e foi avante: “Como venho falando desde a primeira postagem, a gramática pede o hífen. Quanto a isso, não resta a menor dúvida. Mas, por que temos de seguir gramática imposta por outros? Logo esse pessoal que vive inventando mudar as regras de ano em ano? Por que damos a eles tal poder sobre nós? Se gente como Cyro dos Anjos etc. escrevia sem hífen, eu fico com eles, porque gosto mais deles. Ai, cadê Márcia Yellow? Ela também não gosta do hífen. Cadê meu irmão Virgílio? Detestava o hífen na palavra montesclarense, considerado pelos antigos da cidade como um invasor. E cadê o artigo de dona Yvonne Silveira? Não estou dizendo que todos nós devemos abolir o hífen. Eu o uso sempre quando escrevo. Estou, porém, defendendo que sem hífen é bem mais bonito e muito mais nosso, muito mais com cheiro de Montes Claros. E que deve haver um motivo para isso porque não posso acreditar que tantos literatos desconheciam a regra gramatical”.
De lá da sua trincheira, Itamaury contra-atacou (com hífen): “Trata-se de uma boa briga, Virgínia. Quem sabe um plebiscito não resolveria a questão? Hífen em montes-clarense, sim ou não? Se for mantido o hífen, fica como está nos dicionários. Se não, enviaríamos o resultado para a Academia Brasileira de Letras, como um protesto do povo de Montes Claros, exigindo mudanças nas próximas edições dos “pais dos burros”.
Virginia, docilmente, acrescentou: “Isso resolveria o problema de Alberto. Ele acha que temos de decidir isso de uma vez (na nomenclatura da Academia, Virgínia). Eu não penso assim. Já está decidido, não por nós, que tem hífen. Recentemente tiraram mil hífens devido a uma reforma boba da nossa língua. Falta de orgulho nacional. Uma reforma ortográfica do inglês jamais seria cogitada muito menos aceita, pelos britânicos. Pois então, como eu dizia, retiraram mil hífens de palavras que estavam bonitinhas com eles. Mas deixaram o hífen onde não era preciso. De qualquer forma, ao que parece, temos a obrigação de seguir esses tontos que vivem modificando o que querem sem nos consultar. Então, não há necessidade de plebiscito! Já foi decidido. Porém, não podem obrigar a modificar um nome próprio já registrado. E não podem denegrir a imagem dos nossos acadêmicos que, vai ver, sabem mais português do que eles. Há muita coisa nossa não registrada nos dicionários, nem por isso estamos falando “errado”. Bestagem, por exemplo. Não creio que exista essa palavra. Mas existe para nós. Assim como sempre existirá algum livro de gente muito boa com a palavra montesclarense. Não é preciso fazer revisão. Deus me livre de corrigir Guimarães Rosa”.
Itamaury trouxe mais munição: “Bestagem está dicionarizada desde 1913, segundo o Houaiss: “Substantivo feminino, regionalismo: Brasil. Ato ou efeito de bestar, asneira, besteira, bobagem; falta de educação, inconveniência, vagabundagem, ócio”.
Virginia de novo: “Que boa notícia, Itamaury. Obrigada. Então são os montes-clarenses com hífen que ainda têm a mania de não dar valor ao regionalismo. E geralmente, nem sabem o que dizem”.
Mara Narciso, an passant deu uma contribuição: “Depois da reforma tenho escrito com hífen, e antes escrevia junto”. Ao que Virginia respondeu: “Mara, penso que havia o hífen antes da reforma. A primeira vez que vi escrito montes-clarense foi no fim dos anos 1970, na casa de uma amiga professora de português. Mas vejam o que acabei de encontrar no site jurisway: “Adjetivos Pátrios Brasileiros Estado: Minas Gerais – mineiro; capital: Belo Horizonte – belo-horizontino ou belohorizontino”. O quê? Então, eles podem escolher e nós não podemos? Ou é devido a alguma regra maluca como “belo” termina com vogal e “montes” com consoante? Pode parecer loucura, mas nossa língua está cheia de bobagens desse tipo. Gramáticos de plantão, socorro”.
Itamaury pôs, então, um hífen, quero dizer, um ponto final na conversa (por enquanto): “Acho que poderíamos usar o exemplo belorizontino e criar mais um: monsclarense. Aí, sim, sem hífen”.


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Por Alberto Sena - 3/10/2011 08:11:03
Montesclarense com ou seu hífen?

Alberto Sena

Quem quiser se encontrar com o escritor e jornalista Itamaury Teles, quando ele vem a Belo Horizonte, basta ir à Praça da Assembleia Legislativa, na manhã de sexta-feira, quando ele se incorpora ao “petit comité” dos ex-colegas aposentados do Banco do Brasil, certamente, gente competente e com as burras cheias. Entre eles há quem seja crente em Deus, há ateu e pelo menos um que diz ser nem crente nem ateu, “à toa”.
Encontrei-me com Itamaury, nesta última sexta-feira, quando o amigo me presenteou com um exemplar da “Revista da Academia Montesclarense de Letras”, volume II, por ele editada e publicada, tendo na capa a imagem da Catedral de Nossa Senhora Aparecida, edição bem feita, composta de textos de acadêmicos de estirpe elevada.
Vários deles eu tive a oportunidade de conhecê-los pessoalmente, em vida, como Hermes de Paula, Cândido Canela, João Valle Maurício, Corbiniano Aquino e Yvonne de Oliveira Silveira, a presidente da Academia Montesclarense de Letras, que por amor de Deus, no meio de nós se encontra.
Logo ao manusear o livro, fui assaltado por uma dúvida: se a Academia é Montesclarense (de Letras), sem hífen, por que logo na apresentação feita por dona Yvonne encontramos montes-clarense com hífen? Essa dúvida me acompanha já faz tempo e até hoje ninguém me esclareceu, afinal: sou montesclarense sem hífen ou montes-clarense com hífen?
Eu, cá na minha insipiência, acho que é preciso definir isto duma vez por todas e até peço licença para sugerir: se a Academia é Montesclarense, sem hífen, talvez fosse o caso de adotar essa nomenclatura baseada na titularidade acadêmica, porque assim se poderá pôr um ponto na questão.
Mas embora isto seja um pormenor, a dubiedade se transforma num problema maior cada vez que preciso escrever que sou natural de Montes Claros e, portanto, montesclarense sem hífen ou montes-clarense com hífen? Quando me perguntam até para gracejar, digo: “Vivo num “diadema retrós”, quero dizer, no dilema atroz, nunca sei se sou montesclarense sem hífen ou montes-clarense com hífen”.
Claro é que tudo isto não passa de um mote para eu escrever estas linhas, que só não são mal traçadas porque seguem a simetria do computador, que grava linhas retilíneas. Quem duvidar faça a experiência, pegue uma régua e constate quão retas são as linhas. Ainda bem, porque se o texto fosse manuscrito, além de ninguém conseguir ler, devido a minha péssima caligrafia, as linhas seriam incertas e não sabidas, descidas e subidas, como são aos montes claros, hoje sumindo do mapa devido à exploração imobiliária.
Entretanto, quero mesmo é falar um pouco de como conheci os acadêmicos imortais, primeiro dona Ivonne, que certamente não se lembra de mim, mas fui aluno dela na Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, naquele casarão antigo, recém-reformado, pelo que aplaudo porque o imóvel guarda histórias mil, por lá passou sem número de gente importante que faz a grandeza do Brasil.
Eu gostava de ouvir dona Ivonne declamar o poema de Jorge de Lima, “Essa Negra Fulô”. Pergunto: Fulô, ô Fulô, por onde você (anda) andou? Dona Yvonne declamava o poema com tamanha maestria que parecia ser dela a autoria. Gesticulava com tanto empenho e graça que a mim parecia, a negra Fulô realmente existia.
Conheci Hermes de Paula, pai de Virgínia Abreu de Paula, por causa do pequi, quando era tempo de murici e eu reportava a vida para “O Jornal de Montes Claros”. Entrevistei-o várias vezes; entretanto, os reveses da vida o levaram, mas dele deixaram para nós a memória.
O poeta Cândido Canela, eu o conheci durante uma viagem de trem, de Belo Horizonte a Montes Claros. Éramos vizinhos de cabine e fomos conversando a viagem inteira. E ele, de maneira peculiar falava de tudo, de poesia, de política e pau metia na ditadura, que naquela época desgovernava o Brasil varonil.
João Valle Maurício muitas vezes foi lá em casa, pois era o médico do meu pai. Vejo-o ind’agora com o estetoscópio a examinar o meu pai doente, que a morte inclemente levou embora em 15 de janeiro de 1961.
Lembro-me de Corbiniano Aquino, ali atrás da Praça de Esportes, quando eu era menino e morava na Rua Marechal Deodoro. Ele produziu o saboroso licor de pequi, que ainda hoje encontro aqui, no Mercado Central.
Sobre outros tantos acadêmicos eu poderia falar com carinho, como do Veloso, o Waldir de Pinho, que pessoalmente não conheci, mas acompanho por meio do site na internet. Peço perdão aos demais, porque não há mais espaço, e constrangido, digo, já sei o que faço: noutra ocasião retomo o assunto e até lá espero afinal, ter esclarecido essa questão: sou montesclarense sem hífen ou montes-clarense com hífen? E ponto final.


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Por Alberto Sena - 26/9/2011 11:11:38
“Amanhã é domingo, pede cachimbo”

Alberto Sena

Hoje é sábado, 24 de setembro de 2011. Não é nenhuma novidade que o sábado suscita em nós uma avalanche de recordações de bons momentos vividos, haja vista músicas e poemas que enaltecem este dia da semana feitos por renomadas personalidades da música brasileira e da literatura.
A bem dizer, gosto de todos os dias da semana. Nós é que fazemos o dia e não o contrário. A questão é que estamos presos à convenção do calendário, porque o tempo é o mesmo, sempre. Não existe passado nem futuro. O que há é o presente, o aqui, agora. Nós mortais estamos limitados ao tempo e ao espaço neste plano terreno. Eis a questão.
O que me suscitou falar do sábado foi um bando de maitacas que passou próximo à janela e se aninhou numa enorme fícus da esquina próxima.
A bibliografia ensina que há cerca de 800 espécies de fícus – “Ficus Benjamina (Figueira chorão)”. Trata-se de uma planta “angiospérmica porque tem sementes escondidas no fruto”. É da família das “Moraceae, de folhas perenes (perenifólia)”. O ficus é originário da Índia, Himalaia, Malásia e Norte da Austrália.
Esse fícus que é meu vizinha possui as folhas grandes, grossas e dá frutos miúdos e arredondados, e é isto que, acho, atrai as maitacas.
Outra espécie de fícus possui folhas bem menores e quem não faz distinção de uma e de outra, é só se lembrar da cerca viva que rodeava a Praça de Esportes de Montes Claros até a década de 1970, se me recordo bem.
Aqui, neste Curral Del Rey, os fícus de folhas miúdas reinaram décadas no canteiro central da Avenida Afonso Pena, de uma ponta à outra. Mas houve uma época em que a capital elegeu um prefeito chamado Aminthas de Barros e aconteceu de uma praga de insetos miúdos, pretos, infestarem as árvores. Quando eles caíam nos olhos das pessoas provocavam ardor “fedazunha”.
O inseto foi apelidado de “Aminthinhas” e quem pagou o pato foram os fícus, que tombaram a golpes de serras. Foi um ato tão violento, que mudou de um dia para o outro a paisagem da Avenida Afonso Pena, tendo a Serra do Curral lá no fundo e no alto.
Ainda me lembro bem de quando isto aconteceu porque desde criança fui de Montes Claros a Belo Horizonte várias vezes, de trem. Na primeira vez, os fícus ainda estavam em pé na Avenida Afonso Pena. Numa outra vez, a avenida já estava sem as árvores. Foi um baque para mim.
Beagá ainda tinha bonde. Foi nessa época que deve ter sido cunhada a expressão “mineiro não perde o bonde (ou o trem)”. Tempo lento e pachorrento. Quem viveu e viu pôde fotografar com as meninas dos olhos ou com uma câmera fotográfica para guardar as fotos de lembrança.
Mas a intenção era falar do sábado, a partir da provocação suscitada por um bando de maitacas que ainda agora, enquanto escrevo, está no fícus ali da esquina. Toda vez que passo debaixo da árvore, o olhar contemplativo é distribuído pela copa e o emaranhado de raízes que brotam com gêiser de todos os lugares.
Pelo que posso calcular, aquele fícus é centenário. Às vezes imagino que um dia aquela imensa árvore já não mais estará ali. E quando esse dia chegar, o vazio na esquina será enorme e vamos demorar um bom tempo para nos acostumarmos com a esquina vazia.
As maitacas, então, e muitos outros passarinhos que ali se aninham ou fazem da árvore uma estação de parada para voos mais distantes, irão sentir a falta dela. Garanto que sem a sombra ampla e irrestrita proporcionada pelo fícus, o micro-clima dali desaparecerá duma vez; o “prana” da árvore, a energia vital, se esvairá como a fumaça no ar.
A intenção, como disse desde o início, era tratar aqui do sábado. Mas no decorrer deste monólogo fui descobrindo que tudo isto aqui gravado saía espontaneamente. E saía assim, creio eu, porque hoje é sábado. “Amanhã é domingo, pede cachimbo...”


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Por Alberto Sena - 18/9/2011 10:24:18
Quando os galos cantam

Alberto Sena

Quero deixar clara, antes de ir adiante, a minha ignorância em matéria de galo (e de raposa), tanto no reino animal quanto na seara futebolística. O que sei de galo, especialmente, se limita ao parco aprendizado, em Montes Claros, vivenciado quando era menino de calças curtas e pés descalços chafurdados no quintal.
Naquela época, dona Elvira criava galo, galinhas, patos e perus no quintal e em meio àquela trabalheira toda de brincar o dia inteirinho, sobrava tempo ainda para observar o comportamento dos bichos. E, evidentemente, o galo chamava mais a atenção porque ele tinha mania de perseguir as galinhas que, cansadas, coitadinhas, não tinham alternativa senão agachar, a fim de descansar, e nesse momento o safado aproveitava para pular sobre elas e ainda por cima bicava o cocuruto delas.
Por mais acionada seja a memória, companheira amada de todas as horas, não consigo lembrar se havia no terreiro mais de um galo. Na minha ignorância em assuntos galináceos, acho complicado um galinheiro com mais de um galo. Isto deve motivar brigalhada danada.
Digo isto porque daqui da janela vejo o quintal de uma casa vizinha onde há várias galinhas e quatro galos. Por diversas vezes vi um galo perseguir o outro, perseguição diferente daquela que costumam fazer às galinhas, e tiro conclusões: “Devem estar disputando quem é o mais macho, o dono do terreiro”.
Enquanto os galos e as galinhas estão ali no terreiro, ciscando, aprecio a beleza das penas coloridas deles e delas. São da espécie legorne. Consigo até mesmo ver o brilho das penas quando o sol do meio-dia bate lhes nas cacundas.
Volta e meia uma galinha apronta um escândalo e entendo: acabou de botar um ovo. Acho que as galinhas cantam daquele jeito que cantam quando acabam de botar um ovo só para contar vantagem. Chamar a atenção.
Só galinha bota ovo. Isto é uma verdade? Acho não. Galo também bota. Já vi isto no terreiro de dona Elvira. Claro que não é um ovo do tamanho do ovo da galinha, mas é ovo. Quero dizer, ovinho.
E por falar em ovinho, lembrei-me de um texto de Clarice Lispector, “O ovo e a galinha”. É um dos textos mais doidos que já li. Nele, Clarice escarafuncha o ovo de todo maneira, dando a impressão de que estava possuída enquanto escrevia. Trata-se de um texto complicado, embora escrito com simplicidade.
Retomando a narrativa sobre o terreiro visto da janela, acho que a questão dos quatro galos num só galinheiro não significa, a meu ver, um sofismável problema. A questão, que para mim não é nenhum problema, mas para outras pessoas acaba sendo “um problemão”, é o fato de os quatro galos cantarem de dia e de noite.
Já até questionei a que hora esses galos dormem, se é que dormem, porque cantam o tempo todo e não deve sobrar tempo para dormir. Claro, eles cantam mais durante a noite quando parecem disputar canto com outros galos.
Quem quiser empregar um pouco do tempo apreendido ouvindo um galo cantar aqui perto e escutar outro responder longe, faz um exercício interessante. No meu caso, me leva a mergulhar e chafurdar no quintal de dona Elvira como nos velhos tempos. Tempos nem tão velhos assim, hão de convir comigo.
Em meio aos quatro galos há um que deve ter problema qualquer na goela. O canto dele não sai livre e sonoro como se há de esperar de um galo cantor em perfeitas condições de bater as asas fortemente contra o peito e soltar a garganta. O canto desse galo sai meio fanho.
Eu não consigo daqui da janela, distinguir afinal qual dos quatro é o galo fanho. Neste momento, às 10h33 da manhã, enquanto digito no notebook este texto, ouço o galo fanho cantar e escuto a resposta de outro perdido na distância. O canto dele se mistura ao ruído irritante de uma serra na construção de um prédio próximo.
À noite, naquele momento em que a vida acalma e as pessoas entram em sono REM, os galos cantam que é uma beleza. A mim não incomoda, mas sei de pessoas que se sentem incomodadas e até ameaçam comprar espingarda de atirar chumbinho para executar os galos. Já chegaram até ao ponto de dizer que vão comprar veneno para acabar com eles.
Como disse e repito, a mim o canto dos galos não incomoda. Pelo contrário, o canto deles embala o meu sono. O canto deles me leva a mergulhar em mim mesmo, até ao fundo do inconsciente, como se fora um personagem de filmes do italiano Frederico Fellini.


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Por Alberto Sena - 11/9/2011 22:14:49
Uma conversa macia com ela

Alberto Sena

Era sábado, 16h30, quando abri a mensagem recebida pela internet. No alto da mensagem havia uma foto dela tamanho 3/4. Olhei a foto dela que me foi enviada por Mara Narciso. Fitei bem no fundo dos olhos azuis dela.
E então me atrevi a dizer:
_ O que a senhora deseja que eu faça em retribuição à graça que, por sua intercessão, recebi?
Em resposta, ela pareceu rir. Entretanto, o semblante dela estático ali na foto continuava o mesmo, o rosto redondo, o olhar penetrante, como dois mares de bondade.
A nossa comunicação ocorreu em nível elevado, como o leitor crente em Deus pôde depreender. Ao mesmo tempo, o ambiente transudava a sensação de que ela me ouvia, mas evidentemente um não podia tocar para sentir o outro.
Foi quando eu disse a ela:
_ Dita que eu digito no computador.
E ela, então, começou a falar:
_ Diga a todos os meus filhos que estou bem, graças a Deus. Os meus filhos são os que chegaram ao mundo pelas minhas mãos. Sãos os primogênitos. Mas todo aquele que crê que Jesus Cristo é o enviado do Pai, considero filho meu.
_ A senhora tem alguma mensagem que queira transmitir?
Foi como se ela precisasse de um átimo de eternidade para pensar no que responder:
_ Tenho acompanhado o dia-a-dia das santas casas e posso fazer uma comparação. Muita coisa mudou. E para melhor. No meu tempo, a Santa Casa de Misericórdia de Montes Claros, onde vivi boa parte da minha vida, sobrevivia só de doações de grandes fazendeiros, de gente de posse e de bom coração. Era uma luta! Mas eu sempre, com a ajuda de Cristo Jesus, sempre consegui avançar para resolver os problemas. Hoje, há o SUS, em verdade, um importante serviço gratuito ao alcance de todo cidadão. Mas vejo que ainda assim os problemas são muitos.
_ E como são – ousei pensar alto.
Disse que a população de Montes Claros aumentou muito depois que ela deixou esse plano de vida, em 1952. Comentei o fato de o SUS ser um programa importante para os brasileiros e para as santas casas e os hospitais filantrópicos, mas os problemas de manutenção continuam proporcionalmente à voracidade dos tempos atuais.
Ela meneou a cabeça, como quem concordava com a minha argumentação, e disse em seguida:
_ A questão das santas casas e hospitais filantrópicos é política. Para resolver o problema da saúde pública, é imprescindível haver vontade política seguida de atitude política. Dinheiro há. É só estancar a sangria.
_ Concordo plenamente com a senhora – eu disse. E completei:
_ É preciso haver uma atitude, semelhante ao movimento das Diretas-Já ou do impeachment de Collor contra a corrupção. É preciso haver mobilização. Se não fizermos isto, vamos entrar para a história como idiotas, otários. Os corruptores e corruptos furtam o nosso dinheiro e depois ficam com a cara de tacho afrontando a nossa indignação.
Ela quedou por uns instantes, ajeitou o véu sobre a cabeça e disse:
_ O viver nesse plano terreno sempre foi difícil e não será fácil, mas percebo que as coisas aí estão mais difíceis porque, onde há ror de gente muitos são os problemas de toda ordem. A assistência médica hospitalar tem um custo. Cada dia mais elevado. Mas além dos recursos de manutenção é de bom alvitre alimentar a capacidade de enxergar as pessoas também com os olhos do coração.
Ela se calou por um momento e ficou me perscrutando com o olhar doce. E enquanto me olhava, foi como se eu fizesse regressão ao dia do meu nascimento, pelas mãos dela, na Santa Casa de Montes Claros. Eu estava nos braços dela e ela, com o jeito meio holandês de dizer, pedia à minha mãe, ainda sob o efeito do parto, cujo resguardo durava dias:
_ Dá este menino pra mim?
Ao recordar a passagem de início de vida, senti-me confortável nos braços de Irmã Beata. Experimentei de fato o calor e a ternura do colo dela, e o sentimento que parece jorrar daqueles olhos azuis. Para mim dois mares transbordantes de bondade, paz de espírito.
(O centenário da chegada da Irmã Beata a Montes Claros, em fevereiro de 2012, certamente será comemorado pelos montesclarenses de boa vontade).


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Por Alberto Sena - 5/9/2011 09:55:12
Os pais impõem os limites

Alberto Sena

Todo Roberto, Adalberto, Humberto, Dagoberto ou Alberto corre o risco de ser apelidado de Beto. Comigo não foi diferente. A mim me chamam de Beto, Betinho, Albertinho, Albertim, Betim. Em casa, quando criança, o mais comum era Beto. A gente estava lá fora naquela difícil e trabalhosa tarefa de brincar o dia inteiro e vinha mãe ou uma das minhas irmãs chamando: ‘Beto tá na hora de tomar banho’ ou ‘Beto, mãe tá chamando pra almoçar’. Pior quando chamavam: ‘Beto, corre pra casa, vá preparando o traseiro, o couro vai comer’.
Lá em casa os meus pais impunham os limites. Pai nunca foi de bater. Dele só levei tapa na bunda uma vez. Essa história, eu até contei noutro dia. Foi porque um soldado da Polícia Militar foi lá em casa para me intimar a ir à delegacia, por causa do vidro de um caminhão do DER que eu não havia quebrado.
Imagina: ‘Intimar um menino de dez anos, onde já se viu isto?’ Disse o coronel Coelho, quando pai me levou à presença dele.
De mãe apanhávamos quase todo dia. Era de chinelo. Havia ocasiões em que ela distribuía chineladas no atacado e no varejo. Pegava um, dava chineladas. Pegava o outro, dava chineladas. E assim por diante.
Mas também pudera, eram tanto menino e menina arteiros, falar só não resolvia. Era preciso impor os limites, coisa que não vemos hoje em dia e por isto muita criança acaba praticando as mais extravagantes artes.
É preciso mostrar aos filhos que eles na podem fazer o que der na telha. Sobre isto tenho uma experiência interessante: na década de 1990, quando repórter de jornal, eu solicitei a uma professora do Colégio Montessori, ali na Cidade Jardim, em Belo Horizonte, para pedir aos mais de 30 alunos uma redação sobre ‘como eles eram tratados pelos pais’.
Em algumas redações as crianças reclamavam que em casa podiam fazer de tudo que bem entendessem e os pais não reclamavam nem corrigiam suas estripulias. As próprias crianças demonstravam não ter senso de limites. Claro que isto é prejudicial, pois quando adultos podem praticar atrocidades, porque não aprenderam a distinguir o certo do errado, quer dizer, os limites.
Um dia pai falou que não era para brincarmos com o carrinho de madeira de Xeba, um vizinho nosso, na Rua São Francisco, em Montes Claros. Quando pai falava, estava falado. Desobedecer? Nem pensar.
Na realidade, o carrinho era carrão. Todo de madeira e pintado de verde, dentro dele cabiam duas crianças folgadas. As rodas eram de rolimã. Tinha até volante. Xeba ficava na frente e tinha sempre alguém que empurrava. O veículo desenvolvia velocidade, dependia de quem o empurrasse.
Xeba brincava com o carro juntamente com outras crianças e nós só podíamos ficar olhando. ‘Se eu vir vocês brincarem nesse carrinho vocês se haverão comigo’, as palavras de pai ressoavam aos ouvidos.
De tanto ficar espiando, a tentação era grande e teve um dia que não resisti e fui empurrar o carrinho. Minhas irmãs reagiram: ‘Beto, você vai apanhar; não ouviu o que papai disse?’ Estávamos eu e Teófilo empurrando o carrinho, quando por um descuido, uma das rodas passou sobre o peito do meu pé esquerdo. Feriu. O ferimento sangrou.
E agora? ‘Bem que pai falou que não era para brincar com esse carrinho’, lamentei a desobediência. Senti por antecipação o que podia acontecer à minha retaguarda. As irmãs trataram logo de fazer um curativo no meu pé usando mercurocromo, gaze e esparadrapo.
Durante pelo menos dois dias, eu me escondi de pai dentro de casa. Ele saía para trabalhar e eu permanecia na cama. Fazia de conta que estava dormindo. Ele vinha almoçar, eu já havia ido para a escola. Ao anoitecer, ele chegava e eu já estava pronto para dormir.
Foi indo, no terceiro dia ele desconfiou: ‘Cadê Beto que não vejo já faz dois dias?!’ Não pude mais me esconder e ao aparecer diante de pai com o pé machucado, tive que explicar. Fiquei daquele jeito que a gente fica quando tem culpa no cartório.
E para o meu espanto, sabem o que aconteceu? Nada. Nada além de uma reprimenda verbal. O pior ia acontecer se houvesse uma segunda vez.
Foi um alívio! Aquele friozinho na boca do estômago de Beto desapareceu como num passe de mágica.


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Por Alberto Sena - 29/8/2011 15:41:25
‘Seu’ Mané

Alberto Sena

Para as crianças, ele era um homenzinho misterioso. Aguçava a nossa curiosidade.
Nós o chamávamos de ‘seu’ Mané.
Paralítico das pernas e cego, para se locomover, ele usava uma carrocinha puxada às vezes por um carneiro e noutras vezes por dois.
A carrocinha era uma miniatura de carro de boi. Ele se sentava nela de um jeito semelhante ao do Maratma Gandhi sentar para conversar, com ambas as pernas de um lado só.
Com um bastão, ele dava um toque na madeira, sinal que os carneiros entendiam como sendo a ordem de partida. Os animais sabiam direitinho o caminho.
A fama de ‘seu’ Mané cresceu.
Quem morou pelos lados da Rua São Francisco, em Montes Claros, acima da linha férrea, deve tê-lo conhecido ou ouvido contar histórias a respeito dele.
De fato, ele era ‘homenzinho’ porque miúdo de pernas atrofiadas.
‘Seu’ Mané parecia não se preocupar com nada disso. Era cego, mas podia enxergar mais do que muita gente com luz nos olhos só para espiar e se intrometer na vida dos outros.
As crianças ouviam dizer que ele possuía ‘o dom da adivinhação’.
Para localizá-lo bem, a casinha dele ficava na Rua São Francisco à esquerda, depois da esquina de Rua Corrêa Machado. Próximo de onde moravam Niro, Xeba, Eustáquio e Jurandir.
O lugar era ponto de visitação de pessoas crentes de que aquele homenzinho visto numa carrocinha puxada por um ou dois carneiros, ‘adivinha as coisas’.
As pessoas iam a casa dele saber aonde encontrar determinado objeto perdido ou mesmo o que lhe reservava o futuro, mesmo sabendo que ‘o futuro a Deus pertence’.
‘Seu’ Mané pedia com a mão um pouco de paciência, assumia postura de quem estava concentrado no pedido e com os olhos do coração ou com o terceiro olho ou com seja lá o que, ele localizava o objeto perdido e até refazia os moldes do futuro do pobre à sua frente.
‘Seu’ Mané é um dos que ocuparam o baú de relembranças, os que povoaram a nossa infância e exercitaram a nossa perspicácia. A imaginação corria solta como um papagaio aos ventos de agosto, ali na Rua São Francisco.
Volta e meia se podia ir a casa dele conversar sobre coisas irrelevantes e saber se ele estava precisando de alguma coisa.
Muitas vezes nós ficávamos lá vendo o ‘seu’ Mané, em silêncio, e procurávamos os motivos de ele ser como era, vivendo como vivia ali naquele cubículo onde mal cabia um catre.
O ambiente cheirava a lã de carneiros. Quando chegava o tempo de tosquiar os carneiros, ele ganhava alguns trocados extras, pois o homenzinho viva de esmolas.
Há quem tem de tudo e se sente infeliz. Acha que é quem mais sofre no mundo. Mas basta dar volta de 360 graus nos calcanhares para encontrar um filho de Deus carente de algo, seja material ou não.
Uns têm dinheiro e carecem de saúde. Outros têm saúde, mas não dispõem de dinheiro. Há os que prejudicaram a saúde para ganhar dinheiro e agora gastam o dinheiro para resgatar a saúde.
O ‘seu’ Mané era miserável. Morava de favor com os carneiros. Vivia da ajuda. Mas tinha cara boa, tudo para ele estava às mil maravilhas.
Um dia alguém furtou a bicicleta do nosso irmão. Mãe lamentou. Sem bicicleta, como haveria de ser? Procuramos e nem sinal dela encontramos.
Foi quando mãe se lembrou de ‘seu’ Mané e fomos a casa dele fazer ‘uma consulta’. O homenzinho lamentou o sumiço da bicicleta com o jeitinho característico, manso, de ser.
Corria o ano de 1958. Montes Claros nem sonhava ser o que é hoje.
Naquela época, quem furtasse uma bicicleta corria permanente risco de um dia dar de cara com o dono numa das ruas estreitas do centro. Todos se conheciam.
Chegamos para consultar ‘seu’ Mané e mãe contou-lhe o ocorrido. Ele pediu calma com um gesto de mão. Ficamos em silêncio.
Ao lado dele um dos carneiros ruminava capim colonião. ‘Seu’ Mané então quebrou o silencio. Repetiu tudo o que mãe lhe havia contado a respeito do furto da bicicleta. Disse em seguida:
_ Estou vendo uma bicicleta, Monark encostada numa parede. Pode ser a bicicleta do seu filho. Está num lugar parecido com uma praça, um lugar que tem grama...
Como ele não apontou exatamente o lugar, deu-nos margem para interpretações. Podia ser num campo de futebol. Podia. Procuramos, mas não encontramos nem sinal da bicicleta.
Para nós, crianças, ele era um santo vivo.
Se ‘seu’ Mané não era santo vivo de direito tinha tudo para sê-lo de fato. Víamos até auréola nele.
Era um homenzinho semelhante a uma estrela, dotado de luz própria.


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Por Alberto Sena - 22/8/2011 08:10:52
Providencial furo de reportagem

Alberto Sena

O jornalista Robson Costa, filho da professora Bernadete Costa, de Montes Claros, abriu a sala do editor geral do jornal Estado de Minas, na Rua Goiás 36, no Centro de Belo Horizonte, e lá no fundo surgiu a figura de um homem de cabelos lisos e negros, de bigode ao estilo lusitano, de quem o cofia enquanto pensa. Parecia ser ele homem sisudo, mas ciente de si mesmo.
Robson se aproximou da mesa dele e disse:
_ Cyro, trouxe o rapaz que vai me substituir. Ele é de Montes Claros, trabalhou no O Jornal de Montes Claros...
Feitas as apresentações, Cyro ficou algum tempo de cabeça baixa e ato contínuo olhou por cima dos óculos quem Robson apresentava como substituto. E disse em seguida:
_ Não posso prometer nada. Ele fica como estagiário. Apresente-o ao Piroli.
Foi assim a integração à equipe de Wander Piroli, uma das figuras mais queridas do jornalismo mineiro, nascido e criado no Bairro da Lagoinha, em Belo Horizonte, advogado, escritor.
Piroli trabalhou no polêmico jornal Binômio, que homens do Exército empastelaram porque, entre outras coisas, José Maria Rabelo, o dono, dera socos no rosto do general Punaro Bley, comandante do Exército em Minas, logo antes do golpe militar de 1964. O general havia ido à redação do Binômio tirar satisfações com José Maria devido a uma reportagem que ele não gostou de ler.
Piroli levava fama de comunista, mas na verdade era um socialista, senão um democrata liberal, uma pessoa que tinha grande respeito ao ser humano e queria ajudar a construir um Brasil melhor para todos.
Integravam a equipe de Piroli: Paulo Emílio Coelho Lott, parente do Marechal Henrique Duffes Teixeira Lott, que concorreu à presidência da República em 1960.
Paulo Lott cobria o Fórum Lafaiete, à época na Rua Goiás, entre a Avenida Álvares Cabral e Rua Guajajaras, a cerca de cem metros da redação do jornal Estado de Minas.
O jornalista André Carvalho, também radialista e apresentador de programa da TV Itacolomi, hoje dono da Editora Armazém de Ideias, era o copy da editoria. Antônio Vargas Vilaça atuava como repórter da Rádio Guarani em um turno e no outro trabalhava para o EM, cobria as ocorrências do trânsito e a Delegacia de Furtos e Roubos, na Rua Pouso Alegre.
Paulo Narciso, ex-repórter do ‘O Jornal de Montes Claros’, hoje em Montes Claros, de onde dirige duas rádios, uma delas na cidade de São Francisco, fazia a cobertura do Dops, da Secretaria de Segurança e da Polícia Federal.
Tito Guimarães Filho, ex-guerrilheiro, amigo de Carlos Lamarca, que morreu em setembro de 1971, durante a ditadura militar. Tito ficou preso no Dops sem condenação e por ter dado um soco no rosto de um detetive, de dentro para fora das grades da cela. No jornal, ele cobria, juntamente com João Gabriel da Silva Pinto, as recém-constituídas seccionais da Polícia Metropolitana, a Metropol, criada pelo delegado Ignácio Gabriel Prata Neto.
Mais tarde chegaram Marcos Andrade, Délio Rocha e outros profissionais para comporem a editoria. Mas, antes, voltando lá no início, Fialho Pacheco estava em vias de se mudar para Montes Claros. Ele era o responsável pela cobertura do Departamento de Investigações (DI) da Lagoinha. Todas as delegacias especializadas funcionavam lá. Não havia as seccionais de hoje. À noite só funcionava uma Delegacia de Plantão.
A minha incumbência era um desafio: ocupar o lugar de Fialho Pacheco. Ele, na época, no DI, era respeitado e não aceitava agressões aos presos, muito menos sob as vistas dele.
Com Fialho fui ao DI a fim de ser apresentado aos delegados. Em pouco tempo passei a ser conhecido como ‘filho de Fialho’. Isto me favoreceu porque o fato de ser ‘filho de Fialho’ tinha o condão de abrir portas.
E foi numa dessas que me dei bem. Havia acontecido na Rua Aporé, próximo da Avenida Antônio Carlos, no Bairro Cachoeirinha, um crime de pistolagem. Um homem abordou e vítima e deu nela dois ou três tiros.
A Delegacia de Homicídios entrou no caso e prendeu um homem considerado suspeito. O homem prestava depoimento quando cheguei com Fialho e pudemos assistir a tudo. Ao final, assinei como ‘galo’, gíria da época, testemunha de que o suspeito não havia sido coagido a falar.
No dia seguinte, ao retornar à Delegacia de Homicídios para mais uma cobertura, o escrivão me chamou a um canto e disse: ‘Só para você que é ‘filho do Fialho’, aquele suspeito levou um cacete e confessou ter matado o empresário, eis o novo depoimento dele; fique aqui e copie escondido’.
Copiei o que era importante das declarações do pistoleiro e ao final, abaixo da assinatura dele, percebi: alguém havia imitado a minha assinatura na condição de ‘galo’. Devolvi o documento ao escrivão e ao me encontrar com Fialho contei sobre o fato de terem imitado a minha assinatura. Ele ficou bravo com o delegado.
Às pressas entrei no carro de reportagem e fui para a redação do jornal com material exclusivo. Este foi o meu primeiro furo de reportagem. No dia seguinte, o EM estampava a manchete sobre a prisão do pistoleiro. O furo de reportagem foi importante tijolo na construção do meu contrato no jornal, em fevereiro de 1972.
José Fialho Pacheco viajou, então, tranquilo, e em definitivo, para Montes Claros, atendendo aos apelos do seu coração apaixonado por uma viúva montesclarense.


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Por Alberto Sena - 16/8/2011 09:37:49
Os ipês amarelos floresceram

Alberto Sena

Agora que os ipês amarelos estão floridos, abro a janela e aproveito para manter com eles um diálogo, porque a florada deles é curta, dura em média 15 dias. Daqui da minha janela vejo onze ipês floridos, entretanto o número deles é maior. Desconheço a razão, mas alguns se recusaram a florescer este ano. Então eu conto um por um e vou reparando a beleza deles, no conjunto. Sempre há um ipê que chega à exuberância total. Vou conversando com eles da janela mesmo.
Moro no quarto andar de um prédio de seis andares. A distância entre mim e os ipês é cerca de 30m. O nosso diálogo é mudo. Ou melhor, mental. Eu falo com os ipês mentalmente e imagino que eles me respondam, pois escuto dentro de mim uma vozinha. Dependendo do tom da voz imagino ser desse ou daquele ipê.
Há ipê de todos os tamanhos. Dois deles parecem já ter atingido a idade adulta, madura. Há uns intermediários, jovens, numa comparação, como gente humana naquele hiato entre a saída da adolescência e início da fase adulta. Estão emancipando-se. Há também pelo menos três que posso dizer, são crianças ainda. E o mais gostoso é ver que embora sejam crianças, florescem. Não com aquela exuberância dos ipês adultos.
Quando vier o mês de setembro, talvez nenhum deles tenha mais flor. Os ipês, como árvores caducifólias, que perdem as folhas numa fase do ano, ficam peladinhos. Depois as folhas começam a aparecer e chega uma fase em que ganham uma espécie de vagem.
Ano que vem, quando chegar agosto, tudo se repetirá. Inda bem. É impagável o espetáculo que assisto já faz década e meia. O ipê amarelo é o símbolo do Brasil vivo feito de gente bonita, inteligente, valorosa. Eu acredito muito no Brasil. Acredito não nesse Brasil que a gente lê diariamente e vê passar na internet e na TV.
Acredito no Brasil que a mídia não mostra, porque se está funcionando, mudando, desenvolvendo, está, como se diz, fazendo a obrigação. A mídia prioriza quase sempre o que possui teor forte das chamadas ‘emoções primárias’, mas para o lado da dor, violência, acidente, morte.
Enquanto converso com os ipês, eles, que são todos ouvidos floridos, vão me escutando e se aprovam o que eu digo, dão uma balançadinha. Quem não ouve a nossa conversa acha que os ipês balançam porque receberam uma lufada de vento. Ledo engano. Acho que toda pessoa tem a capacidade de conversar com os ipês ou com as árvores de modo geral, as plantas e também com os animais. Essa capacidade é intrínseca do ser humano. Mas não é todo ser humano que tem essa capacidade desenvolvida.
O grande psicanalista suíço, filósofo e escritor, Carl Gustav Jung, autor de ‘O Homem e os seus Símbolos’ e ‘Memórias, Sonhos, Reflexões’ ensina que é bom exercício para a criatividade e para o ser humano resgatar o amor ao próximo praticar a contemplação dos elementos naturais como árvores, montanhas, nuvens. As nuvens têm um particular, segundo ele mesmo, ‘são exercícios à criatividade’ por causa dos movimentos rápidos, que até lhes valeram a clássica comparação: “Política é como nuvens; num momento está de um jeito e logo mudam”.
Para mim, os ipês são livros abertos, floridos, pelados, vestido de novas folhas e vagens, segundo cada uma das suas fases; mas são livros. A mata onde moram os ipês é feita de muitas outras árvores. Não sou dendrologista, pessoa estudiosa de árvores, mas conheço algumas delas. Daqui da minha janela posso identificar. Vejo mangueiras, ameixeiras, quaresmeiras, paineiras, pau-d’oleo, álamo, bananeiras e arvoredos que daqui não dá para identificar.
Gostoso é de manhã cedo. Fico esperando o sol brotar por detrás da Serra do Curral e agradeço a Deus por tê-lo criado para nós. Passo os olhos pela linha do horizonte da serra e me vejo calçado de bota de trekking andando, subindo e descendo aquele maciço ferroso de acordo com a linha tortuosa que desenha como se estivesse grudada no azul do céu.
Mostro a palma das palmas ao sol e só mudo de posição depois de sentir que estão quentes. Enquanto contemplo a mata, aprecio as tonalidades de verde. Há o verde claro como folhas de cana; há o verde intermediário e o verde forte das árvores frondosas.
Nesta fase do ano, final de estio, as árvores estão como que pedindo chuva. Aqui na nossa região as primeiras chuvas só caem a partir de setembro. Em outras regiões, como no Norte de Minas, as chuvas caem, quando acontecem de cair, a partir de novembro entrante dezembro.
No Norte de Minas há também muito ipê amarelo. Quem quiser apreciar ipês é só viajar de carro ao Norte de Minas para enxergar de um lado e do outro da estrada os ipês floridos.
Na Serra do Cipó, também. A Serra do Cipó é o lugar mais bonito encontrado num raio de 100 km ao redor de Belo Horizonte. Os ipês de lá também conversam com quem tem capacidade de conversar com eles.
No mato, o que eu mais faço é abraçar árvores.
No Parque das Mangabeiras entre todas as árvores daquela floresta linda há enorme angico que Sílvia e eu fazemos questão de abraçá-lo, tanto na ida como na volta de nossas caminhadas por lá.
Andar é conosco mesmo. Ir daqui de casa até ao Mercado Central, a pé, e voltar é para nós moleza. Gostamos de fazer grandes caminhadas, daquelas que demandam dias, como o Caminho da Fé, 300 km, 15 dias de caminhada. Subir e descer a Serra da Mantiqueira. Já fizemos esse percurso três vezes.
E para ir um pouco mais longe, é gostoso fazer o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Já o fizemos duas vezes. Na primeira, saímos de Burgos, ex-capital espanhola, e fomos até Santiago de Compostela, 500 km. Na segunda vez, saímos de San Jean de Pied-Port, no sul da França, e entramos na Espanha até Santiago, mais de 800 km.
Não tem um dia sequer que deixamos de fazer na lembrança parte do Caminho da Fé ou do Caminho de Santiago. Inda mais quando nos acotovelamos no parapeito da janela e enquanto apreciamos os ipês floridos, a mata que os escravos plantaram há mais de um século e os contornos da Serra do Curral, aí é que viajamos mesmo.
Os ipês amarelos são deveras lindos. As flores evocam as boas lembranças. Nessas horas constatamos, lembranças têm asas. Voam.


68514
Por Alberto Sena - 15/8/2011 11:34:42
As mangas de tia Geraldinha

Alberto Sena

Tia Geraldinha era casada com tio Geraldão. Ela era irmã mais velha de mãe Elvira. Tia Geraldinha morava na Avenida Cula Mangabeira, logo atrás de onde é atualmente a Prefeitura de Montes Claros.
Ir à casa de tia Geraldinha no início da safra de manga, entrante o mês de dezembro, era uma delícia! No quintal da casa dela tinha pés de manga comum, espada e carlota.
Sempre gostei mais de manga comum. É mais saborosa. A manga espada não era tanto do meu agrado. E a manga carlota também não. Então, enquanto os meus irmãos subiam nos pés de mangas espada e carlota, eu trepava no pé de manga comum e só descia com a barriga estufada.
Atrás da casa de tia Geraldinha ficava um pasto e nós o chamávamos de “manga de Zeca Guimarães”. Logo nas proximidades da cerca que dividia o quintal e o pasto havia um pé de jenipapo. Toda vez que o menino ia a casa dela aproveitava e, furtivamente, corria ao pé de jenipapo. Sempre achava um ou dois no chão.
Jenipapo é uma delícia. Tem aparência de bócio, aquele papo que dá na pessoa carente de iodo. O fruto quando está maduro é como o pequi, cai. Fica meio enrugado. Sempre gostei de jenipapo. Retirava com todo cuidado a película da cor de burro quando foge que o cobre e em seguida as tiras comestíveis ao redor do miolo de caroços.
Tia Geraldinha fazia deliciosos doces de mocotó de boi. Ela ia ao frigorífico Otany, logo abaixo da casa dela, e encomendava os mocotós de boi. Cozinhava tudo e depois fazia o doce que na realidade era geléia preta.
Quando a geléia estava pronta, tia Geraldinha punha tudo em forminhas redondas. Na cozinha tinha uma mesa onde ela punha as forminhas e as deixava lá para esfriarem e depois entregava no comércio da cidade. A geléia de mocotó que tia fazia tinha saída garantida.
Toda vez que íamos lá ela nos dava quantas geléias aguentássemos comer. Como era alimento rico e forte, cada um de nós comia duas, no máximo.
Tia sofria acessos. Ela estava bem conversando com a gente quando, de repente, começava a revirar os olhos e caía no chão. Acho que era epilepsia. Tínhamos que gritar Geralda Helenice, Dinha chamada, filha dela, nossa prima. Dinha vinha correndo acudir.
A nossa tia era uma alma boa. Às vezes eu ficava olhando para ela e a achava frágil como um passarinho. Talvez a achasse assim porque ela era doente. Acho que tia Geraldinha não podia ter emoção ou contrariedade que passava mal.
Nenhum de nós conheceu os avôs paternos nem avós maternos. Eles morreram cedo. Ficaram os tios e as tias por parte de mãe, porque por parte de pai não tivemos tios, ele era filho único.
Os nossos tios eram: Abel, mestre de obras, participou da construção da Catedral de Nossa Senhora Aparecida de Montes Claros; Severo, que era meu padrinho, farmacêutico prático, morava em Jequitaí; Geraldinha, mãe Elvira e Ambrosina, nessa ordem.
Havia outro tio nosso, Vicente, que nem o conheci pessoalmente. Ele morava em Bauru (SP). Ele e tia Ambrosina eram gêmeos. Outro tio, de nome José, havia morrido afogado num rio lá no Rio Grande do Norte, quando ia para a guerra, na Itália. Tínhamos só o retrato dele vestido com a farda do Exército.
Um dia tio Abel morreu. Estava trabalhando nas obras do Parque Municipal de Montes Claros. Foi doença de Chagas. Depois tia Ambrosina morreu de repente no quintal da casa dela. Passou um bocado de tempo, mãe também morreu, em Belo Horizonte. Em seguida foi a vez de tio Severo, lá em Jequitaí. Tia Geraldinha morreu por último. Logo a que era considerada doente.
O tempo passou e nem sei se a casa de tia Geraldinha ainda existe. Sei que acabaram com o frigorífico Otany há muito tempo. Do frigorífico saía mau cheiro que se espalhava por toda nossa região, sempre no final da tarde.
Durante o dia, juntamente com os amigos, estilingue no pescoço, como se fosse uma corrente, nós entrávamos nas dependências do frigorífico a fim de caçar rolinhas e ficávamos lá observando o congresso de urubus. Eles se reuniam ali todo dia e o dia inteiro.
Os urubus ficavam esperando o momento em que as vísceras de bois abatidos eram jogadas fora. Nessa hora, os urubus faziam a maior algazarra. Eles soltavam chiados em meio ao bater de asas, cada um querendo tomar para si o bocado maior de tripas.
Nós não víamos, mas sabíamos que lá no frigorífico Otany as reses iam cabisbaixas para o abatedouro e num determinado ponto do corredor da morte, elas eram surpreendidas com uma marretada no meio da testa. Grogues, as reses eram penduradas em ganchos e abatidas com uma punhalada no coração.


68448
Por Alberto Sena - 8/8/2011 14:36:51
Nova bossa para a praça nossa

Alberto Sena

Daqui do alto da Serra do Curral, em Belo Horizonte, não me é possível divisar, com os meus olhos de lince, os Morrinhos, em Montes Claros. Nem se eu estivesse no ponto mais alto desse maciço ferroso poderia enxergar os Morrinhos, e menos ainda, a Praça Coronel Ribeiro, que está em ponto muito mais baixo.
E como não tenho o dom da ubiquidade, que só a Deus é permitido, menos ainda posso visualizar os operários da Prefeitura em ação. Mas, como conto com a credibilidade dos olhos da câmera fotográfica do jornalista Luís Alberto Caldeira, que me enviou algumas fotos e informações, então posso enxergar de fato o que a Prefeitura de Montes Claros faz na nossa Praça Coronel Ribeiro de histórias e vivências mil.
Daqui desta cadeira, na qual sento para trepidar sobre as teclas do notebook, só me é possível retratar o que Caldeira me conta por meio de um release: “A Praça Coronel Ribeiro começa a ganhar novo visual, com ampla reforma que está sendo feita graças à parceria da Prefeitura com a Revita Engenharia S/A”.
Mas se fecho os olhos e conto com a presteza da memória amada, de todas as horas e da minha vida inteira, posso perfeitamente me lembrar e ao mesmo tempo convocar os meus fantasmas para, enfim, corroborar a lisura das informações do meu confrade, Luís Alberto, xará meu num dos seus nomes.
A praça, que me valeu duas ou três crônicas aí em Montes Claros publicadas, me conta ele que receberá “novo piso, mobiliário urbano, revitalização dos canteiros, pintura e iluminação”. Eu cá, com os meus botões inexistentes e aos borbotões, acho muito bom tudo isto, embora considere que tudo acontece um pouco tarde, mas como sou um cidadão que se alimenta de esperanças, digo: antes tarde do que mais tarde.
Alberto, Luís também chamado, informa que “o trabalho se estenderá aos pontos de ônibus e aos banheiros públicos; a obra faz parte do pacote de melhorias para padronizar e revitalizar a área central” da nossa Montes Claros querida, por onde em breve os catopés que marcaram para sempre a nossa vida irão desfilar fitas coloridas, ao som de tambores que reviverão os amores nunca perdidos.
“A Revita – me conta – participa doando o material; cabe à Prefeitura executar o projeto”. Ele, na sua lavra, utiliza a palavra “revitalização” dos banheiros dizendo que “será estendida à Praça Doutor Carlos, para maior conforto dos usuários do transporte coletivo municipal, segundo informações da Secretaria de Serviços Urbanos (SSU), que está tocando a obra”.
Entendo eu que, melhor seria dizer requalificação, porque, se se “revitaliza”, é porque tudo ali de fato estava sem vida. O bom disso é que a população montesclarense ganha com a reforma da Praça Coronel Ribeiro, e segundo me diz o companheiro, “a obra beneficia, principalmente, idosos e estudantes”.
“Existe ali uma frequência grande do pessoal da terceira idade e de estudantes de uma escola vizinha, que têm a praça como tradicional ponto de encontro”. A tendência é que, “além da beleza, eles ganharão em conforto e melhores condições de uso do logradouro”, segundo me diz ele, afirma o secretário João Ferro, “lembrando que taxistas e proprietários de bancas de revistas também serão atendidos”.
Boas notícias são sempre bem-vindas, nas idas e nas vindas da vida passiva de acerto e erro. Quem com ferro fere a terra, com ferro será conferido depois que João, o secretário de Serviços Urbanos, entregar a obra, pois a população de Montes Claros cobra. E cobrará se a requalificação não ficar boa, mas também terá a obrigação de elogiar se tudo ficar no ponto depois de pronto.
O xará Alberto ressalta, como assessor fiel, ao cumprir o seu papel, que “o supervisor de unidade da Revita Engenharia S/A, Cláudio Leite, disse que “o interesse da empresa com a reforma da Praça Coronel Ribeiro é oferecer mais qualidade de vida à população”. Claro, não podia ser diferente, pois nenhuma gente que assim faz uma obra não seria capaz de dizer o contrário, sem correr o risco de ser arbitrário consigo mesmo.
O detalhe é que “a Revita também ficará responsável pela manutenção do logradouro após as obras”. E mais, sem achar por demais, a firma vai “dar continuidade à parceria mantendo a praça, para que esteja sempre viva, bonita e verde”, Alberto afirma. E isto é bom, pois se tudo ficar uma beleza, os empresários, com tamanha presteza, certamente terão aberta a porta da Prefeitura de Montes Claros. Claro, desde que trabalhe com zelo e sem usura.


68447
Por Alberto Sena - 8/8/2011 14:34:39
Nova bossa para a praça nossa

Alberto Sena

Daqui do alto da Serra do Curral, em Belo Horizonte, não me é possível divisar, com os meus olhos de lince, os Morrinhos, em Montes Claros. Nem se eu estivesse no ponto mais alto desse maciço ferroso poderia enxergar os Morrinhos, e menos ainda, a Praça Coronel Ribeiro, que está em ponto muito mais baixo.
E como não tenho o dom da ubiquidade, que só a Deus é permitido, menos ainda posso visualizar os operários da Prefeitura em ação. Mas, como conto com a credibilidade dos olhos da câmera fotográfica do jornalista Luís Alberto Caldeira, que me enviou algumas fotos e informações, então posso enxergar de fato o que a Prefeitura de Montes Claros faz na nossa Praça Coronel Ribeiro de histórias e vivências mil.
Daqui desta cadeira, na qual sento para trepidar sobre as teclas do notebook, só me é possível retratar o que Caldeira me conta por meio de um release: “A Praça Coronel Ribeiro começa a ganhar novo visual, com ampla reforma que está sendo feita graças à parceria da Prefeitura com a Revita Engenharia S/A”.
Mas se fecho os olhos e conto com a presteza da memória amada, de todas as horas e da minha vida inteira, posso perfeitamente me lembrar e ao mesmo tempo convocar os meus fantasmas para, enfim, corroborar a lisura das informações do meu confrade, Luís Alberto, xará meu num dos seus nomes.
A praça, que me valeu duas ou três crônicas aí em Montes Claros publicadas, me conta ele que receberá “novo piso, mobiliário urbano, revitalização dos canteiros, pintura e iluminação”. Eu cá, com os meus botões inexistentes e aos borbotões, acho muito bom tudo isto, embora considere que tudo acontece um pouco tarde, mas como sou um cidadão que se alimenta de esperanças, digo: antes tarde do que mais tarde.
Alberto, Luís também chamado, informa que “o trabalho se estenderá aos pontos de ônibus e aos banheiros públicos; a obra faz parte do pacote de melhorias para padronizar e revitalizar a área central” da nossa Montes Claros querida, por onde em breve os catopés que marcaram para sempre a nossa vida irão desfilar fitas coloridas, ao som de tambores que reviverão os amores nunca perdidos.
“A Revita – me conta – participa doando o material; cabe à Prefeitura executar o projeto”. Ele, na sua lavra, utiliza a palavra “revitalização” dos banheiros dizendo que “será estendida à Praça Doutor Carlos, para maior conforto dos usuários do transporte coletivo municipal, segundo informações da Secretaria de Serviços Urbanos (SSU), que está tocando a obra”.
Entendo eu que, melhor seria dizer requalificação, porque, se se “revitaliza”, é porque tudo ali de fato estava sem vida. O bom disso é que a população montesclarense ganha com a reforma da Praça Coronel Ribeiro, e segundo me diz o companheiro, “a obra beneficia, principalmente, idosos e estudantes”.
“Existe ali uma frequência grande do pessoal da terceira idade e de estudantes de uma escola vizinha, que têm a praça como tradicional ponto de encontro”. A tendência é que, “além da beleza, eles ganharão em conforto e melhores condições de uso do logradouro”, segundo me diz ele, afirma o secretário João Ferro, “lembrando que taxistas e proprietários de bancas de revistas também serão atendidos”.
Boas notícias são sempre bem-vindas, nas idas e nas vindas da vida passiva de acerto e erro. Quem com ferro fere a terra, com ferro será conferido depois que João, o secretário de Serviços Urbanos, entregar a obra, pois a população de Montes Claros cobra. E cobrará se a requalificação não ficar boa, mas também terá a obrigação de elogiar se tudo ficar no ponto depois de pronto.
O xará Alberto ressalta, como assessor fiel, ao cumprir o seu papel, que “o supervisor de unidade da Revita Engenharia S/A, Cláudio Leite, disse que “o interesse da empresa com a reforma da Praça Coronel Ribeiro é oferecer mais qualidade de vida à população”. Claro, não podia ser diferente, pois nenhuma gente que assim faz uma obra não seria capaz de dizer o contrário, sem correr o risco de ser arbitrário consigo mesmo.
O detalhe é que “a Revita também ficará responsável pela manutenção do logradouro após as obras”. E mais, sem achar por demais, a firma vai “dar continuidade à parceria mantendo a praça, para que esteja sempre viva, bonita e verde”, Alberto afirma. E isto é bom, pois se tudo ficar uma beleza, os empresários, com tamanha presteza, certamente terão aberta a porta da Prefeitura de Montes Claros. Claro, desde que trabalhe com zelo e sem usura.



68394
Por Alberto Sena - 3/8/2011 08:15:43
Quando crescer, quero ser catopê

Alberto Sena

Mais dia menos dia
quando o Divino Espírito Santo assim quiser
vou romper com a rotina
calçarei uma botina
e catopê um dia vou ser.
Não aspiro ser Imperador do Divino
como o grande e ilustre Darcy Ribeiro almejava ser
porque eu
“essa figura descolorida”
como diria Fernando Gontijo
nos seus melhores momentos no meio de nós
nem por encanto
jamais almejei ser tanto.
Acredito
para isto o homem precisa ser santo.
Mas quero um dia
quando Deus me der a oportunidade
dançar pelas ruas da cidade
bater tambor
e com o coração transbordante
dar vivas ao Nosso Senhor
que está acima de todos
pois tudo criou.
Quero estar no meio dessa gente simples
que desde os meus tempos de criança
pula e dança
com muito gosto
com as fitas coloridas esvoaçantes
aos ventos do mês de agosto.
Vou me vestir de branco
Colocar na cabeça turbante
cheio de espelhos
para refletir raios de sol
e cantarei um canto
em honra ao Espírito Santo
como faz o rouxinol.
Pisarei o chão da minha terra
Montes Claros querida
onde deixei boa parte da historia
de minha vida renhida
e o coração
sob o calor forte do sertão.
Estou certo
esse tempo está perto
vai acontecer
meus conterrâneos irão ver.
Vou dançar como um catopê de verdade
porque na realidade
sempre quis ser assim
desde criança
um catopê vive em mim.
O meu coração vibrava
por causa dessa gente brava
que nunca deixou acabar a tradição folclórica.
Como tição aceso
arde em mim esse desejo.
Cedo ou tarde isto se dará porque sei
quando a gente ama a vida
e quer algo de grande porte
basta pensar forte
com insistência
para acontecer
essa e a ciência do novo amanhecer.
Espero ter essa sorte
e peço a Deus adiar
por muito mais tempo a minha morte.
Para isto conto com a intercessão de Nossa Senhora do Rosário
e de Benedito santo
conquanto me poupem a vida
para que possa voltar a trilhar
o caminho da roça
do meu arraial
agora vestido de capital.
Com todo o respeito
encontrarei um jeito
de me dar bem
como o senhor Quelemém
para me juntar aos ditos cujos
os marujos
e os caboclinhos também
da mesma forma como armam os passarinhos
com a maior presteza
dos seus lindos ninhos.
Cada um tem a sua hora
quando da cidade grande
pretende ir embora
em busca de qualidade de vida.
A minha hora chegará
e a qualquer momento arrumo a mala
e na velocidade de uma bala
com o coração vibrante
voltarei a viver a vida no sertão.
Pelo que acompanho daqui
do alto da Serra do Curral
as festas de agosto ganham cada vez mais espaço.
Então, o que faço?
Alimento a minha fé
e assim que Deus quiser
daqui darei no pé.
Quero pôr uma mochila nas costas
subir montanhas
descer encostas
levarei um cajado na mão
para andar livre
pelo sertão
até Grão-Mogol
aonde o ar é de fato puro
e os dias são claros e fazem bem
como em Montes Claros também.
Vamos embora daqui
não para Passárgada
nem para Maracangalha.
Passárgada foi imaginada
e não passa duma brincadeira
do poeta Manoel Bandeira
que segundo o escritor Ruy Castro
viveu a sina
de cheirar cocaína.
Maracangalha fica na Bahia
pra onde meu pai ia
quando éramos crianças
buscar mercadoria
para suprir o comércio de sua bitaca
que lhe valeu o apelido
Zé Bitaca.
Desse modo
não me incomodo
espero com paciência
cheio de esperança
que é a mãe da fé
para saber como é
e o que vai ser
quando eu crescer
e chegar a hora.
Eu e Silvia vamos embora
daqui partiremos
porque em verdade
em verdade digo
o nosso umbigo
é do mundo.
Sem receios
com o avanço dos meios
de comunicação
tanto faz meu irmão
viver aqui ou em qualquer outro lugar.
Estaremos sempre ligados
dispostos a qualquer tipo de ação
que faça bem ao coração.
Neste caso é razoável começar
com a louvação
ao Divino Espírito Santo
cantar e dançar
no meio da gente simples
com o efe maiúsculo da fé
alimentados pela alegria
dos catopês
Irradiar o amor
ao som do batuque do tambor.
Quando eu crescer
se Deus me der a honra
serei catopê
com sorte
até morrer.


68371
Por Alberto Sena - 1/8/2011 11:32:39
A Praça Coronel Ribeiro é nossa

Alberto Sena

Diretamente da capital do Norte de Minas, Montes Claros, que também é a capital do “Pequistão”, república administrada no âmbito do Face Book por montesclarenses residentes em toda parte do mundo, o amigo Reinaldinho, da Emater-MG, envia a seguinte mensagem: “Faz alguns dias que estava querendo comunicar com você, especificamente para informar sobre o início da reforma da Praça Coronel Ribeiro, que você tanto defendeu. Não tenho conhecimento do projeto, mas já é alguma coisa, visto que a praça, estava dando dó aos montesclarenses”.
Alvíssaras! Então há salvação para a Praça Coronel Ribeiro. Antes tarde do que mais tarde. As gerações de hoje e as de ontem agradecem, porque a praça de histórias tantas se encontra largada – e pude fotografá-la numa ida recente a Montes Claros, com as pedras portuguesas, com certeza, soltas em alguns pontos, os fícus e os flamboyants largados, bem diferente daqueles tempos em que a praça, de fato, era nossa.
Sentávamos nos bancos e ali confabulávamos horas ganhas, nunca perdidas, sobre um pouco de tudo depois que saíamos das sessões de cinema. Ali reuníamos – Daniel Ribeiro, Rubinho Sena, Ronaldo “Roxinho”, Roberto Lima, Cícero “Stru”, Cícero “Cuecão”, Francisco Gomes, Fernando Veloso, “Tico”, Walter e outros – para tratar de assuntos vários: falar dos filmes vistos, das morenas e das loiras que enfeitavam a vida da cidade, de futebol, de livros e literatura, das escolas, pois uns estudavam o científico e outros o técnico, uns na Escola Normal e outros no Instituto Norte Mineiro.
Chegava dezembro, entrava janeiro, a vida em Montes Claros tinha glamour. E ainda tem graças a Deus Nosso Senhor, adorado na dança e no tambor dos catopês que em todo mês de agosto, como agora, minha senhora, com muito gosto, dão vivas ao Divino Espírito Santo. Montes Claros ainda tem as serestas, tem as festas no Automóvel Clube e tem agora, muito mais do que antes, meu senhor, movimento crescente de gente, carros, bicicletas e motos em quantidade, um horror.
Montes Claros virou um grande centro, de tudo tem um tanto, inclusive os males que afligem as populações das grandes cidades. Nada é perfeito, mas eis que o prefeito Luiz Tadeu caiu na real e viu que não é uma atitude legal deixar a praça no estado em que se encontra. Reformar a Praça Coronel Ribeiro poderá fazer com que o prefeito ganhe pontos no gráfico estatístico da administração que não vem tendo nota boa por parte da população.
Cheguei a invocar, daqui da janela, ilustres personagens da nossa história, como Hermes de Paula, João Valle Maurício, Mário e Darcy Ribeiro, além de Cândido Canela, na esperança de que o prefeito ouvisse o clamor dos que juram amor eterno pela cidade e que viveram ali, naquele logradouro, muito antes de Carlos Imperial compor “A Praça”, para Ronnie Von cantar e de graça ganhar notoriedade atualmente perdida na desdita da vida.
Acredito que, se possível fosse, os intrépidos personagens dos filmes daqueles anos – Roy Rogers, Rock Lane, Rex Alen, Tarzan, Zé Trindade, Grande Otelo, Anselmo Duarte, Thor e o seu martelo, além de tantos outros – deixariam a arte das telas para comemorar a possível redenção da praça.
Daqui da minha janela, donde contemplo a Serra do Curral, imagino os homens da Prefeitura de Montes Claros com pás e picaretas remexendo a grama, as pedras portuguesas e com a maior presteza, dando à praça a dignidade perdida nesse vai e vem da vida.
No dia da reinauguração da praça, é preciso que o prefeito faça uma festa. Os frequentadores de hoje merecem, mesmo porque um acontecimento deste não pode passar em vão. Enquanto Montes Claros cresce a cada dia, de modo descontrolado, é preciso dar à população condição de viver e de lazer. Afinal, ninguém é de ferro, e quanto mais praças a cidade tiver, tanto lucram as gentes como também o prefeito, que, com jeito, cairá nas graças do povo e se livrará do risco de levar ovo na testa se não zelar pelo bem público. Pois é claro, o povo protesta. Bobo não há, aqui, nem aí, nesses montes ainda claros.


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Por Alberto Sena - 25/7/2011 09:45:29
Presente de Natal do menino

Alberto Sena

Foi no dia seguinte ao Natal. A tia Ambrosina, madrinha de batismo, telefonou. A mãe, Elvira, disse: ‘Papai Noel deixou um presente lá na casa dela para você’.
A casa da tia Ambrosina era retirada da casa do menino dois quarteirões. Nessa época, início da década de 1960, a família morava na Rua Corrêa Machado, em frente ao campo do União Futebol Clube, e a tia morava com o tio Cypriano e os filhos Netinho, Sidney, Tarcísio, Magela e Rubinho na esquina das ruas General Carneiro e João Pinheiro.
Na velocidade do vento o menino correu a casa da tia a fim de buscar o presente. Imaginava uma porção de coisas no percurso. Mas a ansiedade de chegar logo, saber do que se tratava o presente era maior do que a imaginação.
Ele chegou lá, pediu a ela a bênção, beijou-lhe a mão, como era de costume. Ela perguntou como tinha sido o Natal e ele disse que tinha sido bom, havia ganhado brinquedos, um par de sapatos e meias. E ela então disse quase a mesma coisa que a mãe dele falou: ‘Papai Noel deixou aqui um presente para você’.
E se foi encaminhando para o quarto. O menino ficou no alpendre, sentado, esperando-a voltar. Mas de lá do quarto ela o chamou e ele a atendeu prontamente. Tia Ambrosina estava com uma bola de borracha na mão, do tamanho de uma bola de couro oficial, pintada de bolinhas pretas e vermelhas.
Nem bem havia tomado a bola nas mãos, eis que Sidney, na época goleiro do time titular do Casimiro de Abreu, chegou e ao vê-lo com a bola nas mãos, tomou-a e passou a brincar com ela. Jogava-a na parede e a agarrava daquele jeito que só um bom goleiro sabe fazer.
Aquilo deixava o menino mais ansioso ainda porque a intenção dele era ir correndo com a bola para experimentá-la lá no campo. Ademais, era a primeira bola que ganhava. Costumava jogar peladas com bolas de meia e no campo jogava com bola dos outros. Queria que Sidney entregasse logo a bola porque o campo o chamava.
Foi preciso fazer cara de choro para ele entender a ansiedade do menino e entregasse a bola duma vez. Sabe quando um menino, como se diz, vira traque? Pois foi. Ele correu para o campo e ao chegar lá deparou com alguns jogadores de futebol, adultos, de calção, chuteiras e meias, prontos para iniciarem o treino do União, o time que deu origem ao Casimiro de Abreu.
A cena é revista como se tudo estivesse acontecendo agora. Bispo era um beque central alto, forte, irmão de Bonga, goleiro, o mesmo que depois foi treinador do juvenil do Casimiro de Abreu. Bispo tomou a bola com o característico jeito dos adultos quando brincam com as crianças. Ele dava chutinhos na bola.
O menino ficou furioso. Tinha recebido a bola de presente e nem havia podido experimentá-la. Primeiro foi o primo que ficou brincando. Depois, Bispo vem e faz uma coisa desta?! Ele saiu catando pedras para jogar nele ao mesmo tempo em que gritava: ‘Me dá minha bola, me dá minha bola’.
Bispo fez então o inesperado: soltou a bola em meia altura diante do próprio corpo e deu nela um chute para o alto, um balão, como se diz. O menino ficou com o coração na mão. Desse jeito, Bispo ia estragar a bola novinha, ele pensou.
Enquanto a bola subia e ficava pequenina lá em cima, numa fração de segundos, foi como se algo fosse desabar sobre a cabeça do menino.
A bola caiu a certa distância. Ficou repicando até parar. Àquela altura o menino chorava. Achava que a bola tinha se estragado. E gritava: ‘Vou contar pro meu pai’. Apesar do chutão dado por Bispo, de chuteira, a bola continuava inteira, novinha.
E antes que mais alguma coisa pudesse acontecer para impedir o menino de experimentar a bola, ele meteu-a debaixo do braço e saiu o mais rápido que pôde dali. Diante das circunstâncias, a melhor maneira de experimentar o presente era mesmo na rua, na porta de casa.
Assim se deu a primeira pelada jogada com bola própria. Ninguém pode imaginar a alegria. Podia o sol rachar a moleira, desde que encontrasse quem topasse chutar bola no meio da rua, nada mais tinha importância.
Até hoje a bola que a tia Ambrosina deu de presente de Natal rola, ora na poeira ora na grama do campo do União Futebol Clube das lembranças do menino.


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Por Alberto Sena - 18/7/2011 10:36:20
O mistério permanece

Alberto Sena

O mistério do ser humano talvez, em tempo algum, seja desvendado, por mais avanços possam ser obtidos em estudos do espírito humano, da psique, da filosofia, da anatomia, da medicina e da tanatologia.
Muitos sabem o que vieram fazer – o bem – mas de modo geral não sabemos de onde viemos nem para aonde iremos ao final da jornada.
Li uma vez, ‘ao nascer um ser humano um anjo faz um gesto de dedo rente a boca e diz: ‘Psiu’. Isto é o bastante para perdermos a memória de onde viemos.
Genericamente, dizemos: ‘Viemos de Deus e para Ele retornaremos’. Esta afirmativa encerra todo o mistério. Nesse campo se poderá fazer qualquer tipo de especulação, mas até agora ninguém obteve prova cabal do que acontece quando um ser humano termina a sua jornada.
Não sou enfronhado nesses estudos, embora tenha lido a Bíblia e antes dela livros de metafísica, esoterismo, psicologia, filosofia e tanatologia. Confesso a minha ignorância em matéria de estudo do corpo, da mente e do espírito humanos.
Entretanto, duas ocorrências sobre a partida de entes queridos me intrigaram. A primeira fará 18 anos no dia 24 de julho. Estávamos na praia de Piúma, interior do Espírito Santo, diante da linda paisagem do Monte Agá imenso e majestoso, visto da orla.
A uma distância de 50 metros de nós vimos uma pessoa parecida com Geraldo Santana Machado, o Gegê, amigo desde Montes Claros. Comentamos sobre o fato e ficou por isto mesmo.
Logo que retornamos, dois dias depois, assim que nos reinstalamos em casa, o telefone tocou. Era Fernando Santana Machado, irmão de Gegê. Informava o falecimento dele num acidente de carro, justamente naquele dia e horário em que vimos uma pessoa parecida com ele.
Fernando contou: Gegê ia com a mulher, grávida, para Montes Claros. O carro dele bateu numa árvore e ele teve morte instantânea. A mulher sofrera ferimentos leves. A criança hoje já deve ser uma moça.
Tudo indica que a visão do homem na orla da praia em Piúma tenha sido um sinal de Gegê ao partir. Quando o espírito se esvai do corpo pode ser que a pessoa se comunique com parentes e amigos.
O outro caso é recente. Foi a partida do primo-irmão Rubens de Sena Almeida – Rubinho. Ele morreu à noite. Era sexta-feira, 15 de julho. Levantei-me bem naquele dia, como sempre, graças a Deus, mas pouco depois comecei a me sentir indisposto, como numa ressaca.
A indisposição evoluiu ao longo do dia e à noite vomitei e ainda assim o mal estar permaneceu. Fiquei sem entender o porquê, pois não é comum isto acontecer, a não ser quando é mesmo uma ressaca.
No dia seguinte, sábado, 16, logo cedo, o telefone tocou. Era Tone, meu irmão mais novo. Ele havia recebido a notícia e me informava da partida de Rubinho. A essa altura sentia-me refeito, mas ao receber a notícia liguei uma coisa à outra: o mal estar fora talvez uma comunicação extrassensorial do que se passava com Rubinho.
Convivemos muito tempo. Acontecia de algumas pessoas nos perguntarem se éramos irmãos, tínhamos biótipo semelhante, embora ele fosse de estatura mais alta. Os cabelos eram grandes e isto talvez acentuasse a parecença.
Duma coisa se pode ter certeza: existe vida. Ninguém desaparece como fumaça na atmosfera, quando parte deste plano de vida. Jesus Cristo disse: ‘A casa do meu Pai possui muitas moradas’.
O espírito retorna para Deus, de onde veio. Isto justifica, mas não explica como tudo se dá. Quem pode dizer com autoridade e provar que quando a pessoa parte daqui vai para tal lugar e acontece isto e aquilo?
Depois de ler este texto pode ser que alguém tenha respostas paras as indagações, mas não vai passar de especulação que poderá até ter uma lógica humana. Mas seria assim mesmo? A dúvida permanecerá.
Sabe-se que esta não é a primeira nem será a última civilização a pisar o pó do planeta. Muitas outras por aqui passaram e foram tantas que nem se tem memória delas. Se os mistérios do espírito humano fossem fáceis de serem desvendados, há muito tempo tudo estaria claro para nós em livros aos montes.
Tanto Gegê como Rubinho retornaram ao Pai de onde vieram. Mas quem poderá dizer o que eles fazem agora, como se estivessem sendo filmados por uma câmera escondida?


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Por Alberto sena - 16/7/2011 17:58:42
Rubinho, viva em Deus

Alberto Sena

Caro primo Rubinho, você se foi assim, sem me avisar por telefone ou por e-mail, mas recebi a sua mensagem extrassensorial. Na sexta-feira, 15, na noite em que você partiu passei mal sem saber por quê. Sabe quando a gente fica de ressaca? Pois é, fiquei assim o dia inteiro, nessa sexta-feira. Indisposto, vomitei, até, sem nenhuma razão aparente para isto.
Na manhã deste sábado, 16, recebi o telefonema do meu irmão, Tone, dando a notícia da sua partida. Foi a partir desse momento que fiz a analogia com o mal estar que senti, antecedendo a sua partida.
Depois que Tone desligou o telefone, como numa fita de cinema, os bons momentos vividos por nós se foram repassando diante de mim. Faço referência aos bons momentos porque nunca tivemos maus momentos. Sempre nos demos bem, desde criança.
Vezes incontáveis fui a sua casa brincar de caubói. Eu era Roy Rogers e você Rex Alen. Você possuía dois revólveres e eu nenhum. Você me emprestava um e nós saíamos atirando. Furávamos virtualmente todos os móveis de tia Ambrosina.
Lembra-se daquela vez que você, no banheiro, fazia gracinha e ao pisar as bodas da banheira levou um escorregão? Fez tibum! Quem levou a pior fui eu porque Rex, o cachorro policial veio em seu socorro e me mordeu a bunda porque eu estava na porta do banheiro e você havia gritado ao se estrebuchar dentro da banheira.
Quantas vezes nós levantamos às 5h da manhã para jogar futebol no campo do União, em frente da minha casa e próximo da sua. O sol nem havia nascido, os galos contavam, os cães ladravam e nós ali chutando a pelota sob a luz do poste da Rua Corrêa Machado.
Quantas vezes nos divertimos na Praça de Esportes do Montes Claros Tênis Clube (MCTC), onde jogamos futebol, eu no ataque e você no gol. E me lembrei então do tempo em que jogamos no juvenil do Cassimiro de Abreu, o mesmo time que seu irmão, Sidney, defendeu na equipe titular contra o ferrenho Ateneu.
Quantas vezes, Rubinho, saímos à noite em Montes Claros (e em Belo Horizonte) para jantarmos altas horas em restaurantes. Quantos carnavais juntos nós passamos no Automóvel Clube? Hein? Como naquela noite em que a Seleção Brasileira se sagrou tricampeã do mundo.
Lembro-me, neste momento, você e eu sentados na frente de um carro em movimento descendo a Rua Simeão Ribeiro, comemorando o tri-campeonato mundial. Você se lembra disto? Quando na Rua Simeão Ribeiro se podia descer de carro, antes, muito antes de ser fechada?
Quão excitante foram aqueles nossos anos de Cristal, não a Cristal de hoje, uma simples lanchonete, mas a Cristal antiga, chique, onde íamos tomar sanday, vaca branca e vaca preta, numa época, e noutra época, beber cerveja?
Em Belo Horizonte, você se recorda? Saíamos à noite para fazermos uma via não tão sacra por vários botecos. Como o Saloon, o Aloha, o Chorare. Você se lembra da nossa convivência no apartamento da confluência da Avenida Álvares Cabral com ruas da Bahia e Guajararas?
Depois disto você se casou com Florisana que tanto o amou. Vocês se mudaram para Florianópolis. Um dia, lembra-se? Eu e Sílvia voltávamos de Foz de Iguaçu (PR) e encontramos vocês no avião indo para Belo Horizonte. A coincidência foi tamanha que sentamo-nos uns atrás dos outros.
E depois veio Cyrano, hoje com seus 15 anos, suponho. Houve até um tempo em que fomos vizinhos, na Rua Deputado Álvaro Sales, no Bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte.
Acho que você ainda deve se lembrar daquela vez que deixou lá em casa uma gaiola com um dó-mi-ré, pássaro tipicamente norte-mineiro, que tem o papo amarelo, você o deixou lá em casa porque precisava viajar. Eu estava em viagem e você o entregou a Sílvia com a recomendação: ‘Cuida dele como se fosse o meu filho’. A sua intenção era soltar o dó-mi-ré na região de Montes claros, o habitat dele.
Depois disso, Rubinho, as circunstâncias da vida nos separaram. Você retornou com a família para Montes Claros. Os nossos contatos diminuíram.
De vez em quando, por intermédio de Florisana ou de Magela, eu tinha notícias suas. Todos os dias, por longo tempo, eu pedi a Deus por você, na hora da consagração das hóstias, naquele momento em que o padre eleva o cálice.
Quem se eleva agora é Rubinho, meu caro. Você partia e não teve tempo de me avisar por telefone nem por e-mail. Mas avisou-me extrassensorialmente. Só entendi o seu recado depois que Tone me ligou. Faltavam poucas horas para o seu sepultamento.
Até logo, amigo. Viva em Deus.


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Por Alberto Sena - 11/7/2011 08:41:10
O roubo do Rio Verde Grande

Alberto Sena

Pode alguém roubar um rio? Pode, sim. Claro que ninguém vai levar um rio para dentro de casa, mas se um megalomaníaco fizer um projeto de irrigação agrícola desproporcional à capacidade da vazão d’água; instalar 11 pivôs centrais de 500 metros de raio cada um e ligar os monstrengos simultaneamente, estes sugarão toda a água do rio ao ponto de secar o leito. Isto não configura roubo?
Foi o que fez o empresário F. A. L., subsidiado pela Sudene, na década de 1980, com o Rio Verde Grande, afluente do Rio São Francisco, na região da Jaíba, no Norte de Minas.
Acostumado a ver megaprojetos norte-americanos na Califórnia, onde os empresários agrícolas utilizam-se das águas das geleiras para alimentarem os pivôs centrais de grande porte, ele quis fazer o mesmo na Jaíba.
O fiasco do projeto dele atesta que nem sempre o que é bom para os norte-americanos é bom para os brasileiros, muito menos norte-mineiros, às voltas com o crônico problema da seca e escassez de água quase todos os anos, como já acontece no período atual.
Ademais, o Rio Verde Grande é considerado pelos entendidos do ramo ‘um rio velho’. E a calha dele vem desaparecendo por causa do assoreamento e da poluição que sofreu ao longo dos anos e ainda sofre. A tendência é um dia o rio desaparecer, se nada for feito para perenizá-lo.
O empresário construiu silos, armazéns e a sede do projeto agrícola. Plantou muito algodão e feijão, culturas apropriadas para a região, mas antes construiu um canal de concreto levando boa parte da água do rio para a propriedade dele.
Toda vez que ligava os pivôs centrais para irrigar o algodão e o feijão, os proprietários abaixo dele e os moradores ribeirinhos ficavam sem água. O máximo que se podia encontrar eram poças d’água esparsas onde pequenos peixes lutavam para sobreviver no meio da lama.
Um fazendeiro situado próximo do projeto agrícola, um dos primeiros prejudicados pelo empresário, foi quem fez a denúncia ao jornal e colocou até avião à disposição para levar os repórteres à Jaíba. A oferta não foi aceita e juntamente com o fotógrafo Eugênio Paccelli fomos à Jaíba no carro de reportagem.
A viagem foi inesquecível. Jaíba era um lugar considerado tão distante naquela época e muito mais antes, quando tinha a fama de ‘refúgio de pistoleiro’. Diziam ainda na década de 1960 que pistoleiros praticavam crimes em Montes Claros e região e se refugiavam na Jaíba, ‘onde ninguém nem a polícia ousam ir prendê-los’.
Jaíba tornou-se famosa, também, por causa dos frequentes casos de conflitos entre posseiros e proprietários de terras. O mais famoso foi o caso do posseiro Saluzinho, que desafiou a cúpula da Secretaria de Segurança de Minas escondido dentro de uma caverna onde resistiu até mesmo às bombas de gás lacrimogêneo.
Guardamos com carinho uma das cenas mais lindas vistas naquela viagem: uma poça d’água no meio da estrada vicinal, verdadeiro tapete coberto de borboletas. Era tanta borboleta que parecia não haver mais espaço para nenhuma retardatária pousar. Paramos o carro para contemplar o espetáculo multicolorido que só o sertão da Jaíba pode proporcionar.
Na ocasião, trabalhávamos para a Editoria de Agropecuária do jornal Estado de Minas, onde introduzimos a cobertura jornalística de meio ambiente. O editor era o jornalista Mauro Werkema. Ele deu o seguinte título à primeira reportagem sobre o caso, de repercussão nacional (valeu inclusive o ‘Prêmio Fenaj de Jornalismo’ e foi publicada no livro ‘Cadernos de Jornalismo I’, da Federação Nacional dos Jornalistas - Fenaj): ‘O roubo do Rio Verde Grande revolta a Jaíba’.
A matéria ocupou uma página. Na mesma manhã em que circulou a edição, por meio de um telefonema veio a notícia: ‘As águas do Rio Verde Grande voltaram a correr’.
O empresário não gostou da publicação. Tentou se explicar querendo dividir a culpa por ter secado o rio. De fato, ele não era o único irrigante, mas o maior. E põe maior nisto.
Numa tarde o telefone tocou na Editoria de Agropecuária e era Mário. Dizia: ‘Falo em nome do empresário F. A. L., ele quer saber se estão precisando de alguma coisa’.
‘Não precisamos de nada’, e acrescentamos: ‘Admiramos, Mário, você se prestar a isto’.
Ele respondeu: ‘Me desculpe, não está mais aqui quem lhe falou’. E desligou o telefone.


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Por Alberto Sena - 4/7/2011 08:43:08

Um editor como Wander Piroli

Alberto Sena

Algo que mantinha intrigadas as pessoas nos meios jornalísticos daqueles anos da década de 1970, era o fato de Wander Piroli, jornalista e escritor, autor do livro ‘A Mãe e o Filho da Mãe’ e outros dirigir a Editoria de Polícia do jornal Estado de Minas.
De certo as pessoas achavam ser isto muito para uma Editoria de Polícia, ser dirigida por um profissional do nível de Piroli. Ou senão o fato de ser escritor, o lugar dele devesse ser outro, numa editoria compatível com o seu nível intelectual.
Quem ficava intrigado com isto mal sabia: Piroli estava na editoria certa. Egresso do bairro Lagoinha, em Belo Horizonte, aquela Lagoinha antiga, onde nas noites se podia ouvir o zunido de navalha cortando os ares boêmios, Piroli conhecia de perto, de vivência, tudo aquilo porque nascera lá no bairro.
Foi certamente o estágio de vida na Lagoinha que dera ao Piroli a sensibilidade de quem aprendeu a conhecer a alma humana ao ponto de compreender o outro e lhe dar o real valor, seja quem fosse.
Nessa fase da imprensa mineira, a Editoria de Polícia do EM, por causa de Piroli, passou a ser referência e frequentada por personalidades do mundo literário como Oswaldo França Júnior, autor de ‘Jorge, um Brasileiro’ e uma série de outros livros importantes da literatura nacional, como ‘O Passo-Bandeira’, em que ele conta as experiências como piloto da Aeronáutica.
Além de França, a Editoria de Polícia era frequentada pelo escritor Luís Vilela, cujo primeiro livro, de contos, é intitulado ‘Tremor de Terra’, de 1967. Desde então nunca mais ele parou de escrever. Outro que estava sempre presente, o escritor Garcia de Paiva, autor de ‘Os Agricultores Arrancam Paralelepípedos’, de 1977.
Uma das primeiras recomendações de Piroli era: ‘Busquem sempre os porquês’. Exemplo: o cidadão cometeu algum delito, digamos furto, latrocínio ou assassinato, o repórter não devia ficar limitado ao registro do boletim de ocorrência da polícia, o famoso BO.
Era fundamental ir ao local do acontecimento. E essa postura do editor levava muitas vezes os repórteres a chegarem ao local de uma ocorrência antes dos policiais.
Nessa época, a Editoria de Polícia deu uma série de prêmios Esso ao Estado de Minas. Só o veterano Fialho Pacheco, ícone da cobertura de polícia de então, ganhou cinco prêmios Esso.
Paulo Narciso ganhou dois, um deles, de maior repercussão, foi ‘O Diário de Judith Malina na Prisão’, quando ela e o marido dela, Julian Beck, foram presos em Ouro Preto num flagrante forjado de drogas.
Um dos prêmios Esso mais importantes concedidos ao Estado de Minas foi sobre o ‘Caso Jorge Defensor’, um operário que a polícia tornou inválido para o resto da vida. Foi um trabalho de equipe e gerou mais de seis meses de notícias diárias.
O ‘Caso Jorge Defensor’ ganhou repercussão internacional. Na ocasião, o Brasil era governado pelo general Ernesto Geisel e Minas por Aureliano Chaves. Geisel prometia abertura ‘lenta, gradual e segura’, e a explosão da violência praticada ganhou conotação política quando o governador visitou o operário no hospital. O caso de certo modo contribuiu para apressar a distensão política.
Piroli sempre foi um grande apreciador de cachaça. Ele dizia: ‘Quanto mais bebo melhor fico’. E parecia ficar mesmo porque ninguém o via bêbado, escornado. O álcool certamente tornava as ideias dele mais claras e fluentes.
Entre um título e outro, antes e durante o fechamento da edição do dia seguinte, ele, discretamente, tomava um ou outro gole. Claro que na redação todos sabiam disto. Mas não era nada ostensivo.
A normalidade na redação não era quebrada nem mesmo pelo ruído ensurdecedor das Remingtons sobre as quais os repórteres trepidavam e contavam aos leitores as ocorrências e as investigações dos casos chegados ao DI, Dops, Secretaria de Segurança e Polícia Federal.
Que ninguém espalhe: Piroli tinha um garrafão debaixo da mesa. Além disto, fumava um cigarro atrás do outro. Ele mesmo dizia não ser exemplo para ninguém. Mas mantinha sempre o semblante sóbrio. Quem sabia o que se passava por detrás daqueles olhos verdes era só ele mesmo.
Em vida, Piroli já era considerado um dos maiores escritores brasileiros, juntamente com Oswaldo França Júnior, Luís Vilela e Garcia de Paiva. Volta e meia, eles participavam daquela reunião das 14h, quando a editoria se reunia para falar de jornalismo e literatura que os aficionados da página de polícia leriam no dia seguinte.
Talvez fosse por isto, e muito mais, que as pessoas ficavam intrigadas sem saber como é que podia a Editoria de Polícia de um vetusto jornal ter um editor como Wander Piroli.


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Por Alberto Sena - 27/6/2011 10:42:55
Fogueira de São Pedro no Pentáurea

Alberto Sena

Dentre os clubes de Montes Claros, Pentáurea ocupa lugar privilegiado, principalmente devido a sua localização em área campestre de microclima temperado.
Não sei se atualmente é a mesma coisa, mas no tempo em que roíamos pequis contemplando, claro, os nossos montes, Pentáurea era o lugar da região onde mais chovia. Quem afirmava isto, com convicção, era o amigo Cícero Bastos, o Cícero ‘Stru’, cujo pai tinha uma propriedade próxima ao clube.
Para dizer a verdade, gosto de todos os clubes de Montes Claros, a partir do Automóvel Clube e o Max-Min de lembranças tantas, e Lagoa da Barra, que pouco frequentei. Só não posso dizer como estão esses clubes atualmente porque estou fora de Montes Claros faz tempo e não os tenho frequentado.
Mas quanto ao Pentáurea dirigido por Teago José Tomaz de Aquino, filho da nossa estimada professora, dona Rosita, e nosso companheiro das peladas na Praça de Esportes e no ‘time de Bonga’, o juvenil do Casemiro de Abreu, as festas eram memoráveis.
A fogueira de São Pedro, então, era o máximo! Ardia a noite inteirinha. Com cerca de dez metros de altura, o espetáculo proporcionado pela fogueira era no mínimo maravilhoso.
Cada tição desprendido arrancava exclamações várias e as mais diferentes. Uns queriam comemorar mais do que os outros, de acordo com o nível do teor alcoólico de cada um.
Chispas voavam por todos os lados e a prudência sugeria manter distância razoável da fogueira para não ser atingido pelas brasas que ao longo da longa noite iam se desprendendo.
Desde crianças ouvíamos contar sobre as festas de São Pedro, no Pentáurea. A estrada de acesso ao clube ainda era de cascalho. Os carros se perdiam em meio à poeira e os acidentes eram frequentes.
Salvo engano, pessoas proeminentes da sociedade montesclarense morreram ali naquela estrada no tempo das fogueiras por causa da poeira intensa.
Além da poeira havia também uma bruma seca que costumava aparecer em determinada hora da madrugada. Parecia um fantasma vestido de lençol branco vindo para ficar e tornar o ambiente ainda mais frio.
A memória traz à tona uma vez, na década de 1960, noite de fogueira de São Pedro, no Pentáurea. Cícero Cruz, ou Cícero ‘Cuecão’, como nós o chamávamos, irmão do empresário Eliezer Cruz, vivia no meio de nós. Sei que ele, muito depois, foi morar em Pires e Albuquerque, a famosa Alto Belo, de Téo Azevedo, na fazendo do pai, e por lá morreu, precocemente.
Mas nós ali estávamos estatelados em volta da fogueira, guardando boa distância do braseiro e concomitantemente se aquecendo também por dentro, jogando goela abaixo quentão e outros líquidos que passarinho nenhum beberia.
Bebíamos e ainda assim o frio penetrava a medula óssea. Não havia alternativa. Era ficar ali ou sair de perto da fogueira e virar picolé.
Num certo momento ao olharmos para o lado, ‘Cuecão’ dormia sono profundo temperado por roncos intermitentes. Parecia ter sido picado por uma mosca tsé-tsé. O sono de Cícero contagiou o restante da turma porque duma hora para outra, em volta da fogueira, o ronco tornou-se atividade onírica coletiva.
Ao rememorar essa experiência de vida noturna no Pentáurea, na fogueira de São Pedro, com dança de quadrilha e tudo mais, não encontramos elementos possíveis nem lógicos para explicar o inexplicável sono que se abateu na turma até o dia seguinte.
Parecia que alguém havia colocado um sonífero nas bebidas, semelhante ao famoso golpe ainda hoje aplicado, ‘boa noite cinderela’, com a diferença: os nossos bolsos continuaram como estavam, ‘Durango kid’. E infelizmente não havia no meio de nós nenhuma representante do sexo feminino.
Moral da quase imoral história: nenhum de nós fez o que pretendíamos fazer em relação aos encontros marcados com a moçada da época, com quem trocávamos afagos e coisas do gênero, devido à total falta de condições físicas em decorrência do alto teor etílico nas veias.
Todos desmaiaram nos braços de ‘Morféia’.


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Por Alberto Sena - 24/6/2011 12:32:04
Gostaria de cumprimentar o jornalista e cronista José Prates pela bela iniciativa de contar os 60 anos de imprensa. Ele, que conheceu tudo desde o início, tem certamente muito que contar e ensinar a nós todos como foi que surgiu a imprensa em Montes Claros. Por meio das narrativas dele vamos poder compreender melhor a velocidade que a imprensa imprimiu de lá até aqui com as transformações em matéria de fazimento de jornal. Até aqui ele demonstrou o seu tino jornalístico, tendo iniciado a cobertura do setor de polícia. Essa iniciativa de fazer uma reportagem no centro do Fernandes foi típica de um grande repórter. Vamos então parar um pouquinho para ouvir o Prates contar - digo ouvir porque ele escreve e a nós nos parece ouvir a voz dele pronunciar cada palavra. Saudemos, pois, o grande repórter.


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Por Alberto Sena - 20/6/2011 09:27:45
O menino e Mahatma Gandhi

Alberto Sena

O menino não tinha completado sete anos de idade, em Montes Claros, na casa da Rua São Francisco, quando lhe chegou às mãos uma revista chamada ‘O Cruzeiro’. Cheia de fotografias, parecia mais com os gibis que ele costumava ler já em início de alfabetização. Tinha o ‘Amigo da Onça’, que o menino achava ‘amigo da onça’ demais, pois sempre tirava o dele da reta e deixava o dos demais.
Numa vez, o menino ficou impressionado com a figura de um homem franzino, carequinha, boca murcha, vestido só de túnica branca, calçado de sandálias de dedo, segurando um cajado.
O homem falava alguma coisa sobre a não-violência, divergia das guerras, e o menino se perguntava ‘por que meu Deus, as pessoas têm de fazer guerra quando podiam viver em paz?’
O homem não era outro senão Mahatma Gandhi. A figura dele ficou gravada na memória do menino. E tanto ficou que, entrante na maioridade, o menino procurou nas livrarias os livros do Mahatma.
O mais completo leva o título ‘Gandhi – Minha vida e minhas experiências com a Verdade’, traduzido da edição francesa por Constantino Peleólogo, com apresentação e notas de Pierre Meile, professor de línguas modernas da Índia na Escola Nacional de Línguas Orientais Vivas.
Impressionante o livro, biográfico. Nele, Gandhi conta sua vida e surpreende com confissões do tipo: ‘Com um dos meus parentes, tomei gosto pelo fumo. Não que fumar nos parecesse bom, ou que o odor do cigarro nos arrebatasse além da medida. Simplesmente, pensávamos experimentar uma espécie de prazer ao exalar nuvens de fumaça. Meu tio era fumante e o vê-lo incitava-me a imitá-lo. Mas não tínhamos dinheiro. Começamos, pois, por apanhar as pontas de cigarro que meu tio deitava fora’.
Era um homem simples, tímido, e aos poucos se percebia as mudanças nele operadas em busca da Verdade. Com relação à Bíblia Sagrada, o Novo Testamento causou ‘impressão muito diversa’ em Gandhi comparado ao Antigo Testamento. ‘(...) Principalmente o Sermão da Montanha, que me foi direto ao coração. Comparei-o com a Gitâ. Os versículos: ‘E eu vos digo para não resistirdes àquele que vos maltrata; pelo contrário, se alguém vos bater na face direita, oferecei-lhe ainda a outra. Se alguém quiser discutir convosco para tomar-vos a vossa veste, dai-lhe também o vosso manto’, me satisfizeram além de toda medida, e me recordaram o ‘Pela água, dá uma boa refeição ...’, de Shâmal Bhatt (um dos grandes nomes da literatura gujrate, nascido por volta de 1640, morto cerca de 1730).
Não é o caso de aprofundar em Gandhi aqui, mesmo porque não dá para falar tudo sobre esse grande homem pequeno e humilde, considerando a biografia dele, de 522 páginas. Mas prestem atenção nesta citação: ‘Se bem que fosse atacado de duas doenças graves em minha vida, estou convencido de que o homem não precisa, por assim dizer, de usar medicamentos. Novecentas e noventa e nove vezes em mil, o doente pode restabelecer-se por meio de um regime bem ordenado, de tratamento pela terra e pela água e outros remédios elementares. Aquele que corre ao doutor (...) à menor doença e que engole toda a espécie de drogas de base vegetal ou animal não somente encurta a vida como, tornando-se escravo do seu corpo em vez de permanecer o senhor, perde o domínio de si e deixa de ser um homem’.
Nessa rápida incursão aos ensinamentos de Gandhi, melhor mesmo é encerrar por aqui com outra citação dele que, certamente, mexerá com a cabeça de muita gente do lado de cá, do ocidente: ‘Para ver face a face, em sua universalidade e em sua impregnação de todas as coisas, o Espírito da Verdade é preciso estar em condições de amar como a si mesmo a mais mesquinha das criaturas. E quem a isso aspira, não pode permitir-se que seja excluído de nenhum domínio em que se manifesta a vida. Eis por que o meu devotamento à Verdade me arrastou para o campo da política; e posso dizer, sem a menor hesitação, mas também com toda a humildade, que nada entendem de religião os que pretendem que a religião nada tem em comum com a política’.
Guardadas as diferenças culturais, socioeconômicas, antropológicas e religiosas, Gandhi, para o menino diante da foto dele publicada na revista ‘O Cruzeiro’, era mesmo que vê Jesus Cristo.
Diante do seu algoz, que lhe disparou um tiro fatal, Gandhi esboçou um sorriso nos lábios e o perdoou, assim como Jesus fez ao dizer: ‘Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem’.


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Por Alberto Sena - 13/6/2011 08:53:45

Tempo das fogueiras

Alberto Sena

Quando chegava o mês de junho, na casa da Rua São Francisco, em Montes Claros, era o tempo das fogueiras. Coincidia que pai Zé Bitaca havia buscado caminhão de lenha pelos lados do Rio Verde, e armava fogueira caprichada.
Ele punha duas toras embaixo para sustentação e as mais finas por cima. Acendia a fogueira com capim e gravetos. A fogueira ardia durante boa parte da noite, até não aguentarmos mais ficar de olhos abertos por causa da fumaça e do sono.
Era impressionante observar as línguas de fogo. Nós ficávamos imaginando uma porção de coisas olhando a fogueira. Às vezes o fogo ficava azulado, noutras vezes avermelhado também.
O fogo queimava a lenha, mas parecia arder era dentro do peito da gente. Os adultos não entendiam nada da arte de contemplar fogo. Diziam coisas do tipo: ‘Menino que mexe com fogo urina na cama à noite’.
A tradição lá na casa de dona Elvira era fazer fogueira e hastear o mastro de Santo Antônio, porque o meu irmão caçula, nascido em 11 de junho, foi batizado com o nome desse grande ‘doutor da Igreja’.
Santo Antônio ganhou a fama de casamenteiro, mas ele tinha outras qualidades além dessa, como o dom da ubiquidade, ou bilocação. Acontecia de ele estar no ambão da igreja fazendo a homilia e no mesmo tempo ser visto em outro lugar atendendo aos pobres.
A fogueira de Santo Antônio era acesa assim que o manto da noite descia sobre a nossa rua. E era bom ver a rua cheia de fogueiras acesas. A meninada se esbaldava. Atiçávamos o fogo em busca de brasas para estourarmos traques e as labaredas cresciam e cuspiam para o alto as chispas da lenha seca, como num espetáculo de chuva de estrelas.
Estalávamos bombinhas de salão até na testa uns dos outros. Mas foguete era só para os adultos, e assim mesmo no momento em que o mastro era erguido em meio às orações puxadas por dona Elvira.
O mastro ficava no quintal, próximo do coqueiro macaúbas e do quaradouro de roupas. Era bonito ver a figura de Santo Antônio lá em cima, com enfeites de papel de seda. Quando ventava o papel de seda tocado pelo vento fazia ruído semelhante ao dos papagaios ou araras que empinávamos quando era chegado o mês de agosto.
Enquanto a fogueira ardia em frente da casa recuada do alinhamento da rua, nós nos sentávamos ao redor do fogo e mãe servia pé-de-moleque, doce de amendoim moído, doce de leite, biscoito fofão feito de polvilho azedo, biscoito de coco, canjica e nem sei mais o quê.
Descobrimos que era instigante soltar traque dentro de latinha. Riscava o traque em caixa de fósforos e enquanto a pólvora do estopim chiava, púnhamos a latinha em cima e saíamos de perto. O traque estourava e arremessava a lata para cima.
De um traque passamos a soltar dois e até três traques dentro da latinha e o estouro era maior. Acontecia até de arrancar o tampo da lata. Não fosse a noite própria para esse tipo de brincadeira, o barulho seria de assustar.
E para mostrar quem era o tal, fazíamos experiências várias: uma delas era saltar fogueira. Outra era soltar traque na mão. Dava uma sensação estranha entre os dedos. E então os adultos diziam: ‘Isto arrebenta a mão’.
Outra coisa ainda mais perigosa nós fazíamos: soltar traque entre os dentes. E de novo os adultos aconselhavam: ‘Isto quebra os dentes’. Como que nós não fazemos hoje parte do grupo dos desdentados, só Deus poderá explicar.
Mãe fazia fogueira para celebrar Santo Antônio, mas o dia de São João era o mais concorrido. Na Rua São Francisco e adjacências, naquela época, meados da década de 1950, nenhuma casa ficava sem a sua fogueira.
Parecia o período das queimadas, quando os agricultores e os pecuaristas costumam pôr fogo no mato a fim de preparar o terreno para plantio de feijão e capim.
Na manhã seguinte, a meninada acordava e ia para a porta da rua a fim de ver o que havia sobrado das fogueiras. Encontrava um monte de brasas e alguns tocos fumegantes. Havia quem tinha a coragem de espalhar as brasas pelo chão e andar sobre elas sem queimar os pés.
De duas, uma: essas pessoas não sentiam dor ou tinham a sola dos pés grossa demais. Mas pode ser também que soubessem distinguir o momento certo em que as brasas atingem um ponto em que não queimam como fazem os indianos cuja cultura o menino conheceu depois a partir dos livros de Mahatma Gandhi e de yôga.


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Por Alberto Sena - 6/6/2011 08:51:27

Mulher de fé

Alberto Sena

Depois que pai morreu, em janeiro de 1961, mãe Elvira passou uma temporada indo ao Cemitério do Bonfim, em Montes Claros, para cumprir novena e rezar diante da sepultura dele.
Toda sexta-feira, depois do almoço, ela chamava a irmã dela, tia Ambrosina, minha madrinha de batismo, e nós fazíamos companhia para elas, eu e o primo Rubinho. Éramos crianças da mesma idade. Nasci dois meses antes dele, pelas mãos de Irmã Beata.
Naquela sexta-feira, tia e Rubinho saíram da Rua General Carneiro, esquina com Rua João Pinheiro e passaram lá em casa, na Rua Corrêa Machado, 238. Nós, mãe Elvira, uma das minhas irmãs, já nem mais sei qual delas, e eu estávamos na porta esperando.
Juntos, subimos a Rua Corrêa Machado e entramos na Rua Bocaiúva até a venda de ‘seu’ Arquilino, onde em frente havia e ainda deve haver uma entrada para a linha férrea.
Era pela linha do trem que íamos ao cemitério. Claro que as intenções de mãe e de tia Ambrosina eram umas e as nossas outras bem diferentes. Era comum menino lidar com atiradeira ou estilingue. E como não éramos diferentes dos outros meninos, nós armados estávamos, cada um com o seu estilingue.
Ir pelos trilhos da Central do Brasil era divertido porque nós andávamos na linha, literalmente, mostrando que podíamos nos equilibrar por muito tempo. Às vezes, ombro a ombro, cada um pisava num trilho e andávamos com os ouvidos em pé, para o caso de o trem surgir duma vez.
Noutros momentos íamos pulando sobre os dormentes e aproveitávamos para contar um a um só para mostrar que sabíamos declinar os números.
Aproveitávamos as pedrinhas do chão para praticarmos pedradas ao alvo em latas ou em buchas das latadas nas cercas de arame farpado nos fundos dos quintais das casas às margens da linha férrea.
Nessa época, para ir a pé lá de casa até a Ponte Preta era preciso andar muito. Havia por lá poucas casinhas simples e mais nada. Era um lugar ermo. A linha do trem passava por baixo da Ponte Preta. Nós achávamos que a ponte era enorme, talvez porque a olhávamos com os olhos de crianças.
Mãe e tia Ambrosina iam à frente e nós atrás. De repente, ouvimos um ‘ai’ seguido de gemidos. Era mãe que havia acabado de torcer o pé. Faltava muito chão ainda para chegarmos ao cemitério e achamos que era melhor voltarmos, mas mãe disse que não; tinha condição de andar, mancando, mas tinha, e nos convenceu seguirmos adiante.
Chegamos ao cemitério e fomos direto à sepultura de pai, José Batista da Conceição, conhecido pelo apelido de Zé Bitaca, por causa de uma loja que ele tinha na Rua Coronel Joaquim Costa. Depois, enquanto mãe e tia visitavam outros túmulos, nós dois saíamos à cata de tico-ticos que se escondiam entre ciprestes. Ciprestes têm cheiro forte e para nós não era odor agradável. A tentação de caçar tico-ticos era tanta que não conseguimos acertar nenhum.
Houve um momento em que o vento tocou as plaquinhas contendo fotografias dos mortos ali sepultados e o contato delas com as hastes de ferro produziu ruído metálico. ‘Será assombração?!’ Nós nos perguntamos até descobrirmos a origem.
Fomos então espiando umas e outras fotografias e lendo os epitáfios até que deparamos com a fotografia de um homem que parecia nos olhar o tempo todo de qualquer ponto. Isto nos intrigou tanto! Preferimos sair correndo dali ao encontro de mãe e tia.
Cumprido todo o ritual de novena, elas disseram que era hora de irmos embora mesmo porque o véu do fim de tarde se expunha tênue. Mãe mancava mais ainda do pé. A partir do tornozelo, o pé dela já se apresentava inchado. Podia ser que não fosse só uma torção. Será que ela fraturou o pé?
Fraturou. Disto ficamos sabendo na volta, depois que chegamos e mãe tomou banho para ir ao ortopedista, se não me engano, dr. Barreto. Sei que ela retornou horas depois com uma bota de gesso no pé. Mãe ficou muitos dias com essa bota no pé, andando com dificuldade.
Depois que tudo passou, refletimos sobre a atitude dela e vimos que servia para nós como uma lição de coragem e força de vontade. Ela com ela própria achava que podia quebrar o pé, mas não a promessa de ir toda sexta-feira ao cemitério rezar. Mesmo com o pé quebrado, ela foi e voltou.
Mãe era assim, persistente. Pequena, mas uma grande mulher; corajosa, brava no melhor sentido.
Para nós, ela foi e ainda é exemplo de mulher de fé.


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Por Alberto Sena - 31/5/2011 11:01:03

Este pode ser o maior presépio natural do mundo - Alberto Sena -O maior presépio natural do mundo, todo de pedras, cada uma delas maior do que a outra pode ser o que foi descoberto pelo economista Lúcio Benquerer, em Grão-Mogol, no Norte de Minas, sua terra natal. Duas vezes presidente da Associação Comercial de Minas, Benquerer ficou mais de 20 anos longe de Grão-Mogol, para onde retornou definitivamente. Foi ao reformar a casa onde reside hoje com a esposa, Wilma Caldeira Nunes, que ele descobriu o presépio natural ao fundo, na parte de baixo do terreno. O padre da Igreja de Santo Antônio, de Grão-Mogol, Geraldo Magela, está dando todo apoio à iniciativa de Benquerer e já comunicou que os arcebispos Dom Walmor e Serafim devem visitar em breve o presépio, atualmente em obras de construção de passarelas para facilitar o acesso de cadeirantes. O presépio deverá ser inaugurado com a celebração do nascimento do Menino Jesus no próximo Natal, o que vai chamar a atenção de Minas e do Brasil para a pequena Grão-Mogol de pouco mais de sete mil habitantes, fundada no século XVIII, a partir do garimpo de diamantes.


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Por Alberto Sena - 30/5/2011 10:36:12

Vamos com fé; a fé ‘não custuma faiá’

Alberto Sena

Lúcio Benquerer, montesclarense nascido em Grão Mogol, viveu mais de 20 anos longe da sua terra natal, em Belo Horizonte, onde teve larga experiência na Sudene dos melhores tempos, como economista que é. Antes, ele morou em Montes Claros um tempo, onde fundou a revista ‘Encontro’, na década de 1960, atualíssima, se estivesse circulando até hoje.
Foi por duas gestões presidente da Associação Comercial de Minas, e por bom tempo, como diretor-executivo, ele dirigiu o Fórum de Líderes Empresariais Gazeta Mercantil, cujo presidente era Luiz Fernando Furlan, da Sadia, ex-ministro do Desenvolvimento, Comércio e Indústria, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República.
Duas décadas depois, Benquerer, viúvo, hoje casado com Wilma Caldeira Nunes, resolveu se mudar em definitivo para Grão Mogol. Lá, comprou uma casa em estilo colonial, reformou-a como bem quis por dentro. Pintou as paredes de azul clarinho e as portas e janelas de um azul um pouco mais forte. Fez uma cozinha que é uma maravilha, muito mais gostosa do que as cozinhas de antigamente, que tinham fogão a lenha.
As paredes de um dos lados e do fundo da cozinha são de blindex transparente o bastante para ele e Wilma apreciarem a bela paisagem que jorra o tempo todo lá fora; e nas noites estreladas as luas sobressaem, mormente as cheias.
O mais curioso ainda não contei: no fundo da cozinha há uma enorme pedra. Ele a encontrou ali e fez questão de deixar boa parte dela dentro de casa. Como homem criativo e irrequieto, daqueles que estão sempre em atividade, Benquerer teve a brilhante ideia de fazer da pedra uma adega.
Mandou trazer uma máquina perfuratriz e numa manhã só o perfurador, quer dizer, o homem que operou a máquina, fez uma série de buracos e a adega ficou pronta. Volta e meia Lúcio desce os três degraus que circundam a pedra e escolhe a garrafa de vinho que vai dividir com Wilma.
O clima de Grão Mogol é europeu. O céu fica nublado com muita facilidade. Muitas das vezes o camarada sai de Montes Claros para ir a Grão Mogol com o sol rachando e lá o tempo está nublado, até meio frio. Nesta época do ano, então, o frio lá é muitas vezes mais do que em Montes Claros. Se é que em Montes Claros já fez frio algum dia.
Da cozinha para o jardim coberto de flores, de onde se pode divisar o ‘Presépio Natural Mãos de Deus`, Lúcio contempla uma paisagem linda. Uma grande serra de pedras em primeiro plano, e mais ao fundo uma cadeia de serras com a mesma consistência são um convite para quem gosta de trekking.
Numa dessas serras, segundo Benquerer, há uma trilha chamada ‘Caminho do Barão’, que leva o caminhante até a histórica Diamantina. Não tive tempo de conhecer esse caminho, mas Deus ainda vai proporcionar a nós essa caminhada.
Para mim, viver é caminhar. Caminhar em contato com a natureza. Sou ‘viciadinzim’. Nada mais há de tão importante para fazer a gente refletir, ter boas ideias e colocar a cachimônia em ordem do que andar.
Mas não é andar em disparada. A gente sai andando e vai parando sempre que encontra algo digno de contemplação maior. Este é um exercício completo: andar. Bom para o espírito, a mente e o corpo.
O gostoso mesmo de Grão Mogol é a qualidade de vida. O ar é puro. Os liquens nas pedras informam sobre isto. Poluição nenhuma. Para quem quer descansar das coisas da cidade grande e cansar fazendo outras coisas, Grão Mogol é o lugar.
Confesso que nem sei para quê estou informando sobre isto, pois não é o meu desejo despertar o interesse das pessoas por Grão Mogol, antes de Deus me dizer que é hora de arrumar a trouxinhas e fixar raízes lá.
Só não faço isto hoje porque preciso que aconteçam algumas coisas que me proporcionarão a mudança. Mas dentro de mim a voz de ‘Eu Sou’ fala: ‘Grão Mogol é o seu lugar’.
Belo Horizonte e as grandes cidades de modo geral estão saturadas. Até mesmo Montes Claros querida já não mais me anima voltar a morar. Precisamos de uma cidade tal e qual Grão Mogol, que conheci há poucos dias.
A nossa ida para lá está nas Mãos de Deus, como a nossa vida, desde o sempre. A gente tem que ir indo, caminhando com fé porque ‘a fé não custuma faiá’, como diz a música de Gil.


(N. da Redação - Lúcio Benquerer, que muitos chamam de Lúcio de Bem Querer, é um dos mais importantes nomes do Norte de Minas nos últimos 60 anos. Culto, afável, bom, influenciou poderosamente a vida de Minas nos últimos 40 anos, residindo em Belo Horizonte. Foi planejador dos mais competentes, empresário bem sucedido, presidente da Associação Comercial do Estado e só não saiu candidato a prefeito de Belo Horizonte, por uma reunião de partidos, porque declinou do convite. É uma espécie de embaixador plenipotenciário do Norte de Minas em qualquer fórum importante onde compareça. Tem uma legião de amigos e admiradores, em todo o Brasil. É dos nomes mais respeitados de Minas Gerais, em todas as áreas. No Norte de Minas, especialmente - onde é ícone permanente, mercê de sua alta Luz e a despeito de sua incrível modéstia).


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Por Alberto Sena - 27/5/2011 09:09:56

Lucas, abençoado filho de Deus

Alberto Sena

Quero lhes apresentar hoje este menino. Ele se chama Lucas. Mora em Montes Claros. Lucas Sena Palma Fernandes é o nome completo dele. Ele é filho de Anne e Charles. A avó dele é Lúcia, minha irmã.
Lucas é uma bênção de Deus. Em todo lugar que ele vai chama a atenção das pessoas pela maneira característica de ser: simpático, alegre, brincalhão, curioso como ele só.
Quando Lucas chega à escola, desde a portaria as pessoas começam a falar o nome dele. É um menino querido por todos. Todos, vírgula. O fato de ele ser assim como é, espargindo simpatia pelos poros, querido da maioria, deixa certos coleguinhas enciumados. Mas acredita-se que essa ciumeira passará.
Lucas já nasceu com luz própria. E quando ele nasceu os médicos não foram capazes de fazer a leitura da luz que Lucas emitia logo à primeira vista. Foi com o tempo que o brilho dele se foi tornando mais evidente e os médicos puderam fazer a leitura da sua luz.
Lucas tem sete anos. Está em fase de alfabetização. Escreve o nome completo e conhece todas as letras. Ele estuda no Colégio São Mateus e a professora dele é Ana Cristina.
Lembro-me como se fosse hoje de quando Lucas nasceu. Eu não estava em Montes Claros, mas recebi a notícia. Estava preste a iniciar o Caminho da Fé, a pé, de Águas da Prata (SP), passando pela Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, até o Santuário de Nossa Senhora Aparecida (SP).
Perguntei à mãe dele, minha sobrinha, se ela tinha alguma coisa que gostaria fosse levada até o Santuário de Nossa Senhora Aparecida e ela deu-me por escrito um pedido de graças para Lucas.
Andamos – Sílvia e eu – mais de 300 km até o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Foi uma caminhada maravilhosa. Já fizemos esse caminho três vezes. E esperamos de Deus a oportunidade de fazê-lo pela quarta vez. É um caminho mágico. As paisagens nos transportam a uma alegoria celestial.
Encontramos tucanos voando baixinho. Um veado campeiro adulto. Passarinhos aos bandos. Um casal de canarinhos da terra nos acompanhou durante bom percurso. O macho, amarelinho, voava adiante de nós e logo a fêmea, de cor acinzentada, voava ao encontro dele. Ficaram assim e nós tínhamos só o trabalho de contemplar essa diversão do casal de passarinhos.
Aconteceram muitas outras coisas interessantes, mágicas. Não é o caso de contar tudo agora, porque o objetivo primeiro é homenagear esse menino querido, que Deus entregou de presente para Anne e Charles tomarem conta. Ele irradia alegria. E dará muito mais alegria ainda aos seus pais.
Neste ponto lembro o dizer de Kalil Gibran Kalil, no livro ‘O Profeta’, sobre filho, o que muito me ajudou com os meus quatro: ‘Vossos filhos não são vossos filhos; são filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma; vieram através de vós, mas não de vós; e embora vivam convosco, não vos pertencem’.
Quinze dias depois de iniciada a caminhada nós chegamos ao Santuário, em Aparecida. Foi à tardinha. Fomos direto para o lindo templo. Passamos por aquela passarela de onde pudemos apreciar belas paisagens. De um lado se vai ao Santuário e do outro se vai para a cidade. O movimento é grande de gente. Há até quem faça o percurso de joelhos, cumprindo promessa. É a fé popular.
No interior do Santuário havia muita gente. A missa ia começar dentro de pouco tempo. Nós nos dirigimos diretamente ao lugar onde a imagem de Nossa Senhora Aparecida é colocada. Para entrar houve dificuldade. Cheio demais. Quando nos aproximávamos ouvimos de repente uma voz feminina que repetia três vezes seguidas o nome: “Lucas, Lucas, Lucas”.
Não conseguimos ver quem repetia o nome de Lucas. Podia ser alguma mãe que, por um momento, perdera o filho de vista. Podia. Mas a coincidência – se é que coincidência existe – tinha tudo a ver com o nosso objetivo ali: pedir graças por Lucas, essa figura simpatissíssima que tenho o prazer de lhes apresentar agora. Queiram-no bem. Ele é um abençoado filho de Deus.


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Por Alberto Sena - 25/5/2011 14:59:03
Sob o aroma do “Café Galo”

Alberto Sena

Aproveitei a ida a Grão Mogol e fiquei sábado e domingo em Montes Claros a fim de rever parentes e me reunir com Virgínia Abreu de Paula e Raphael Reys em torno de um projeto literário. Não é hora de revelar o teor do projeto, mas posso dizer que quem se interessar em apoiar terá o nome gravado porque é algo que, posso dizer, ficará para sempre e agradará gregas e gregos, troianas e troianos porque está relacionado com a memória de quem viveu e dos que não viveram os momentos mágicos, glamorosos e românticos de uma época de Montes Claros, quando as pessoas até conheciam umas as outras.
Confesso com toda sinceridade: achei Montes Claros linda, vista do avião. Cresceu em demasia. Posso estar errado e se estiver me corrijam, mas em Montes Claros hoje deve haver mais gente de fora do que propriamente nascida na cidade.
Desci e subi a Rua Dr. Santos duas vezes em busca de minhas lembranças e não encontrei nem espectros delas. Só dois imóveis lembram um pouco a rua daquela época: a casa de Sinhô Batista e a de Luiz de Paula Ferreira. Os imóveis antigos em estilo colonial, art decó e clássico desapareceram sem deixar vestígios.
A rua estreita parece mais estreita ainda por causa do movimento de ônibus, carros, motos, bicicletas e gente que vai e gente que vem nas estreitas calçadas esburacadas. É uma trombada atrás da outra.
A Praça Coronel Ribeiro, de lembranças tantas, está abandonada. Conserva ainda a arborização, mas o miolo da praça calçado de pedras portuguesas apresenta buracos que são empecilhos para a passagem dos que por ali se aventuram. Tudo parece abandonado.
Se Montes Claros fosse mulher, eu diria: hoje é uma mulher feia, vista daqui de baixo. Feia de fazer dó. Os buracos proliferam-se pelo asfalto em determinadas áreas, principalmente nos pontos em que observei em novembro do ano passado, quando fui à cidade ‘buscar fogo’. Nada mudou para melhor.
O único lugar que ainda está o mesmo e Deus o conserve pelos séculos dos séculos, é o ‘Café Galo’. Como não encontrei nenhuma alma conhecida nesse vaivém na Rua Doutor Santos, pensei com os meus botões que a única maneira de encontrar alguém era lá no ‘Café Galo’.
E para lá rumei. Dito e feito. No ‘Café Galo’ me encontrei com os jornalistas Jorge Silveira, Zé Maria, Noriel Cohen, Raphael Reys, e Luiz Ribeiro. Revi o historiador e jornalista, o mestre Haroldo Lívio, e também os primos Mário e Fernando Fialho; e os amigos Zecão, Tatu, Jadir, Luiz Carlos Novais, Ronaldo Almeida, Pancho, Eliezer Cruz, irmão de Cícero ‘Cuecão’, já falecido; e conheci Rogério, um dos Mosqueteiros da República do Pequistão (acho que não me esqueci de ninguém).
Depois de muita conversa sobre os anos vividos na cidade querida, agora sofrida, falamos de Grão Mogol e as artimanhas de Pancho. Em seguida, os amigos que ali estavam se reuniram do lado de dentro do balcão para a tradicional foto tomando cafezinho, que o carismático Jadir Rodrigues costuma pendurar na parede.
O ‘Café Galo’ é a cara de Montes Claros. Não ‘cuspida e escarrada’, mas ‘esculpida em mármore carrara’. Por ali passam celebridades e por uns instantes, essa figura aqui, descolorida, sentiu o carinho dos amigos que há muito não via.
Jamais defendi Montes Claros parada no tempo. O desenvolvimento da cidade e a sua descaracterização eram previsíveis. Mas o abandono administrativo não devia ser cruel ao ponto de enfear a cidade berço de tanta gente ilustre.
Os conterrâneos de boa vontade que criaram raízes deviam reagir. Pressionar mesmo a administração pública para que tenha olhos de enxergar o abandono de Montes Claros. Pelo que se sabe, a cidade poderá ser palco de treinamento para participantes da Copa do Mundo. Mas do jeito em que está, corre o risco de causar má impressão.
É por isto e muito mais que sou levado a escarafunchar a vida vivida em Montes Claros para não deixar que os nacos de memória se percam. Montes Claros nem sempre foi assim. E se está assim, imagina o que será da cidade nos anos 2020 / 2030.
O passado da cidade se foi. Ficaram registros. O futuro de Montes Claros está sendo projetado agora, no presente, bem ou mal, mais mal do que bem. Mas quem tem olhos para ver e quer o bem da cidade acha que tempo há de cobrar mais ações nas esferas de governos para assegurar a todos – e, principalmente, às gerações que estão a caminho – uma cidade digna de abrigar dignos seres humanos.


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Por Alberto Sena - 23/5/2011 12:18:39
Grão Mogol nas Mãos de Deus

Alberto Sena

Grão Mogol! Quão bela é Grão Mogol. Pequena cidade a duas horas de carro de Montes Claros, cercada de serras por todos os lados, é um lugar onde reina a paz e o silêncio. Forasteiro desacompanhado de alguém da cidade para lhe servir de referência pode até entrar em Grão Mogol, mas logo a polícia ou algum cidadão vai abordá-lo para saber o que ele pretende ali. A cidade não aceita quem por lá se aventura com más intenções. Por isto, e por outras coisas mais, que nem convém ressaltar aqui, Grão Mogol é uma cidade segura para os seus mais de sete mil habitantes.
Montes Claros, com mais de 350 mil habitantes, já pertenceu a Grão Mogol. O fato de a cidade ter se iniciado devido ao garimpo de diamante, a fez parar no tempo como soe acontece com os municípios onde a cata de preciosidades é intensa, e quando os veios se esgotam, esses lugares se parecem mais com uma laranja chupada.
Esse quase esquecimento de Grão Mogol ao longo do tempo, e na nossa visão, pode ter proporcionado essa paz e segurança aos seus moradores. Mas hoje a cidade tem de tudo um pouco e guarda as suas tradições imunes à voracidade do tempo e da ganância dos que só querem ter a invés de ser.
Grão Mogol é cidade limpa. Ninguém joga lixo na rua. As lixeiras estão por toda a cidade. Todas as casas são pintadas. Não há favela. As casas têm caixas d’água azuis e sempre fechadas. As crianças não ficam perambulando pelas ruas. Todas estudam. O hospital da cidade oferece atendimento a tempo e a hora. O posto de saúde funciona com eficiência.
A cidade é cheia de casas, igreja e capela com paredes de pedras construídas pelos escravos vindos da África. E não podia ser diferente porque a região é constituída de pedras. Nas pedras estão prova cabal de que em Grão Mogol o ar é puro: são os liquens a marcarem as pedras que ‘as Mãos de Deus semearam’, como enxergou Antônio Terra, diretor de Planejamento da G30, que lá esteve também.
E por falar em Mãos de Deus, este é o nome do Presépio Natural idealizado pelo economista e consultor Lúcio Benquerer, filho da terra que volta depois de mais de 20 anos distante. Muitas das pedras têm características de personagens de um presépio e Lúcio só está tornando o acesso possível até para cadeirantes, ao construir passarelas.
O ‘Presépio Natural Mãos de Deus’ vai dar outro colorido a Grão Mogol porque chamara a atenção de Minas e do Brasil, tendo em vista a sua grandiosidade e expressão religiosa que só os olhos atentos de Lúcio Benquerer enxergaram. Mais de uma dúzia de homens trabalham na obra, sendo dois deles presidiários.
Pelo menos um deles é considerado inocente. Acusado de estupro, foi condenado a seis anos de cadeia. Só que a mãe e a própria suposta vítima dizem que ele, Eudes, ‘é inocente’. Tudo não passara de uma ‘mentira’ da menor que, agora, arrependida, vive o remorso porque o condenado cumpre pena sem ter praticado crime algum.
Mas qual é mesmo a origem do nome Grão Mogol? A história apresenta duas versões plausíveis: uma conta que o nome está relacionado à descoberta em 1550, de um grande diamante na Índia, com peso de 793 quilates, batizado de Grão Mogol.
A outra versão garante que o nome está ligado aos muitos conflitos e até assassinatos ali ocorridos, o que gerou ‘grande amargor’. Expressão modificada ao longo do tempo foi transformada em ‘Grão Magor’ e depois, ‘Grão Mogol’.
Gualter Martins, o Barão de Grão Mogol, nasceu segundo os registros em 1826, na Fazenda Santo Antônio, situada dentro do Arraial de Grão Mogol. Contam os moradores como José Bicalho, de boa memória, que o barão era muito rico e ‘de bons tratos para com os escravos negros’. Ele comprou em 1876, importante fazenda em Rio Claro (SP), onde era ‘de maus tratos para com os escravos’. A explicação para isto, se é que explicação há, é que os escravos mantidos em Grão Mogol era ‘reprodutores’, daí a diferença no tratamento.
Hoje a cidade respira história. Cada casa de pedra é um livro aberto. E depois de passados séculos da sua criação forjada no garimpo de diamantes, quem tem olhos para enxergar faz a leitura: desde sempre, Grão Mogol esteve nas ‘Mãos de Deus’. Com a concepção do presépio, ainda em obras, visivelmente, nas Mãos de Deus a cidade está. Até o final dos tempos.


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Por Alberto Sena - 16/5/2011 08:40:52
Para retribuir o amor de Irmã Beata

Alberto Sena

O texto ‘É tempo de homenagear Irmã Beata’ funcionou como uma pedra atirada ao lago. Mexeu com Roberto Lima, hoje morando às margens do Rio São Francisco, em Januária. Ele disse:
_ Sua crônica me fez, também, voltar ao passado, pois cheguei, aqui, pelas mãos da ‘nossa’ Irmã Beata, isto em 21 de agosto de 1948, pesando 5.200 e medindo 59 cm e, já, como ela disse a d. Lili, minha mãe, ‘com certificado de reservista nas mãos’. Vários são os privilegiados por chegar ao mundo pelas santas mãos da Irmã Beata. A notícia alcançou também Mírian Macedo. Ela não tem certeza se veio ao mundo pelas mãos da Irmã Beata, mas ficou de tirar a prova dos ‘nove fora’ com a mãe. De uma coisa ela tem certeza:
_ Irmã Beata é palavra doce que sempre ouvi dos lábios de minha mãe, Delvair. O texto, comovente, fez-me recuar no tempo. Senti saudades. Parabéns ao seu autor. Petrônio Silva quer ir mais fundo ao se interessar em obter relatos sobre a vida da freira holandesa, que em fevereiro de 2012 completará 100 anos da sua chegada em Montes Claros. Ele pergunta:
_ Existem milagres, ou no mínimo passagens fantásticas, relacionadas à figura de Irmã Beata? Vocês sabem onde eu consigo esses relatos? Em verdade, em verdade digo a todos quantos interessar possa: eu, particularmente, não sei de nenhuma história ‘fantástica’ relacionada com a freira, senão o fato de ela ter feito o parto da minha mãe, Elvira. Nasci pelas mãos dela, que, como já contei, achou-me ‘um menino lindo’ e queria porque queria ficar comigo, mas minha mãe reagiu prontamente. Contra, claro! Mas, seria interessante se as pessoas nascidas pelas mãos da Irmã Beata se manifestassem, porque em dezembro deste ano fará 100 anos que ela chegou ao Brasil. Depois de tudo que ela fez em Montes Claros pode-se concluir que Irmã Beata nasceu na Holanda por um acidente geográfico. Ainda bem que ela teve tempo suficiente para nascer de novo, em Montes Claros, que lhe prestou homenagem ao dar o seu nome à praça em frente da Santa Casa, onde ela passou os seus dias, inclusive com o busto dela feito em bronze.
_ Eu nasci pelas mãos dela – disse o escritor e poeta Augusto Vieira, o Bala-Doce, considerado chanceler da República do Pequistão, no FaceBook. E ele arrematou:
_ Tenho o maior orgulho disto! Aracy Cavalcanti se apressou em deixar o comentário dela, dando apoio à sugestão de prestar uma grande homenagem à Irmã Beata, que, em verdade, trouxe ao mundo várias gerações de montesclarenses. Ela revelou:
_ Eu também nasci pelas suas santas mãos. Minha mãe contava que ela era ‘boníssima, alegre, carinhosa, caridosa e tratava todos com muito carinho’. Thaís de Oliveira lamenta o fato de não ter tido ‘este privilégio’ de ter nascido pelas mãos da Irmã Beata:
_ Mas me lembro que, quando criança, minha mãe também falava muito dela, ‘uma pessoa santa, maravilhosa, carismática, bondosa que ajudava a todos que precisassem dela’. Escutei da minha mãe vários milagres dela feitos na Santa Casa. Ela ficou na minha memória e tenho o maior respeito por ela. A intenção nossa – minha e de todos que aqui dão a sua opinião – é provocar uma grande homenagem à Irmã Beata. É de se esperar que a direção da Santa Casa, onde Irmã Beata prestou os melhores serviços, se desperte para a necessidade de comemorar o centenário da chegada da freira a Montes claros. Tempo suficiente para a preparação há. Resta saber se há interesse de demonstrar a ela essa gratidão. Para Thaís de Oliveira ‘será maravilhoso prestar essa homenagem à Irmã Beata’ e ela acrescentou ao comentário:
_ Nossas mães todas estarão presentes, alegres, orgulhosas de terem tido seus filhos com a Irmã Beata e confraternizando umas com as outras todas as passagens que tiveram com ela. Acho que todos deviam contribuir para a realização deste evento. Essa idéia é como se fosse um renascimento de uma filha no tempo, agora Irmã Beata. Certamente, ‘será maravilhoso’, disse Thaís, Montes Claros prestar homenagem a Irmã Beata, uma maneira de retribuir o amor e a dedicação dela ao cuidar de tanta gente num rincão tão distante da terra natal, a Holanda. E ela concluiu: ‘Todas as pessoas que Irmã Beata trouxe ao mundo devem contribuir para o sucesso desta homenagem que será feita, merecidamente’. Estamos movimentando a água do lago. E como disse Luís Carlos Novaes, ‘é como o catibum, as ondas vão criando outras ondas, que criam outras, e outras mais’.


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Por Alberto Sena - 11/5/2011 08:20:42
É tempo de homenagear Irmã Beata

Alberto Sena

Em dezembro deste ano vai fazer 100 anos que Wilhelmina Lauwen, chamada Irmã Maria Beatrix, mais conhecida como Irmã Beata, chegou ao Brasil. E em fevereiro de 2012 completa-se 100 anos que ela chegou a Montes Claros. Os integrantes da ‘República do Pesquistão’, grupo de montesclarenses e de simpatizantes de Montes Claros no FaceBook, acham que essas datas são suficientes para a cidade promover uma grande homenagem a Irmã Beata por tudo que ela fez desde a chegada a Montes Claros até a sua morte, em 1952. Pelas mãos de Irmã Beata gerações de montesclarenses nasceram e muitos deles estão vivos para defender essa manifestação como justa homenagem e reconhecimento pelos inestimáveis serviços prestados por ela. Simone de F. Xavier não nasceu pelas mãos da Irmã Beata, mas imagina ser ‘uma honra’ ter vindo ao mundo pelas mãos dela, o que aconteceu com o cronista Raphael Reys. Ele conta: quando era menino levava um conjunto de termômetros importados que o pai dele trazia de Santos à Santa Casa sempre que os de lá quebravam. ‘Pra mim era um momento de glória, poder levar o kit e entregar nas santas mãos dela e receber a bênção!’ Isso aconteceu, segundo ele, nos bons anos de 1953/ 54/ 55. Ela foi a personagem que mais trouxe ‘enlevo a minha infância’. Conta Raphael, que cresceu ouvindo as mães narrarem histórias da bondade dela, dos seus milagres, ainda em vida. ‘Era ponto de honra para as famílias de então, que fosse ela a fazer o parto de uma grávida’, lembrou. Missionária holandesa, Irmã Beata era superiora da ordem e diretora da Santa Casa de Caridade de Montes Claros, na época, uma ‘extensão da igreja católica’. As pessoas costumavam dobrar os joelhos em sinal de respeito ao pedir a ela a bênção. Raphael atribui ao folclore local o comentário de que o artista plástico Konstantin teve um sonho com a beata, no qual ela lhe encomendou as telas azuis que estão expostas no primeiro andar da Santa Casa. ‘Ele não se fez de rogado, cumpriu o trato onírico’, disse. Foi então que Konstantin ‘eternizou a imagem estilizada e protetora da irmã, nos legando a escultura, exposta no jardim em frente ao hospital’, disse Raphael. Consta ainda: ela, mesma post-mortem, fizera o parto de uma necessitada que aguardava aflita uma vaga na maternidade. A jornalista Mara Narciso afirma ter entrevistado várias pessoas que se relacionaram com a Irmã Beata e montou um quebra cabeças. ‘Embora ela tenha morrido em 1952, as lembranças dela ainda são tão nítidas nessas pessoas, que imagino ter sido ela bem mais do que uma freira dedicada, alguém muito inteligente e iluminado’, concluiu Mara. No caso de Virginia Abreu de Paula, nascida pelas mãos de Irmã Beata, o que aconteceu foi peculiar: ‘Ela me chamou de diabinha. É que eu demorei muito a respirar; alguma coisa parecia errada comigo; tiveram que me dar tapas mais fortes que o normal e mesmo assim... Finalmente, respirei’. Então, Irmã Beata entregou Virgínia à mãe dizendo: ‘Essa diabinha nos deu o maior susto’. Virginia conta que o pai, Hermes de Paula, admirava tanto Irmã Beata que colocou o nome de Valéria Beatriz na sua primeira filha, em homenagem a ela. Virginia hesitou por alguns instantes, mas enfim contou o que considerou ‘uma falha’ de Irmã Beata, causada pelos antolhos do rigor religioso: ‘Não atendia mães solteiras, argumentando estarem elas em pecado’. Homenagear em dezembro a Irmã Beata ao completar 100 anos da chegada dela ao País pode ser bom motivo para chamar a atenção de Minas e do Brasil com um tema fora dessa rotina de violência que se abate sobre Montes Claros e lhe destrói a outrora fama de cidade pacata. Recentemente, o jornalista Waldyr Senna, em artigo chamava a atenção para o fato de Montes Claros `copiar o Rio de Janeiro’. Mas no que há de pior: ‘O crime’. Se os montesclarenses de boa vontade acatam a sugestão de homenagear a Irmã Beata com uma grande festa, pelo menos por certo tempo, é possível que as principais manchetes dos veículos de comunicação da cidade sejam de paz. Sob as bênçãos dos céus canalizadas por Irmã Beata, a holandesa mais montesclarense que a cidade já gerou em todos os tempos.


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Por Alberto Sena - 9/5/2011 16:48:55
O amor platônico de Niro

Alberto Sena

A casa da Rua São Francisco, em Montes Claros, não tinha a quantidade de árvores frutíferas no quintal como tinha a casa da Rua Marechal Deodoro, mas possuía também o seu lado mágico. Só que desta vez não vou falar do quintal, mas da frente da casa.
Construída em estilo colonial recuada do alinhamento da rua, a casa tinha uma área de terra vermelha logo depois da calçada de pedras azuis. Meninos de calças curtas e pés descalços, nós jogávamos bolinha de gude e finca ali quando era chegado o período das águas.
Do lado esquerdo da casa ficava o açougue de ‘seu’ Nilo, marido de dona Geralda, bem na esquina das ruas São Francisco e Corrêa Machado. A casa dele ficava na Rua Corrêa Machado e éramos vizinhos de quintais.
No quintal de d. Geralda havia dois pés de caju. Um deles era de caju amarelo e o outro de caju vermelho. De vez em quando ela nos mandava bacias de caju, maior delícia!
Do lado direito da nossa casa ficava a da avó de Teófilo Louro. Na casa seguinte morava Agostinho com o avô dele, e na outra, os irmãos Xeba e Dener com os pais. Eram marceneiros. Mais adiante moravam Jurandir e Carlinhos, numa casa de cor verde; esta, recém-construída já seguia o alinhamento da Rua São Francisco.
Em frente a nossa casa, num terreno mais recuado, morava a família de Niro. O pai dele era mecânico. Niro hoje trabalha numa TV de Montes Claros. Ele é de sorriso fácil. Há muitos anos não o vejo.
Niro todo dia a certa hora voltava para casa com a roupa suja de graxa e óleo. Mecânico gosta de vestir roupa suja de graxa, assim como o pintor de telas como Picasso, Salvador Dalí e Cândido Portinari, imagino, deviam gostar de ficar com as roupas sujas de tinta.
Niro alimentava amor platônico por minha irmã, Célia. Se muito, ela devia ter 12 para 13 anos de idade. De fato, era uma adolescente linda! Tinha os cabelos claros, os olhos esverdeados, o sorriso bonito. Era uma menina que chamava a atenção.
Não era só Niro que me chamava de ‘cunhado’, querendo com isto dizer que namorava Célia. Ela tinha muitos pretendentes. Mas de fato não namorava.
Primeiro porque naquele tempo uma menina da idade dela era nova para namorar. Depois porque o pai dela, quer dizer, o nosso pai, era bravo. Era daqueles que ficavam de olho nas filhas. Eram seis. Atualmente são cinco. Célia não está mais no meio de nós.
Niro era um dos meus melhores amigos. Tanto ele como eu éramos exímios jogadores de bolinha de gude. E porque dizia que queria namorar Célia, me bajulava achando que eu pudesse facilitar as coisas para ele. Se muito eu devia ter uns sete anos de idade e ele uns 15 anos. Ele me enchia de bolinhas de gude e sempre tinha um tempinho para jogar finca comigo.
Em frente ao açougue de ‘seu’ Nilo havia um pé de manga ‘sapatinho’, em Montes Claros chamada de ‘manga comum’. Havia ali algumas casinhas e uma delas era ocupada por d. Boneca. Ela gostava de ouvir rádio em volume alto. Eram boleros, tangos e canções interpretadas por Ângela Maria, ‘A Rainha do Rádio’ e Nelson Gonçalves, que gostava de dizer: ‘Comigo é no gogó!’
Em frente à casa de d. Boneca, já na Rua Corrêa Machado, ficava a casa dos irmãos Renê, Luís, Elias e Muzinho. A família, a partir do pai, trabalhava com ônibus.
Desde cedo, Muzinho e eu brincávamos de carrinhos de madeira com rodas de carreteis. Eu ficava encabulado com a pantomima de Muzinho imitando com uma quase perfeição o ronco do caminhão confeccionado em madeira inteiriça, as rodas de carreteis.
Muitos anos depois, adulto e morando em Belo Horizonte soube que Elias ganhara a vida eterna e Muzinho se tornara motorista. Não sei se ainda continua motorista, mas ele tinha tudo para sê-lo.
Uma vez, no ano de 1966, com os meus 17 anos, ponta direita do juvenil do Casimiro de Abreu, mais conhecido como ‘time de Bonga’, fomos ao Rio de Janeiro enfrentar o juvenil do Botafogo, em General Severiano. Quem nos levou foi Luís, num ônibus da empresa do pai dele.
Na viagem de ida e de volta tínhamos a impressão que o ônibus já conhecia palmo a palmo o asfalto da estrada do Rio de Janeiro, porque nas curvas os pneus cantavam que era uma beleza!
Durante a viagem toda ficamos com o cotovelo apertadinho, com medo de o ônibus tombar na próxima curva e rolar abismo abaixo.


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Por Alberto Sena - 2/5/2011 09:11:51
Reflexão sobre o crime e a mídia

Alberto Sena

O artigo assinado pelo jornalista Oswaldo Antunes – ‘A mídia e o crime’ – teve num átimo o condão de me transportar de volta à década de 1970. Naquela ocasião, na cobertura de polícia para o jornal Estado de Minas, trabalhava sob a direção de Wander Piroli, que além de jornalista egresso do combativo jornal Binômio, era escritor, um dos mais importantes da literatura brasileira, autor de livros como ‘A mãe e o filho da mãe’, ‘Minha bela putana’ e outros mais.
As pessoas não conseguiam entender como um escritor da estatura de Wander Piroli era ‘editor de polícia’ do jornal Estado de Minas. Havia um surto literário em Minas, pois além de Wander surgiram, para a nossa alegria, escritores como Oswaldo França Júnior, Roberto Drummond, Luís Vilela, entre outros, figuras sempre presentes ali na editoria de Polícia do antigo ‘jornal dos mineiros’.
Em companhia de repórteres como Fialho Pacheco, ele, que acabara de fechar acordo tácito com a imprensa para deixar de publicar ocorrências de suicídios, e Paulo Narciso frequentei muito o Departamento de Investigações da Polícia Civil, em Belo Horizonte, na Lagoinha. Naquela época, não havia as seccionais. Com exceção da Delegacia de Furtos e Roubos, todas as demais funcionavam ali na Lagoinha.
No dia a dia era uma correria só; um subir e descer escadas à cata de notícias e muito mais ainda atrás de um furo de reportagem. Naqueles dias o furo de reportagem estava em voga. Hoje nem tanto, com essa facilidade de comunicação, todos os jornais têm a mesma cara e noticiam os mesmos acontecimentos.
Ali, onde também funcionava a masmorra batizada de ‘Depósito de Presos’, vimos de quase tudo que se podia ver num lugar para onde se afunila o que há de pior na sociedade: os assassinos, os ladrões e assaltantes, os estupradores etc.
De um dia para o outro ali estava eu, acostumado a cobrir ocorrências policiais em Montes Claros, onde ‘até cachorro anda devagarzim’, segundo concluíra um dos meus filhos, aos dois anos de idade.
Com o tempo pude perceber toda a carga negativa dessa cobertura de polícia. Se antes os jornais publicavam as ocorrências policiais mais para mostrar aos cidadãos como não se deviam comportar em sociedade, porque podiam ser presos pela polícia e ter o nome escrachado no jornal, logo tudo mudou. Pude perceber que não só a publicação de suicídio estimulava a ocorrência de outros casos semelhantes.
Entrevistei várias pessoas no dia a dia e no final entrava com a pergunta fatal: ‘Por que você fez isto’. Vários foram os casos em que ouvi a resposta: ‘Um amigo fez isto, apareceu na TV e a foto dele foi publicada no jornal e eu também queria a mesma coisa’. Uns querem aparecer bem, mas em meio à sociedade há quem queira aparecer a qualquer preço. São os doentes de patologias várias no meio de nós.
Quando aconteceu o massacre de Realengo, no Rio, eu disse à Cynthia Bernis, integrante da ‘República do Pequistão’ no âmbito do FaceBook, sobre o perigo de a mídia fazer justamente o que acabou fazendo em relação ao caso. O autor dos disparos, cujo nome me recuso a publicar, acabou sendo mostrado de quase todos os modos. Para as mentes doentias, que precisam de um estímulo a fim de mostrar sua loucura, o que fizeram com o atirador é um prato cheio.
Mas foi lá atrás, na década de 1970, quando o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG) lançou o jornal ‘Pauta’, que, como repórter da Editoria de Polícia do Estado de Minas, e um dos ganhadores do Prêmio Esso de Jornalismo de 1977, com o ‘Caso Jorge Defensor’, me convidaram para escrever sobre os rumos da cobertura de polícia na mídia.
Escrevi o artigo e enfatizei justamente isto: ‘a cobertura de polícia na imprensa, da maneira como é feita, estimula outras ocorrências semelhantes’. Lembro-me bem de que o então Editor Geral do Estado de Minas, Cyro Siqueira, estranhou a minha observação. Considerou-a ‘uma incoerência’ da minha parte, como ‘repórter de polícia que era’, coisa que nunca fui.
Naquela ocasião, eu era um simples repórter. A cobertura de polícia era – como foi – uma função eventual. Cumpri minha pena. Mas continuo repórter, sempre.


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Por Alberto Sena - 25/4/2011 08:34:11
Uma formiga pede socorro

Alberto Sena

A meteorologia anunciava ‘tempo bom’, mas nas margens do Rio Verde, a poucos quilômetros de Montes Claros, o céu estava parcialmente coberto de nuvens e o sol dava as suas escapadelas, sem se firmar. Mesmo assim valia a pena estar ali na prainha do rio simplesmente porque o lugar é agradável e gostoso de ficar um dia inteirinho ouvindo o som orquestrado pelo rolar das águas e o bulício das folhas das árvores tocadas pelo vento.
Na noite anterior nós não havíamos dormido direito, alguém próximo de casa cismara de ouvir som alto até o raiar do dia, e também o fato de ter de acordar cedo para pegar a estrada, além de questiúnculas domésticas. Apesar de tudo isto, a viagem de ida e volta foi boa. Era véspera de Sexta-Feira da Paixão.
Como dizíamos, estávamos na prainha do Rio Verde sentados numa pedra quando o olhar bateu numa formiga aflita. Ela se encontrava numa outra pedra com água por todos os lados, verdadeira ilha.
O que mais chamava a atenção era a pergunta: ‘como essa formiga foi parar aqui?’ Não havia explicação lógica para aquela situação.
De toda maneira ela tentava em vão escapar e não via saída. Ia por um lado até a linha d’água e voltava. Ia para o outro lado e dava com a cara n’água. Subia ao topo da pedra e como suricato, em pé nas pontas das patinhas traseiras para ficar mais alta, buscava saída, mas não havia como sair dali sem ajuda.
Se não estivéssemos ali, certamente a formiga morreria estorricada pelo calor do sol ou do seu reflexo na pedra, ou esbaforida de cansaço de tanto subir e descer a pedra. Pelo que sabemos, formiga não nada. E ademais, se ela caísse n’água seria imediatamente tragada por uma piabinha.
De repente nos vimos bastante ocupados com o problema da formiga. Com tanta coisa particular e o próprio mundo em convulsão, nós ali estávamos de certo modo aflitos também para resolver um problema de vida ou morte de uma simples formiga.
Não era o caso de pegar a formiga com a mão e colocá-la em algum lugar seguro. Ela era grande e diferente do padrão que estávamos acostumados a ver. Não era uma saúva. Não. Saúva é avermelhada e essa era esverdeada e mais comprida que a saúva. Podia ser da espécie Triplaris americana, formiga de bosque. Pensamos, inclusive, no risco de levar uma picada de formiga desconhecida; é ruim não é?
O melhor meio disponível ao nosso redor era capim. Duma moita retiramos uma haste seca e foi com ela que socorremos a formiga. Ela subiu no capim seco o mais rápido que pôde e o percorreu de uma ponta a outra, chegando a subir na nossa mão. Logo lhe oferecemos o capim de novo e ela subiu nele quase num pulo.
Tivemos que segurar a haste, ora com uma mão ora com a outra, a fim de impedir a formiga de subir novamente na nossa mão. Alcançamos uma árvore próxima, cuja folhagem caía dentro d’água e foi nela que colocamos a formiga e ela subiu imediatamente.
Ficamos observando-a correr pelo galho da árvore como se tivesse atrasada para importante compromisso, até ela sumir das nossas vistas.
Ela se foi, mas a imagem dela aflita ficou conosco por algum tempo. Tempo suficiente para nos lembrarmos de uma experiência recente feita por um grupo de mirmecologistas, profissionais que estudam formigas (Mirmecologia é derivada da entomologia, matéria que estuda os insetos).
Os mirmecologistas escolheram um grande formigueiro abandonado e injetaram nele muitos quilos de cimento se utilizando de uma bomba do tipo betoneira. Ficaram impressionados com a quantidade de cimento que tiveram de injetar, e mais impressionados ainda ao escavarem a terra, com todo o cuidado como fazem os paleontólogos em busca de esqueleto de dinossauro.
Depois de horas de escavações veio a surpresa: as formigas construíram verdadeira metrópole debaixo da terra, parecida com a imagem dos nossos neurônios. Como já se sabia, elas formam sociedades exemplares, onde tudo funciona bem.
Depois desta ‘pseudo dissertação mirmelógica’, a conclusão: se nós humanos seguíssemos a filosofia de vida das formigas, sem dúvida, o mundo seria hoje, digamos, algo parecido com a ideia que cada um de nós tem de paraíso, não é verdade?


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Por Alberto Sena - 18/4/2011 18:38:04
O 2º Almoço Curraleiro foi um show

Alberto Sena

Era meio dia e meia hora de sexta-feira, 15 de abril. No interior do restaurante a quilo Mineirinho, na esquina das ruas Turfa com Turquesa, no Bairro do Prado, em Belo Horizonte, o cronista Raphael Reys, de Montes Claros, espichou o pescoço e fez sinal com a mão. Com ele se encontrava a jornalista Genoveva Ruisdias.
O restaurante estava movimentado àquela hora. Era muito mais fácil quem estava do lado de dentro ver quem chegava do que alguém do lado de fora procurar quem estava no meio do restaurante cheio.
Raphael bebia água tônica com limão e Genoveva sorvia cerveja Original. Ele falou an passant dos quatro livros que tem em casa, um deles de título já conhecido, ‘Os caminhos da alma’, dois volumes, e que travam luta corporal para não dizer ‘livral’ uns com os outros, cada um querendo ser o primeiro a sair da gaveta.
Até aqui, concluiu ele o óbvio nos dias de hoje, o mais difícil de tudo é editar os escritos.
Rapha deu notícias de Virgínia Abreu de Paula, filha do médico e historiador Hermes de Paula. E falou da participação e das iniciativas dela para obrar um projeto literário que por enquanto não pode ser divulgado, mas o será no momento oportuno.
Fazia uma data não encontrava Genoveva. Cada um falou do que fazia ou não fazia atualmente. Foi uma oportunidade para lembrar os tempos bons do jornalismo na redação dos jornais Estado de Minas e Diário de Minas, onde cada um trabalhou por bom tempo. E dos velhos e combativos tempos do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais onde ela militou e tencionava voltar.
Foi quando chegou o coronel Tininho Silva acompanhado de Cláudia Cardoso, que escreveu ‘Mulher pelo avesso’. Tininho, poeta perspicaz dotado de melancolia criativa recentemente dizia ter dado descanso ao inseparável chapéu de panamá, e naquela sexta-feira reapareceu com ele. Logo chegou, também, os escritores Leonardo Campos e Augusto Vieira, o nosso Augustão Bala-Doce, com toda a sua verve literária. Pediu ao garçom uma dose de uísque e mandou bala nas conversas, ora com um ora com outro.
Mas foi depois que Chico Ornelas chegou que os disparos de flashs começaram a acontecer. Leonardo Campos sacou também da sua câmara fotográfica e foi pegando uns e outros e quase todos juntos em flagrante.
Não se pode dizer que os flashs eram disparados na mesma frequência e intensidade como disparam os fotógrafos na direção de Tom Cruise e Angelina Jolie durante apresentação de seus filmes. Se a comparação fosse feita seria exagero.
Este foi, segundo o inventor, Raphael Reys, o 2º Almoço Curraleiro de Montesclarenses e simpatizantes. Simpatizantes porque sabemos: há aqui e em todo lugar uma pá de gente que gostaria de ter nascido em Montes Claros. Entre nós há muitas pessoas que são conhecidas como montesclarenses e não o são. Nasceram noutro lugar e criaram raízes na cidade e devido à relação simbiótica com a terra, ganharam o verniz do sertanejo expresso no pó da terra vermelha e no bom gosto de gostar de roer pequi.
Enquanto acontecia o movimento rotineiro do restaurante Mineirinho, uma mesa – uma não três porque o garçom juntou-as para receber esse ror de gente – chamava a atenção: a nossa. Com toda certeza, muita gente esfomeada ali se conteve para não se aproximar e pedir autógrafos aos integrantes de tão esplendorosa mesa. Mas ninguém ousou dar o primeiro passo.
A atmosfera intelectual tomou conta das conversas. Foi lembrado até mesmo o caso do jogador Ronaldinho Gaúcho, que recebeu a medalha Machado de Assis, mais importante da Academia Brasileira de Letras, sem nunca ter lido sequer um livro. A ABL, não se sabe por que cargas d’água deu de homenagear o Clube de Regatas Flamengo só porque o escritor José Lins do Rêgo era flamenguista e completaria 100 anos se vivo fosse. Na ocasião, o autor de ‘Flamengo é puro amor’ recebia homenagem, póstuma.
Foram à ABL a presidenta (agora, presidenta está em moda) do Flamengo acompanhada do técnico Luxemburgo e Ronaldinho. Houve quem comentasse que a ABL marcou gol de letra contra e Ronaldinho marcou gol de letra sem nem ter intimidade com essa bola, quer dizer, com a leitura, conforme confessou em entrevista, e com certeza menos ainda com a escrita.
E desse modo se concluiu depois de umas três horas de reunião de almoço curraleiro travado em pleno Bairro do Prado: certamente foi mais importante e interessante do que as quase nunca divulgadas reuniões da ABL com os seus vetustos imortais muitos mais mortais naturais se considerada a idade cronológica de cada um.
O movimento no restaurante diminuía e foi nesse momento que todos perceberam: se cada um não arredasse a bunda da cadeira para se servir, não se esquecendo da papeleta onde uma moça anotava o que cada um consumia, se demorasse um pouco mais, não iria encontrar mais comida. Foi quando alguém disse: ‘Corramos, pois, senão as crianças comem tudo’.
Foi depois que todos tinham se servido que Cynthia Bernis e Walter Navarro chegaram. Ela cumprimentava a cada um e foi fotografada por Chico Ornelas. Nos momentos seguintes, as conversas se cruzaram. Leonardo conversava com cada um, enquanto Augusto mandava bala de todos os sabores e gostos no seu modo de contar os casos e de se indignar com as coisas que o incomodam e incomodam a todos os cidadãos.
Walter Navarro, colunista do jornal O Tempo se mostrou tímido pessoalmente, nada parecido com o jornalista autor de textos publicados as quintas-feiras, onde ele rasga o verbo, e se autodenomina ‘canalha’, o mais desbocado e o melhor colunista da imprensa escrita. Ele deve ser lido nas linhas e nas entrelinhas.
Tininho se lembrou de Joel Antunes, que hoje mora em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Disse que a qualquer momento Joel, irmão de Murilo Antunes, deve voltar a viver em Belo Horizonte. Disse que quando Joel retornar vai pedir a ele para fazer o vatapá que a mãe dele fazia, desde Pedra Azul, passando por Montes Claros e Belo Horizonte.
Leonardo deu um rápido passeio pelas observações das incompreensões da alma e do coração e por algum momento mergulhou na paleontologia e antropologia que são temas muito do interesse dele. Falou de si mesmo, como da necessidade de parar de fumar.
Assim como Winston Churchill, que considerava o ato de ‘parar de fumar’ a coisa mais fácil, tanto é que ele dizia ter parado ‘mais de mil vezes’, Leonardo também acha que é fácil e nesta segunda-feira, por ser o segundo dia da semana e o primeiro considerado ‘útil’, como se o sábado e o domingo fossem inúteis, ele iria largar de fumar outra vez.
É preciso dizer: muitas outras coisas aconteceram durante este 2º almoço e muito mais assuntos foram tricotados, mas todos hão de convir que não é possível tratar de todos os temas sem tornar a leitura longa demais.
Para fechar este encontro com chave dourada, o importante é dizer a todos os que foram e os que não foram: o 3º almoço será ainda melhor, assim como o 2º foi melhor que o primeiro, realizado no Mercado Central. Lá no mercado, apesar de toda aquela movimentação de gente, do calor fedazunha e do ranço naturalmente impregnado naquelas paredes, mesas e cadeiras, o almoço foi bom.
Mas no Mineirinho, repetindo, foi melhor. E o 3º, mesmo não se tendo a menor ideia de onde acontecerá, será melhor ainda. Até lá, que ninguém morra de fome de tanto esperar esse dia chegar.


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Por Alberto Sena - 11/4/2011 09:35:57
Assim caminha a desumanidade

Alberto Sena

Ainda bem que o tempo passa rápido. Aqui, em Montes Claros ou em qualquer parte do globo terrestre. Imagine se o ser humano vivesse 500 anos? Suportar a vida humana no compasso em que vai – e como sempre foi – de fato, o inferno é aqui mesmo. Basta recorrer aos escritos mais antigos, a própria Bíblia, o Antigo Testamento, o que mais se lê são os conflitos, as guerras, um morticínio danado. O que mudou de lá para cá? Só as armas. Nos tempos de antanho as guerras eram no corpo a corpo, sangrentas mesmo. As de hoje são piores porque matam muitos em menos tempo e tomamos conhecimento por meio do noticiário da mídia, que nos dá fragmentos apenas de uma guerra fratricida, como fratricidas sãos todas as guerras, como as que de longe assistimos – Iraque, Afeganistão, Líbia etc. O planeta Terra é lindo. Até agora o telescópio Hubble não encontrou nada parecido com a Terra. As atuais fotografias do nosso planeta superam muitas vezes a famosa frase de Yuri Gagárin, o russo que pela primeira vez nos revelou: ‘A Terra é azul’. Uma atmosfera a envolve assim como nuvens que se transformam em chuvas e caem sobre a Terra, fertilizam o solo e se tornam rios de água doce (e salgada do mar) que mata nossa sede. A Terra tem belas praias, lindos e misteriosos rios caudalosos e florestas maravilhosas mágicas como a Amazônica e o Cerrado onde se situa Montes Claros; animais quadrúpedes em quantidade; pássaros multicoloridos que vivem em paz, sujeitos as regras naturais dos predadores. Apesar de toda a beleza que Deus nos deu, somos capazes de inverter a ordem divina. Vamo-nos matando uns aos outros assim como Ele nunca, jamais, em tempo algum nos ensinou. Vamo-nos esquecendo ou relegando os valores verdadeiros que dão ao homem e a mulher a melhor direção. E assim estamos gerando uma sociedade cada vez mais monstruosa, com filhos dotados de patologias várias, indivíduos como o assassino de uma dúzia de crianças e outras tantas feridas por ele. Esse indivíduo chocou o Brasil e o mundo ao exteriorizar toda a sua loucura, utilizando-se de um revólver para matar. Mas há aqueles que, sem querer fazer comparações, matam muito mais. São muito mais loucos porque utilizam de uma caneta para sarcasticamente determinar o fim ou a escravidão de milhares, senão milhões de crianças esfomeadas e sem futuro. Qual a diferença entre Saddam Hussein e George Walker Bush senão o fato de um ter sido duas vezes presidente dos Estados Unidos e o outro ter dirigido o Iraque com mão de ferro? Por que até hoje Bush não teve o mesmo destino de Saddam? Milhares aqui e milhões de crianças no mundo afora morrem de fome. As que resistem crescem analfabetas. Ignoram os hábitos básicos de higiene. Tantas são as carências e as injustiças, e devemos incluir neste rol tudo aquilo que sobra ou é desperdiçado onde se tem muito do que falta para quem pouco ou nada tem. Para retomar o mote deste monólogo, a fim de costurar e dar mais sentido a este texto imagine se diante deste quadro mal pintado e bordado o ser humano tivesse a capacidade de viver 500 anos. Seria um horror! As pessoas teriam tempo suficiente para quintuplicar a maldade humana. A não ser que o indivíduo no percurso desse caminho longo tivesse a capacidade de desnudar-se do egoísmo, o sentimento que gera todos os demais. A não ser que o homem e a mulher descobrissem que foram feitos a imagem e semelhança de Deus, cuja centelha em cada um de nós assegura-nos a vida. O mundo então viveria em paz. E no nosso meio não haveria necessitados. Teríamos tempo para aprender que as divisões e as fronteiras impostas pelos seres humanos inexistem, são convencionadas de acordo com interesses diversos. Então a vida e a partilha de tudo que significa vida seria a prática diuturna. Assim nos valeria viver séculos. Entretanto, no compasso do passo da caminhada humana sobre a Terra, apesar de haver todo amor à vida, a maldade de aparente vitória nos faz pensar que Deus demora a pôr termo a tanta desumanidade.


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Por Alberto Sena - 4/4/2011 11:36:39
Morcego não é vampiro

Alberto Sena

O nosso sempre lembrado e comemorado Tião Boi, sapateiro que fez história ali na Rua Presidente Vargas, entre as ruas Dr. Veloso e Afonso Pena, nas décadas de 1960/70, ficava doente só de ouvir alguém pronunciar ‘sapo’ ou ‘jia’ perto dele. O corpo de Tião empolava todo na hora e o homem virava uma fera. Para tamanho asco por anfíbios de grande importância como são os sapos e jias, ele devia ter lá as suas razões. Mas certamente, Tião sabia que esses animais fazem parte de uma cadeia de outros animais úteis ao ser humano porque devoram insetos a nós nocivos com voracidade incrível devido a sua língua elástica. Conheço algumas pessoas que têm pavor a morcegos. E olhe que esses mamíferos alados da ordem Chiroptera mal nenhum fazem, a não ser os hematófagos, aqueles que vivem nas grotas longínquas, e são uma minoria, que transmitem a raiva. Esses voltam toda noite para chupar o sangue dos animais como cavalos e sempre na mesma ferida. Os morcegos representam um quarto de toda a fauna de mamíferos do mundo. Existem mais de mil espécies, eles só não ocorrem nos pólos, por motivos óbvios. Comem frutos, sementes, folhas, néctar, pólen, artrópodes, pequenos vertebrados e peixe. A contribuição dos morcegos à estrutura e dinâmica dos ecossistemas – são importantes polinizadores, dispersores de sementes e predadores de insetos – é fundamental. Sem os morcegos, que segundo estudiosos norte-americanos estão diminuindo na América do Norte, a agricultura do Tio Sam pode sofrer prejuízos de R$ 6 bilhões. Os números foram publicados numa recente edição da revista Science. ‘Muitos de nós, que temos conduzido pesquisas com morcegos ao longo dos anos, assumíamos e dizíamos que eles eram economicamente importantes [...], mas não havíamos percebido a magnitude do impacto dos morcegos na agricultura’, explicou Thomas Kunz, um dos autores do artigo. ‘Uma simples colônia de 150 morcegos marrrons (Eptesicus fuscus) em Indiana, Estados Unidos, come 1, 3 milhão de insetos que destroem plantações ao ano, o que traz uma economia considerável em pesticidas e outros métodos de controle de pragas’, ele disse. A diminuição da colônia de morcegos norte-americana preocupa os pesquisadores. Nos últimos anos, uma estranha doença, batizada de ‘síndrome do nariz branco’, e o aumento do número de turbinas de energia eólica vêm reduzindo o número deles. ‘Devido a estas ameaças combinadas, um declínio abrupto e simultâneo das populações [dos morcegos] está ocorrendo [..] em uma escala poucas vezes vista entre mamíferos’, afirmam eles no artigo. Enganam-se os que acham que a morte de morcegos seja uma questão apenas para a agricultura e as florestas da América do Norte. Kuns afirma: ‘Eles são importantes no Brasil como são nos Estados Unidos, no Reino Unido e em outros locais do mundo’. Os morcegos têm capacidade impressionante de se guiarem no escuro. Eles emitem ultrassons, o que foi descoberto em 1941. Essa capacidade os leva a evitarem os mínimos obstáculos. E conseguem localizar presas, por menores que sejam em pleno voo. Não foi à toa que inspiraram a invenção do radar. Quanto a isto, desde crianças, ali na Rua São Francisco, em Montes Claros, viciados em empinar papagaio até a noite, nós tivemos a experiência prática da fantástica capacidade dos morcegos de se orientarem. Eles, quando muito, tocavam de leve a linha, sem nunca a cortarem. As crianças mais traquinas agitavam bambus no meio da noite e matavam alguns, como as hélices das turbinas de energia eólica, nos EUA. Um grupo de pesquisadores norte-americanos fez uma experiência com os morcegos: puseram um exemplar dentro de uma sala escura cheia de fios de aço atravessados. Reproduziram caoticamente gravações de sinais sonoros emitidos pelo próprio morcego que sofria a experiência. O bichinho não se confundiu nem mesmo com os seus próprios sinais. Com base no exposto aqui, quando o nobre leitor se encontrar cara a cara com um morcego, não faça escândalo. Trata-se de um bicho de grande utilidade. Acenda a luz e ele irá embora. E jamais suba em mesa só porque viu correndo na parede da sala de sua casa uma daquelas lagartixas transparentes. Se a bichinha apareceu ali é porque encontrou comida. Lagartixas são predadores de insetos. Sapos, jias e morcegos também.


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Por Alberto Sena - 28/3/2011 09:05:59
Em defesa do cerrado

Alberto Sena

Confesso que não sei se o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, se retratou da bobagem que falou recentemente sobre a expansão da fronteira agrícola nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia: ‘Lá não tem nada, só Cerrado’. Na minha singela opinião, um comentário deste saído da boca de um ministro da Agricultura é atestado de despreparo para a função. O Cerrado é um bioma dos mais importantes do mundo. Segundo os entendidos, o Cerrado possui mais biodiversidades que a floresta Amazônica. O Cerrado é riquíssimo de frutos, como o pequi, araticum, pitomba, cagaita, coco macaúba, mangaba, buriti, jatobá, araçá, umbu, jenipapo, murici, gabiroba, tarumã, baru, marmelada de cachorro, seringuela, entre outros. Frutos esses que estão sendo difundidos cada vez mais, e por isto obteem valor econômico e servem de ganha-pão para uma massa grande de famílias sertanejas. O Cerrado brasileiro, onde a cidade de Montes Claros está plantada, é, pode-se dizer, quase que único, pois existe um pouco na Venezuela e outro pouco menor ainda na África. Trata-se de um bioma sensível, frágil, e as notícias que nos chegam dão conta de que o País já perdeu mais da metade do Cerrado para agricultura e pecuária de corte. O Cerrado ocupa 24% do território nacional, informa a especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB, jornalista Renata Camargo. É responsável por 5% de toda a biodiversidade mundial. É berço de nascentes dos principais rios das bacias da Amazônia, do Prata e do São Francisco. Isto só já bastaria para levar o ministro a se retratar e auxiliar na execução de uma política de ocupação racional do Cerrado, com foco na preservação. Principalmente diante da preocupação crescente em relação à escassez de água. A ocupação urbana e a expansão ostensiva das fronteiras agropecuárias se tornaram um perigo constante para o Cerrado. Dados da Conservation International Brasil (CI-Brasil) dão conta de que pouco mais de 2 milhões de km2 de vegetação original do Cerrado restam no Brasil, o correspondente a 20%. Os pesquisadores concluem que se a destruição do bioma seguir nesse ritmo acelerado, até 2030 o Cerrado corre o risco de desaparecer. A cada minuto, quase três campos de futebol são desmatados no Cerrado, segundo a CI-Brasil. Aqui, com os meus botões: nós, montesclarenses, já tínhamos de estar nas ruas em passeata na defesa do Cerrado. Principalmente agora que uma parcela da população ganhou experiência em matéria de passeatas ao sair às ruas protestando contra a administração do prefeito Luiz Tadeu Leite. É preciso haver uma mobilização e reação popular também para barrar a destruição do Cerrado. O Norte de Minas será drasticamente atingido porque, com o fim desse bioma desaparecerão as veredas – potencialmente, as veredas são futuros rios – que alimentam o Rio São Francisco. A frase infeliz do ministro é sinal de que essa política de expansão devastadora de um dos biomas mais importantes do mundo é, como se diz por aqui, ‘de caso pensado’. Recentemente, ele só repetiu o que ouve dizer que é para deixar fazer. As conseqüências dessa política, que só enxerga os cifrões, não são computadas. O mal que isto pode fazer às gerações atuais e as que virão é sem tamanho. Como bem chama a atenção a jornalista Renata Camargos, ‘o Cerrado precisa deixar de ser tratado como moeda de troca, em que se propõe a preservação da Amazônia, em troca da permissão para abrir novas fronteiras no Cerrado. Não há mais como condicionar as decisões políticas com base nesse pensamento que mais deriva do século XIX’. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou um dado capaz de alarmar qualquer pessoa dotada de siso: ‘Quase metade da área original de Cerrado não mais existe; mais de 986 mil km2 dessa vegetação (48,37%) foram desmatados até 2008’. Vai chegar a hora, e essa hora já chegou, que os cidadãos devem estar conscientes do risco que cada um e todos juntos corremos. Se não encontrarmos um meio de vivermos em harmonia com o planeta, em tempo muito curto, a Terra estará sem ninguém.


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Por Alberto Sena - 21/3/2011 10:49:09
Uma estrela vagalumeia no céu

Alberto Sena

Numa noite do ano de 1983, em Montes Claros, Mané Quatrocentos foi arrebatado por plêiades do agrupamento das sete estrelas visíveis a olho desarmado, as do aglomerado galáctico aberto situado na ‘Constelação do Touro’. Sem que ele soubesse, evidentemente, as plêiades teceram meticulosa rede de luzes e abduziram-lhe a alma. Enquanto o fenômeno acontecia, igual na fita de cinema, Mané não tinha clareza dos acontecimentos. Na cabeça dele passava a seguinte questão: ‘Quem apagou a luz do mundo?’ Mané não sabia aonde se encontrava. Mas sentia-se flutuar, suavemente, como a pluma navega as águas do ar. Nesse momento, mesmo se ele tivesse um rasgo de consciência, não seria capaz de distinguir o enlace das plêiades. Deslumbrado com as luzes, Mané refletia aos borbotões e considerou-se envolto por miríades de vagalumes. E enquanto sentia o enlevo da alma, ele apreciava do alto os cupins do sertão forrados de reluzentes insetos incandescentes.
Uma noite de luzes e de festa. Convidados, os ricos e os miseráveis, os negros e os brancos, os feios e os bonitos, os atletas e os portadores de deficiências, todos envergavam roupas de gala. Ao fundo se ouvia a batucada dos catopés e a cantoria das pastorinhas. E Mané se foi distanciando de sua relação telúrica com o planeta. A caminho da vida plena, não tinha noção de que vivia o derradeiro sonho. A alma de Mané foi ocupar o lugar que lhe é de direito em algum ponto do alto cosmo. Há quem esteja certo de que a estrela, aquela que na madrugada emite luz parecida com o pisca-pisca de vagalume, seja ele. Mas certo tempo antes do encantamento de Mané, Raquel Chaves, iniciava romance com PN. Ela morava no Bairro Roxo Verde e trabalhava como telefonista. Tinha amizade e admiração por Mané. ‘Ele morreu na casinha dele, no Alto São João, enquanto dormia’, contou. Para velar o corpo do amigo, na Igrejinha do Rosário, ela vestiu ‘um dos mais lindos vestidos, todo branco’, ao ponto de provocar ciúmes paternos de João Chaves: ‘Nossa! Até parece que está indo para um baile!’ Raquel ficou no banco da frente, na igrejinha, bem próximo de Mané. E enquanto via gente chegar para reverenciar o corpo, ela se recordou da quantidade de alegria que ele trazia até nos bolsos do surrado paletó. A alegria de Mané vinha de todo jeito. Estava no sorriso; na maneira de falar – ‘ulalaika!’ – e também no modo de caminhar. Embora parecesse um touro, pisava leve. Foi até comparado por PN com Carlitos, o universal personagem de Charles Chaplin. Quando morava no Roxo Verde, Raquel amava Mané como um ser humano singular que ela tinha o prazer de receber para almoçar a fim de ouvir e participar das suas alegrias, mesmo que às claras o rosto dele estampasse as agruras da vida. Ela se lembrou também do quanto Mané era importante nas danças folclóricas. E das vezes que passava na casa dele juntamente com PN para ver como ele estava. Mané foi sepultado no Cemitério do Bonfim. Como dão conta notícias recentes, típicas deste mundo dos mortos-vivos, vândalos teriam danificado o túmulo dele e roubado uma placa de bronze.
Quando não estava rachando lenha em domicílio, Mané usava terno e gravata e mostrava-se elegante, sabia se vestir e tinha comportamento fino, de quem um dia frequentou ambientes sofisticados. Virgínia Abreu de Paula se recorda como se fosse hoje das vezes em que Mané participou de danças folclóricas. Ele era figura importante e fazia o papel da ‘Cacicona’ dos ‘Caboclinhos’ nas festas de agosto. ‘Era uma ‘cacicona’ impagável, tão engraçada’, conta Virgínia. Com a morte dele, ninguém mais o substituiu à altura. ‘Uma boa ‘cacicona’ tem de ser um homem vestido de mulher, e Mané fazia isso como ninguém, ator que era e grande improvisador’. Virgínia conta mais: ‘No documentário ‘Anibal, um Carroceiro e Seus Marujos’, de Paulo Henrique Souto, Mané foi escolhido como o apresentador e não foi preciso instruí-lo, ele sabia perfeitamente o que dizer. Ficou espetacular! A parte dele na filmagem foi feita lá em casa, numa belíssima manhã de agosto, que lembro com alegria’. Ele gostava de todas as divas do cinema. Destacava, entre outras, Gina Lollobrigida, Elizabeth Taylor e Sophia Loren. Certa vez, ele disse a Virgínia ter conhecido Sophia Loren, pessoalmente, com quem tinha dançado o ‘tuíste’ num programa da BBC de Londres. ‘Além da dança, segundo ele disse, cantarolou com ela uma melodia, mas não disse qual’, contou. Em tempo: O velório de Mané foi custeado por PN e Afonso Brant. O terno dele ‘era de Paulinho’, segundo Raquel.


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Por Alberto Sena - 14/3/2011 09:24:42
Mane Factótum

Alberto Sena

‘Mané Quatrocentos’ era divertido. Alegria em pessoa. De estatura baixa, mas de compleição forte, parecia um touro. Tinha cabeça grande, era Inteligente e possuía raciocínio rápido. Tinha olhos verdes cor de cana caiana. O dia inteiro, ele andava pelas ruas de Montes Claros levando um machado ora no ombro ora numa das mãos. Ele era um tipo factótum, quer dizer, pau para toda obra. Se fosse para rachar lenha, lá estava Mané com a maior disposição. Se fosse para abrir uma cisterna, olha ele lá, com picareta, pá, o que fosse preciso. Mané costumava ficar parado na esquina das ruas de Montes Claros olhando para cima. As pessoas, curiosas como são, paravam do lado dele e ficavam querendo saber o que estava espiando. Num certo momento, Mané apontava alguma coisa e as pessoas olhavam e como nada havia, ele dizia ao mesmo tempo em que estalava a língua e dava uma dedada com o dedo indicador no gogó: ‘Ulalaica`. E disparava a rir. ‘Mané Quatrocentos’ foi uma das mais incríveis e intrigantes ‘figuras humanas’ concebidas em Montes Claros do século passado. Ele faz parte da história da cidade, entrou para o folclore do arraial e hoje vive na eternidade. Mas quem era mesmo esse homem que alegrou nossos corações e povoou o imaginário de tanta gente? Raphael Reys conta que ‘Mané era apaixonado pela naturalista Luz Del Fuego, dona de uma estância de nudismo em Niterói!’ Ele teria ido lá e ao voltar contava ‘as suas fantasias com a musa; Mané gostava também da cantora mexicana Sarita Montiel’. Ver Mané cortar toras de lenha era bom passatempo para as crianças. De cima do muro, elas viam e ouviam o som que Mané deixava escapar ao desferir as machadadas: ‘rã, rã, rã’; e o machado nas toras fazia ‘crás, crás, crás’. As crianças ficavam intrigadas com esse som emitido por Mané. Elas se perguntavam: ‘realmente tinha necessidade disso?’ Em casa, no quintal, havia quem o imitasse rachar lenha, só para concomitantemente soltar o ‘rã’ e ouvir o ‘crás’ do machado na madeira. Para as toras de lenha mais resistentes às machadadas, Mané dava um tratamento especial. Usava cravo de ferro, desses fincados em dormentes da linha férrea, e com o lado contrário do machado, o enfiava na tora, que logo se abria em duas num ‘crás’ mais acentuado. Podia-se dizer que ele era uma mistura de Carlitos e Oscarito? Para ser Carlitos, Mané precisava só da cartola e dos sapatos de palhaço. O machado, companheiro inseparável, podia fazer vezes de bengala, porque a estatura física, o gingado no andar e a malemolência, além, claro, da simpatia cativante e criadora de laços afetivos, tudo isto de Carlitos ele tinha. De fino trato, Mané se referia às mulheres como ‘muchachas’, e sempre com um sorriso ‘a la Clark Gable’. Era uma alma boa, não fazia mal algum a ninguém, mas ainda assim, Maria Lopes, quando criança, tinha medo dele, mas com o tempo, ela mudou de opinião. Quando voltava da Escola Normal, sempre arranjava um jeito de conversar um pouco com ele ali nas imediações da Catedral. Para Dorinha Colares, Mané era uma figura internacional e volta e meia saía com um castelhano: jo non tengo la mínima inspiracion de non ter estiudado desde de la pequenito... Ou até mesmo um inglês macarrônico. Clareth Dantas se recorda muito bem de ter convivido com Mané na casa de Raquel Chaves, sua vizinha durante anos, no bairro Roxo Verde. ‘Eram horas de brincadeiras, e muitas risadas daquele baixinho de olhos claros, sempre vestido com terno amarrotado’. Mané dava sinais de ser dotado de certa instrução. Se não tivesse o costume de ler, era de se imaginar que pelo menos tivesse capacidade de absorver cultura devido aos bons ouvidos e a memória boa. Uma das coisas que Tico Lopes tem no currículo e se orgulha foi de ter representado Mané no showçaite, ‘com direito a lentes de contato verde cana, bigode e machado no ombro’. Raquel Chaves, Itamaury Teles, Wanderlino Arruda e Raphael Reys entre outros já escreveram sobre Mané. Mas muito mais se deve escrever sobre ele, que há mais de 30 anos faz parte do mundo dos ‘mitos antigos e o homem moderno’ de que trata o psicólogo e filósofo suíço Carl Gustav Jung, em ‘O homem e seus Símbolos’.


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Por Alberto Sena - 9/3/2011 08:37:26
RUA BOCAIÚVA (Final)

Alberto Sena

Com leveza e ternura, a escritora Ruth Tupinambá Graça conta-nos que a Rua Bocaiúva ‘era tranquila, pouco iluminada, e de ponta a ponta cheinha de casas residenciais. As famílias se visitavam, constantemente, num relacionamento perfeito. Era como se fosse uma só família. As casas com telhado coloniais antigos, escurecidos pelo tempo, onde o lodo se acumulava, agarradas uma as outras, pareciam eternamente abraçadas e cochichando’.
A Rua Bocaiúva era também a rua da ‘Miss Montes Claros’, Dilemar Espíndola, onde ela amealhou as melhores lembranças da infância, da adolescência e também da fase adulta. Ali na Rua Bocaiúva, ela construiu sólidas amizades.
Entre as ruas General Carneiro e Corrêa Machado, onde morou até se casar, a turma dela era das mais animadas: os irmãos Robério, José Geraldo, Carmen Lúcia, Fátima e Jonas Antunes; Marli e Mariza Caribé; Nailê e Nilza Domiciano; Claudete França, Vânia Nunes; Geraldinha, Martha, Clareth e os seus irmãos, João José e Francisco Gomes, chamado Chico, filhos de Milenardo Gomes, disputado ‘mestre de obras’ em Montes Claros.
Ali naquela rua a turminha andava na enxurrada. Brincava de chicotinho queimado, maré, e fazia puxa de limão com açúcar e ‘a brincadeira de comunicar com espíritos’ por meio de copos de vidro sobre a mesa. ‘Vivi ali por 30 anos’, contou Dilemar.
E ela se recordou das festas dos catopés, na antiga União Operária, ‘onde morava Leonel Beirão de Jesus, festas que eram esperadas o ano inteiro’. Lembrou dos integrantes com as faixas esvoaçantes presas aos turbantes enfeitados de espelhos que refletiam a luz do sol. A memória dela não deixou escapar nem a boneca de Leonel, que de certo modo a assombrava. Estas, segundo ela, ‘são as doces e maravilhosas recordações da minha rua’, exclamou.
Nesse ponto da conversa foram lembrados os nomes do taxista Mário Alencar e d. Socorro, pais de Jomerson, chamado ‘Bebé’ e irmãos, que jogavam futebol no Ateneu.
E se recordou também de Hélio Brito, que morou abaixo da Rua Januária, perto de onde Jonas Antunes Marques tinha uma padaria.
Por ali morava também a pianista Marli Guimarães, filha de Tonico. Ela tinha ‘comissão de frente avantajada, sem silicone, que naquela época nem existia’, comentou Dilemar. Morava ali ao lado da casa de ‘Emyr da Loteria’. Em frente, era a casa de ‘João Boiadeiro’, pai de Elenora e Elaine.
Na casa ao lado morava a família de Tino Gomes. Nessa época Tino dava os primeiros passos rumo à vida de cantor e show man. O pai dele, Expedito, chamado Dito, era craque de futebol. Brilhou no Ateneu e em times profissionais.
Moraram por ali também ‘seu’ Paschoal e d. Alzira, que pesava quase 200 kg. Tinha também a família dos Teixeira. Morava na esquina das ruas Bocaiúva com Januária. Segundo Dilemar, ‘era um pessoal bonito pra caramba’. E do outro lado, era a casa de Helenice e Léa Alkimin, ‘famosas pela beleza e elegância’.
A família de Olímpio Campos morava ali, ao lado da casa de Joãozinho e Jubber Carneiro. Em frente à casa dos Gomes, quem morava era ‘seu’ Cristiano Ruas, chamado Quias, que consertava geladeiras e tinha os filhos, Lóis, Miltinho e Beto. Beto sumiu no mundo. Nunca deu noticia do seu paradeiro à família.
Ao lado da casa de ‘seu’ Quias morava Benedito Maciel e d. Zoca, pais de Luciano, Mariza e dr. Benedito Maciel. Benedito, o pai, era irmão de Nivaldo Maciel ‘e encantava as nossas madrugadas com a sua voz melodiosa’.
Viveram também a Rua Bocaiúva as famílias de Jair Geraldo Carneiro e Maria Maura Veloso Carneiro, pais de Jaime Carneiro e Antônio Eustáquio Veloso Carneiro, chamado Carneirinho, e o casal Mário Catão e Agripina Lopes, pais de Isabel Prates, que foi casada com José Venâncio Batista.
Foi então que Carmen Lúcia chegou e entrou na conversa para lembrar d. Lucília, com 93 anos, que seria homenageada no Rotary no ‘Dia da Mulher’, mas se encontrava doente. E em seguida, indagou: ‘E Leal? Celsão? Os meninos de d. Bida e ‘seu’ Lero, da Dental? E Naram, linda, aqueles olhos verdes maravilhosos? Tenho muitas fotos daquela época, porque Robério, meu irmão, sempre gostou de fotografias’.
Morava também na Rua Bocaiúva, Betinha, que se casou com o ex-padre Paulo. ‘Somos amigas irmãs até hoje’, disse Carmen. Morava também Josemar com a família proprietária de um armazém.
Nessa época, as ruas Bocaiúva e Carlos Pereira disputavam o título de ‘rua com o maior número de moças bonitas por metro quadrado’. E não foi à toa que a Rua Bocaiúva deu a Montes Claros uma de suas ‘misses’.


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Por Alberto Sena - 28/2/2011 09:23:13
Rua Bocaiúva (1)

Alberto Sena

A Rua Bocaiúva já foi até lá embaixo, próximo da Praça de Esportes, com o mesmo nome. Mas na década de 1930, para homenagear o intendente que fez boa administração da cidade, o trecho da Praça Coronel Ribeiro para baixo ganhou o nome de Dr. Santos. Na Rua Bocaiúva tinha um comerciante que tocava venda ou podemos chamar de armazém, no trecho paralelo à via férrea da Central do Brasil. Foi um dos precursores dos supermercados de hoje. A venda dele ainda fica até hoje, meio século depois, no mesmo lugar, acima do cruzamento com a Rua Corrêa Machado, no sentido centro Vila Guilhermina. Arquilino era ‘a salvação das donas de casas’, exclamou Dilemar Espíndola, que já foi ‘Miss Montes Claros’, na época descoberta pelo papa do colunismo social da cidade, o jornalista Lazinho Pimenta. Arquilino era homem de poucas palavras. Se ainda escuto a voz dele, o tom era mais para agudo. De compleição magra, tinha tez morena, o nariz afilado, os olhos miúdos e os cabelos lisos sobre testa grande. Era de estatura média. ‘Ô menino, toma aqui o dinheiro e vai lá na venda do ‘seu’ Arquilino correndo comprar um quilo de sal’. E o menino corria, subia a Rua Corrêa Machado e entrava à direita na Rua Bocaiúva. Cem metros adiante, se muito, era a venda de ‘seu’ Arquilino. Antes de prosseguir seguro nesse fio de lembrança, que traz a visão de um tempo entre os tempos bons vividos, não se pode deixar de dar uma paradinha na esquina das ruas Corrêa Machado com Bocaiúva. Na casa da esquina, bela morada edificada num plano mais alto da rua, arquitetura que nas lembranças parece misto de colonial e barroco, tinha dois ou três bonecos esculpidos no alto. E numa área de terra batida ao lado da casa reinava exuberante enorme pé de manga rosa legítimo. Nunca mais, em tempo algum, se encontrou manga rosa, legítima, como as mangas rosa daquela casa. Era irresistível a tentação de jogar pedras na mangueira e derrubar algumas, sempre que era chegada a estação das águas. O pé de manga rosa não existe mais, ind’agorinha soube. ‘Seu’ Arquilino morreu faz uma data. Mas a venda dele continua administrada pela viúva, Terezinha Lopes e filhos. Ela fazia salgados para vender quando o marido era vivo, atribuição agora transferida a um dos filhos. O interessante foi lembrar: Terezinha tinha um irmão chamado Raimundo Lopes, falecido há cinco anos. Ele deixou viúva Elza Batista Lopes, minha irmã; e órfãos de pai os filhos Ricardo, Rosemeire, Ronaldo, Rosângela, Rachel e Rosilene. Em frente à venda do ‘seu’ Arquilino tinha casas de funcionários da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). Eram casas do tipo ‘populares’ todas iguais. Uma passagem estreita dividia a série de casas, e dava acesso à estrada de ferro. ‘Seu’ Arquilino vendia um pouco de tudo que as donas de casas precisavam, desde o básico, produtos não perecíveis ao pão e enlatados. Nessa época, as ruas eram de terra. Quando chovia era um lamaçal só, principalmente nesse trecho da Rua Bocaiúva onde fica a venda. Terra vermelha, que na estiagem virava pó, aquela poeira do Cerrado que impregna para sempre até a alma de quem é montesclarense de nascença e mesmo quem a cidade adotou. Particularmente, alegrava mais o menino quando conseguia apurar algum dinheiro vendendo cascos de garrafas de cerveja consumidas por Nelson Damasceno Murça e o irmão dele, Brandão, juntamente com os colegas alfaiates. Bebiam e ainda levavam os cascos para casa. A mulher dele, também chamada Terezinha, é minha irmã. Ela dava os cascos de cerveja, que eram vendidos aonde? Na venda do ‘seu Arquilino’. O dinheiro apurado era para satisfazer as necessidades básicas do menino, como comprar bolinhas de gude novas, tipo olho de gato. O máximo! E comprar figurinhas para o álbum de futebol ou de Marcelino Pão e Vinho, álbum baseado no filme espanhol com Pablito Calvo, na época fazendo sucesso. Depois, era só encontrar adversário à altura. Abrir um buraco no chão, chamado ‘biloia’ e dizer: ‘gude please’ e pronto, estava iniciada a partida. Quem acertasse primeiro a ‘biloia’ conquistava o direito de quicar a bolinha do adversário, e acertando de fato, ganhava a partida, muitas das vezes valendo uma bolinha. Nessa época, os hormônios da testosterona circulavam a flor da pele. E era excitante trocar olhares pueris com as meninas da Rua Bocaiúva. Principalmente com aquela de olhar especial.


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Por Alberto Sena - 21/2/2011 12:08:02
‘Rua Quinze’

Alberto Sena

FaceBook é ferramenta de comunicação eficiente. Tem provado isto até ao ajudar a derrubar governos mundo afora. Além de ser lúdico, permite-nos desenvolver os aspectos político, socioeconômico, cultural e ambiental dependendo do gosto de cada um. Entre montesclarenses – sem hífen, segundo a escritora e historiadora Virgínia Abreu de Paula – se criou algo interessante: a ‘República do Pequistão’, constituída de um número crescente de mais de dois mil ‘pequistaneses’, pois assim são chamados os cidadãos e as cidadãs contumazes e empedernidos roedores de pequi. O nome ‘República do Pequistão’ foi invenção saída do departamento de capricho do intrépido Tino Gomes. Na semana passada iniciamos no FBook o que chamamos de ‘tiroteio de lembranças’ sobre a Rua Dr. Santos e isto mexeu com muita gente. Foi como sacudir a água dum lago com a mão, com direito até ao ruído característico.
Houve interatividade. Duma hora para outra se pôde quase trazer de volta a realidade das décadas de 1960/70 vividas, quando a Rua Dr. Santos era a principal artéria da cidade. Nesta semana a reconstituição foi sobre a ‘Rua Quinze’ famosa, que mais tarde trocaram o nome dela para Rua Presidente Vargas e perdeu o charme, a brilhantina e a água de colônia de então.
Para muitos, na ‘Rua Quinze’, onde à noite era o footing da moçada, acontecia verdadeiro desfile de jovens no esplendor da juventude. Na década de 50, ali era a síntese do mundo. Pouco posso falar da ‘Rua Quinze’, porque era menino, mas não me cansava de ouvir falar dela em casa. Ouvia as irmãs se aprontarem para, às escondidas de pai, irem à ‘Rua Quinze’.
Nessa época, a família morava na Rua Marechal Deodoro, atrás da Praça de Esportes, aquela casa exaltada aqui porque tinha quintal mágico, misterioso – codorna e coelho podiam sair duma moita de mato a qualquer momento. Na época em que a Rua Presidente Vargas era ‘Rua Quinze’, nela transitei a caminho do Mercado Municipal de mão dada com pai. Era aquele casarão que tinha no alto um relógio cebolão parecido com o cebolão que pai tinha na algibeira. Isto mesmo, falava-se assim: ‘algibeira’. A palavra pode ser feia, nem gosto dela, mas tudo pela fidelidade da informação. Esse ‘tiroteio’ sobre a ‘Rua Quinze’ busca preservar a nossa memória e a memória da cidade. Montes Claros nem sempre foi assim, como a enxergamos hoje, linda e enorme por um lado, violenta e barulhenta por outro, culpa do progresso e do desenvolvimento, o bem e o mal que vieram na bagagem de gente de toda parte do País. O resgate da memória da cidade pode mostrar ser possível a Montes Claros iniciar novo tempo de paz e de compreensão entre as pessoas. Assassinatos, assaltos, furtos, tudo isto já acontecia em todos os tempos. A diferença, hoje, é a constância, a intensidade e o crescimento dos números nas estatísticas do crime. A violência faz as pessoas se refugiarem em casa. Cada vez mais se pratica a individualidade. Mas o tempo ‘paz e amor’ não passou. Precisamos pelo menos tentar relançar essa moda no cotidiano. A Rua Dr. Santos e agora a ‘Rua Quinze’ são exemplos da rica história da cidade. O cronista, escritor e jornalista Raphael Reys foi quem promoveu o ‘tiroteio’ da ‘Rua Quinze’ nesta semana, no FBook. Foi tanto disparo que fizemos uma viagem. Ele se recordou até de ‘Mundinho Atleta’ – lembram-se dele? Mundinho era divertido porque se achava o suprassumo da inteligência e da cultura política, no bar de Zim Bolão. Tudo isto faz bem a memória. Funciona como lubrificante dos escaninhos de lembranças. Com o passar dos anos nos prova: quem cuida da cabeça tem memória boa. Inda mais se contar com a força de Raphael Reys, que nos dá uma canja do que vem por aí ao falar do Big Bar, o point dos rapazes na ‘Rua Quinze’.
‘Lá não entrava senhoritas. Era ‘clube do Bolinha’ frequentado por jogadores e torcedores do João Rabelo, conhecido como ‘As Viuvas’, dado a camisa preta. A escalação do time na época de ouro era: Tú Peixoto, Alair Almeida, Milton Ramos, Expedito Guarinelo, Danilo Macedo, Edgar, Vivaldo; Moacir, Milton, Muriçoca e Julião. O Técnico era Curió. No Big Bar se fabricava o famoso picolé holandês nas cores rosa e branco, uma delícia servida no palito!’


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Por Alberto Sena - 14/2/2011 09:39:58
Tiroteio sobre a rua Doutor Santos

Alberto Sena

Por esses dias escrevi sobre a Rua Dr. Santos, de Montes Claros, e como era de se esperar, mexi com uma pá de gente que vivenciou também a mesma época. José Ponciano Neto foi um dos que acabaram por prestar um bom serviço de utilidade pública ao informar:
__ Gostaria de corroborar com as lembranças e acrescentar a casa de Mestra Fininha que ficava nos fundos do consultório do seu filho Mário Ribeiro e da barbearia esquina com a Rua Dom João Pimenta. E também a casa do jornalista Manoel Hygino dos Santos que ainda está de pé, tinha dos lados as Casas Pernambucanas e a Agência Macêdo, de Valdir Macêdo. Mas a primeira pessoa a disparar o primeiro ‘tiro de informações’ no tiroteio que se seguiu sobre a Rua Dr. Santos, o que bem demonstrou o poder de fogo e a interatividade proporcionada pelo FaceBook, foi Dilemar Espíndola, ex-colega de escola, amiga da Rua Bocaiúva. Ela foi ‘Miss Montes Claros’, nos gloriosos tempos do nosso Lazinho Pimenta. ‘Quantas boas lembranças’ – disse ela – ‘nos faz reviver neste belíssimo texto. A Rua Dr. Santos era minha passagem obrigatória, já que morava na Rua Bocaiúva, um pouco acima da Praça Coronel Ribeiro. Tenho saudades daquele tempo em que Montes Claros era uma cidade tranquila e as amizades verdadeiras; a matinê das quatro do Cine Fátima era o point dos jovens e tudo de bom. Ah! Minha terrinha como eu gosto de você!’ Roberto Lima, de sentinela na bela Januária (MG), reagiu em seguida a Dilemar fazendo alguns disparos de balas de informações refrigerantes da memória, dizendo que eu passara ‘de passagem, por casas que, também, merecem ser lembradas: logo no início da Rua Dr. Santos, tinha a casa dos Guedes, os fotógrafos Dalton, Paulo, Luiz etc. Do lado esquerdo, se não me engano, a pensão daquela linda loura, que foi rainha do Centenário da cidade; na esquina, em frente da casa de Sinhô Batista, ficava o consultório dentário de Zé Porto e a relojoaria de ‘Tone Relojoeiro’. Antes da casa de Crisantino Borém tinha uma pensão e em frente era o consultório de dr. Mário Ribeiro’. E Raphael Reys contra-atacou com disparos quase fulminantes para informar: ‘em frente à casa de Mauricinho era a Gráfica Orion, de Laertes David; e Soares das Canetas, que tomava todas as branquinhas!’. Rapha acrescentou aos disparos de Roberto: ‘Os fotógrafos eram do Estúdio CG (Coriolano Guedes) irmão de Godofredo Guedes. [...] E Juca de Chichico, a vidraçaria de Rosental, a mansão de Dominguinhos Braga. E o bar de Adail Sarmento, a Leiteria Celeste, de Zé Priquitim!’ Foi quando Roberto saiu da trincheira para outra incursão e disparou: ‘Nós estamos nos esquecendo do ‘Restaurante Mangueiras’, lá onde foi o SAPS, em frente ao casarão onde funcionava o ‘Diário de Montes Claros’, próximo da casa do dr. Loyola [...] Tinha a casa de Lezinho Lafetá, e ao lado da mansão, a Clínica São Lucas, onde Alfredo Barreto, consertava os ossos de jogadores de futebol’. Roberto dispunha de mais munição. Dava para notar. Então, ele fez disparos seguidamente: ‘Tinha a ‘Casa Coelho’, onde trabalhou o pai de Raphael, meu amigo Mário Reis, no prédio do jornal; tinha o escritório do famoso advogado Orestes Barbosa, pai de Rui e de Toninho, falecido há uma década. Antes, tinha aquela casa amarela, onde funcionava o INPS ou coisa parecida’. Dilemar, responsável por iniciar o tiroteio, refugiara noutro lugar e teve tempo de se preparar para novos disparos: ‘Ali perto do restaurante Manguerinha, próximo da casa do dr. Maurício, ficava a pensão de d. Eudóxia, e, antes, o salão de d. Zefinha, mãe de Abílio Morais. E a pensão ‘Montes Claros’. Dilemar fez uma pausa para recarregar munição e foi então que disparou: ‘Perto da casa do seu Mário Viana ficava a casa de Maria Melo, que trabalhou na Sudenor, mãe de Tereza e Mônica Melo’. À espreita, Rapha esgueirou-se como se o terreno estivesse minado e fez um disparo comparado ao potencial de um míssil: ‘A padaria Santo Antônio e o pão alemão’. Foi nesse ponto que não suportei o tiroteio e me entreguei lembrando José Batista da Conceição, Zé Bitaca chamado, meu pai. Quase toda noite, quando ia para casa depois do trabalho, ele chegava com um embrulho de pão alemão, ‘e era muito bão!’ Nisso, Roberto voltou a atacar e fez disparos de canhão, no plural: ‘Cometemos uma grande falha, esquecemos de mencionar a casa do dr. Alfeu, de d. Helena Quadros; também, não falamos da revendedora, se não me engano, da Chevrolet, da família Laborne Vale, como também nos esquecemos de citar aquele beco onde ficava a alfaiataria de Jerry, ao lado da Liga Montes-Clarense de Futebol. Passamos sem mencionar a loja dos irmãos Bessa; os bancos Minas e do Calixto’. Ao final do tiroteio cheguei à conclusão: entre mortos e feridos todos nós de alguma maneira fomos salvos pela memória. A Rua Dr. Santos era o mundo.


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Por Alberto Sena - 7/2/2011 08:45:30

Rua Dr. Santos

Alberto Sena

Para muita gente, a Rua Dr. Santos já teve o seu glamour, assim como a famosa ‘Rua Quinze’ também, para gerações anteriores, rua que não frequentei porque devia estar nos queiros. Mas a Rua Dr. Santos, ali pela década de 1960, entrante 1970, era o que havia na cidade, porque as pessoas se aprontavam para tomar sorvete, sanday, ‘vaca amarela’ ou ‘vaca preta’ na ‘A Cubana’, na esquina com Rua Dom Pedro II. O Cine Fátima, de Euler Araújo Lafetá, ficava logo ali, na Rua Dom Pedro II, em frente ao Bar Cambui, onde a meninada surrupiava chocolate ‘Diamante Negro’. O cine novo chegou com vontade, com bons filmes, cheios de Kirk Douglas, Burt Lancaster, Elizabeth Taylor, Gina Lollobrigida, John Wayne e muitos outros estrangeiros em contraposição aos filmes brasileiros de Zé Trindade, Mazzaropi, ‘O Cangaceiro’, de Lima Barreto, sobre Lampião e Maria Bonita. Mas vamos voltar à Rua Dr. Santos daquela época porque é lá o point. Começa na Praça Coronel Ribeiro, na quina do Hotel São José. Da praça em sentido contrário, é a Rua Bocaiúva. Os carros descem a Rua Dr. Santos, que, como todas as ruas do centro de Montes Claros, foi aberta para charretes, carroças e veículos do gênero, porque nem se pensava à época em veículo automotor.
Então, convido a quem quiser descer comigo a Rua Dr. Santos para experimentar o gostinho. Mas vamos com cuidado, as lembranças são frágeis, podem até ser levadas pelo vento. Mas como em Montes Claros vento é coisa rara, pode ser que não corramos riscos. Então vamos andando, devagar. É devagar que se vai ao longe. Do lado direito, naquela casa de paredes beges, jardim com alpendre, logo abaixo do hotel São José, é a casa do dentista prático Mário Viana. Contigua a casa dele moram os irmãos Amintas, Marcos e Fátima Tolentino. Marcos, colega de escola primária, no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, já não está mais entre nós. Na esquina com Rua D. João Antônio Pimenta, mora Alcione, João Batista e irmãos. Ali à esquerda, logo abaixo, é a casa do médico Crisantino Borém. Mais embaixo mora Carlos Medeiros, também ex-colega de escola primária. Ao lado, mora o médico João Valle Maurício. Vamos dar uma parada na casa de Mauricinho porque Nair e Vitória, filhas dele, e a amiga delas, Beatriz Biondi, devem estar debruçadas ainda no alpendre vendo o vaivém das pessoas. Vamos conversar com elas como fazemos quase toda noite. Por bom tempo, juntamente com Cícero Bastos, o ‘Stru’, paramos ali na porta para conversar com as três. Elas do lado de dentro, nós na calçada. Nos papos variados, tentamos muitas vezes resolver ‘os mais graves problemas do mundo’, enquanto com elas apreciávamos o movimento da rua. Ali, quase em frente, fica a casa de Gilson Peres, o ‘Gilson Capeta’. Ele justifica o apelido ao se envolver em brigas, como uma que contei noutro dia. Vamos descer um pouco mais. Logo ali naquela casa bonita, cinza bem clarinho, mora Luiz de Paula Ferreira, irmão dos falecidos João e Hermes de Paula. Fazendeiro e empresário, sócio do ex-vice-presidente da República, José Alencar, da Coteminas, Luiz de Paula é escritor e cronista do tempo em que a Montes Claros pachorrenta fazia gosto. Numa ponta da esquina com a Rua Dom Pedro II, logo ali, veja, vivem os irmãos Colares - Ray, Cassimiro e os demais. E em frente deles, Wandaick Wanderley mora na casa voltada para a loja de roupas de Jomar, recentemente falecido, e João Batista Macedo, craques de futebol. Jomar foi jogador do Atlético, nos áureos tempos do Galo. Bem do lado da loja de Jomar é a sapataria de Zumba. Ele mora no mesmo prédio com a família. Há do lado uma escada que leva ao apartamento dele, pai de Rita, casada com Ricardo Milo, o ‘Tiupas’. É preciso ter memória de elefante para recordar de tudo, o que não é o meu caso. O tempo passa, o tempo voa, e todos sabem o que aconteceu com a ‘caderneta de poupança Bamerindus’. O Jornal de Montes Claros fica ali no número 103, onde hoje é a sede da Caixa Econômica Federal. E se você quiser podemos entrar lá para que conheça a redação. A chave fica atrás da placa. Na saída a deixaremos no mesmo lugar. A caminhada vai terminar no Mercado Municipal, na Praça Dr. Carlos, o casarão antigo, com um relógio ‘cebolão’ no alto. Podemos comprar de tudo. Ou pegar ‘empresdado’ uma melancia. E até filhote de maitaca. Fique à vontade, a casa é nossa. (Leiam na próxima semana: ‘O tiroteio sobre a Rua Dr. Santos).


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Por Alberto Sena - 31/1/2011 09:22:00
Risoto com pimenta

Alberto Sena

Conheço uma pessoa, nascida em 1979, que gostaria de ter vivido na década de 1960. Ela acha que foi uma década efervescente, criativa em vários segmentos culturais, apesar de politicamente o país ter vivido anos de chumbo. Tenho bons motivos para concordar com essa pessoa porque vivi a década todinha em Montes Claros. Eu e uma porção de gente. Foi uma década que teve o seu lado bom, rico. É aquele negócio, diria o amigo que há uma data não tenho notícias dele, radialista e jornalista Alair Almeida, ex-zagueiro do Ateneu: ‘Não tenho o que me queixar; ‘seu’ queixo é de burro’. Mas se eu tomo por base a mensagem recebida do amigo daquela década vivida no arraial, Daniel Ribeiro de Oliveira, nascido e criado em Jequitaí, mas que morou em Montes Claros e estudou no Instituto Norte Mineiro de Educação, do professor João Luiz de Almeida, muita coisa mudou sim senhor. Não encontro Daniel faz mais de 20 anos. Ele conta: ‘Estava no computador e me lembrei de você’. Digitou o meu nome no Google e veio uma crônica publicada ‘no montesclaros.com’. Diz ele: ‘Você fez uma retrospectiva de vida’ e Daniel leu na esperança de ser lembrado, ‘só que você não se lembrou de mim’. E disse mais: ‘olha que vivemos juntos várias situações interessantes’. Adiantou que a ‘cobrança’ era apenas ‘uma brincadeira’, pois tinha ficado mesmo foi ‘muito contente e tive muita saudade do amigo, amizade rara nos dias de hoje, como foi a nossa límpida e gratuita’. Daniel conta ter completado 34 anos de casado, tem três filhos, dois dentistas e um farmacêutico. A mulher dele é de Jequitaí, ‘e graças a Deus ainda não tive motivo pra falar do meu casamento; ela é funcionária do Estado e eu ainda estou no ramo de farmácia’. De fato, juntos vivemos bons momentos. Foi no tempo em que saíamos em turma, muitas vezes, e íamos para a porta de ‘A Cristal’ e ali encontrávamos outros amigos e eram tantos porque as atividades eram muitas: trabalhava no ‘O Jornal de Montes Claros’; era ponta direita do juvenil do Casimiro de Abreu, tinha de treinar três vezes por semana; jogava futsal e pingue-pongue na Praça de Esportes e frequentava a ‘boate’; ‘lagartixava’ nas piscinas do Max Min, Pentáurea, Automóvel Clube; tinha de namorar. Ufa! Era uma canseira. A vida era intensa e não havia tempo disponível para muitas outras coisas. Assistia a todos os filmes exibidos na cidade nos cines Coronel Ribeiro, Fátima, São Luís, Montes Claros e se acontecia de perder um, que por último era exibido no Ipiranga, na Rua Melo Viana, também ia lá. Nessa época, aos domingos, assistia às fitas das 10h, das 14h e das 16h. Tinha até certa intimidade virtual com os atores da época, geração que aí estava quando a nossa geração veio ao mundo. Atores brasileiros e estrangeiros que, um a um vão indo embora. O mais recente foi John Herbert. Depois de viver as noites de Montes Claros, nós íamos, também em turma, para casa, porque afinal, ninguém tinha estrutura de ferro. Subíamos: Cícero ‘Cuecão’, Cícero ‘Stru’, Rubinho, Daniel Ribeiro, Roberto, Ronaldo, João José, Chico Gomes. Morávamos todos próximos uns dos outros. Posso estar me esquecendo de alguém e eis aí a questão: quem se sentir de fora, faça como Daniel Ribeiro fez, escreva-me, pois assim vamos curtir a alegria do reencontro. Encontrar e reencontrar são verbos que hoje em dia estão se tornando difíceis de conjugar. Mas os próprios verbos reclamam a conjugação diária, porque ao longo de uma vida muita gente passa por nossa existência. Nós também passamos pela vida de muita gente. Uns passam e não voltam. Outros passam e ficam. Daniel é um dos amigos que ficaram. Toda vez, em casa ou em outro lugar, quando estou diante de um prato contendo risoto de frango, me lembro daqueles finais de noite nos restaurantes ‘Mangueirinha’ e ‘Espeto de Ouro’ ou um restaurante cujo nome não me lembro mais, ali na Rua Camilo Prates, quase esquina da Praça Coronel Ribeiro. Daniel e a irmã dele, Nilda, moravam no que era o final da Rua João Pinheiro, próximo de onde eu morava, na Rua Corrêa Machado, 238. Ele suava de satisfação diante de um prato de risoto, depois da ingestão de algumas ampolas de cerveja. Agora pintou uma dúvida: o suor escorria por conta do calor natural de Montes Claros? Ou devido à cervejada? Ou a pimenta malagueta?


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Por Alberto Sena - 24/1/2011 09:39:09

Dona ‘Negrinha’

Alberto Sena

Algumas vezes exaltamos, aqui, o quanto a casa da Rua Marechal Deodoro, em Montes Claros, foi importante para nós, irmãos e primos. Quem exercita a boa memória vai se recordar de que as primas Magela Sena Almeida e Berenice (Nice) Fialho Vasconcelos também se referiram àquela casa como ‘um lugar importante em minha vida’. Nem tanto a casa, mas o quintal. O quintal era grande e cheio de árvores frutíferas, como já dissemos aqui, e terminava lá no córrego Vieira, que naquela época era límpido e atualmente recebe o esgotamento da cidade. Hoje encontrei entre os guardados uma foto parcial da frente da casa. Publico-a, juntamente com este texto, para que ninguém possa achar que invento as histórias. É tudo verdade.
Basta dar uma espiada na foto e me procurar. Estou sentado bem na porta, e à exceção de minha irmã, Wanda, sou o único que olho para o fotógrafo sorrindo. Na foto se vê José Venâncio apoiado numa pilastra, tendo à frente a inseparável bicicleta. Essa pilastra tinha papel importante. Servia para as pessoas amarrarem os animais enquanto cumpriam visitas. A calçada era alta e para entrar na sala, vindo da rua, era preciso subir cinco degraus. Além do Zé e da Wanda estão na foto Ladinha, Tone (do meu lado direito), uma criança em pé, que não sei quem é; e Ricardo, um sobrinho, que vem chegando seguro na mão de alguém escondido pela pilastra. A pessoa que está sentada, do lado direito da foto, se não me engano, é ‘Filó’, Filomena Fialho, irmã de Nice. Já falecida, ela era violonista de mão cheia. Toda vez que espeto com o garfo um grão de feijão, na hora das refeições, lembro-me de Filó. Ela, inapetente, comia devagar.
Espetava um a um os grãos de feijão, só para dizer que estava comendo alguma coisa. Muito tempo depois, já distante de Montes Claros, aproveitei uma das idas à cidade para verificar, in loco, se a casa ainda existia. À medida que me aproximava da casa o meu coração batia ansioso por, enfim, comprovar as lembranças de menino. Decepção. A casa não existia mais. No lote fizeram uma oficina mecânica. Só a casa de dona América e Afrânio Nogueira estava de pé. Nem a casa de dona ‘Negrinha’, mãe adotiva de Flávio, o meu melhor amigo na ocasião. Vou contar um pouco de dona ‘Negrinha’. Nunca soube o nome verdadeiro dela. Ela era uma mulher baixa, gordinha, simpática que prestava serviços de enfermagem. Principalmente, aplicava injeções em domicílio. Não sei por que cargas d’água, ela me aplicou uma série de injeções. Moleque ainda, nas primeiras vezes eu corria dela. Quando a via entrar em casa, me escondia o quanto podia. E para aceitar que me aplicasse injeção, ela sempre me dava uma moeda de um cruzeiro. Aí, a conversa era outra. Não sei se o dinheiro pertencia a ela mesma. Ou era do meu pai que dava a ela para ela calar a minha boca. Dona ‘Negrinha’ era tão interessante! Ela me prometeu ensinar a empinar papagaio. Um dia, a boa mulher chegou com carretel de linha número 10 e um papagaio feito de varetas de bambu. Bonito, de duas cores, o papagaio subiu facilmente aos ventos – naquela época até ventava – e foi longe. Enquanto o papagaio surfava lá no alto – lembro-me bem disso – ela ficava implicada com a ‘barriga’ da linha e repetia várias vezes: ‘preciso acabar com essa barriga’. Mas não tinha jeito, penso agora, porque a ‘barriga’ era efeito do próprio peso da linha. Lembro-me, como se fosse hoje, de dona ‘Negrinha’ mandando Flávio escovar os dentes. Ele deixava a escova pendurada numa torneira no quintal e mal mal passava-a nos dentes, tamanha ânsia de brincar.
Houve um dia em que salvei Flávio de morrer enforcado. Foi assim: brincávamos de Super-Homem e Capitão Marvel. Cada um tinha uma toalha de banho amarrada com cordão em volta do pescoço. A brincadeira era subir em cima do muro por meio de um pé de jabuticaba. Em seguida, cada um tinha de pular num monte de areia, gritando: ‘Superrr-homemmm’ e o outro ‘Capitãooo Marvelll’. Fizemos isto uma vez. Fizemos outra. Mais outra e na última, a ‘capa’ de Flávio se agarrou num galho da jabuticabeira e ele ficou pendurado pelo pescoço. Já estava com a língua para fora quando foi salvo, no último instante, pela força, presteza e eficácia do ‘Superrr-Homemmm’. O pior não foi isto. Flávio havia apanhado escondido a toalha de banho de dona ‘Negrinha’. Ele quase morreu mesmo foi de medo de levar uma surra quando ela descobrisse o rasgo feito pelo galho da jabuticabeira na toalha. Dona ‘Negrinha’ era baixinha, gordinha, simpática, mas era brava como ela só! Ela e a minha mãe.


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Por Alberto Sena - 17/1/2011 10:02:37
Ponto de vista elevado
Alberto Sena
Preparem-se, senhoras e senhores, empinadores de papagaio, pipa ou arara praticantes de Montes Claros, Belo Horizonte e do mundo inteiro. Chega ao mercado mágico da arte de empinar papagaio, pipa ou arara aos ventos (de agosto de 2011), algo que vai revolucionar o setor, de cabo a rabo. Vem com força total. Trata-se de uma manivela de oito cruzetas. Quem é enfronhado na difícil, e ao mesmo tempo fácil, arte de empinar pagagaio, pipa ou arara sabe do que falo. Nada de latinha de refrigerante vazia para enrolar nela linha. Ou mano a mano, nada disso. Falo de um material feito com engenho e muita arte por meu sobrinho, Reinaldo Batista Murça. Dias desses, ele prometeu e agora deu a manivela de oito cruzetas para repor a antiga que me foi surrupiada. Faz uma data não empino papagaio, pipa ou arara, mas depois da demonstração de tamanha consideração da parte do filho de d. Terezinha, a alma se vai libertar dos grilhões quando chegar agosto empinando papagaio, pipa ou arara aos ventos uivantes da Serra do Curral, para lembrar os tempos nem tão longínquos, em que viajava nas alturas do céu de anil do meu arraial. A manivela estará então com rodilha grossa de cordonê ou de linha número 10 para que se possa empinar papagaio, pipa ou arara do tamanho de uma folha inteira de papel vegetal. Isto mesmo, papel vegetal, nada mal. Para aguentar papagaio, pipa ou arara desse tamanho, só mesmo cordonê ou linha número 10, porque quando o bicho está lá no alto e dependendo da força dos ventos, pode até carregar uma criança com manivela e tudo. Mas sob o controle de um adulto, inda mais com toda essa tecnologia que o estimado sobrinho proporcionou, a alma dança lá no alto, sem sobressalto, todos os ritmos, cheia de alegoria, do maxixes ao balé, tamanha alegria. Nessas horas, quando o papagaio, pipa ou arara está lá no alto e espia a vida cá embaixo, vem uma sensação incontida pela linha que nenhum empinador aguenta guardar pra si só e precisa gritar ao mundo, a partir de Montes Claros, passando por Belo Horizonte: grande é a alegria de viver, até o último instante, mesmo que dura seja a realidade. Senão, de fato se estaria desobedecendo a Deus, que quer todos vivos (pobres mortais!) até quando Ele não quiser mais. Empinar papagaio, pipa ou arara com manivela é, como se diz, ‘mão na roda’. A linha vai, a linha vem com a maior rapidez, porque oito cruzetas dão agilidade enorme. Ao segurar a linha, sentir a força e o poder do papagaio, pipa ou arara, lá no alto, o empinador ou a empinadora sabe muito bem quando é preciso dar ou recolher o cordonê. Quem quando criança teve o privilégio de correr descalço por ruas de terra e lamas tantas sabe o quanto é bom para o espírito, o corpo e a mente a prática de lançar semente para o alto, na arte de empinar papagaio, pipa ou arara. E quem tem o hábito de pensar no pior vai dizer: ‘ledo engano, perdeu a graça, hoje em dia o problema é o mal do cerol da linha do outro’. Mas nem tudo está perdido quando se tem manivela de oito cruzetas. Com cerol ou sem cerol só é preciso um dia de sol, porque ninguém vai se atrever a cortar a linha de um papagaio, pipa ou arara livre, liberto por um fio de cordonê ou linha número 10 em manivela de oito cruzetas. Sabe por quê? Porque ao menor perigo se poderá recolher a linha com a rapidez de um raio. Daí a diferença de empinar com a linha enrolada em lata de refrigerante ou mano a mano. Com manivela de oito cruzetas, senhoras e senhores, não há engano. A conversa é outra. O melhor é quando se dá toda a linha e deixa o papagaio, pipa ou arara coroar lá no alto sobre a própria cabeça. Como se tivesse vida própria, alimentado pela própria alma da pessoa, ele dá voltas como se fosse um sol na orbita da terra. Nessas horas se pode compreender muitas coisas do céu e muitas coisas da terra. Só quem deixa escapar o espírito infantil e por isto vive de cara amarrada poderá olhar para o outro e dizer: ‘Quá! Este acha que ‘a vida é esta, subir Bahia e descer Floresta’, como dizia aqui nestas plagas o compositor Rômulo Paes. Quem assim pensa não sabe como é bom, gostoso e leve voar. Voar com asas de anjo, ao som de banjo. E lá do alto ver e acompanhar tudo embaixo, sob ponto de vista elevado, mais que o dos mortais.


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Por Alberto Sena - 11/1/2011 10:12:12

Os Passarinhos

Alberto Sena

Rever fotografias antigas é gostoso. Deve haver quem não goste, mas para quem gosta é uma viagem ao momento e à realidade do tempo congelado na foto. Vire e mexe faço incursões nas gavetas para retirar papéis desnecessários que vamos guardando no dia-a-dia. Foi numa dessas incursões que encontrei a reprodução de duas fotos antigas. Nada de especial, mas divido com quem continuar até o fim a leitura que faço dessas fotos. Os fotógrafos gostam de dizer que uma foto vale por mil palavras. Mas às vezes carece de algumas palavras mais quando se trata de uma apreciação subjetiva. Veja a primeira foto. A câmera fotográfica deve ter sido disparada no ano de 1956. Sobre a outra nada posso dizer e o leitor já vai entender por quê. Era de manhã. Estávamos no quintal da casa da Rua São Francisco, quase esquina de Rua Corrêa Machado, em Montes Claros. A fotografia foi postada, para comprovar a leitura. Veja-a. Eu sou o do meio. Do meu lado direito está o irmão Tone – Antônio Claret de Sena Batista. O menino do meu lado esquerdo é o sobrinho Ricardo Batista Lopes, filho de Elza Batista Lopes e Raimundo Lopes, já falecido. Eu tinha sete anos. Tone cinco anos e Ricardo três anos. O que mais chamou a atenção na foto, como o leitor poderá comprovar a uma simples olhadela nela, foram as duas sombras que aparecem refletidas no muro. No primeiro momento, nem me lembrava mais do autor da foto. Mas ao observar as sombras no muro, afirmo sem medo de errar, a maior é do meu pai, que certamente disparou a máquina. A sombra menor é da minha mãe. A outra foto antiga que pode ser apreciada nesta ocasião apresenta os meus pais, Elvira de Sena Batista e José Batista da Conceição, ‘Zé Bitaca’, como o chamavam. Mãe tem Miguel nos braços. Ele nem chegou completar um ano, morreu devido a uma ‘diarréia brava’, contavam. Quase em pé na namoradeira está José Venâncio. Ao lado dele, Ladinha e na sequência, Elza, Waldyr e Terezinha. Esta é a primeira leva de filhos do casal. Na segunda fornada vieram Célia, Lúcia, Wanda, Alberto e Antônio. Olho para essa foto e imagino, pois nem nascido era, como devia ser difícil criar 11 filhos, mesmo naquela época, antes, muito antes do advento da televisão. O rádio era o meio de comunicação. As casas tinham quintais. Esta era a grande vantagem. O quintal era o nosso jardim de infância com muitas árvores frutíferas, passarinhos aos bandos. Nesses dias globalizados deve ser muito raro encontrar um casal que possua 11 filhos. Um, dois, três e estourando, quatro filhos, é o que encontramos por aí. Costumo dizer: acho ‘lindos’ os filhos. Aquela criançada correndo para tudo quanto é lado, gritando, brigando, fazendo algazarra. Acho lindo, mas nas casas dos outros! Os meus já estão criados, cada um buscou o seu caminho, de modo que, se muito, a casa agora é dos netos.
Um deles, filho de alemão, mora em Bremen, justamente de onde me veio uma das primeiras histórias que li assim que me alfabetizei no Grupo Escolar Gonçalves Chaves: ‘Os músicos de Bremen’. Aos quase dois anos de idade, ele tem tudo para se tornar músico também. Está a caminho uma netinha, prometida para maio. A mãe é descendente de japonês. Tudo indica que ela vai apresentar traços das gentes do ‘Sol Nascente’. Depois de tudo isto, a conclusão: ‘não há nada de novo debaixo do sol’, como diz o Eclesiastes bíblico. Mas o mais curioso é pensar que, de uma árvore, quer dizer, de um casal tanta gente tenha vindo ao mundo. Se fosse o caso de reunir os filhos, netos, bisnetos e tetranetos dos meus pais, melhor seria contratar os serviços de um clube do tipo Pentáurea, em Montes Claros, ou Minas Tênis Clube 2, daqui de Belo Horizonte. É gente que não acaba mais.
Acho que o mal das crianças é se tornarem adultas. Mas temos que nos conformar com isto. Pois diz no livro ‘O Profeta’ o grande Kalil Gibran: ‘Vossos filhos não são vossos filhos; são filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma; vieram através de vós, mas não de vós; e embora vivam convosco, não vos pertencem’. Essas palavras de Gibran ajudaram muito na criação dos meus quatro filhos. Amo-os e eles me amam, mas sem apegos. Eles são como passarinhos. Criaram asas. Voaram e fizeram os seus ninhos. Como os meus pais fizeram e nós criamos os nossos ninhos. Um dia todos passarão. Inclusive, ‘eu passarinho’, só para lembrar Mario Quintana, gaúcho de Alegrete (RS), um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.


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Por Alberto Sena - 5/1/2011 09:33:58
Laila colherá milagres

Alberto Sena

Quem tem o bom costume de acessar este sítio certamente leu, há questão de duas semanas, o texto aqui postado sob o título: ‘Picada de Escorpião’. Uma pessoa de Montes Claros, que daqui para frente chamarei de Laila, leu o texto e enviou-me mensagem que, pelo conteúdo humano, pode alcançar e ajudar gente que passou ou passa por semelhantes percalços. Eis a mensagem de Laila:
‘Como sei o que é isso. Na verdade sou PhD. em filhos que abandonam o pai. Meu pai foi um grande pai quando éramos meninos e ele se dava razoavelmente com minha mãe. Quando eles romperam, acabou por meu pai romper conosco também. O casamento deles estava desmoronando quando meu filho nasceu. Após o parto fui passar uns dois dias na casa de meus pais.
‘Pai chegou do trabalho e passou reto na porta do quarto onde eu estava com meu filho, nascido seis anos depois do meu casamento. Chorei a noite toda e no dia seguinte fui embora.
‘Meus pais se separaram e pai sumiu nove anos. Quando reapareceu com uma filha pequena e sem dinheiro tive de sustentar-lhe por longos anos; ele, a filha, a mulher e a enteada. A mulher dele morreu de um câncer fulminante (36 dias, dos primeiros sintomas até a morte, ao completar 40 anos). Cuidei como pude, pagando tudo.
‘Em outubro de 2005, meu pai teve o 1º AVC hemorrágico e ficou tetraplégico após cinco cirurgias seguidas na cabeça. Todo mundo sumiu (tenho um irmão e duas irmãs), e eu fiquei só e recebendo as críticas. Pedia ajuda. Tive de entrar com uma ação no Ministério Público para conseguir ajuda da minha irmã, que é dentista. Meu irmão nunca ajudou. Enfim, ganhei uma carga pesada e inimizades.
‘Não gostava do meu pai. Tive de fazer crescer carinho num ambiente adverso. Consegui cuidar dele sozinha numa cama, com técnicos em enfermagem 24h durante cinco anos e três meses.
‘Acabei trazendo-o para morar comigo.
Tudo acabou há dez meses e meio. Usei dos princípios cristãos para suportar. Quando ele morreu senti alívio e uma libertação sem precedentes, mas ficou, por incrível que pareça, uma saudade estranha.
Desculpe-me se exagerei nas memórias’.
Fiquei pensando na mensagem de Laila. De fato, ela passou maus bocados e pelo que escreveu, cumpriu com o papel de filha. Filha que cuidou do pai até o último momento, cumpriu com o mandamento da Lei de Deus – ‘honrar pai e mãe’. No que disse, pude perceber isto e muito mais, ao ponto de, deliberadamente, escrever sobre o assunto porque me solidarizo com Laila, não por ter vivido situação semelhante, pelo contrário. Mas senti que ficou nela uma pitada de mágoa, um ressentimento em relação aos seus irmãos, que não tiveram a mesma atitude de grandeza no trato com o pai.
Certamente, Laila tem hoje a consciência tranquila do dever cumprido e a mesma coisa pode ser que não aconteça com os irmãos dela. Caso tenha ficado algum ressentimento, Laila, se livre dele o quanto antes. Você sabe mais do que eu o quanto é perigoso para a saúde espiritual, mental e física guardar sentimentos do tipo mágoa, ódio, rancor etc. Isto gera doenças. Fiquei pensando então se devia lhe escrever para sugerir outra atitude de grandeza: encontre uma maneira de perdoar a si mesma. Peça, de coração, perdão a Deus. Perdoe o seu pai. Perdoe os seus irmãos. Liberte o seu coração. Deixa o amor transbordante de Deus ocupá-lo todo. Chame os irmãos para uma conversa de alto nível e faça com eles as pazes. Mostre que melhor, mais saudável, mais cristão é viver em paz uns com os outros.
Pergunte-se: ‘Como Jesus Cristo, que nasceu mais uma vez, explicitamente, como ele faria no meu lugar?’ O perdão é uma força extraordinária! Ninguém pode dizer que ama a Deus se não perdoa o irmão.
Assim procedendo, ao mesmo tempo, eles recebem uma lição positiva que lhes servirá para o resto da vida. Mas se de tudo este não for o seu caso e fui levado a lhe dizer isto porque posso ter feito má leitura das linhas e das entrelinhas da sua mensagem, por favor, aproveita a oportunidade e me perdoe também. Ignore tudo em seguida e vamos em frente. Mas sempre lembrando: ‘a caridade é a plenitude da Lei de Deus’. A verdadeira caridade não é dar das posses, mas dar de si para alguém. Dê de si aos seus irmãos e colherá milagres, Laila!


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Por Alberto Sena - 29/12/2010 09:30:55
As lembranças de Magela

Alberto Sena

‘Adorei viajar com você no tempo. Tenho também algumas lembranças da casa da Rua Marechal Deodoro. Lembro-me que ir para lá tinha de ser por algum tempo, alguns dias penso. Três, será? É que tínhamos que atravessar toda a cidade para chegar lá. Era longe... na minha percepção. E parecia uma chácara. Parecia não. Era. Nas minhas lembranças era uma chácara aonde havia dezenas de pés de manga com um rio láááaa no fundo. Eu ainda não dava conta de subir nas mangueiras, mas aproveitava as madurinhas que caíam’. A prima Magela Sena Almeida, que na época morava na esquina das ruas General Carneiro com João Pinheiro, em Montes Claros, demonstra ter memória boa. Nunca se deve dizer que a memória não é boa, porque a cada vez que a pessoa repetir isto a memória fica pior. O quintal não tinha tanta mangueira, mas era cheio de jabuticabeiras, como já disse aqui noutra ocasião. Quanto ao ‘rio láááaa no fundo’, por incrível possa parecer, era um córrego de águas límpidas que foi transformado mais tarde em cloaca da sociedade, o córrego Vieira.
‘Dos bolos que seu pai fazia também me lembro até hoje. Mas era na casa da Rua São Francisco. Ele batia o bolo numa travessa linda, colorida por fora com um desenho azul e vermelho que atraíam meu olhar, mas me baralhavam as vistas. E não conseguia olhar por muito tempo. Mas o bolo era delicioso e eu esperava ansiosa a hora de comer um pedaço!’
Sim, Magela, eram bolos deliciosos! Lembro-me bem da figura de pai em pé na cozinha, com a travessa e um garfo batendo a clara de ovos até que ficasse consistente, ao ponto de poder emborcar a travessa e aquela espuma branca permanecia grudada. Depois, ele ia ao fogão de lenha e ajeitava as achas para esquentar o forno, tirando faíscas da madeira que chiava até no fogo. E nós ficávamos ali ao redor dele, em silêncio, às vezes, espiando a travessa e as mãos ágeis de pai, como gatinhos à espera do melhor. E o melhor vinha na hora da partilha do bolo. Bolo que deixou saudade em mim, em Nice e, agora, em Magela e deve ter deixado também noutras pessoas.
‘Interessante, ficou essa lembrança da sisudez do tio José ‘Bitaca’, mas ficou também de quanto eu gostava dele. Ele não me causava medo. Só respeito pelo jeito diferente de ser. Lembro-me que sempre me tratava bem. Conversava comigo, rapidamente, mas o fazia. E quando lhe pedia a benção, como era costume, respondia de uma forma pouco usual, que eu entendia assim: ‘São Deus!’ Boas lembranças!... Bons tempos!...’
Concordo: boas lembranças, bons tempos. Como bons também são os tempos atuais, tirante os problemas que afligem a cada um de nós no dia a dia. Ela se lembrou de algo interessante: o costume ‘pouco usual’ como pai respondia toda vez que um de nós lhe pedia a bênção: ‘SãoDeus!`, como se fosse uma só palavra, querendo dizer, em verdade: ‘Peça bênção a Deus’.
Isto acontecia toda noite. De Célia, a primeira da segunda leva de filhos, passando por Lúcia, Wanda, eu e Tone. Era como uma ladainha, antes de dormir. Em seus respectivos quartos, já deitados, cada um pedia um após o outro, sempre respeitando a hierarquia e a ordem de nascimento: ‘Bênção, mãe’. E mãe respondia, ‘Deus te abençoe’. E assim por diante, de per si.
Depois era a vez de pai: ‘Bênção pai’. E ele respondia lá do quarto: ‘SãoDeus’. Que eu saiba, ele não era chegado às práticas de igreja. Mas era crente principalmente porque não tinha como negar a Deus vivendo aquela realidade nua e crua de pai de onze filhos. Elvira, sim, ela era religiosa. Mulher de fé. Diante de algum problema na família, primeiro ela se recolhia ao quarto, onde ficava o oratório, e durante algum tempo conversava com Deus com intimidade porque Ele ouvia as preces dela ao ponto de mudar a realidade num piscar de olhos. Pequena, ágil, corajosa, foi mãe que nos deu o direcionamento assim que pai morreu, em 15 de janeiro de 1961, aos 58 anos. Se vivo fosse, ele faria 107 anos nesse janeiro de 2011. Fato curioso: 26 anos depois da morte de pai, no mesmo dia 15 de janeiro (de 1987), nascia o meu filho, Pedro, no Hospital Mater Dei, em Belo Horizonte. No mesmo hospital onde mãe morreu em 12 de maio de 1985. No dia ‘Dia das Mães’.


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Por Alberto Sena - 22/12/2010 08:33:23
Picada de Escorpião

Alberto Sena

A casa era aquela mesma, Rua Marechal Deodoro, atrás da Praça de Esportes, em Montes Claros. Escreve-me a prima Berenice (Nice) Fialho Vasconcelos. Ela tinha 15 anos e eu apenas três anos, e como todo menino dessa idade, precisava ser mantido sob vigilância, mesmo sendo o quintal grande e cheio de árvores frutíferas, era prudente ficar de olho porque ao menor descuido podia acontecer uma arte. Nice é filha do tio Abel, irmão de mãe, com Maria Fialho, que nós tínhamos também na conta de tia e lhe beijávamos a mão pedindo bênção, quando íamos a casa dela, ali pelas bandas do Melo, região onde havia (será que ainda há resquícios?) um rio. Mas antes, muito antes disso, Nice e a família moravam em São João da Ponte. Volta e meia ela passava uma temporada lá em casa e recebia a incumbência de tomar conta de mim. Tanto tempo depois, ela se recorda que numa vez ‘você foi picado de escorpião e chorou feito um condenado’ e ela tentava me consolar. Mas essa passagem nunca constou do meu livro de vida e então fiquei pensando: de duas, uma, ou o episódio se apagou da minha memória ou Nice se enganara.
Escarafunchei a querida memória, amiga de todos os momentos e da minha vida inteira, e cheguei à seguinte conclusão: de fato Nice se enganara. Nunca fui picado de escorpião. Lá em casa, o único que foi picado duas vezes foi o meu irmão Zé Venâncio, aquele da Lavanderia Asteca. Recentemente, tive a oportunidade de tirar isto a limpo, quando da minha estada em Montes Claros para ‘buscar fogo’. Fora mesmo o meu irmão duas vezes vítima de escorpião. A confirmação veio da própria boca dele. Com um detalhe: no tempo em que picada de escorpião matava mesmo. Zé é então sobrevivente, resistente à picada do bicho. Pelo que me lembro, Nice tomava conta de mim direitinho. Nada tenho a reclamar, mais de meio século depois. Até banho ela me dava, em bacia, e disso eu me lembro muito bem. Na mensagem enviada, a prima confessa o que as mulheres quase de modo geral se recusam a dizer: a idade. Ela está hoje com 73 anos e destranca a caixa de recordações. Nice agora se vê no tanque, no quintal da casa da Rua Marechal Deodoro, juntamente com a minha irmã Ladinha, lavando as panelas e a louça do almoço. ‘Ladinha reclamava, com lágrimas nos olhos, da braveza do tio Zé Bitaca’, Nice lembra. Como lembra também de que a minha mãe fumava. Não esse cigarro comum, nem cachimbo e muito menos charuto. Mãe fumava folha de zabumba, que na época diziam ser boa para combater asma. Ela era asmática, e quando lhe davam as crises, era um sofrimento para toda a família. A respiração ficava difícil e a nossa impressão era de que mãe ia morrer a qualquer momento. Mas ainda assim, ela viveu 73 anos e não morreu de asma. Nice se lembra também de que meu pai gostava de fazer bolos. Eram deliciosos. Ela aprendeu a fazer bolo com ele. Até hoje, Nice faz bolo do jeitinho que meu pai fazia. E toda vez que faz ela se recorda dele, mesmo sabendo que ele era bravo. Era bravo, mas por trás daquilo tudo, no peito batia um bom coração cheio de preocupação com os filhos: onze, sendo seis mulheres e cinco homens. Ao escrever agora sobre isto, me lembro de uma mensagem do governo de Minas interpretada pelo cantor Zezé Di Camargo, em que ele diz: ‘um pai cuida de dez filhos, mas dez filhos não cuidam de um pai’. No dia em que vi e ouvi esta mensagem, fiquei pensando: ‘se meus pais fossem vivos, será que eu e os meus dez irmãos (um, Miguel, morreu com menos de um ano de nascido) estaríamos cuidando deles?’
Fiz a indagação a mim mesmo porque a essa altura do campeonato, de tanto ver exemplos beirando o absurdo, a experiência nos diz que chega um momento em que o ser humano mais velho corre o risco de se tonar um estorvo. Isto é muito triste. Respeito aos mais velhos é preciso. Pelo que são; pelo que foram e pela situação em que se encontram aqueles que não têm mais autonomia de voo. Enfim, vem-me uma conclusão: da vida, nós recebemos de troco aquilo que fazemos de bom ou de ruim. Quem não honra pai e mãe; quem não respeita os mais velhos e as pessoas de modo geral, age feito escorpião. Chega uma hora que o bicho, pertencente à família dos aracnídeos, pica a si mesmo. Morre sob o efeito do próprio veneno.


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Por Alberto Sena - 15/12/2010 09:35:31
Pequi com maxixe

Alberto Sena

Montes Claros fica uma delícia nesta época do ano; dezembro, janeiro. Vivemos as safras de manga, pequi, pitomba e jabuticaba, porque a de cagaita, nome científico Eugenia dysenterica, já se foi. O nome popular, cagaita, é sinônimo do científico, daí não ser conveniente abusar da fruta, principalmente quente de sol. Fato é que Montes Claros tem sabor, cheira e transpira pequi. E para o ano, poderá agregar mais sabor e mais cheiro. O prefeito Luiz Tadeu Leite estuda incluir, na próxima Festa Nacional do Pequi, o maxixe. Ao ler o texto ‘Enquanto se pode maxixar’, ele deixou um comentário: ‘Muito oportuna a sua sugestão’ de realizar também em Montes Claros uma festa nacional do maxixe – do fruto e da dança.
‘Imagino a possibilidade de a gente acrescentar o maxixe como co-motivador da festa do pequi’, disse o prefeito. E acrescentou: ‘Poderíamos ter, assim, a ‘Festa Nacional do Pequi e do Maxixe’. Tadeu justificou a ideia: ‘O maxixe mereceria uma festa só dele, mas talvez isso motive críticas no sentido de que estaríamos promovendo festa demais’. Por fim, Tadeu Leite pede opinião: ‘O que você acha da junção do pequi com o maxixe na nossa festa de porte nacional?’
Particulamente, eu acho boa a ideia e digo mais: pode-se começar assim, festejando o pequi com maxixe – o fruto e a dança. Mais pra frente, dependendo da repercussão e do interesse das pessoas, o maxixe poderá vir a ter ou não uma festa particular. É um caso a pensar e avaliar. Claro que uma festa dessa não seria só para defender única e exclusivamente o pequi ou o maxixe. Necessário se faz aproveitar a motivação para alertar o Norte de Minas para os perigos em derredor, incluir no evento uma dose de cultura e ideologia no sentido de conscientizar as pessoas para a necessidade de defender Montes Claros como cidade pólo e a população, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida na região. Com o advento da mineração, o Norte de Minas corre o risco de, numa comparação, virar laranja chupada – bucha de laranja, no sentido lato. Os chineses, embora não tenham olhos abertos tanto quanto nós temos, enxergam longe e têm cacife. Se nós não ficamos atentos e vigilantes, eles poderão fazer bem (ou mal) o que bem quiserem. O jornalista Dídimo Paiva, profissional que de idade tem hoje 82 anos, 60 dos quais só de jornalismo, cujas histórias escrevemos em viagem fictícia de trem de ferro carregado de passageiros e de memórias, conclui um livro intitulado: ‘Maldição dos países ricos em minerais’. O alerta dele serve direitinho para o Norte de Minas, de onde as riquezas podem ganhar asas para servirem a meia dúzia de senhores. Montes Claros já teve vários boons político e socioeconômicos. Teve o da ‘Revolução de 30’, o da pecuária, o do comércio, o da indústria, o do carvão vegetal. E embora viva ainda hoje dependente de tudo isto, daqui a pouco experimentará o que acontece antes, durante e depois que o minério de ferro for retirado do terreno. Mas se tudo isto for inevitável, fiquemos todos atentos, vigilantes. Mineração não é só para abrir crateras e buracos. É também para cumprir com todas as obrigações ambientais, recompor de acordo a área após a exploração e reduzir ao mínimo os danos colaterais. Em vista disso, que a próxima ‘Festa Nacional do Pequi’, a XXI, venha com recheio de maxixes – o fruto e a dança – para chamar a atenção para essa tríade, mas também para as necessidades de Montes Claros, porque em democracia, quem cala consente. Quem discorda faz como a criança de peito: chora e grita quando está com fome.
Um tempo para a escritora Ivana Rebello: ‘Gostei muito do seu olhar sobre Montes Claros e da sua declaração de amor sem ufanismo, mas onde se nota a apreensão do que é verdadeiramente nosso. Reencontrar o ‘torrão natal’ tem sido uma máxima bastante produtiva na literatura; experiência desencadeadora de lembranças e evocadora de uma memória que evoca sentidos, sensações e poeticidade. Aproveitei e li a sua crônica, literalmente saborosa, porque escrita sobre maxixes e humor. Particularmente, como ‘seo’ Ênio, sou adepta de uma boa maxixada, com carne de sol desfiada, acompanhada de pimenta dedo de moça e farinha Morro Alto. Ahhhhhh!!!! Delícias do sertão, que devem ser degustadas num dia de sábado, na companhia de amigos diletos e, quem sabe, regados com uma cervejinha bem gelada. Ao fundo, essas modas da nossa gente, que não tocam nas rádios comerciais, mas que deixam a ‘gente comovido como o diabo’, como disse uma vez Drummond (outro bom produto desses gerais). Abraços literários desse sertão montes-clarense’.


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Por Alberto Sena - 9/12/2010 08:43:34
Enquanto se pode maxixar

Alberto Sena

Coincidência ou não, é no mínimo interessante o fato de o prefeito de Montes Claros, Luiz Tadeu Leite sugerir como símbolo da nossa região o maxixe assim como o pequi o é desde muito tempo. Ele acompanha a campanha ‘Vamos Maxixar’ e teceu comentário no blog ‘Minas Livre’ dando a ideia, que, convenhamos, é boa.
Digo coincidência porque, no segundo mandato de Tadeu Leite, ainda como repórter do jornal Estado de Minas, fiz uma série de reportagens em defesa do pequizeiro, e sugeri ao prefeito realizar a Festa (Nacional) do Pequi, nos moldes de outras regiões que realizam festivais da uva, do milho, do vinho, da jabuticaba e do que mais identifica o lugar. No caso de Montes Claros, que não produz pequi, é justamente esse fruto, esteio do Cerrado, que identifica a nossa região.
Um belo dia da década de 1990, o prefeito Tadeu Leite telefonou para dizer que estava acatando a sugestão e realizaria a ‘I Festa (Nacional) do Pequi’. E de lá para cá, todos os anos é realizada e os montes-clarenses roedores empedernidos e contumazes esperam que seja realizada sempre. Vivemos a versão XX da festa, um marco legal!
Acredito: o que acabei de revelar não está registrado em nenhum livro de história da cidade, mas Luiz Tadeu Leite é prefeito pela terceira vez e quem quiser pode pedir o testemunho dele para corroborar a afirmativa feita daqui dos píncaros deste maxixal.
Além disto, o prefeito como autoridade maior do Município, tem plenos poderes para instituir também a ‘Festa Nacional do Maxixe (e Maxixes)’, com o fito de valorizar a hortaliça e resgatar a dança que, como já repetido aqui, foi condenada sumariamente. Nem respeitaram o direito de a pobre se defender nem tampouco de existir.
Juntos, vamos imaginar o quanto seria bom se Montes Claros tivesse uma vez por ano uma festa do maxixe (e maxixes). Poderia chamar a atenção do Brasil inteiro, o que seria bom para a cidade tanto quanto para o maxixe e maxixes.
No caso da hortaliça, a parte de baixo do Brasil passaria a conhecer e consumir esse fruto que é bom pra chuchu, porque parente do pepino, uma solução para cabelos e unhas fracos devido conter zinco e outras cositas mas como já foi falado.
No caso da dança, imaginem o quanto seria gostoso resgatar o ritmo que mexe, remexe e provoca remelexo nas cadeiras das moças e dos moços e isto poderia atrair para a cidade artistas e apreciadores de todo o País. De repente, um dos artistas da terra pode ter a felicidade de compor uma música no ritmo e a coisa pega feito goma arábica – os árabes inventaram a goma arábica e num colou?
Se for levado em conta que os montes claros precisam chamar a atenção das autoridades para os seus problemas socioeconômicos, que vêm fazendo a cidade inchar como vítima de edema, maxixe e maxixes poderiam ser boa estratégia política para gritar bem alto ao governo do Estado, ao governo do Planalto Central e ao mundo inteiro que o município existe, e se chama Montes Claros, e quer ser visto e reconhecido na hora da partilha das verbas públicas e tudo mais que significar melhoria da qualidade de vida da população.
Como maxixe e maxixes são democráticos, podem muito bem servir, a partir de agora, como ferramentas de pressão política para exigir a atenção dos governos às questões, como: respeito ao meio ambiente, saneamento básico, estações de tratamento de esgoto, saúde pública, educação, alimento de qualidade e barato, emprego e moradia dignos para esse percentual da população carente, mas valente, que pulula na periferia da cidade.
Sem querer ensinar o ‘Pai Nosso ao vigário’, mas orando junto com o prefeito a oração que Jesus Cristo nos ensinou, tomo a liberdade de recomendar a ele autorizar a assessoria direta da Prefeitura a tomar as iniciativas preliminares para a instituição da ‘Festa Nacional do Maxixe (e Maxixes)’ para o bem do esqueleto e a alegria da alma de quem gosta ou não da hortaliça. Quem gosta consome maxixe e dança. Quem não gosta, dança.
Desse modo, maxixe e maxixes estão nas mãos do prefeito Luiz Tadeu Leite. Quem deu ao pequi o que é do pequi, pode muito bem dar ao maxixe o mesmo tratamento. Pequi com maxixe é prato delicioso! Levanta o moral de qualquer um.
Assim sendo, fica a frase do dia: maxixemos enquanto se pode maxixar.
(Dois tempos: um para Murilo Antunes, que enviou: ‘Maxixar, maxixemos /se não quiser /nós queremos /quem maxixa amigo é’; e o outro para João Hamilton Trindade: ‘Maxixe merece república; maxixeiro diferencia; é cara de posição. Das muitas receitas das donzelas casadouras. Haja maxixe! Parabéns!’


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Por Alberto Sena - 2/12/2010 09:03:54
Em Busca De Fogo

Alberto Sena

Busquei fogo em Montes Claros nos dias 27 e 28 de novembro. No sábado, 20h30 foi o casamento de Joyce e Sydney, na Igreja de Santa Clara. Joyce, filha de José Venâncio Batista e Isabel Lopes Prates Batista; e Sidney, filho de Estevão Barbosa e Rosalva Souto Barbosa. Foi uma bela cerimônia realizada pelo padre Silvestre.
Evidentemente, como a estada foi curta, quase nada mais pude fazer além de curtir os irmãos, Terezinha, Ladinha, Waldyr, Zé Venâncio, Lúcia, Wanda e os sobrinhos, que bem dão contam da multiplicação da família, cujo tronco é do casal José Batista da Conceição (Zé Bitaca) e Elvira de Sena Batista.
Nesses tempos abarrotados de tudo – gente, carros, motos e bicicletas – em Montes Claros, Wanda tem o privilégio de possuir nos fundos da casa um pequeno quintal onde se pode constatar neste momento um pé de manga Haden em franca produção, cheio de grandes e pesados frutos, que dão o que pensar. Como é que pode uma mangueira tão carregada suportar o peso de tanta manga?
Ainda no quintal, meia dúzia de passos adiante se pode deparar com uma jabuticabeira empolada de saborosas bolinhas pretas, que se repartem com os passarinhos e os insetos zunindo em derredor.
Lagartixas correm pelos muros na operação de controle biológico de insetos, e quiçá, chupar jabuticabas no chão, se é que esse bicho trepador da família dos Gekkonidae também chupa essa delícia que a natureza nos dá nesta época do ano.
Retornar a Montes Claros depois de mais de quatro anos é como um mergulho na própria memória individual e coletiva. Só o fato de estar na cidade, respirar o ar da região, sentir o magnetismo do torrão Natal, suar o suor provocado pelo calor reflexo do sol de fritar bolinhos no asfalto, é uma incursão doce, como o doce de marmelo que não encontramos dessa vez no Mercado Municipal, mas em compensação achamos o doce de cidra em barras quadradas, que já foram bem maiores, tudo isso é uma dádiva de Deus que nenhum cristão, budista, induísta, ateu ou cidadão do credo que for pode rejeitar.
Deus não faz acepção de pessoas, derrama graças para todos que estiverem com os canais de energia livres das gorduras que entopem as vias e As veias abertas da América Latina, título do livro do uruguaio Eduardo Galeano que todo cidadão sul-americano deve ler.
Não posso tecer comentários com mais rigor sobre Montes Claros porque não tive tempo de andar para ver como está a cidade onde nasci e vivi. Mas tive tempo de participar de uma missa na capela da Santa Casa onde nasci e naquela manhã de domingo fui chamado pelo Espírito Santo para proclamar a primeira leitura da ‘Liturgia da Palavra’.
No pouco visto da cidade, a partir da Rodoviária onde desembarquei, dá para assustar. Primeiro porque aquele espaço não parece ser o mais adequado para realizar eventos como a festa do pequi. Depois porque realizar a XX Festa Nacional do Pequi no início da safra parece tão inadequado também quanto realizá-la ao término da safra, como vinha sendo feito desde o início.
Posso estar errado e me corrijam: melhor seria fazer a festa quando da chegada ao Mercado Municipal dos pequis grandes, avermelhados, lá de Mirabela, Coração de Jesus e Japonvar, que, com os seus 8.305 habitantes, se orgulha de ser a ‘capital nacional do pequi’, porque Montes Claros mesmo não produz e leva a fama por ter mais carisma e poder de imantação por ser pólo e receber atualmente gente de toda parte do País. Daí a defloração da alma montes-clarense por um sem número de forasteiros que trouxeram todo tipo de bondades e maldades das metrópoles.
Montes Claros não perdeu o aspecto cor de poeira, pó de Cerrado que a caracteriza desde muito antes dos paralelepípedos, dos bloquetes e do advento do asfalto, que a propósito, carece de recuperação porque buracos se espalham em profusão e tendem a virar crateras com o período de chuva entrante.
Ah, Montes Claros! ‘Amo-te muito’, como rezaria João Chaves, nos versos centenários, porque faço parte de uma geração que pegou o melhor período da cidade abarrotada de sonhos, ideias e ideais, não de construção de uma cidade que incha e precisa encontrar logo os meios de desativar a bomba de muitos megatons a ponto de explodir.
P.S.: Leiam semana que vem: ‘Enquanto se pode maxixar’.


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Por Alberto Sena - 25/11/2010 08:38:10
A Democracia do Maxixe

Alberto Sena

Maxixe é hortaliça democrática. Mas de jeito nenhum pretende ser unanimidade nacional porque dizia Nelson Rodrigues, que o biógrafo Ruy Castro disseca no livro Anjo Pornográfico, ‘toda unanimidade é burra’ e quem quiser leia as mais de 400 páginas para comprovar essa e outras questões. Como por exemplo: ‘Jovens, envelheçam, envelheçam’. Dizia ele diante dos arroubos da juventude. Mas não é sobre Nelson Rodrigues e sim do maxixe que volto a tratar porque de fato é um fruto democrático, aceita muito bem ser amado e ser odiado. ‘O que fazer?’ O maxixe se pergunta e ele mesmo responde: ‘Nem Jesus Cristo, o Senhor do Universo, a todos agradou, eu é que vou conseguir logo este pobre maxixe mortal que serve só para matar a fome das pessoas, cru, cozido ou na maxixada?’ Como an passant foi registrado aqui no episódio anterior, num post scriptum da campanha ‘Vamos Maxixar’, André Senna ‘odeia’ maxixe. Entre os milhares de correspondências e as mensagens eletrônicas recebidas, a maioria a favor, eis o que ele solicita, na condição de sobrinho: ‘Favor não me incluir nessa campanha. Sugiro fazer uma lista separada: ‘Vamos Maxixar’ versus ‘Odeio Maxixe’. ‘Aposto – prosseguiu – um quilo desta ‘coisa’ que ganho disparado. E aposto mais um quilo que os adeptos só ‘adoram’ maxixe com carne, bacalhau, farofa de ovo etc. Quero ver quem encara isso puro. Coloca aí na sua lista meu grande avô Pacífico Rodrigues (in memorian), maior fã desta ‘coisa’ sem gosto, e minha mãe Dizinha também. Na minha lista (‘Odeio Maxixe’) pode colocar Andrezinho, Duda, Danieli, Waldyr Senna e eu encabeçando a lista, é claro! Quer trocar um quilo de maxixe (ecaaa) por um de picanha (hummm)?’ Em posição diametralmente oposta à do estimado sobrinho está o engenheiro agrônomo da Emater-MG, Reinaldo Nunes de Oliveira, que disse: ‘Como apreciador do maxixe, gostaria de cumprimentá-lo pelas brilhantes crônicas sobre esta hortaliça e como incentivador do plantio, gostaria de solidarizar com a campanha ‘Vamos Maxixar’ informando que o governo de Minas tem um programa de distribuição de sementes para o plantio (arroz, feijão, milho, sorgo) para os agricultores familiares e conseguimos incluir [para desespero de André e dos demais] o maxixe na lista de plantio para o Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha devido à tradição de cultivo e consumo nessas regiões’. E concluiu Reinaldo: ‘Quanto ao Alberto de Castro Guedes, Beto Guedes, gostar de maxixe, isto se deve à d. Júlia que preparava um prato que não tinha ser humano que recusasse [nem André, Andrezinho, Duda, Danieli e Waldyr Senna?!]. Você deve saber o porquê do alto consumo do maxixe pelos nordestinos principalmente com espinho. Mas isto é outra estória’. Pelo jeito – e baseado em dados de pesquisas fidedignas pró-maxixe e maxixes de institutos nacionais e internacionais da mais ilibada e elevada credibilidade – a campanha ‘Vamos Maxixar’ alcançará os seus objetivos, que incluem o resgate da dança porque faz o sangue correr com mais desenvoltura pelas veias dos gregos e das gregas, mas também dos troianos e das troianas. Nos últimos instantes, já na fase de prorrogação, eis que vem a mensagem do professor Paulo Carvalho, assessor da presidente do Hospital da Baleia, Tereza Guimarães, de Belo Horizonte, que presta os mais relevantes serviços de saúde e é referência no Brasil inteiro em várias especialidades médicas. Ele pede: ‘Inclua-me, por favor, na lista dos apreciadores de maxixe. Inclua também Ana Paula e minha irmã Graziela, que são chegadas no maxixe. Parece que além de gosto, tem a qualidade de não engordar, e isto vale ouro em tempos modernos’.
Desse modo, e em virtude de tamanha aceitação, ao ritmo maxixes vamos maxixando. A luta continua companheiros! Se ao final não conseguirmos ‘salvar’ o maxixe da corrente contrária, a dos adeptos da campanha ‘Odeio Maxixe’, ainda assim sairemos no lucro, porque vamos juntos dançar; literalmente. Maxixes neles! Em tempo: para registrar o comentário do prefeito Luiz Tadeu Leite sobre o texto ‘Ovo e Maxixe ou vice-versa’, no blog ‘Minas Livre’: ‘Esse ovo caipira frito tá lindo! E o maxixe é nativo, que bem poderia ser como o pequi, símbolo da nossa região. Parabéns pela lembrança’.


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Por Alberto Sena - 18/11/2010 08:47:23
Vamos à Prática

Alberto Sena

Pelo que pudemos constatar, maxixe mexe e remexe com as pessoas tanto quanto a dança maxixes sacode as cadeiras das moças, principalmente. A energia que flui do fruto e da dança parece ter alta voltagem tamanha capacidade de mexer e remexer com o esqueleto, e particularmente, com o estômago das pessoas. A essa altura da fervura da campanha ‘Vamos Maxixar’, Virgínia Abreu de Paula, filha do grande Hermes de Paula, virou, mexeu e remexeu ao ritmo maxixes e me fez chegar, por intermédio de Juventino Carlos Marques da Silva, Tininho, uma dissertação a respeito de maxixe e maxixes, que, com a devida permissão dela transcrevo abaixo porque seria egoísmo da minha parte ficar com as informações só para mim. Diz ela: ‘Apenas a título de informação: temos maxixe em casa todos os sábados. Há anos que é assim. Creio que desde a minha infância. Uma vez, convidei a cantora Dea Trancoso para vir aqui almoçar comigo no sábado, ela disse que viria, mas não apareceu. Perdeu o maxixe e a mandioca. Gostei da idéia de colocar o maxixe no arroz. Aqui, ele é feito picadinho. Fica uma delícia. Uma vez, recebemos uma japonesa como hóspede e ela ficou maravilhada com o maxixe picado. Disse ter sido o prato mais saboroso que ela já provou. Não conhecia, embora more há algum tempo no Rio de Janeiro (RJ). ‘Detalhe: não devemos deixar o maxixe ‘mofando’ na geladeira. Lita vai todos os sábados ao mercado central, compra o maxixe e o prepara logo no mesmo dia. Tem de ser novo. ‘Quanto ao ritmo, fui ao aniversário de minha tia Leo, no dia 11 passado, e praticamente só deu maxixe para a gente ouvir. O som ambiente foi na base de polcas e maxixe. Isso porque tia Leo fazia cem anos! Claro que o maxixe é bem mais velho. Creio que surgiu lá por 1870, por aí. Mas ainda era bem tocado quando ela era mocinha, embora eu pense que as valsas, o chorinho e o samba eram mais populares, lá por 1920. E as modinhas também. Uma vez, achei um site com listas das músicas mais tocadas desde o início do século passado. Não sei onde está mais. Era algo precioso. Incrível como as árias italianas eram populares. O Caruzo era campeão de vendas. E achei várias modinhas que aprendi quando menina na parada de sucesso dos anos 20, salvo engano. Ou anos 10, já não sei ao certo. Coisas como Noite Cheia de Estrelas e A Última Estrofe. Tinha um cantor de nome estranho: Albenzio Perrone. Cantava tangos e valsas. Minha mãe me disse que era o seu favorito na juventude. Ele era francês, filho de italianos, mas morava no Brasil. Estou falando como se você não o conhecesse. Me perdoa. Vai ver que tem todos os seus discos! rs rs rs. ‘O primeiro maxixe que ouvi foi tocado no piano por Maria Ignes Macielo de Paula. Chamava-se Brejeiro. Hoje, é um clássico e todos os aspirantes a pianistas tocam essa música. Para ressuscitar o maxixe, poderemos contar com a ajuda dos conservatórios de música’. Pode até ser presunção da minha parte, mas a continuar esse volume de mensagens e cartas, daqui a pouco vou me tornar um chef gourmet e vou concorrer com Sílvia e Claude Troigros, porque no que fui contar que frito ovo como ninguém, e ainda revelei o meu segredo, comecei a receber propostas para ensinar didaticamente e em domicílio às pessoas o exercício difícil de fazer o dito cujo chiar de acordo na frigideira. Entre a montanha de cartas destaco a da prima Marlene Fialho, que já pelejou para fritar ovo e nunca conseguiu porque ou a gema esparrama ou a clara se parte em algum ponto e pronto, vira aquela meleca. Ela disse também que não morre de amores por maxixe, mas come. Come porque não é boba e sabe bem que se se pode absorver diariamente ‘remédios’ naturais frutos de uma alimentação saudável, pra que ir buscar na farmácia? Marlene gosta de fazer maxixe com carne de sol picadinha, o que é muito gostoso também. Cada um tem a sua receita. Assim como o estilo de dançar maxixes varia de uma pessoa para outra. O importante, tanto num caso como no outro, é o cidadão ou cidadã declinar, enquanto pratica com frequencia, o verbo: eu maxixo; tu maxixas; ele (ela) maxixa; nós...
P.S.: O ponto comum entre maxixe e pequi é que quem gosta, ama. Há os que não gostam: André Senna, que inaugura a campanha dos que são contra maxixe, o fruto. E a dança?


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Por Alberto Sena - 11/11/2010 13:20:00
Maxixemos, Pois

ALBERTO SENA

Nesse cronicar é possível aprender concomitantemente no exercício dessa tarefa incrível, por meio da qual se pode concluir o seguinte: o que somos senão meros canos de cloreto de polivinila ou policloreto de vinila, mais conhecido pelo acrônimo PVC, por onde jorra a água que não se sabe de onde vem? O texto deve possuir condão. E se toca o coração é fatal. Se a crônica toca a cachimônia e chacoalha os neurônios faz um bem arretado carregado de sotaque baiano. Se o texto toca o estômago, não tem bípede pensante e implume que não se deixa envolver estando ou não com fome. Quem acompanha a incursão semanal nessa intrigante tarefa sabe que nas duas inserções anteriores me aventurei na complicada e ao mesmo tempo delicada arte culinária. Fui pinçar o maxixe do meio da cesta da feira e deu no que deu. Além de ter despertado a atenção de empedernidos apreciadores, surgiu até a iniciativa de lançar a campanha ‘Vamos Maxixar’, o que, como diriam os produtores lá na pedra da Ceasa, ‘é uma faca de dois legumes’, porque nessa campanha estão inclusas duas questões: a primeira é deveras e com toda sinceridade divulgar mais o maxixe como fruto precioso na alimentação. Quem não come maxixe deixa de absorver os ‘remédios’ contidos nele e que não são encontrados em nenhuma farmácia. A outra, é a dança maxixes, que como todos se lembram, foi escorraçada do cenário artístico nacional por mero preconceito e é preciso resgatá-la, procurando uma maneira especial, renovada, de dançar. E para isto, peço que o amigo Murilo Antunes assuma a dianteira, porque afinal de contas, ele é o pai da ideia da campanha. Até aqui, ao ponto de manifestar adesão, com ficha de inscrição fictícia e tudo que um cidadão ou cidadã tem direito, já estão no rol as seguintes pessoas: Sílvia, Roberto, Reinaldo, d. Terezinha, Carmen Lúcia, Murilo Antunes (e o Joe, não?), Beto Guedes, Magela Sena Almeida, a mãe dela, tia Ambrosina e d. Elvira (in memorian) e Virgínia de Paula – acaba de chegar – entre outras pessoas que ainda não se manifestaram mas irão se manifestar, porque essa campanha é igual água morro abaixo e fogo morro acima. Para colocar um pouco mais de fervura nessa efervescente campanha, chega da lavra de Magela, que ocupa uma cadeira na Academia Montes-Clarense de Letras, mensagem que a coloca no rol da campanha pelo maxixe e maxixes, e que, daqui, dos píncaros deste maxixal, tomo a liberdade de divulgar, na íntegra: ‘Gostei de ler suas histórias sobre o maxixe. Fiquei pensando... Deve passar no sangue mesmo: Alberto, Reinaldo, Dinha Tê (d. Terezinha), d. Ambrosina todos chegados num maxixe. Já comigo, também veio no sangue. Só que sem sal, óleo, essas coisas de cozinha. Gosto mesmo é de maxixes bem esquentado, apimentado que faz o corpo, a alma, você inteirinho balançar num ritmo gostoso. Por mim, saboreio maxixes uma noite inteira, ou uma tarde, uma manhã, qualquer horário. Se me pega de jeito, tô dentro’. E pelo jeito, Paulo Narciso, Itamaury Teles, Reginauro Silva, Waldir de Pinho Veloso e Adriano Souto são chegados também em maxixe e maxixes, senão eles teriam motivo para não aderir à campanha em seus prestigiosos veículos. Adriano enviou mensagem dizendo: ‘só consertei uma data (no texto anterior, data relacionada ao derradeiro encontro com Beto e Gegê): o encontro foi no final da década de 70, acredito que mais precisamente em 1979 (em novembro deste ano, fui para Brasília e me lembro da capa da revista Montes Claros em Foco com o Beto Guedes)’. Deve ter sido isto mesmo. E ele completou: ‘É sempre bom lembrar Gegê (Geraldo Santana Machado). Será que ele estaria curtindo a internet, os blogs?’ Difícil responder essa pergunta, embora quem coma maxixe ou dança maxixes tenha capacidades várias, até mesmo a de ser mundisensor. Tudo se resume numa glândula deste tamanho, ó, dum grão de feijão, chamada pineal, e se localiza no centro do cérebro. A tal produz um hormônio chamado melatonina. Procurem saber mais sobre essa glândula e a melatonina. Dizem que é por meio da pineal que o espírito entra e sai do corpo.


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Por Alberto Sena - 5/11/2010 08:35:49
Ovo e maxixe ou vice-versa

Alberto Sena

Em virtude da grande repercussão alcançada pelo maxixe, ouso aventurar-me mais uma vez em questões culinárias ou gastronômicas, embora eu não tenha pendor artístico para esfregar barriga no fogão. Gosto demais das coisas que vêm da cozinha, mas lidar com a tarefa de fazimento para mim é difícil porque não me enfronhei nisso quando era tempo. Até sei fritar ovo muito bem, mas tão bem que ninguém põe defeito. Por mais incrível possa parecer, foi o degas aqui quem ensinou Sílvia, chef gourmet de mão cheia, a fritar ovo. E quem duvidar pergunte a ela. Nem pense que fritar ovo seja coisa banal. Não é. Tudo na vida tem uma sua ciência. Para fritar ovo não bastam partir a casca e deixar caírem a clara e a gema na frigideira. A primeira atitude é pôr pouco óleo nela. Este é o meu jeito. Se tiver azeite é melhor ainda. Isto feito, a manha é ir jogando o óleo ou o azeite em cima da gema do ovo para que possa ficar durinha. É para quando o ovo for retirado da frigideira a gema não estourar.
Mas eu queria é falar mais um pouco do maxixe. A amiga Carmen Lúcia Antunes Marques mandou mensagem dizendo ter lido e achado conforme a catilinária muito aquém de Cícero sobre o maxixe, publicada aqui desde a semana passada. ‘Ontem mesmo – ela disse – comprei maxixe no Mercado Municipal e vou fazer como minha mãe me ensinou: ‘Você parte o maxixe em quatro – a mãe dela recomendou – e coloca dentro da panela de arroz, como se faz com suã de porco’. E ela concluiu a receita: ‘Fica uma beleza, a gente come até suar a ponta do nariz; aprendi a raspar com a faca os ‘espinhos’ desde cedo. Gostei de você ter se lembrado do maxixe, que deve ser mais divulgado’. Concordo plenamente, maxixe tem de estar dentro de todos os pratos brasileiros. Os meus sobrinhos, Roberto (BH) e Reinaldo (Itaúna-MG) também reagiram bem. Roberto falou que havia comido maxixe no dia anterior e Reinaldo fez questão de dizer que toda vez que vai a Montes Claros ‘dona Terezinha faz’ em homenagem a ele. Essa dona Terezinha é uma grande mãe! O amigo Murilo Antunes também foi despertado pelo cheiro do tempero do maxixe. Disse que ‘é um prazer ler sobre o maxixe com tanta veracidade’. E denunciou: ‘o maior fã que conheci de maxixe é o nosso parceiro e montes-clarense Beto Guedes, que o saboreia cru, com sal e limão: um tira-gosto da pesada’. A derradeira vez que com Beto estive foi na década de 1980, em companhia do nosso amigo comum, o falecido Geraldo Santana Machado, que durante algum tempo, ajudado pelo jornalista Adriano Souto, editor adjunto do jornal Hoje em Dia, tentou resgatar a Montes Claros em Foco, a revista do pai, o velho Ataliba Machado. Mas sei que Beto aprecia uma cachacinha. E maxixe, por mais curioso possa parecer, é um tremendo tira-gosto. Assim como o pepino. Basta jogar ‘prurriba’ um pouco de azeite e o que mais for do gosto e pronto, o pepino deixa de ser problema para virar solução. Murilo apreciou tanto a incursão gastronômica que não titubeou e como publicitário competente tanto quanto poeta, já sugeriu o lançamento da campanha ‘Vamos Maxixar’. Ele sugeriu e aqui, oficialmente, com todas as pompas e honras, faço questão de lançar a campanha, que tem dupla finalidade: propagar cada vez mais o maxixe e os seus benefícios à saúde como iguaria saborosa, e resgatar a dança maxixes, que por obra e graça do preconceito contra os forrobodós, foi praticamente proscrita, sumariamente, sem sequer ter o direito de se defender. O que além de ser uma injustiça, é uma atitude antidemocrática. Nós temos uma alternativa (ou duas opções): comer uma maxixada, como se come no Nordeste brasileiro; e dançar maxixes ‘enquanto o seu rei não vem’. De repente – quem sabe? – a moda pega e nessa brincadeira estaremos lançando um ritmo renovado, melhor do que os rebolations da vida. Quem tem um olho usa monóculo em terra de gente de visão, como o intrigante Jayme Ovalle, personagem principal do saboroso livro do escritor mineiro Humberto Werneck, que recomendo a leitura mais uma vez a quem interessar possa.


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Por Alberto Sena - 29/10/2010 13:03:08
Vamos comer maxixe

ALBERTO SENA

Desde muito tempo adoto o axioma inventado por um clarividente: ‘tanto pode morrer de fome quem não tem comida como quem a tem e não sabe comer’. Assim como é importante investir na alimentação ‘para economizar o médico, a farmácia e o hospital’. Frutas, legumes e verduras diversificados, todos os dias, além, claro, de castanhas – do pará, nozes, amendoas, linhaça, granola, aveia etc. – parecem ser o que há de mais saudável. Afinal, as vitaminas, proteínas, sais minerais e tudo mais que o organismo necessita estão nos alimentos. Não nas farmácias.
Para eleger, entre outros, um alimento que, suponho, seja pouco consumido no dia-a-dia, refiro-me ao maxixe. Quem come maxixe aí, levanta o dedo. Quando criança, na casa de dona Elvira, em Montes Claros, comer maxixe era um horror. A começar da aparência da hortaliça, vendida no Mercado Municipal, naquele inigualável casarão, com um relógio do tipo ‘cebolão’ na torre parecido com as miniaturas que os nossos pais usavam na algibeira, palavra que sempre achei esquisita. Fato é que maxixe era esquisito tanto quanto algibeira. A diferença era maxixe ter rabinho e arremedos de espinhos inconsistentes. Dentro do maxixe as sementinhas – aaarrrgueee! – eram purgante.
Purgante de antigamente, porque hoje em dia, purgante é totalmente diferente. Pode ser adquirido em comprimidos, estes, sim, na farmácia, e com gosto de frutas diversas. Maxixe é alimento tradicional no Nordeste. Por aqui, por estas plagas, e pelo Brasil da parte de baixo, a hortaliça é pouco conhecida e, ‘por via de consequência’, pouquíssimamente consumida. O que é uma pena, porque maxixe é de grande importância na alimentação. Originário da África, foi introduzido no Brasil pelos escravos. Maxixe é uma ‘Cucurbitacea’. Entendeu? Se não, vai entender. É da mesma família da abóbora, pepino, melão e melancia. É rico em sais minerais, principalmente zinco. Tem poucas calorias. Segundo os mais respeitados nutricionistas de plantão, o maxixe contém também cálcio, fósforo, ferro, sódio, magnésio, vitamina C, complexo B e beta-caroteno (provitamina A). O tal ajuda a evitar, segundo os entendidos, alguns problemas como de próstata; auxilia a diminuição dos depósitos de colesterol, elimina as manchas brancas das unhas e ajuda a cicatrização de ferimentos internos e externos, dizem. No Nordeste brasileiro comem-se a ‘maxixada’. É quando o nosso personagem é cozido junto com carnes, abóbora, quiabo e temperos. Cru, o maxixe pode ser usado na forma de salada, em substituição ao pepino. ‘Maxixes’ surgiu a partir de 1880. Não a hortaliça, mas o ritmo de dança que leva o mesmo nome. Se o fruto fosse coisa ruim, será que alguém ousaria batizar uma dança com esse nome? ‘Maxixes’ – o ritmo, não o fruto – definido como ‘gênero autônomo’, acabou contaminado pelo preconceito ‘em relação ao baixo nível social em que surgira’, os forrobodós ou bailes populares também chamados de ‘maxixes’. O escritor mineiro Humberto Werneck conta em ‘O Santo Sujo – a vida de Jayme Ovalle’ que no governo do presidente Afonso Pena (1906-1909) o ritmo ‘maxixes’ não podia ser executado pelas bandas militares porque o ministro da Guerra, Hermes da Fonseca, proibira. Hoje, pouco se ouve dizer sobre o ‘maxixes’ – o ritmo, não o fruto – que até o início do século passado continuaria sendo cultivado musicalmente, mas muitas das vezes travestido de nomes como ‘tango ou tanguinho’. Infelizmente, não tenho argumentos para defender o ‘maxixes’, o ritmo musical. O alimento defendo-o com todos os dentes. É rico pra chuchu. Chuchu, que também é riquíssimo. Maxixe é tão rico quanto o pepino, que, de ‘problema’ nada tem. E aposto: entre os que leem estas linhas não há quem saiba porque pepino virou denominação de ‘problema’, quando de fato é solução. Assim como o maxixe – o fruto, não o ritmo musical. Se quando criança o sexagenário aqui soubesse da importância do maxixe, do chuchu e do pepino, estaria comendo uns e outros no almoço e no jantar desde cedo. E sem fazer caras e bocas feias.


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Por Alberto Sena - 21/10/2010 16:12:23
NO DIA SEGUINTE
Alberto Sena

Pelo menos por enquanto, os cientistas ainda não descobriram onde ficam os escaninhos da nossa memória.
Parece que não há no cérebro um lugar determinado onde ficam alojadas as nossas lembranças. Há suspeitas de que a memória faça parte do cérebro como um todo.
Mas vamos dar tempo aos cientistas para que aprofundem mais nas pesquisas e possam confirmar o que até aqui é só uma suspeita, ou senão encontrem de fato o lugar onde fica a memória de cada um.
Sem memória o ser humano não vive, vegeta. E muito menos uma cidade como Montes Claros ou qualquer urbe do planeta.
Assim como Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, ex-amigo de Sigmundo Schlomo Freud, com quem cortou relações, trabalhava o inconsciente das pessoas e na tarefa advogava a existência do inconsciente coletivo, a mesma coisa se dá com a memória. Há a coletiva também.
Quando lá atrás o médico, historiador e estudioso do folclore, Hermes de Paula, cuidou de fazer apontamentos sobre a história da cidade e publicou um livro, que depois foi atualizado e relançado, a velocidade da rotação da Terra parecia ser mais lenta.
Nesses tempos globais em que os acontecimentos se atropelam e as pessoas não têm sequer um olhar para os lados a fim de observar o que se passa ao redor, a memória coletiva da cidade corre o risco de se dissipar. Este é o fantasma dos nossos tempos. Estamos deixando passar despercebidos momentos importantes dos nossos dias talvez por falta de um Hermes de Paula para fazer o que ele fez em busca da gênesis das famílias montes-clarenses.
Os registros de hoje não podem se limitar aos casos de assassinatos, acidentes de trânsito rodoviário e as controvertidas ações políticas quase diariamente publicadas na imprensa local. O que pode estar escapando é a alma da população da cidade, que, por ser corpo etéreo, se dispersa feito fumaça, porque as pessoas a cada dia mais perdem a capacidade de contemplar e registrar o belo que acontece, fixando-se demasiadamente no brutal e chocante, como se só isto fosse interessante.
Preservação da memória, pessoal ou coletiva: deve ser essa energia que move cronistas gigantes como José Prates, Augusto Vieira, Raphael Reys, Flávio Pinto, Haroldo Tourinho, Waldyr Senna e os que, por escreverem com menos frequência nos priva de belas crônicas; talvez seja isto que os leva a escrever toda semana um pouco da vivência no arraial, tascando na memória coletiva de Montes Claros, cidade que se transformou bastante, desde a década de 1970. E sem planejamento adequado.
Tenho mais tempo de Belo Horizonte, hoje, do que de Montes Claros, a contar do nascimento até o dia em que, de mala e cuia, parti. E embora tenha voltado várias vezes, há uma data aí não ponho os pés. E não é por nada não. Em breve o retorno vai acontecer.
Os registros feitos sobre os bons momentos vividos no arraial, embora simplórios, carentes de mais substância até, podem de alguma forma servir adiante de material para pesquisa de uma época em que a Montes Claros de hoje ainda estava em construção. E por mais que as personagens lúcidas da época alertassem para os perigos do progresso a qualquer preço, pouco adiantou porque a cidade sofre hoje as consequências da falta de siso.
Quanto à memória pessoal, inspirado pela chuva que cai e escorre pela janela de vidro fechada, me lembro bem do dia em que a minha irmã, Elza, se casou. Pela ordem, ela é a segunda das onze crias dos meus pais. Era um sábado à tarde semelhante a este. A única diferença é que naquele dia caíam chuviscos em Montes Claros e não essa chuva forte de agora, que se espalha e embaça o vidro da janela, nesta cidade encarapitada de edifícios.
O fato é que, na época do casamento de Elza, a memória era dum menino de três anos de idade. Morávamos na Rua Marechal Deodoro, atrás da Praça de Esportes, numa casa inexistente hoje, mas a alma dela ficou para sempre. O quintal era como o paraíso. Só jabuticabeiras havia 22. Fora mangueira, goiabeira, laranjeira e que tais.
Mas era tanta jabuticaba, parecia não acabar mais. Chupávamos, dávamos, vendíamos e ainda tinha jabuticaba. A barriga cheia ficava assim, ó! O problema era no outro dia.


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Por Alberto Sena - 15/10/2010 09:21:44
Tendepá

Alberto Sena

‘Gerinha Português’ morava no sobrado na esquina das ruas Afonso Pena e Padre Augusto. Gilson Peres – o ‘Gilson Capeta’ – morava na Rua Dr. Santos. Os dois davam condimento picante a Montes Claros daquela época. O primeiro era dotado de mais idade. Tinha o costume de cumprimentar assim: ‘olá, meu chapa’! O habitat dele, de Valdeci (Cici) Santamaria, filho de Neco Santamaria, figura lendária da política montes-clarense, que tinha um olho de vidro; e outros, que faziam parte da patota comandada por ‘Gerinha’, era ali na esquina das ruas Presidente Vargas, antiga famosa ‘Rua Quinze’, e Simeão Ribeiro, no centro de Montes Claros, onde funcionava a loja dos portugueses João e Antônia Ramos. Hoje é uma loja de roupas, segundo me informa Zé Venâncio, da Lavanderia Asteca, meu irmão. Quando o relógio dava oito horas da noite, era passar por ali e lá estavam a postos ‘Gerinha’ e Cia. Às vezes, eles se sentavam na porta da loja de Jabbur, em frente, e ficavam ali horas a fio em conversas. Cici tinha o costume de ler palavras de trás para frente. Não só palíndromos. Ele gostava de brincar com as palavras de modo geral. Talvez fosse obcecado por isso. A toda mão, tinha de ler palavras de trás para frente. As pessoas o achavam ‘meio alguma coisa’ por causa disso. Nós não tínhamos convivência. Mas o fato de estarmos por ali também, próximos, acompanhados de amigos outros, numa noite ouvi Cici dizer: ‘comigo tudo tem hora marcada’. Todo dia, quando o relógio badalava meia-noite, era hora dele se sentar no trono para dar vazão à vida. Achei interessante essa disciplina. E foi a partir daquele momento que descobri: ‘Cici tem razão’. Descobri que, ao contrário dele, a melhor hora para dar vazão à vida é de manhã, logo cedo, ao despertar. Tudo depende do que se come. Como dizia um velho deitado à beira do caminho: ‘diga-me o que você come e lhe direi como vai a sua saúde’; intestinal, por exemplo. Retomando o fio inicial, lembro-me como se fosse hoje do quanto ‘Gerinha Português’ ficou bravo porque ‘O Jornal de Montes Claros’ publicou notícia dos tiros que ele dera de dentro de um carro, na noite anterior, saindo de uma festa. Foram tiros para o alto. Imaginem: naquele tempo, tiros disparados para o alto por ‘Gerinha’ eram notícia no jornal. Quanta diferença, comparados com a atualidade, quando tiros disparados contra alvos certos matam jovens na cidade quase todo dia. Hoje, imagino, ‘Gerinha Português’ escreve as memórias sobre o jeito James Dean de ser naquela época de Montes Claros cidade pacata. E por falar em James Dean, fisicamente, ‘Gilson Capeta’, sim, estava mais para o tal do que ‘Gerinha Português’. O ‘Capeta’ tinha cabelos loiros e um jeito de andar que dava a ele mais semelhança com o ator de ‘Juventude Transviada’. Um dia de manhã, ia comigo mesmo rumo ao trabalho, ali na Rua Dr. Santos, 103, onde hoje é o prédio da Caixa Econômica Federal, e ‘Capeta’ me chamou para acompanhá-lo até a vila atrás da casa velha onde funcionava ‘O Jornal de Montes Claros’. Havia uma entrada da largura de uma garagem, e lá dentro da vila devia haver, se não me engano, pelo menos três casas. Entrei com ele na vila. Qual não foi a minha surpresa ao ver um jovem como nós mesmos, assustado, chorando, diante de uma das casas. Ele chorava antecipadamente, porque ‘Capeta’ tinha certa ascendência sobre o rapaz – foi o que pude concluir – e lhe dissera antes: ‘espera, vou buscar uma testemunha’. Coincidência eu ter passado na hora. ‘Gilson Capeta’ queria testemunha para a sova que ele, armado de cabo de aço, daria no rapaz. Mas o coitado chorava tanto! ‘Capeta’ só teve tempo de enrolar o cabo de aço na cintura do cara uma vez e puxar em seguida. À distância, surpreso com o que testemunhava, a única coisa que pude fazer para auxiliar o jovem foi pedir: ‘deixa disso rapaz’! E ele deixou com certo sorriso James Dean de ser no rosto.
Dias depois, indo aos ‘Morrinhos’, o tal que quase foi açoitado por ‘Capeta’, acompanhado de outro, me cercou. Queria desforrar, como se eu tivesse culpa de ter sido, sem querer, testemunha ocular do aperto por ele passado naquele dia. Nem queiram imaginar o tendepá que foi.


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Por Alberto Sena - 8/10/2010 09:54:05
Gigante Verdadeiro

Alberto Sena

Sempre acreditei na existência de gigantes. Desde criancinha, por causa das histórias infantis da época.
Da infância em diante continuei a acreditar em gigantes. O que mudou com o tempo foi o tamanho deles.
Sim, porque há gigantes de todos os tamanhos ao gosto de quem quiser acreditar neles.
Olha, aqui, bem no particular: em todas as fases da minha vida, eu convivi, conheci e reconheci gigantes. Vou dar um exemplo: Darcy Ribeiro. Ele é ou não é um gigante? Está vivinho, inclusive, na sua obra. E, no entanto, era de estatura baixa.
O importante é ser gigante por dentro. Gigante por fora, fisicamente, deve ser a coisa mais chata! Imagina: uma montanha de gente, respirando camada telúrica muito alta. Não deve ser bom!
Mas, retomando: na minha convivência com gigantes – e gigantes montes-clarenses, é preciso que se diga – convivi com o médico, historiador, estudioso de folclore, Hermes de Paula.
Uma vez, fui a casa dele, na Avenida Coronel Prates, bem do lado do prédio onde foi um seminário e depois a sede da Prefeitura Municipal de Montes Claros.
Desde a entrada, a partir do portão azul, a casa de Hermes de Paula se parecia com ele, com plantas de um lado e do outro de uma passarela, antes de chegar ao alpendre.
Revejo, agora, pelo menos uma mangueira frondosa e outras árvores frutíferas dos lados e nos fundos da casa.
Fui lá fazer uma reportagem sobre ‘o esteio do sertão’, como o chama o grande Téo Azevedo, que é lá do Alto Belo, a Sua Excelência, o Pequi. E para regar uma conversa sobre pequi, nada melhor do que o licor do próprio, por Hermes de Paula mesmo preparado. Quase sai de lá trocando as pernas.
Mas eu queria falar também de outro gigante, o médico João Valle Maurício. Pequeno no tamanho, mas gigante na coragem de combater a ‘Doença de Chagas’, transmitida pelo ‘barbeiro’, inseto que ainda hoje é visto nas cercanias das cidades, afugentado do habitat devastado. Ele gostava mesmo é de se esconder em frestas de casas sem reboco, de adobe. Mas pelo visto, mudaram-se os costumes e o bicho se esconde agora em qualquer lugar.
Outro gigante: o médico Mário Ribeiro, que não por acaso, é irmão de Darcy Ribeiro. Muito do que há em Montes Claros em matéria de educação, cultura e lazer tem as impressões digitais de Mário. Este, até no tamanho físico podia ser chamado de gigante, mas ele é grande por dentro do que fez pela cidade.
Poderia ficar aqui citando nomes de gigantes o dia inteiro. Com uns convivi. Outros, eu tive o prazer de conhecer, pessoalmente. E ainda com outros mais convivo no dia a dia.
É preciso só ter olhos para ver e ouvidos para escutar e saber identificar os gigantes, porque uns são fogo fátuo.
Revolvo o tema ainda hoje porque, semana passada, falei aqui sobre os Nephilins, gigantes com citações na Bíblia Sagrada, cujos esqueletos teriam sido encontrados por arqueólogos na Grécia e circulou tudo pela internet.
José Carlos, pelo visto, um dos meus sete leitores – preciso multiplicá-los, 70 vezes sete – me envia mensagem para alertar sobre a possibilidade de montagens fotográficas, dizendo-se cético e que tudo aquilo pode ser uma farsa.
Pode José Carlos, e deve ser mesmo. Particularmente, acredito em gigantes da estatura dos citados. Mas convenhamos, nós não estamos mais na idade de acreditar ipis literis em histórias como ‘João e o pé de feijão’, mas que foram importantes para o nosso desenvolvimento mental e são importantes ainda hoje para as gerações que chegam é inegável.
Mas em histórias com registro fotográfico, sejam elas montagens ou não, é possível que muito adulto acredite. Ou não. Farsa ou não, histórias como as dos Nephilins funcionam nas mentes adultas com intensidade e importância semelhantes às histórias dos gigantes, contadas na infância, funcionaram bem na formação da mente de crianças mil – ou aos milhões. Aguçam o imaginário.
Tudo é energia. A matéria é energia. No ato de escrever a gente despende energia. É ilusório o que os olhos veem. Verdadeiro mesmo – Nele acredito com os olhos fechados; dormindo ou acordado – é o Gigante Maior, que criou tudo, inclusive os gigantes por fora e por dentro.
Nele acredito, e recomendo acreditar.
Mas melhor que acreditar é sentir Deus em espírito, mente e coração.


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Por Alberto Sena - 1/10/2010 12:32:12
TERRA DOS ‘NEPHILINS’

ALBERTO SENA

Ontem, eu recebi uma mensagem pela internet, com fotos, inclusive, sobre um achado arqueológico registrado na Grécia. Impressionante! Era uma mensagem sobre a descoberta de esqueletos de gigantes, com aparência igual ao nosso esqueleto. A diferença era só no tamanho. O texto da mensagem dizia: ‘Esta descoberta inesperada é prova da existência de ‘Nephilim’. E o que significa ‘Nephilim’? É a palavra usada para identificar os gigantes referidos nos tempos bíblicos. Lembram-se do gigante Golias que Davi abateu com uma pedrada na testa atirada de uma funda? Em Números 13:33 há registro de gigantes: ‘o povo que vimos era de estatura extraordinária; vimos lá certos monstros dos filhos de Enac da raça dos gigantes, comparados com os quais nós parecíamos afanhotos’. E em Gênesis, 6:04: ‘Ora, naquele tempo, havia gigantes sobre a Terra’. Bom, se as fotos condizem com os restos da realidade daqueles tempos bíblicos, tudo indica que havia mesmo gigantes sobre a face da Terra. Só pode ser verdade, senão, por que os livros infantis dos idos da infância eram tão povoados de histórias de gigantes, como por exemplos ‘João e o Pé de Feijão’, dos Irmãos Grimm; ‘Gato de Botas’, do francês Charles Perralt; e ‘As Mais Belas Histórias’, de Lúcia Casasanta, entre outros? Depois, um pouco mais tarde, vieram novos gigantes, como os que o escritor irlandês Jonathan Swift encontrou no livro ‘Viagens de Gulliver’, quando visitou Brobdingnag. Notícia de gigantes nos dá a Bíblia e só fiquei sabendo mais tarde ainda, porque naquele tempo, o Livro Sagrado era como que uma propriedade particular do clero. A Igreja Católica não estimulava os fiéis a lerem, estudarem e pesquisarem nas ricas páginas da Bíblia Sagrada a palavra de Deus. Agora, os gigantes são outros, nem tão grandes quanto os gigantes dos tempos de antanho, mas capazes de realizar coisas gigantescas, os mundos vários encontrados neste planeta, que pede socorro e ao mesmo tempo reage dentro da lei da física: ‘toda ação requer uma reação igual ou contrária’. Mas foi a partir da mensagem sobre os ‘Nephilins’ que me veio à lembrança, o dia em que fui à casa do grande Simeão Ribeiro Pires, ali na Avenida Coronel Prates, em Montes Claros, a fim de fazer uma reportagem para a ‘Montes Claros em Foco`. Era uma revista que o falecido Geraldo Santana Machado recebera de herança do pai, Ataliba Machado, pai também do médico cardiologista, Fernando Santana Machado, duas vezes peregrino no Caminho de Santiago de Campostela, na Espanha. A casa de Simeão era incrível. De cara me deixou com aquela sensação de estar dentro de um museu. Na casa dele havia de tudo menos esqueletos de humanóides gigantes, mas tinha múmias e ossos de um tanto de bichos que nem me lembro mais quais, além de pedras e cristais. Simeão, como também toda a família Ribeiro Pires, era dotado de capacidades várias. Engenheiro civil, professor de Química e História, pesquisador, escritor - `Raízes de Minas’, por exemplo, ‘Prêmio Diogo de Vasconcelos’ - ex-prefeito de Montes Claros, homem que se envolvia de fato com as questões relativas aos interesses da cidade. Tipo raro. Simeão foi meu professor na Escola Normal, assim como também o foi Luiz Pires, irmão dele, professor de Biologia. Lembro-me que andei faltando várias aulas de Biologia, por pura malandragem, e no final do ano precisava tirar 90 em 100 na prova. Estudei feito um condenado. Garanto que até hoje o professor Luiz Pires se pergunta como é que consegui a proeza de concluir o ‘terceiro ano científico’ da grade do ensino de então. Pensando agora nos ‘Nephilins’ me vem o seguinte pensamento: em determinadas ocasiões, é necessário a gente se superar e virar gigante para enfrentar e vencer certas batalhas na vida. É o que estou fazendo no momento. Mesmo sabendo que não tenho estatura física para enfrentar, cara a cara, gigantes, como o fez Davi contra Golias. Mas é quando a gente se sente como um mero canal, tipo cano de PVC, oco por dentro, é então que a água da vida jorra do Gigante Maior que mora aqui e também nas alturas.


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Por Alberto Sena - 24/9/2010 14:23:04
‘PENETRAS’ CONTUMAZES

Alberto Sena

Naquele tempo havia certa indisposição entre as turmas dos ‘Morrinhos’ e a do centro da cidade. Em verdade, essa indisposição era mais da parte da turma de lá do que propriamente da turma do centro da cidade.
Os integrantes da turma dos ‘Morrinhos’ até podiam descer, mas os da turma do centro não deviam subir. Se porventura encontrassem certos caras da outra turma estavam perdidos. Era briga na certa.
Naquele tempo, ser ‘penetra’ em festas era comum. Detalhe: a turma do centro chegava e logo dominava a situação. A moçada bonita ficava de olho.
Era gostoso dançar juntinho. Tinha calor humano e outras coisas mais, diferentemente da maneira de dançar de hoje em dia.
Marlúcio, o ‘Brasa Mora’, era o nosso ‘assessor para assuntos aleatórios e sociais’. Apurava onde haveria festa para a turma ‘penetrar’. Ele só não ganhava de Lazinho Pimenta, imbatível.
‘Brasa’ tinha uma rede de informantes invejável. E olhe que naquela época nem se cogitava de internet.
Uma vez o repertório de festas de ‘Brasa Mora’ havia se esgotado. Estávamos fadados a ficar papeando na esquina ou ir para casa dormir. Até que deu um estalo na cabeça e ele gritou:
__ Lembrei! Vai ter festa de aniversário nos ‘Morrinhos’.
__ Nos ‘Morrinhos’ não dá pra ir – dissemos quase em uníssono.
Ao que ‘Brasa’ argumentou:
__ Não é beeemmm nos ‘Morrinhos’. É depois da linha, indo pela Rua Melo Viana, virar na primeira rua à esquerda.
Depois de uma rápida confabulação quanto aos prós e contras, resolvemos ir a tal festa. Não me lembro mais de todos, mas se não me engano estavam: ‘Brasa’, Osmar, Fernando Veloso, Cícero Stru, entre outros.
Nós chegamos à festa, ressabiados. Adentramos a sala e vimos vários jovens casais dançando, e logo começamos a ficar mais à vontade.
As garotas bonitas ficaram ainda mais bonitas com a nossa chegada. Observamos, no entanto: uns e outros não gostaram, inda mais sabendo que éramos ‘penetras’.
Tudo ia bem até que um dos circunstantes, este da turma dos ‘Morrinhos’, se aproximou de mim e disse:
__ Quero conversar com você lá fora.
A abordagem dele chamou a atenção dos companheiros. Fiquei naquela situação. Se me recusar a ir demonstro covardia. Se eu saio, posso imaginar o que pode acontecer.
Não havia escapatória.
Saí lado a lado com o cara. Antes, porém, sinalizei aos companheiros e me encaminhei para fora da casa. Mal havia saído do portão, o cara sacou uma faca da cintura e sem dizer palavra veio para cima de mim.
Ele desferiu o primeiro golpe. Tentou acertar-me a barriga, mas fui mais ligeiro, recuei.
Claro, a essa altura, os companheiros já estavam também do lado de fora. E a turma do ‘deixa disso’ entrou em ação. Só que ninguém se atrevia tomar a faca do cara, que, bufando, fungando como touro de tourada espanhola exibia para mim a faca cuja lâmina brilhava na noite sob a luz do poste.
E outra vez, o cara partiu para cima de mim. Queria porque queria rasgar-me a barriga. Novamente recuei a tempo. E nesse momento os companheiros o agarraram por trás. Tomaram-lhe a faca.
Ao mesmo tempo, os donos da festa chegaram e como ele era conhecido deles, foi advertido e levado para dentro.
Nós, ‘penetras’ contumazes, não tivemos outra opção senão botar o rabinho entre as pernas e ir embora dali o mais rápido possível a fim de evitar coisa pior.
Ficou comprovada, outra vez, a indisposição da turma dos ‘Morrinhos’ em relação à turma do centro.
Foi ‘Gerinha do Morro’, camarada boa praça, bom de capoeira, que, aos poucos, acabou com essa indisposição.
E então reinou a paz.
Mas foi por pouco tempo.
Logo circularia a notícia de que numa certa noite aconteceria outro embate entre a turma de ‘Gerinha Português’ e ‘Gerinha do Morro’.
Hoje, acredito, a indisposição antiga desapareceu. Ou melhor: transformou-se em mote de um ‘causo’ pra contar aos conterrâneos.


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Por Alberto Sena - 20/9/2010 09:33:12
CRIANÇA CADUCA

ALBERTO SENA

Bom mesmo deve ser criança a vida toda. Morrer cheio de anos, porém, criança. O genial Michael Jackson sabia disso desde cedo, só que ele extrapolou na dose e deu no que deu. Maicon, como acredito que os íntimos o chamavam, queria ser criança como Peter Pan e por isso construiu a ‘Terra do Nunca’, Neverland. Quem é o pobre mortal aqui para aspirar e respirar ares de uma camada telúrica tão elevada. O que se quer é dizer: se as crianças tivessem consciência do quanto é gostoso o ‘ser criança’, crianças elas seriam a vida inteirinha. Acontece que, passada a fase, o cidadão despreza o espírito infantil. E para voltar a ser criança de novo, até morrer velhinho, precisa iniciar novo aprendizado. Ser criança é a coisa mais difícil na face da Terra. Quem quiser precisa entender o significado de ser criança em níveis espirituais, psíquicos, filosóficos, políticos etc. Precisa estudar muito. Primeiro tem de entender e compreender o que Jesus Cristo quer dizer com a expressão: ‘nascer de novo’. Em termos da psiquê, o camarada precisa ter a capacidade de mergulhar no inconsciente – e depois voltar ileso como faziam e fazem os iluminados desde os tempos imemoriais. Antes precisa reaprender a sonhar acordado. Para sonhar acordado, ele deve contemplar nuvens, contar carneirinhos de nuvens. Quando se é criança a vida toda, o viver deve ser mais alegre que o viver dos adultos. A satisfação de estar vivo deve ser maior, porque além de ser criança, o adulto consciente do espírito infantil que carrega na cacunda, valoriza mais o que o circunda, tanto no micro como no universo macro. Quando se era criança em Montes Claros, a criança-adulta compreendia o quão bom era a fase vivida. Havia tempo para tudo.
Havia tempo para jogar bolinha de gude; tempo para empinar papagaio – pipa ou arara. Como também havia tempo para brincar de ioiô e bilboquê, que chamávamos ‘biloquê’. Havia tempo de jogar finca e tempo para brincar de bente altas. Mas tudo era feito correndo, porque correr era preciso contra o tempo e fazer tudo que era preciso fazer o tempo todo, como brincar de esconde-esconde, de salva-bandeira e de acertar um buraco no chão com bola de meia. Se errasse o buraco e acertasse o buraco vizinho era preciso fugir para não levar bolada nas costas. Havia tempo e hora marcada para jogar futebol no campo do ex- União e do Casimiro de Abreu; ou jogar futsal na Praça de Esportes. Assim como também tinha o tempo de jogar pingue-pongue no Sesc, quando era ali na Rua Padre Augusto, ou mesmo na Praça de Esportes ou ainda na União Operária, na Rua Bocaiúva, entre ruas General Carneiro e Januária. Os adultos daquela época nem imaginavam o quanto era trabalhoso ser criança, inda mais numa casa de quintal cheio de magia e de maneiras mil de brincar; isto também cansa. Depois de um dia correndo de um lado para o outro; brinca aqui, brinca acolá; sobe num muro ou numa goiabeira... Ufa! Haja fôlego! Chegava à noite a criança só queria sabe de dormir para acordar cedo e retomar os afazeres, as artes, as criancices, no dia seguinte. Muito antes do filme de Brad Pitt, às vezes dava na telha de pensar como seria se o curso da vida fosse outro. A pessoa nasceria velhinha e com o passar do tempo iria se remoçando a cada ano até chegar a ser criança e depois... Bem, depois a gente ia ver o que fazia. Mas morrer seria proibido. Criança e morte não combinam. Alguém discorda? Então o mundo ficaria abarrotado de crianças e tenho certeza: tudo funcionaria da melhor maneira possível. Criança não tem maldades. Nem ganâncias. Assim como as crianças formam o caráter vendo os exemplos dos adultos – primeiro dos pais e depois dos demais – no caso de um mundo abarrotado de crianças, como não haveria adultos dando maus exemplos, o mundo se transformaria num mar de rosas cheio de parques de diversões, algodão doce e pirulitos. Sei que tudo isto são elucubrações de um adulto a lutar para não deixar ir embora o espírito de criança, mas está convencido das dificuldades. E a principal delas é saber que, em mundo governado por adultos, possa ser mal interpretado. Sempre haverá alguém para dizer: ‘chiiii... Ele está caducando antes do tempo’. Se isso é caducar, necessariamente, não precisa haver um tempo.


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Por Alberto Sena - 15/9/2010 15:39:56
O FANTASMA DO CAMPO
ALBERTO SENA

A casa da Rua Corrêa Machado, 238, entre as ruas Dr. Veloso e João Pinheiro, em Montes Claros, se revelou, logo nas primeiras semanas, um dos lugares mais incríveis onde a família morou. Em verdade, em verdade digo a todos: cada lugar tem as peculiaridades próprias. Cada um nos é especial de modo diferente.
A casa ficava justamente em frente ao campo de futebol do União, que dera origem ao Casimiro de Abreu. Havia um quintal pequeno na casa, mas um quintal interessante porque tinha pés de goiaba, abacate, pinha, fruta do conde, urucum e uma bela parreira sobre quatro colunas de ferro. E, ainda, sobrava espaço para as plantas diversas de dona Elvira.
Mas o melhor mesmo era o campo de futebol. O campo ocupava o quarteirão todo da Rua Dr. Veloso à Rua João Pinheiro. Vinha sendo desativado porque o Casimiro de Abreu construía o campo do Bairro Todos os Santos. Mas volta e meia, ali era realizada uma partida entre times da cidade e servia como campo para treinamento.
Craques da época, como Marcelino (ex-lateral do Atlético Mineiro) e o irmão dele, Moe-de-Ferro; Bispo e o irmão, Bonga; Felipe Gabrich, Zé Venâncio e João Batista Macedo, toda essa gente era vista ali naquele campo.
Era um lugar onde se podia brincar de manhã e à tarde. Às vezes até de noite, com o auxílio da iluminação da Rua Corrêa Machado, a meninada batia uma bolinha.
As ruas eram de terra. Nem se cogitava asfalto. Quando muito, só as ruas centrais de Montes Claros tinham paralelepípedos ou bloquetes. Enchente não havia porque a água da chuva penetrava facilmente a terra para formar o lençol freático.
Quando era chegado o período das águas, fazíamos ‘olho de boi’ com os pés. Era assim: apoiávamos o calcanhar e a ponta do dedão no chão sem encostar a sola do pé na terra. Dávamos um giro de 360º no corpo e estava pronto o ‘olho de boi’ no chão, um círculo com a marca do calcanhar no meio, receita infalível para fazer parar de chover a fim de brincar na rua ou no campo de futebol. Ou para jogar finca com Chico Ornelas e o irmão dele, Quinzim; com os irmãos Paulo e Luís, filhos do ferreiro Simeão; e com Eustáquio, neto de dona Tina; além de, entre outros, Jésus e Osmar.
O detalhe é que, aos poucos, como quem nada queria, abrimos um buraco no muro do campo e em pouco tempo uma criança de dez anos já podia passar em pé por ele. Foi quando de fato conquistamos para nós aquele espaço e disputávamos ali ‘peladas’ incríveis, todos os dias, de manhã e à tarde. Claro, quando eram chegadas as férias escolares.
Não sei se o tempo passou ou se passamos pelo tempo, mas o fato é que anos mais tarde, os donos da área onde a essa altura era um campo de futebol desativado, iniciou o loteamento do terreno.
Um dos primeiros a construir casa dentro do campo foi o pai de Luiz Biondi. Depois, uma empresa de ônibus construiu uma oficina e logo o ex-campo de futebol do time União virou um lugar recortado por ruas.
Sou capaz de apostar uma barra de chocolate: muitos moradores daquele lugar mágico, onde pudemos viver bons momentos, nem devem saber o que fora ali antes.
Mas quando ali era um campo de futebol, o futuro jornalista Fernando Zuba, que trabalhou no extinto ‘Diário da Tarde’, em Belo Horizonte, pai do atual jornalista Fernando Zuba, esperava a noite cair, e quando a meninada se juntava debaixo de um poste na Rua Corrêa Machado para brincar de ‘salva bandeira’, ele se cobria com um lençol branco e se transformava num fantasma, na escuridão do campo.
De lá vinham os gritos fantasmagóricos e as pedras atiradas de estilingue por uma figura vestida de branco. Precisamos de algumas noites de investigação para, afinal, descobrirmos que o fantasma tinha carne e osso. Além de nome: Fernando Zuba.
Naquela época, ele certamente nem pensava em ser jornalista. Ajudava o pai, marceneiro, dono de uma marcenaria na Rua Camilo Prates, quase esquina de Rua general Carneiro. Ele fabricava eficientes manivelas para a meninada soltar papagaio – pipa ou arara – de papel impermeável, quando era chegado o mês de agosto.


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Por Alberto Sena - 9/9/2010 13:42:17
O BEM-ESTAR DE TODOS

ALBERTO SENA

O barulho incomoda os montes-clarenses. E é tanto barulho que chegou até aos ouvidos do grande jornalista e cronista José Prates, lá no Rio de Janeiro (RJ). Assim como também chegou aos nossos ouvidos e se misturou aos barulhos desses píncaros da Serra do Curral. A essa altura da barulheira, já deveríamos ter em mãos um estudo de abrangência maior que permeasse as áreas política, antropológica, socioeconômica, ambiental, cultural etc. para pelo menos encontrar os porquês de quase duma hora para outra as pessoas terem passado a fazer (e até a importar) barulhos, como se os tímpanos dos outros fossem de couro curtido para tambor. É inegável, o Brasil cresceu. Os números aí estão para comprovar. A inflação está sob controle; o Pré-Sal surge com boas perspectivas; vêm aí as Olimpíadas e a Copa do Mundo de Futebol. Mas fica no ar a pergunta do ex-presidente do Santander, Fábio Barbosa. Em recente palestra que circula na internet, ele indaga: ‘como é ir bem num País que vai mal’?
Não vamos nos iludir: o Brasil vai mal por outros lados. E o pior dos males é justamente a crescente ‘falta de educação’. Educação dita sob todos os aspectos. Incluída nesse rol a falta de civilidade que a cada dia se agrava mais.
A questão do barulho em Belo Horizonte ou em Montes Claros está intimamente relacionada a essas faltas: de educação e de civilidade. De tanto faltar e de tanto repassar essa falta, as pessoas perdem a noção do certo e do errado em relação ao espaço do outro. Então avançam sem o menor escrúpulo como se limites não existissem.
A falta de respeito pelos ouvidos do outro chegou a tal ponto que certos cidadãos se acham no direito de ligar o som (do carro, da casa ou do estabelecimento comercial) ao ponto de estremecer as paredes a qualquer hora do dia ou da noite. Essa gente é incapaz de imaginar a possibilidade de estar prejudicando até a si mesma. Quem se sujeita ao barulho com o tempo tende a ficar surdo. Não é necessário ser otorrinolaringologista para percebe o risco que se corre ao se expor a tanto barulho. Quando a pessoa se acostuma com o barulho é então sinal do mal instalado.
Os cidadãos montes-clarenses mais lúcidos percebem: o barulho, somado a outros tantos problemas da cidade, é que afasta Montes Claros do ranking das vinte cidades brasileiras de porte médio candidatas a metrópoles. Enquanto a população da cidade cresce, e com a população crescem os problemas, as autoridades e os cidadãos montes-clarenses assistem ao surgimento de favelas. A população incha. Os problemas socioeconômicos aumentam à medida que Montes Claros se perde em meio ao crescimento populacional. O mais intrigante, no entanto, é o silêncio dos cidadãos que cumprem com as suas obrigações. Mal reclamam entre eles mesmos, e juntos não se posicionam frente aos problemas. O que mais espanta é o distanciamento das pessoas de bem, como se o barulho (e outros problemas) não lhes dissesse respeito. Mas tudo está interligado. Ninguém é uma ilha. Daqui a pouco, de uma forma ou de outra, o problema bate às portas. É para ficar de boca aberta com a condescendência das autoridades constituídas em relação aos que fazem barulho, desrespeitam a paz e os direitos alheios. Passa da hora de os três poderes tomarem uma atitude em relação aos abusos, antes que esses abusos se tornem incômoda rotina. E a partir deles se constitua, de fato, o ‘quarto poder’.
Montes Claros é a mais importante cidade entre Belo Horizonte e Salvador. Sempre foi considerada ‘cidade pólo’. Antes recebia gente de toda a região Nordeste. Hoje recebe gente de todo o Brasil.
Pelo destaque como urbe hospitaleira, entre outras qualidades, Montes Claros deve figurar entre as cidades que merecem tratamento ‘vip’ quanto a obter recursos municipal, estadual e federal. Mas para ser reconhecida, a cidade precisa do posicionamento firme dos seus representantes políticos e a compreensão das pessoas de boa vontade em relação a questões primárias, como por exemplo: ‘o direito de um termina onde começa o direito do outro’. O barulho bom de ouvir devia ser feito pelos políticos em busca de recursos públicos para oferecer mais educação e construir o bem-estar de toda a sociedade montes-clarense.


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Por Alberto Sena - 3/9/2010 09:03:53
OS QUATRO DO APOCALIPSE

Alberto Sena

Hoje eu fui à Biblioteca Pública de Belo Horizonte. Sabem quem encontrei logo na porta de entrada? ‘Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse’: Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Peregrino.
Dois deles estavam sentados num banco de madeira e estrutura em ferro e os outros se encontravam em pé. Eram esculturas em bronze, evidentemente, mas pareciam tão tranquilos; conversavam.
Ao olhar os quatro a impressão era que o autor das esculturas, Leo Santana teve o poder de congelar uma época.
Tenho minhas dúvidas se os quatro estivessem vivinhos da silva, em algum momento sentassem hoje para conversar bem naquele lugar.
Os quatro marcaram uma época e certamente teriam coisas a reclamar dos nossos tempos.
Talvez eles nem se arriscassem sair de casa com receio de atropelamento por essas ruas abarrotadas de carro e motocicleta, qual mosquitinho zunindo pelo asfalto.
Por um momento, hoje eu bati um papo surdo e mudo com eles. E teve um instante em que passou por minha cabeça a seguinte indagação: ‘será que eles imortalizados em bronze é que são os mudos, os surdos e os cegos, ou ao contrário, nós que falamos, escutamos e enxergamos’?
A minha ida à Biblioteca Pública remeteu-me a outra Biblioteca Pública, mas de Montes Claros, ali na Praça Dr. Chaves, próximo dos Correios em meados da década de 1950.
Terezinha Batista ainda não tinha o sobrenome Murça. A primeira a nascer entre os 11 filhos de dona Elvira e Zé Bitaca (ele teria feito, se vivo fosse, 107 anos de idade neste dia quatro de setembro de 2010), ela trabalhava à noite na Biblioteca Pública de Montes Claros.
Lembro-me de ter ido várias vezes com ela para servir de companhia, pois desde aquela década, século passado, ‘a presença de homem impõe mais respeito’, diziam, mesmo sendo o homem um menino de sete/oito anos de idade.
A biblioteca funcionava no andar de cima de um pequeno prédio da Praça da Matriz. Para entrar era preciso subir escadas. A partir das escadas, certos jovens da cidade aproveitavam para fazer baderna. Daí Terezinha não poder ir trabalhar sem uma companhia. Os jovens costumavam até a desligar o medidor de energia, deixando as pessoas interessadas em ler e pesquisar às escuras.
Claro, Terezinha, mais conhecida por Tê, nada podia fazer para impedir, às vezes, pequenas depredações por parte dos jovens que iam à biblioteca só com a finalidade de fazer baderna. Muito menos o menino que a acompanhava podia fazer alguma coisa. E polícia naquela época já era raridade.
Entretanto, tudo não passava de excessos de juventude, coisas que acontecem a todas as gerações. Na ocasião, os bagunceiros colavam chicletes ou rasgavam páginas de livros e apagavam a luz. Gritavam e assobiavam. Desciam as escadas correndo. Era como um tropel de animais.
Hoje, os jovens daquela época, se vivos ainda forem, devem estar de cabelos esbranquiçados. Poderia até citar aqui alguns nomes, mas creio ser desnecessário. Se porventura alguns deles lerem este texto, poderão até dar gargalhada pela peripécia em si.
Mas a essa altura da vida já terão consciência do quanto perderam por não terem lido os belos livros de Malba Tahan (pseudônimo do matemático paulista nascido em Queluz, Júlio César de Melo e Souza), as fábulas e contos dos Irmãos Grimm; o livro ‘Robson Crusoé’, de Daniel Defoe; ou ‘Os Três Mosqueteiros’, de Alexandre Dumas; ‘Viagens de Gulliver’, de Jonathan Swift; ‘As Mais Belas Histórias’, de Lúcia Casasanta, entre muitos outros que fizeram a cabeça de gentes.
Na vida tudo passa. Assim como passaram os excessos da juventude dos ‘Quatro Cavaleiros do Apocalipse’, em Belo Horizonte. Sabino subia e descia o arco do viaduto Santa Tereza, em Belo Horizonte. Aventura perigosa.
Eles próprios passaram. A diferença é que os quatro construíram uma obra literária. A obra não passa. Nem passaram as imagens deles. Viraram esculturas em bronze. Ali na porta da Biblioteca Pública são como guardiões.
Queira Deus estejam livres de eventuais excessos da juventude desses tempos cibernéticos.


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Por Alberto Sena - 30/8/2010 15:35:18
VAMOS À FAZENDA DE IDALÍCIO

Alberto Sena

Bom mesmo era quando pai falava: ‘amanhã, nós vamos à fazenda ‘Aliança’, de Idalício`. Nem aguentava esperar o dia seguinte chegar para ir a pé à fazenda ‘Aliança’, de Idalício. Ia dormir cedo que era para a noite passar rápido e o dia seguinte chegar logo.
Bem cedinho, aos primeiros clarões do dia, pai acordava e chamava para tomar café. Depois, pé no caminho. A fazenda de Idalício era longe. Tínhamos de andar muito debaixo do sol causticante de Montes Claros.
Outro dia, conversava com o advogado e ex-deputado federal Genival Tourinho, o que denunciou a ‘Operação Cristal’, na ditadura militar, e ele me disse que a fazenda ainda existe. Gostei de ouvir a informação, porque conservo boas lembranças daquele lugar.
Idalício era irmão de Petronilho Narciso. Petronilho era compadre de pai e morava na Rua Carlos Pereira. Era pai – entre outros – de Pedro, Chiquito, Maria Inês, Petronilho Narciso Jr. Este último, era menino de sete/oito anos de idade, regulava comigo. Éramos, inclusive, colegas de sala no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, ali na Praça Dr. João Alves.
Três imagens me vêm à cabeça ao me lembrar das vezes em que fomos a pé à fazenda ‘Aliança’, de Idalício, meados da década de 1950.
Imagem 1: Chegávamos, e de longe vimos algumas pessoas na frente da sede da fazenda. Ficamos pensando ‘o que será que aconteceu?’ e quando nos aproximamos mais vimos: o capataz da fazenda havia matado a pau uma cobra enorme e a estendera no arame da cerca. Exibia-a como troféu. Ficamos impressionados, parecia que em todo canto da fazenda tinha cobra e era um perigo andar por ali sozinho.
Imagem 2: nos fundos da sede da fazenda havia um grande pomar, cheio de pés de manga. Na safra, era tanta manga que ninguém dava conta. Virava lama debaixo das mangueiras. As pessoas derrubavam manga de todo jeito: na vara, na pedrada ou na mangada, quer dizer, atiravam manga verde para derrubar manga madura.
De repente, ouviu-se um tiro. Era de espingarda ‘chumbeira’ do capataz, que a disparou para o alto contra um bando de maitacas que passava fazendo ‘krec’, ‘krec’, ‘krec’.
Duas delas caíram aos nossos pés. Agonizavam. Uma delas ficou comigo. A outra ficou com Maria Inês. E ela exibia a maitaca, quando um dos cachorros da fazenda avançou na mão dela e a arrebatou. A menina chorou. Não sei se de susto ou porque perdera a maitaca para o cachorro.
Imagem 3: era de manhã e voltávamos da fazenda `Aliança`, de Idalício. Pai, Petronilho (filho) e eu. Era uma trilha em meio a arbustos com grandes árvores dos lados, mas bem afastadas.
Pai levava uma maleta na mão.
Na copa da árvore mais alta, vimos uma ave enorme. Devia ser um gavião. Exibia o peito esbranquiçado.
Pai colocou a maleta no chão. Abriu-a. Retirou de dentro dela uma espingarda desmontada. Montou-a. E em seguida carregou-a. Levou a espingarda à altura do ombro e fez mira contra a ave posada na copa da árvore.
Para mim, tudo aquilo era novidade: nem sabia que pai tinha espingarda. Fiquei estático. Torcia em silencio para que o gavião percebesse as intenções de pai.
O cano da arma estava apontado para o bicho.
Eu rezava. Pedia a Deus para fazer a ave voar.
E parece que Deus atendeu porque antes de pai disparar o gatilho a ave bateu asas e voou. Voou em círculos. Sumiu das vistas.
Pai retirou as balas da espingarda. Desmontou-a. Em seguida guardou-a na maleta. E seguimos viagem, a pé, de volta a Montes Claros.
Em casa, ao chegarmos, mãe, como sempre fazia, encheu uma bacia com água morna, pôs um punhado de sal, e o menino tomou ‘um banho de sal’.
Segundo mãe, era para ‘descansar as pernas’, porque a fazenda ‘Aliança’, de Idalício, era longe.
Na cabeça do menino, alheio ao tempo, era preciso andar horas e mais horas para chegar à fazenda ‘Aliança’, de Idalício, hoje dentro do perímetro urbano de Montes Claros.


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Por Alberto Sena - 24/8/2010 16:02:59
O Bisneto do Grande Babieca
Alberto Sena

Quando chegava dezembro é que era bom! Aliás, não sei se todos já repararam, mas Montes Claros ainda hoje fica boa é quando o mês de dezembro chega.
É porque sempre se tem a esperança de que chova o suficiente para fertilizar a terra, garantir o feijão de amanhã e as pastagens para o gado, e é então que o mercado fica ‘cheínho’ de frutas. É da melhor qualidade o Mercado Municipal de Montes claros.
Vamos pela ordem: primeiro vem o pequi, depois o umbu, o cajá-manga, a pitomba, a cagaita e a manga. Manga ‘comum’, manga ‘espada’, manga ‘carlota’, manga ‘ubá’, manga ‘coquinho’, manda ‘rosa’ etc. É manga que não acaba mais.
Aliás, acaba. A safra de manga é rápida. Começa ali pelo final de novembro e vai até pelo início de fevereiro, se muito.
Mas quem quiser chupar manga fora de época pode fazê-lo porque os pomares irrigados dão frutos o ano inteiro. São os milagres da água. Ainda não há variedade, mas é possível chupar manga ‘haden’, essas mangonas encontradas em ‘sacolões’.
Tudo que foi escrito até aqui foi para lembrar o tempo de chupar mangas do tipo ‘comum’, como são conhecidas aí em Montes Claros, porque aqui são chamadas de ‘sapatinho’, um nome apropriado, porque de fato elas se parecem com sapatinho de recém-nascido.
Mas quando esse tempo chegava e morávamos na Rua São Francisco, o pé de manga era a nossa segunda casa. Chupávamos mangas até ficarmos com a barriga deste tamanho! Os caroços nós íamos jogando pelo quintal mesmo, porque depois teriam serventia quando terminado o tempo de chupar mangas.
Aqui pra nós, no particular: sempre achei que lá no paraíso as pessoas têm mangas à vontade. Muita gente fica o dia inteiro chupando mangas, lambuzando o rosto e as mãos. Mangas são dádivas, além de ricas em vitaminas.
Segundo os mais empedernidos nutricionistas, na manga podemos encontrar um bom teor de carboidratos, betacaroteno (provitamina A), vitamina C, vitaminas do complexo B, ferro, fósforo, cálcio, potássio e zinco.
Então, depois de chupada a última manga do pé, aquela que estava lá no topo, no galho mais fino, e que só podia ser vista de longe, porque estava em ponto, digamos, quase inacessível, então começava outro tempo.
Tempo de imitar o que víamos nos filmes de caubóis estadunidenses.
A essa altura os caroços de mangas chupados estavam secos. Cada um catava a quantidade que podia até ficar com os braços tomados e buscava o melhor esconderijo no meio de um mar de sabugueiros que se alastrava pelo quintal.
Era o tempo da ‘guerra’. Dividíamos em grupos e a um sinal previamente combinado, caroços secos iam e vinham cortando os ares, do jeitinho como acontece hoje em dia, nas guerras de verdade, mísseis indo e vindo. É isso que dá enfiar dentro da cabeça de crianças maus exemplos.
A tropa era constituída de uma plêiade de meninos e meninas como: Célia, Lúcia, Wanda, Tone, Rubens e Magela, os dois últimos primos, e, claro, este que registra para a posteridade o tempo em que as crianças viviam em quintais e criavam os próprios brinquedos.
Mas desde aquele tempo (antes até), o ‘Tio Sam’ espargia o germe bélico do seu estilo ao nos enviar filmes cheios de tiros disparados por Roy Rogers, Rock Lane, Rex Alen, além de outros.
E por falar em Roy Rogers, dia desses o cavalo dele, Trigger, empalhado ao morrer, foi leiloado. Era o primeiro dos 300 itens relacionados a Roy Rogers (1911-1998) e sua mulher, Dale Evans.
O cavalo foi arrematado por US$ 386.500. O preço de um belo apartamento.
Ninguém disse, mas é possível que o caubói estadunidense quisesse imortalizar Trigger, como Rocinante o foi nos versos ‘Del Donoso, poeta entreverado, a Sancho Pança e Rocinante’, o cavalo de Dom Quixote.
Ele, Rocinante, que era bisneto do grande Babieca. Cavalo de El Cid, herói espanhol.


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Por Alberto Sena - 19/8/2010 10:29:16
No Tempo dos Quintais

ALBERTO SENA

Houve um tempo, em Montes claros, que quase toda casa tinha quintal. Mas depois, muito depois, os quintais, um a um, foram desaparecendo porque a cidade não aguentou segurar a vocação para o crescimento. Quando quase toda casa tinha quintal, a família morava na Rua São Francisco, próximo da casa de ‘dona Geralda do ‘seu’ Nilo’, quase esquina de Rua Corrêa Machado, a 50 metros da casa da escritora Amelina Chaves, mãe de Roldão.
Todos situaram o lugar? Pois bem, a família morava numa casa em estilo colonial, com portas e janelas altas, telhado sem forro. Uma casa de quatro quartos, cinco com mais um nos fundos, contíguo da cozinha. E um quintal mágico, grande. Ia dar nas proximidades da linha férrea. O quintal tinha um pé de urucum, perto da porta da cozinha. Para dona Elvira, era ‘uma mão na roda’ quando precisava de urucum. Saía da cozinha, dava meia dúzia de passos e colhia-o. Logo atrás da casa havia um coqueiro macaúbas, com espinhos enormes. Abaixo havia um pé de manga ‘coquinho’ e lá embaixo, próximo da cerca onde cresciam buchas, da família das cucurbitáceas, cujo nome científico é luffacylindrica, havia um pé de manga ‘comum’, aqui nesses píncaros chamada de manga ‘sapatinho’ (a mais saborosa). Como puderam ver, era uma casa com quintal gostoso, bom para a meninada praticar a arte de brincar. O trem de ferro da Central do Brasil passava lá no fundo e isto era atração à parte. E de lambuja, na frente da casa, recuada em relação ao alinhamento da rua, tinha uma área de terra onde se podia – vejam bem – jogar bolinha de gude e finca, no período das águas. Mas me deixem emendar nisto o fato de que tínhamos um tio chamado Abel, Abel Sena Leite. Era pai de Berenice (Nice), Marlene, Filomena, Clarisse, Mário, Saul, Adalberto, Marisa, Sílvia, Renato, Fernando, Eduardo, 12 ao todo, filhos da bondosa tia Maria Fialho.
Um detalhe fundamental: tio Abel, irmão de mãe, Elvira, era um homem alegre. Dava gargalhadas à toa às vezes. Era brincalhão. Ele sempre ia nos visitar de surpresa. Entrava de supetão e batia ao mesmo tempo nas janelas e nas portas nos assustando e quando corríamos para ver o que estava acontecendo víamos ele se dobrando em boa gargalhada. Era assim, o tio. Grande figura! Fora mestre de obras e nós tínhamos orgulho dele – ‘ajudou a construir a Catedral de Nossa Senhora Aparecida, de Montes Claros, de cem metros de altura’, diziam. Numa vez, tio Abel chegou de surpresa, mas nem imaginava a surpresa que o aguardava. Todos estavam ali no quintal debaixo, do pé de urucum. Como sempre, ele contava alguma piada, nos divertindo.
De repente, ao vivo e em cores, eis que surge um macaco – isto mesmo, um macaco.
Saltou o muro atrás do pé de urucum.
Foi um salto incrível. Pegou todos de surpresa. O macaco fez o que fazem os atletas de Olimpíada no ‘cavalo com alças’. Pôs uma das mãos no muro e pulou quase caindo sobre nós. O macaco assustou conosco tanto quanto nós assustamos com a inesperada visita dele. Nunca tínhamos visto um bicho tão diferente. Os pelos dele eram vermelhos. Tinha mais ou menos o tamanho de uma criança de três anos. Ele se estacou diante de nós, e a primeira pessoa a agir foi a irmã Célia, na ocasião, adolescente. Ela partiu para cima do macaco, repetindo:
__ É meu! É meu! É meu!
Só que o bicho, literalmente, era macaco velho. Arreganhou os dentes para Célia numa ferocidade ameaçadora, ao que o tio Abel catou rapidamente do lado um pau e partiu na direção do macaco, que, bobo não foi de ficar esperando o que poderia acontecê-lo. Assim como chegou, de surpresa, rápido, assim o macaco desapareceu em meio aos arbustos de sabugueiro do quintal, saltou a cerca e sumiu das nossas vistas.
Mas permaneceu gravado na memória, para ser lembrado agora como história de criança. Para homenagear a memória do tio Abel. Para relembrar a nossa infância em Montes Claros. Para saudar os irmãos Tone, Wanda e Lúcia (ela faz aniversário neste 22 de agosto) testemunhas oculares dos fatos. E para agradecer a Deus, in memorian, por nos ter dado Célia, ‘a Rock Lane’, heroína das nossas brincadeiras de caubóis.


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Por Alberto Sena - 13/8/2010 16:20:01
Tudo na vida é milagre
Alberto Sena

O dom da oratória, falar em público, nem toda pessoa o tem desenvolvido. Muitos têm bloqueios e por isto não falam. No entanto, acredito: nascemos com todos os dons. Inclusive o da oratória. Se tivermos a oportunidade de desenvolvê-lo, podemos considerá-lo ‘uma bênção’.
Conheço pessoas que tremem feito vara verde quando precisam falar em público. A coisa é mais ou menos como o medo de viajar de avião. O camarada tem medo, mas precisa viajar e então voa com o coração na mão.
E se precisa falar em público, não tendo como escapar da situação, fala. É como não saber nadar e ao ser jogado no mar nadar para não se afogar. Na primeira vez vê o público como uma massa anuviada.
Depois, com a prática, começa a divisar no meio da massa pessoas, individualmente. E quando consegue olhar dentro dos olhos de uma e de outra pessoa, aí então se pode considerar ‘livre dos bloqueios’.
Conheço um adulto que, quando criança, aí em Montes Claros, estudava no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, na Praça Dr. João Alves. Estava no terceiro ano do primário. Até tinha o costume de recitar poemas de Olavo Bilac e Cecília Meirelles às segundas-feiras, em frente à turma, depois de cantado o Hino Nacional.
Mas uma vez em que a professora Alba Alkimin recebeu alunos de outra professora e a sala ficou abarrotada, era dia de festa. A criança foi declamar um poema na frente da turma. Tudo ia bem até o momento em que tudo foi mal: esqueceu o verso seguinte. Mesmo sem ‘Omo’, inexistente naquela época, o branco foi total.
A criança chorou. Se houve quem risse a criança nem viu ou ouviu. Sentou-se no lugar e ficou lá decepcionada consigo mesma. Desde então houve um bloqueio e nunca mais no grupo escolar a criança recitou qualquer poema.
Pouco antes de completar 18 anos, quando trabalhava no ‘O Jornal de Montes Claros’, o ex-aluno de dona Alba Alkimin fazia cobertura de ‘esportes’. Era o intervalo de um clássico Ateneu X Casimiro de Abreu. O radialista boa praça e bom de bola, Gelson Dias, falava ao microfone da ZYD-7, Rádio Sociedade Norte de Minas, diretamente do gramado. Ele se aproximou do repórter como quem não queria nada e lascou-lhe uma pergunta ao mesmo tempo em que quase lhe enfiava o microfone boca adentro.
Resultado: de novo deu ‘Omo’, branco total. O repórter não se lembra mais o que se passou em seguida, mas certamente, o competente Gelson Dias deve ter se saído bem. O que ficou no outro foi o bloqueio, o temor de falar em público.
Outras oportunidades nem tão dramáticas aconteceram na vida, até que um dia, como qualquer outro dia, ele estava dentro da Igreja Santo Antônio, na Avenida do Contorno com Rua Espírito Santo, em Belo Horizonte, e viu uma mulher que arranjava os objetos sacros no altar. De repente, ela desceu as escadas do altar e caminhou na direção dele e com o semblante sereno, pediu:
__ Você gostaria de fazer a primeira leitura da liturgia de hoje?
Apanhado assim, de chofre, ele não teve outra resposta:
__ Sim, com a maior alegria!
Desse momento em diante, até ir ao ambão proclamar a palavra de Deus, o coração disparou. Leu, releu e treleu o texto para treinar a leitura e quando foi chegado o momento da ‘Liturgia da Palavra’, proclamou a primeira leitura como se tivesse o costume de fazer isto sempre. A garganta parecia azeitada. As palavras saíam escorreitas.
Um milagre?
Sim, tudo na vida é milagre.
Foi ao vir foto de Gelson Dias e Elias Siuf, ladeando o recém falecido ‘titio Bira’ (Ubirajara Toledo; Deus o tenha) publicada no blog ‘Minas Livre’, de Itamaury Teles, que a cena do intervalo do jogo entre Ateneu X Casimiro de Abreu veio à tona.
Naquela ocasião, foi um drama. Mas agora serve de mote para uma boa gargalhada.
Gargalhada compartilhada com Gelson Dias, camarada bom de gogó como ele só.


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Por Alberto Sena - 10/8/2010 15:40:31
Antes que mais tarde

Procuro mulher, homem, adolescente ou criança que possa ter perdido uma correntinha com medalhinha de Nossa Senhora de Fátima, confeccionadas em ouro. A joia foi encontrada por volta das 11h de uma quinta-feira do mês de maio de 1958.
Estava dentro do recipiente do registro d’água do jardim da Praça Dr. João Alves, em frente ao número 14, onde fica o prédio do Grupo Escolar Gonçalves Chaves, em Montes Claros.
Naquela manhã, o dia havia amanhecido diferente. Prenunciava algo novo na vida do aluno do segundo ano primário.
Como sempre, o Sol quente irrompera na linha dos claros montes, e como a aula da professora dona Alba Alkimin havia acabado um pouco mais cedo, o aluno sentiu sede ao sair do grupo e correu para o registro d’água do jardim, mesmo não sendo a água filtrada.
Ele abriu a torneira e o esguicho subiu o suficiente para beber água e observar no fundo do recipiente algo reluzente. Apesar de naquela época já saber do provérbio ‘nem tudo que reluz é ouro’ (William Shakespeare), ele não tinha nada a perder: enfiou a mão no fundo do registro nem tão fundo e pegou o objeto.
Reluzia sob os raios do Sol. E era ouro. Claro, o aluno teve o cuidado de olhar para um lado e para o outro lado a fim de verificar a presença de alguém que pudesse ter perdido a correntinha com a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima. Mas como não viu ninguém por perto, bobo não foi de deixar a joia ali para outra pessoa pegar.
Ele a guardou no bolso da calça curta, azul-marinho. Pensou até em colocar a correntinha com a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima no bolso da camisa branca engomada, onde do lado de fora tinha o distintivo do Grupo Escolar Gonçalves Chaves.
Só não fez isso porque pensou: ‘talvez a correntinha com a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima estivesse no bolso da camisa de alguém que a perdeu ao se debruçar sobre o registro d’água para saciar a sede’.
Alguém que bem podia ser, como mencionado no início deste anúncio, mulher, homem, adolescente ou criança.
É bom achar coisas de valor na rua. Todo menino gosta. Perder não é bom, claro. Ele até pensou no possível desespero de quem a perdeu. Mas, fazer o quê? Não ia gritar pela rua, perguntar quem a perdeu porque podia aparecer mais de um dono. E aí seria danado!
O aluno guardou a joia no bolso da calça, enfim. Sede saciada, ele pegou pela alça a pasta preta com cadernos e livros e virou corisco. Subiu a Rua São Francisco, atravessou a passagem de nível lá adiante e logo estava em casa, radiante, exibindo para todos, pais e irmãos, o ‘troféu’ encontrado.
Resultado: uma das irmãs da primeira safra, chamada Geralda, apelidada Ladinha, ficou com a correntinha e a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima e tudo se acabou assim.
Ficou só a sensação de nada ter achado.
O tempo voou. Foi como se um gigante de boca aberta o engolisse, e eis: a joia achada veio à lembrança como tema para escrever este anúncio: procuro mulher, homem, adolescente ou criança que possa ter perdido a correntinha com a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima, tudo em ouro, naquele perdido dia de maio de 1958, ano em que a Seleção Brasileira de futebol se sagrou, pela primeira vez, Campeã Mundial.
Confesso: faço o anúncio à revelia de Ladinha. Corro o risco de ficar sem graça, se por acaso aparecer o dono ou a dona da jóia, porque nem sei mais o destino dado pela irmã à correntinha e à medalhinha de Nossa Senhora de Fátima, que reluziu dentro d’água e era ouro.
Evidentemente, não posso acreditar no primeiro a aparecer dizendo ser o dono ou a dona. A pessoa precisa dar, com a maior fidelidade possível, todas as características da correntinha e da medalhinha de Nossa Senhora de Fátima. Inclusive o formato dos elos e as demais características.
E não é só: o dono ou a dona precisará apresentar a Nota Fiscal de compra, caso contrário, o dito neste anúncio fica pelo não dito.
Assim, o aluno de dona Alba Alkimin continuará com a consciência tranqüila. E o dever de anunciar cumprido, 52 anos depois.
Antes tarde do que mais tarde.


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Por Alberto Sena - 4/8/2010 13:58:40
O cerol da linha do outro

Alberto Sena

No tempo em que se podia empinar papagaio, pipa ou arara com linha sem cerol, linha com cerol era a coisa mais rara. Os embates eram na munheca mesmo ou na manivela e não com o intuito de corta a linha, mas laçar e trazer para si o papagaio (a pipa ou a arara) do outro.
A brincadeira, em Montes Claros de antanho, era emocionante. Até mesmo quando acontecia de o papagaio (a pipa ou a arara) chegar às mãos juntamente com o outro, bufando, querendo tirar satisfações. Mas como não havia cerol nem maldades tantas como hoje em dia, tudo se resolvia na santa paz de Deus. Bastava devolver o papagaio (a pipa ou a arara) e o outro ia embora sorrindo. Essas lembranças vêm, juntamente com a chegada do mês de agosto. O mês de agosto, em Montes Claros, era especial. Sopravam bons ventos. Não ventos como os do livro ‘O Morro dos Ventos Uivantes’, da escritora e poetisa (melhor poeta mesmo) britânica, Emily Jane Bronte, que o escreveu sob o pseudônimo masculino Ellis Bell. Mas ventava. Montes Claros cresceu num planalto. De morro mesmo, possui dois: ‘Os Morrinhos’ e ‘Os Dois Irmãos’, além, claro, dos claros montes. Então, quando agosto chegava, era um correr aos bambuzais em busca de taquara para fazer papagaio (pipa ou arara). Ia à papelaria Barroso, na Rua Simeão Ribeiro, para comprar papel de seda ou impermeável. Fazia grude com goma de biscoito, melhor do que maizena (com ‘z’, porque é uma marca) e na pior das hipóteses, ‘assaltava’ a gaveta da máquina de costura Elgin de dona Elvira, se não se dispunha de dinheiro para comprar um carretel de linha número 10, mais recomendável. Dependendo do tamanho do papagaio (da pipa ou da arara) o melhor era cordonê, mais grosso e resistente o bastante para os embates do menino. Até de noite se podia empinar papagaio (pipa ou arara). O problema era não poder vê-lo na escuridão. Mas era divertido sentir os toques dos morcegos na linha. Eles, que, cegos, inspiraram os nossos atuais radares. Mas, sob o rachar dos raios do Rei Sol na moleira e no pó da rua, era uma bênção poder empinar papagaio (pipa ou arara). Só quem é criança experimenta a sensação e poderá dizer. Tem-se a impressão de que o papagaio (a pipa ou a arara) é o prolongamento do espírito. É como se se transportar lá para o alto. E de lá do alto, mais perto do céu de Deus, espiar as pessoas aqui embaixo. O coração corre o risco de saltar pela boca, emoção tamanha. O papagaio (a pipa ou arara) era feito com papel de cores diversas. Podia ser ‘sureco’, daqueles que se fecha quase todo quando se dá puxões na linha, ou com ‘rabiolas’ e ‘braceletes’. Lá do alto, o papagaio (a pipa ou arara) ficava dançando e olhando pra gente. O ruim era quando acontecia de a linha partir. Lá se ia embora. Era preciso sair correndo atrás para tentar recuperar o danado do papagaio (da pipa ou da arara).
O bom era quando se dispunha de uma manivela. Melhor ainda quando a manivela tinha quatro, oito ou 16 cruzetas. Quanto mais cruzetas, mais rápido é o ato de recolher a linha. O sobrinho Reinaldo Batista Murça, que neste momento lê este texto, prometeu, dia desses, dar de presente uma manivela de 16 cruzetas para substituir uma dada por ele mesmo, décadas atrás, que alguém surrupiou. Enquanto não há tempo (conversa pra fazer boi dormir, porque tempo a gente faz) para confeccionar um papagaio (uma pipa ou uma arara), espero o sobrinho providenciar a nova manivela de 16 cruzetas. E daqui da janela viajo nas asas dos papagaios (das pipas ou das araras) dos meninos de hoje.
A diferença é que a linha deles tem cerol. E o cerol, volta e meia, degola motoqueiro incauto, que não protegeu o pescoço com um par de arames adaptados na frente da moto. A única diferença é essa, porque o adulto continua criança. O espírito infantil não pode ser assassinado pela crueza e a selvageria do mundo adulto. Então, o espírito fica debruçado na janela, à espreita. Aguarda a manivela de 16 cruzetas, a fim de ter pretexto para fazer um papagaio (uma pipa ou uma arara) e ganhar os céus de agosto. Com muita alegria e gosto. Como sempre.
O problema é o cerol da linha do outro


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Por Alberto Sena - 28/7/2010 14:39:49
Bigode de Arame - Alberto Sena
Nunca soubemos o nome dele. Se alguém soube nunca nos disse. Mesmo porque criança não se dá ao trabalho de imiscuir na vida dos outros, nem para saber nomes. Além do que, ele nos metia medo.
A origem dele era difusa. Diziam: ‘foi cangaceiro do bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião’.
Depois daquela refrega sofrida pelo bando, surpreendido pelos ‘milicos’ da época, na Fazenda Angicos, no município sergipano de Poço Redondo, ele teria escapado ileso, e como um foragido da justiça, pulara de cidade em cidade até fixar residência em Montes Claros, como gente pacata, homem casado, sem filhos.
Nós o chamávamos ‘Bigode de Arame’.
O bigode dele era enorme, semelhante ao do genial pintor espanhol, Salvador Dalí, que nem de leve passava por nossa cabeça na ocasião. A comparação vale agora quando recolhemos cacarecos de lembranças nesse exercício de memória.
‘Bigode de Arame’ não é fruto da imaginação. Existiu de verdade. Tinha até endereço: Rua Januária, esquina de Rua Camilo Prates, próximo da antiga Padaria Real, na Rua Bocaiúva, em Montes Claros, importante cidade do sertão norte-mineiro.
Com frequência passávamos na porta da casa dele indo para o centro da cidade, no sentido Praça Coronel Ribeiro (salvemos a praça, se ainda há tempo!), ou quando voltávamos. Ao nos aproximarmos da casa dele diminuíamos os passos e parávamos na porta para espiarmos lá dentro em busca de algum indício relevante sobre a origem dele.Claro, um homem como ‘Bigode de Arame’, com toda a fama alimentada sobre ele, no mínimo exercitava o nosso imaginário. Ficávamos pensando nele com chapéu de couro dos cangaceiros, mais os cinturões de balas de carabina cruzados na frente do peito. O rosto suado, de quem só toma banho de vez em quando, enquanto nós crianças tínhamos de tomar banho todos os dias, senão o couro cantava lá em casa.
Ficávamos imaginando a quantidade de soldados mortos por ‘Bigode de Arame’. E nos perguntávamos: ‘quem sabe no cabo da carabina dele tem marcas da quantidade de soldados por ele abatidos, como marcamos o gancho dos nossos estilingues’?
Quase toda vez, ao passarmos na porta da casa dele, lá estava o homem sentado na cadeira de balanço. Movimentava a cadeira devagar, como se fosse proibido balançar com mais força, como fazíamos nos balanços da Praça de Esportes. Enquanto isso, ele cofiava o bigode de modo a torná-lo fino nas pontas. Pouco se poderá dizer agora sobre o bigode dele, além da dita semelhança com o de Salvador Dalí. Nem mesmo a cor se podia saber direito. Ele era fumante inveterado e a cor amarela do bigode podia ser mera consequência da nicotina, que lhe manchara também os dedos da mão direita.
Quando ele não era visto fumando, picava fumo de rolo com canivete e o enrolava na palha sempre presa entre os lábios. ‘Bigode de Arame’ usava o próprio canivete para acochar o cigarro e em seguida acendia-o com uma binga, espécie de isqueiro rudimentar composto de uma pedra de faísca e pavio umedecido em querosene.Ele era velhinho. Pelo menos para as crianças, parecia. Assim como velhinha era também a mulher dele. Os cabelos dela esbranquiçados pareciam estar grudados, como ficam os cabelos sujos de quem não os lava com frequência.
Para nós, ela era ‘Maria Bonita’ velhinha. Entretanto, quem nos intrigava era o marido dela, se é que de fato pertencera ao bando de Lampião.
Na sala da casinha simples onde o casal morava – construção antiga, do tipo colonial, de adobe; rebocada e pintada de amarelo; as portas e as janelas verdes – havia um baú aos nossos olhos, enorme.
Nós ficávamos ali na porta vendo o baú. Torcíamos para ele o abrir a fim de nos revelar o que de fato havia lá dentro.
Mas ele não o abria. Pelo menos diante de nós, nunca. Isto, claro, aumentava ainda mais as especulações. Chegamos até a apostar míseros cruzeiros. Havia quem assegurasse que dentro do baú tinha carabinas, balas e chapéus de cangaceiro. Além de roupas de couro cru usadas para enfrentar os espinhos da caatinga nordestina. Houve até quem apostasse: ‘é baú de ossos; lá dentro há esqueletos de ‘milicos’ abatidos por ‘Bigode de Arame’ e pelo próprio Lampião’. Mas ninguém nunca conseguira tirar isto a limpo.
Tanto tempo depois, se alguém souber informações sobre ‘Bigode de Arame’, seja daqui do Brasil ou do exterior, com base nas características dele descritas, faça o favor de entrar em contato conosco.
Juntos, talvez possamos, enfim, desvendar o mistério da origem do homem que, meio século antes, povoou nossa infância e tanto medo nos meteu. Antecipamos pungentes agradecimentos.


60375
Por Alberto Sena - 28/7/2010 14:28:36
Homem Invisível - Alberto Sena
Já contei que o meu sonho de ser jogador de futebol profissional não passou de uma tentativa amadora no juvenil do Casimiro de Abreu, em Montes Claros, sob a direção técnica de Bonga. Nessa ocasião, no auge dos 17/18 anos, era veloz, corria que era uma beleza. Ao ponto de entrar em êxtase.
Sim, em êxtase. Só que eu não identificava a sensação como ‘um estado de êxtase’. Sentia-me bem correndo e melhor ainda depois, como se tivesse comido uma porção de espinafre do ‘Popeye’. Essa sensação eu sentia antes, muito antes, na época em que brincava de ‘esconder’ na Rua São Francisco e depois na Rua Corrêa Machado, em Montes Claros. Conseguia escapar de vários ‘pegadores’ ao mesmo tempo e ‘salvar’ os companheiros ‘detidos’ ao pé de um poste.Recentemente, o jornal ‘The New York Times’ publicou matéria informando que um grupo de pesquisadores da Alemanha conseguiu comprovar a hipótese: correr produz ‘uma onda’ ou ‘uma sensação de êxtase’.
São as endorfinas, substâncias químicas do próprio corpo, comparáveis ao ópio. Segundo a publicação, correr não seria a única maneira de ter essa sensação de bem-estar. Exercícios mais intensos ou de resistência também podem levar o cérebro a produzir as tais endorfinas.
Voltando ao tema inicial: era ponta direita veloz e o técnico Bonga me chamava de ‘Homem Invisível’. Mas eu não chegava a ser tão invisível quanto o grande Raphael Reys diz ter sido em épocas que, embora tendo eu e ele vivido quase os mesmos acontecimentos, aí no Arraial, nunca havíamos nos encontrado, cara a cara, a não ser no ‘Almoço Curraleiro’ por ele promovido aqui nesses píncaros, almoço que degusto até hoje na lembrança. Evidentemente, nos dias atuais, não mais disponho da capacidade de correr para fazer jus à alcunha dada por Bonga. Ando. E muito. Mesmo andando, experimento prazer. Talvez até maior do que quando corria veloz.Ao contrário de antes, a consciência da importância de andar é maior. Exercitar o espírito, a mente e o corpo. Sentir o vento tocar o rosto e os raios benfazejos do sol na pele. Sentir-se vivo. E agradecer a Deus pela vida.Andar é exercício completo. Há sem número de exemplos de idéias surgidas numa caminhada. Mas bom mesmo é fazer longas caminhadas. Principalmente em lugares de belas paisagens, quando se pode exercitar a capacidade de contemplar a natureza. Ao ponto de senti-la e dizer: ‘nós e a natureza somos um’.O nosso planeta é lindo! Há lugares maravilhosos à espera de quem gosta de calçar botinas de ‘trekking’, pôr nas costas uma mochila, identificar no mato um cajado e andar. Fazer, por exemplo, o ‘Caminho da Fé’ – Tambaú (SP) entrar para Minas, subir e descer a Serra da Mantiqueira, até o Santuário de Aparecida, 400 km, a pé – é algo inesquecível!
Assim como é também inesquecível percorrer o ‘Caminho de Santiago’, desde San Jean-de-Pied-Port, no Sul da França, até a cidade de Santiago de Compostela, na Espanha, 800 km, a pé. Para alguns, ‘uma loucura’ para outros, ‘uma façanha’.
O peregrino recomenda a quem se dispuser a fazer esse tipo de caminhada logo na primeira oportunidade. Tudo começa a partir do desejo. Se se tem o desejo de, por exemplo, percorrer o da ‘Fé ’ ou o de ‘Santiago’, a pessoa já pode se considerar a caminho. E que não deixe passar a oportunidade.Se muitos andassem mais, deixassem em casa os carros, teriam saúde para dar e vender; seriam mais felizes; o trânsito de Montes Claros melhoria, até mesmo sem a intervenção do urbanista Jaime Lerner. Embora uma coisa não tenha a ver com a outra.Quem anda faz reflexão, faz oração, contempla, tem mais tempo para observar o que está em volta. Não se estressa tanto quanto quem vive ao volante. Andar não polui o ambiente.Aqui, neste Curral Del Rey, um dos pontos mais próximos e bonitos para uma caminhada salutar é, de um lado, o Parque das Mangabeiras; e do outro lado, o Parque Paredão da Serra do Curral.Do alto da Serra do Curral se pode ter a clara visão do Cerrado, o Sertão de Guimarães Rosa; e a Mata Atlântica, do outro lado. O mais incrível é que pequizeiros são encontrados lá em cima. A prova cabal de que a Serra do Curral é de fato um divisor de ecossistemas. Andem, pois.
De passo em passo se chega ao longe.


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Por Alberto Sena - 16/7/2010 08:57:50
Nas Mãos de Quem Nasci

ALBERTO SENA

Foi o texto de Mara Narciso, intitulado ‘Praça Irmã Beata,’ baseado nos depoimentos de Ruth Tupinambá, Maria de Jesus Felícia Mota e Maria Eunice Leite, sobre Wilhelmina Lauwen, conhecida como Irmã Maria Beatrix, e muito mais como Irmã Beata, que me proporcionou sensação tal e qual, senão a uma regressão ao útero materno, pelo menos, ao dia do meu nascimento. Nas mãos de quem? Dela, Irmã Beata. Posso dizer, sem exagero: assisti ao meu próprio parto. Assisti claro, modo de dizer. Assisti com os olhos de mãe e os detalhes contados por ela. Não os detalhes do parto em si, mas do pós-parto. Do que aconteceu em seguida.
O resto do que se passou naquele dia ficou por conta da minha imaginação. Até hoje, volta e meia, falo com as pessoas, quando tenho a oportunidade, como a tenho agora: ‘nasci em mãos santas’. Se Montes Claros tem alguém candidata a ‘santa’, o nome dela é Irmã Beata, holandesa de nascimento. Talvez esse fato somado à religiosidade de mãe me tenha tornado crente em Deus. A pessoa pode ser considerada a mais sábia do mundo, mas se porventura confessar não crer em Deus, essa pessoa não existe. E não vai aqui nenhum sentimento de menosprezo. Pelo contrário, uma pessoa que nega a existência de quem a criou merece piedade. Se não crê em Deus, o Criador, como crer na criatura sábia, cuja sapiência a cegou?
Mas não basta crer em Deus. É preciso sentir Deus em si (sentir e não se sentir Deus). Ele é Ser tão grande que nenhum vivente tem olhos para enxergá-lo no todo. Deus a gente O vê nos detalhes. Nos montes claros, nas florestas do Cerrado, nos animais quadrúpedes e nos pássaros. Na grandeza do mar e em tudo que o povoa. Ele é visto nos rios. E, principalmente, nos seres humanos. Como disse parágrafos atrás, ao ler o texto ‘Praça Irmã Beata’ tive uma experiência de regressão ao dia do meu nascimento. Mãe que me contou: quando nasci, a caridosa freira pegou-me nos braços e disse – preciso reforçar: estou sendo fiel ao que mãe me contou: ‘quê menino bonito, dona Elvira; dá ele pra mim’? E ficou comigo nos braços, ninando. Ela foi insistente, contou-me, mãe.
Claro, dona Elvira ficou lisonjeada. Eu mais ainda, embora na ocasião não pudesse manifestar nada neste sentido a não ser aos ‘berros’. Essa brincadeira de Irmã Beata com mãe pode ter sido demonstração do quanto era ela sensível, e psicologicamente, sabia lidar com as parturientes. Ela devia falar a mesma coisa a todas as mães. Mas foi importante saber disso e retornar ao dia do meu nascimento. Poder imaginar as mãos da Irmã Beata me segurando, como se abarcasse uma ‘trouxinha’ envolta em panos. Gostoso sentir o calor do colo dela, alma virgem, e tentar ouvir-lhe as batidas do coração. Um dia perguntei a mãe se ela teria coragem de me dar em adoção à Irmã Beata. Sabem o que mãe disse? ‘Claro que não’! Ainda bem. Pensei. Não ia gostar de viver com ela, ali dentro da Santa Casa, naquele silêncio quase sepulcral, onde não se podia brincar nem fazer barulho.
Bom mesmo era ser filho de dona Elvira e brincar livre no quintal, debaixo dos pés de jabuticaba ou à sombra das mangueiras e praticar pontaria com pedradas de estilingue nos vidrinhos de penicilina.
À medida que as minhas irmãs se casavam e iam tendo filhos – primeiro Elza, casada com o já falecido Raimundo Lopes; depois Terezinha (Tê), casada com Nelson Murça, hoje com 84 anos – era hora de ir à Santa Casa ver a carinha dos sobrinhos recém-nascidos. Era bom ir à Santa Casa só para subir a rampa até o apartamento onde o sobrinho recém-nascido dormia. Era gostoso ouvir o silêncio dentro do hospital. No apartamento só se podia falar baixo.
Mas embora achasse importante ter nascido nas mãos dela, eu continuava renitente: ‘minha mãe fez o mais certo, não me entregou à Irmã Beata’. Fisicamente, não. Mas espiritualmente, em Deus, na pessoa de Jesus Cristo, sempre estive com ela, dentro ou fora da Santa Casa. Para mim, hoje, ao volver ao dia do meu nascimento, acredito: Irmã Beata ‘era santa’. Não por mérito dela própria, mas por conta de Jesus Cristo no seu coração. Ninguém é santo se não estiver em Deus.
Vamos refletir: quem é capaz de controlar a fome, a sede, os pensamentos, a respiração, as necessidades fisiológicas, as batidas do coração? Quem sabe o que vai me acontecer, a mim ou a você, no próximo minuto?
Fisicamente somos, em verdade, poeira cósmica. Não há porque nos acharmos uns superiores aos outros. Vamos todos virar pó. Importa, sim, cuidar do espírito.
Enquanto ainda há tempo.


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Por Alberto Sena - 8/7/2010 09:01:46
O Lucro de Itamaury

ALBERTO SENA

No meio de nós é comum ouvir a desgastada frase: ‘não li e não gostei’. Mas também se ouve o contrário: ‘li, gostei e recomendo’. Entretanto, isto só não basta. É preciso provar. Li e gostei do livro ‘Doce Prejuízo’, de Itamaury Teles. Gostei pelo seu jeito característico de contar histórias, de manter relação telúrica com o lugar onde nasceu e viveu até se transferir para Montes Claros, onde também plantou raízes e delas trata em vários momentos.
Apreciei o livro de Itamaury porque é simples, como o próprio autor, dotado de boa dose de humor, ao ponto de gozar a si próprio como no caso de “Nomes estranhos”. Nessa crônica, ele se mostra conformado com o próprio nome, junção de Ita (‘pedra em tupi-guarani’) e ‘Amaury’, estrela do basquete nacional nos idos de 1954, quem o pai dele admirava.
Criticar é fácil. Difícil é construir. Criticar todos nós nascemos sabendo. Elogiar, reconhecer o valor e a competência do outro, sinceramente, são poucos os que aprendem em vida. Inda mais nos dias atuais, diante de tanta concorrência, e quando vemos o atropelo dos valores verdadeiros sem a menor cerimônia. O texto de Itamaury tem força. Essa energia do Cerrado, e nos lembra a vegetação forte, e ao mesmo tempo frágil, coberta de casca grossa, como da cortiça, mas delicada e leve, lá no chão onde nasce o pequizeiro chamado por Téo Azevedo de ‘Esteio do Sertão’.
Em ‘Político caçador de onças’, o autor trata de ‘Liobas e Gabirobas’, facções políticas opositoras em Porteirinha, e ao expor o tema, fica a impressão de que, politicamente, aquela terra onde brota ‘ouro branco’ e uvas sem caroços, é o centro do universo. Lá a política lateja como a veia aorta em cada cidadão. E em nível local, os habitantes parecem recitar o dramaturgo alemão Eugen Berthold Friedrich Brecht:
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que de sua ignorância política nasce a prostitua, o menor abandonado, o assaltante, o corrupto das empresas nacionais e multinacionais e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista e pilantra”. Em Porteirinha, os cidadãos são alfabetizados politicamente. Tomam partido. Importa menos que um ou outro nem saiba fazer o ‘o’ com o fundo da garrafa. Outra coisa chama a atenção no livro de Itaumary: a maneira como ele conserva a linguagem regional dos matutos, característica que as novelas e os modorrentos programas de auditório sepultam a cada dia.
Um exemplo da beleza está em ‘Canoro carro de boi’, meio de transporte desconhecido de muita gente das gerações do asfalto. Esses nunca ouviram o chiado das rodas do carro de boi debaixo do sol escaldante do Norte de Minas, conduzido por um peão munido de ferrão para cutucar o cocuruto das parelhas de bois.
‘Doce prejuízo’ para o tempo ao registrar para a posteridade episódios que teriam se perdido na voracidade da vida pós-moderna, quando o hábito da leitura vai se distanciando da juventude à medida que a internet avança com os twitter’s, orkut’s e msn’s.
As pessoas têm pressa. E ao mesmo tempo cada vez mais ficam preguiçosas. Ler um livro é sacrifício e muitos só o fazem quando a escola obriga valendo nota. Daí a importância do livro de crônicas, que por ser de crônicas, estas não passam de duas ou três páginas, e podem ser digeridas aos pouquinhos, até mesmo sentado no ‘trono’. Como disse o jornalista Jorge Silveira, no prefácio e na contracapa, ‘primeiro foi ‘Urubu de Gravata e outras crônicas’. Depois, ‘Noturno para o Sertão’. E por último, ‘Doce prejuízo’. Dentro em breve, acredito, sairá um romance. Daqui deste Curral Del Rey a gente não sabe o que se passa nas gavetas das escrivaninhas de escritores conterrâneos. Mas quando é chegado o tempo, ouvem-se os reclames dos textos guardados nas gavetas. E quando acontece de o autor fazer ouvidos moucos, os próprios textos se rebelam e saem por si mesmos das gavetas, regurgitam como uma criança lactente.


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Por Alberto Sena - 5/7/2010 08:36:38
Peru Mais Caro e Famoso do Sertão

Para Reinaldo Oliveira, Reinaldinho

ALBERTO SENA

Desde criança se ouve dizer o ditado: ‘vinho, azeite e amigo, o mais antigo’. Reinaldo Oliveira, o Reinaldinho, é desses amigos antigos, formados na seara da adolescência, início da fase adulta, uma das personagens de uma ida à Lapa Grande, em incursão que sempre fazíamos quando aí em Montes Claros éramos felizes e tínhamos certeza.
Gente é como um lago cuja água tremula aos beijos do vento. Mas se alguém toca a lâmina d’àgua, ondas vão e ondas vêm.
Tanto tempo depois, ao ler a aventura ao ventre da Mãe Terra, Reinaldinho reapareceu trazendo na mochila a pérola abaixo. Divido-a com cada um dos leitores, que, espero se multipliquem setenta vezes sete.
É ele quem conta: “Não sei bem se foi neste mesmo dia, mas a turma era parecida, inclusive, Marlúcio "Brasa Mora", Chiquinho e Rubim. Mas tinha também Reinaldo Gordo. Lembra dele?
“As tochas eram filtros de óleo antigos que pegamos em algum posto sem saber o perigo que corríamos com a queima do oxigênio principalmente nas passagens estreitas.
“No caso de Chiquinho, o mais engraçado foi uma passagem em que ele escorregou e ficou pendurado numa pedra gritando por socorro, balançando as pernas. Na sequência, eu e Rubim fomos escalados para tirá-lo do buraco, e quando o alcançamos, os pés dele estavam a menos de cinco centímetros do chão.
“Resolvemos voltar e falamos ao Chico, àquela altura em agonia: "seu caso não tem jeito"! Foi quando Reinaldo Gordo mandou Chico soltar as mãos, e para alivio dele, estava muitos quilômetros distante de um precipício.
“O mais interessante dessa incursão à Lapa Grande foi que deixamos nossas mochilas na entrada com uma molecada. Quando saímos, a fome era grande e a surpresa maior: a molecada tinha sumido com nossa comida.
“Chiquinho lamentava a marmita saborosa feita por "Dona Di" com muita recomendação. A fome era geral, não sobrou nada. Ou melhor, Tone “Saquim” foi o único a esconder a comida e teve, por livre e espontânea pressão, que repartir com a turma.
“O melhor, no entanto, aconteceu na volta para a cidade. "Brasa Mora" arrancou uma cana num canavial próximo. Ele caminhava e chupava a cana quando, useiro e vezeiro nas brincadeiras, soltou um assobio com os dedos na boca e foi prontamente correspondido por um distraído peru. O restante se pode imaginar, mas vou contar: a cana foi usada no alto do pericrânio do peru, que saiu doidão, trocando as pernas.
“Imediatamente apareceu a dona do peru e a bagunça se formou. Ela ameaçava ir à polícia. Foi um deus-nos-acuda. Para solucionar o problema, Reinaldo Gordo com toda sapiência, se prontificou pagar o peru. Diga-se de passagem, o bicho ficou doidão, mas vivo.
“Reinaldo disse à sitiante que trabalhava na Caixa Econômica Federal e se chamava “Arcanjo”. Ele, “Arcanjo”, pagaria o peru, era só passar lá na Caixa segunda-feira. Claro, Reinaldo Gordo pensou que a mulher ia esquecer o caso e tudo estaria resolvido.
“Só que na segunda-feira a mulher foi à Caixa. Pediu para falar com Arcanjo (ele nada sabia) e foi prontamente atendida. Ela foi dizendo logo: "vim receber o dinheiro do meu peru que vocês mataram".
“Arcanjo não entendeu nada e perguntou: “quê peru, dona”? E prosseguiu: “não sei nada de peru; não comprei nem matei peru nenhum”.
“Nesse meio tempo, Reinaldo Gordo ao vir a confusão armada, entrou no banheiro e ficou de lá observando. Como não houve acordo com Arcanjo, a mulher ameaçava fazer escândalo. Foi preciso chamar o gerente, Chico Pires.
“Ele veio e a sitiante explicou: “Arcanjo e sua turma comeram o meu peru de estimação”. Chico Pires quis saber direito sobre o ocorrido e interrogou a sitiante, buscando mais detalhes.
“Foi quando ela observou: “Arcanjo tava mais cheinho no sábado”. Reinaldo Gordo não teve como escapar: saiu do banheiro e pagou o peru. Como castigo, ele ficou dois anos tentando receber da turma o dinheiro de volta.
“Esta é a história do peru mais caro e mais famoso do Norte de Minas”.


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Por Alberto Sena - 30/6/2010 15:03:45
Eles eram felizes e sabiam

ALBERTO SENA

Iniciativa boa essa de Geraldo Maurício – Nenzão – ao organizar o livro ‘Éramos felizes e sabíamos’, no qual ele reuniu 18 autores, 19, com ele próprio, a fim de registrar para sempre uma época, sem saudosismos, quando o viver em Montes Claros era menos perigoso do que nos dias atuais.
Meses antes do lançamento, em Brasília-DF e Belo Horizonte, soube do livro em fase de edição, por intermédio de Murilo Antunes, depois da publicação do texto ‘Era feliz e sabia’ no montesclaros.com. Ao lê-lo, Murilo enviou uma mensagem me informando da iniciativa de Nenzão.
A coincidência, e isto o amigo, poeta e letrista de belas músicas, destacou: era o título do texto. O meu, publicado no dia quatro de março deste ano de 2010, estava no singular e o do livro no plural. Título que ele próprio dera. Mas, como dizia, a iniciativa foi das melhores, até mesmo pelo fato de ser uma publicação com características próprias, diferente das coletâneas de textos publicadas aqui e alhures.
Sei que foi uma tarefa hercúlea por vários motivos, e o principal deles é a dificuldade para publicar alguma coisa neste País, a começar pelos custos de edição e sem falar da preguiça mental que assola principalmente os mais jovens nos dias atuais quando a internet avança sobre potenciais leitores que preferem os joguinhos, os ‘orkuts’ e os ‘msns’ da vida a ler livros.
O livro chama a atenção pela diversidade de textos. No mínimo é uma provocação para cada um dos autores a continuarem escrevendo e estimulados pelo gosto de publicar alguma coisa, quem sabe, possam desovar um livro de contos ou um romance que porventura esteja engavetado por puro rigor de autocrítica. Outra coisa é o fato de a publicação ratificar aquilo que Minas, o Brasil e o mundo inteiros sabem: Montes Claros é terra de cultura literária forte como forte é o pequi. Tem sabor, cheiro e embala o espírito de quem confortavelmente senta numa poltrona para viajar ao passado, mesmo sabendo que o passado nem o futuro existem. Real mesmo é o aqui e agora.
Montes Claros que gerou um Cyro dos Anjos, um Darcy Ribeiro e outros nomes importantes das artes de modo geral, não podia deixar de produzir novos valores, sempre, porque a roda da vida não para.
Ademais, é importante para as atuais gerações terem uma referência do que foi a Montes Claros dos anos 60/70 a fim de que possam construir uma cidade mais interessante ainda, para elas próprias e as gerações vindouras. Digo isto porque observo aqui da janela o quanto um acontecimento atropela o outro no dia-a-dia e a velocidade do tempo, apesar da sua relatividade, aumentou a partir dos avanços tecnológicos. E no mesmo diapasão, a memória volátil das pessoas parece não assimilar os fatos com o mesmo cuidado das mentes mais antigas.
Senão, vejamos: quando a vida transcorria pachorrenta, não se tinha notícias de problemas de saúde como o Mal de Alzeihmer, que, como rato roendo queijo, compromete a memória das pessoas nos nossos dias. ‘Éramos felizes e sabíamos’ é pura memória. Memória de Ademir Fialho, Augusto Vieira, Carlos Lindenberg, Eduardo Lima, Felipe Gabrich, Haroldo Tourinho, Luiz Milton Velloso, Márcia Vieira, Murilo Antunes, Nilo Pinto, Paulo Henrique Souto, Raphael Reys, Ruth Tupinambá, Tião Martins, Juventino (Tininho) Silva, Virgílio de Paula, Walmor de Paula. E, claro, memória de Nenzão.
E por falar em Nenzão, ele ainda conserva, segundo disse-me ao telefone, a fazenda Pequi, do saudoso pai, onde se pode consumir na bica do alambique, uma cachaça que já embriagou toda a turma acima relacionada, o que o público leitor poderá comprovar, por exemplo, no texto divertido de Luiz Milton.
Fui duas vezes à fazenda, a uns quatro quilômetros de Montes Claros, mas sem a companhia de nenhum deles. Numa das vezes, fui com o técnico Bonga, do juvenil do Casimiro de Abreu, no lombo de um cavalo em pelo. Bonga na frente, conduzindo o animal. Não é preciso dizer que cheguei lá com a parte de dentro das pernas escalavradas. Pior foi na volta, pois além das feridas nas pernas, estávamos tontos, menos o cavalo. Não tenho notícia se o livro foi lançado em Montes Claros. Se ainda não foi, podem esperar, o será. Sinto que os participantes, depois desta provocação, qual músico ao experimentar ‘carreira solo’, cada um deve escrever o seu romance. Espero, portanto, em breve, ter a alegria de ler outros 19 livros.


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Por Alberto Sena - 26/6/2010 11:21:52
De estilingues e lagartixas

ALBERTO SENA

Quando papai morreu, lembro-me bem, tinha eu 12 anos. Nós morávamos na Rua Corrêa Machado, 238, em Montes Claros. Menino ainda, calças curtas, jogava bolinha de gude com Ari, um amigo da rua de trás. Lúcia, minha irmã, me procurava, e quando me encontrou, disse:
__ Corre pra casa, papai não está bem.
Embora menino, captei logo a mensagem dela. Corri o mais que pude. Cheguei a tempo de ver papai dar os últimos suspiros. Ouvi os dedos dos pés dele estalarem e alguém dizendo:
__ Os estalos dos dedos foram sinais da partida dele. Talvez para me tirar do quarto, mãe me pediu para correr à casa de tia Ambrosina, irmã dela, a fim de dar a notícia da morte de papai. Peguei a bicicleta Monark e, em rápidas pedaladas, fui à casa de tia Ambrosina. Avisei-a e voltei voando. O velório do meu pai foi na sala de visitas de casa. Ele e mãe estão enterrados na mesma sepultura, no Cemitério do Bonfim, de Montes Claros.
Uma foto publicada por Augusto Vieira, numa das suas crônicas mais recentes, sobre a inauguração do Banco Econômico, na qual ‘Tiãozinho do Banco’, pai de Tininho, um dos escribas do livro “Éramos felizes e sabíamos”, fazia discurso ao lado de autoridades da cidade, me levou a lembrar de pai. Ele não está na foto, mas o coronel Coelho, à época o delegado de polícia de Montes Claros, está.
E o que tem o coronel Coelho a ver comigo e com pai? O leitor atento há de perguntar. Tem a ver pelo seguinte: o coronel Coelho era delegado do tempo dos delegados “calças-curtas”. Ele era amigo de pai. Um dia, pai me levou à presença do coronel Coelho, sob intimação policial. Um PM havia ido me procurar lá em casa para me intimar. Como na época eu tinha só 11 anos, tive de ir à delegacia com meu pai. Chegando lá, com o coração na mão, vi pai e o coronel Coelho se cumprimentarem. E ele, o delegado, perguntou:
__ O que você está fazendo aqui?
Ao que pai respondeu:
__ Vim trazer o meu filho, ele foi intimado. O coronel Coelho ficou uma fera.
Disse:
__ Como intimaram uma criança para vir à delegacia?!
Bom, fui intimado porque, dias antes, armado de estilingue, juntamente com outros amigos de semelhante idade, eu atirava pedras em lagartixas, na Rua João Pinheiro, próximo de casa. Em certo momento passava um caminhão caçamba, do Departamento de Estradas de Rodagens (DER), e me lembro de ter ouvido um barulho igual ao ruído de vidro se quebrando. Um dos amigos, sem querer querendo, dera uma pedrada no para-brisa do caminhão e no mesmo instante o vidro se partiu em pedacinhos. O motorista parou o caminhão e perguntou quem tinha jogado a pedra. Sabe quem se apresentou? Ninguém.
Como não fora eu o autor da peripécia, afastei-me do local com medo de que sobrasse alguma coisa para mim. Desci a rua e continuei, juntamente com outros amigos, a caçar lagartixas, quando ouvi os gritos de Lúcia:
__ Corre pra casa porque um soldado foi lá procurar por você e papai está uma fera. Fiquei apavorado. No que entrei em casa senti a mão pesada de pai nos fundilhos. Foi a única vez que levei um tapa dele. Apanhar de minha mãe era comum, um dia sim e no outro também, mas de pai, foi a primeira vez. Como estava inocente no caso, fiquei com a minha consciência tranqüila, mas tinha de ir à delegacia com meu pai. Quase morri de medo de ficar preso. Quando ouvi o coronel Coelho dizer “delegacia de polícia não é para menor de idade”, fiquei aliviado. E mais ainda fiquei quando ele se despediu de mim e saiu do gabinete conversando animadamente com meu pai. O episódio deu-me o que pensar. E tanto pensei que cheguei à seguinte conclusão: o autor da pedrada não foi “Dedinho” como alguns meninos apontaram. Ninguém me tira da cabeça: o autor da pedrada, voluntária ou involuntariamente, fora Sílvio Guimarães, que, se não me engano, hoje é médico em Montes Claros. Estou certo disto, sabem por quê? Assim que o para-brisa do caminhão estourou, vi Sílvio sair de fininho e jogar o estilingue dele no mato. Em seguida, ele ficou com a cara de santinho, santinho de pau-oco, enquanto o motorista dizia cobras e lagartixas querendo um culpado de qualquer jeito.


59495
Por Alberto Sena - 21/6/2010 12:04:40
A valentia do cabo Zé Idálio

ALBERTO SENA

Havia em Montes Claros, no tempo dos delegados “calças curtas”, como eram chamados, porque não eram bacharéis em Direito, mas oficiais da Polícia Militar (antes nem militares eram os “calça-curtas”, mas um civil, cidadão comum, daí a origem da alcunha), havia um cabo chamado José Idálio. Era um tipo de estatura baixa, franzino, usava bigodes e os cabelos cortados baixo, com entradas dos lados da testa.
Para resumir, o cabo José Idálio, que daqui para frente será chamado de Zé, era temido em todas as hostes pela valentia. Muitas das vezes, ele até extrapolava na valentia. Só era pequeno, mas parecia galinho de briga, um garnisé. A lei era ele.
O delegado de polícia na época era o capitão Vasco, da Polícia Militar. Um homem forte, olhos verdes, considerado também valente. O capitão era de Belo Horizonte, mas se casara com uma moça de Montes Claros.
Corria a década do golpe de 1964, contra o presidente João Goulart, o Jango, quando até o PM mais simples se revestiu de poder fora do comum. Nessa época, tínhamos a impressão de que as pessoas eram vigiadas por olhos invisíveis, como se câmeras tivessem sido espalhadas por todos os cantos.
Nós estávamos dentro da delegacia. Éramos três: o capitão-delegado Vasco; o jornalista Felipe Gabrich, pelo “Diário de Montes Claros”; e eu, pelo “O Jornal de Montes Claros”. Estávamos ali colhendo notícias. De repente, começamos a ouvir gritos de socorro vindos da rua. “Capitão Vasco, socorro; capitão Vasco, socorro...”
O capitão se levantou da cadeira num salto e correu para fora do gabinete para ver o que acontecia. Nem bem tinha saído do prédio da delegacia, na Rua Dr. Veloso, ele deu de cara com Jabbur correndo e gritando por socorro. Atrás dele vinha o pequeno Zé Idálio de revólver em punho.
Jabbur – o prenome dele, eu não me recordo, mas Gabrich, certamente, saberá dizê-lo – se abraçou com o capitão Vasco, gritando: “socorro, Zé Idálio quer me matar”. Não se sabia o porquê de os dois terem se desentendido, nem é o caso de procurar sabê-lo. O interessante, para não dizer engraçado, foi o sufoco de Jabbur, pedindo socorro ao capitão.
Muita gente correu para ver o que acontecia. O Zé recolocou o revólver no coldre e tudo ficou como dantes, “no quartel de Abrantes”, por conta de um “mal-entendido”.
Outra passagem envolvendo o cabo Zé Idálio aconteceu antes, muito antes de o autor deste texto trabalhar como repórter do JMC, eventualmente, cobrindo o setor de polícia. Foi no tempo em que a Praça Coronel Ribeiro tinha prestígio, era bem cuidada e o Cine Cel. Ribeiro tinha a maior audiência da cidade.
Os melhores filmes da minha vida eu os assisti no Cine Cel. Ribeiro. Naquele tempo, sabiam-se os nomes de todos os monstros sagrados do cinema: Marlon Brando, Kirk Douglas, John Waine, Elizabeth Taylor, Sofia Loren, Gina Lollobrigida, entre outros.
Estávamos sentados num dos bancos da praça. Caía a tarde. O movimento era o de sempre. Uns iam, outros vinham, enquanto alguns compravam ingressos para entrar no cinema. De repente, apareceu o cabo Zé Idálio vindo da direção da Montanhesa, um bar que havia na esquina de Rua Bocaiúva. Ele trazia preso um homem seguro pelo cós da calça e com um dos braços dobrado para trás.
A certa altura da praça, Zé Idálio começou a socar o homem. Mas foram muitos socos, e o homem gritava tanto, que as pessoas começaram a pedir por ele. Mas o Zé não parava de bater nele. As pessoas continuaram gritando até que o cabo resolveu atender aos apelos e soltou o prisioneiro.
Esbaforido, o homem saiu em “desabalada carreira” sem ao menos olhar para trás. Mais tarde soubemos: ele fora apanhado tentando furtar uma pessoa na estação rodoviária antiga, ali próximo da Praça Francisco Sá.
Naquele tempo de delegado “calças-curtas” o terror era o cabo. Coitado de quem caísse nas mãos de Zé Idálio. Ele resolvia tudo no braço ou no revólver, pelo menos para amedrontar. A técnica dele era simples assim. Hoje em dia, em Montes Claros, que evoluiu bastante, eu acredito isto não deve ocorrer mais.
Hoje os delegados são bacharéis em Direito. Mas em compensação, as ocorrências policiais ganharam feições novas. Tanto de um lado como do outro. É que Montes Claros virou cidade grande.
E quando se é grande, a cidade fica “metida a besta”, assim como acontece com muita gente adulta, que deixa escapar o espírito infantil, a simplicidade da criança que morava dentro do peito.


59306
Por Alberto Sena - 15/6/2010 09:27:26
Time de Bonga

Alberto Sena

Meu futuro como jogador de futebol profissional não passou de uma experiência amadora no Juvenil do Casimiro de Abreu, mais conhecido como “time de Bonga”, em Montes Claros.
No futebol daquele tempo, os dois ponteiros tinham só duas opções de jogo. Ou entravam pelo meio rumo ao gol ou iam à linha de fundo e cruzavam para a área. Como ponta direita veloz, a minha especialidade era ir à linha de fundo a fim de cruzar ‘na coivara’.
Tecnicamente, eu me arrumava com uns cortes pela direita e pela esquerda ou com uma jogada de corpo ou mesmo gaúchas para pegar a bola além do marcador. Mas a instrução era de o meio-campo, com Aloísio, Carlinhos ou Adilson, lançar os ponteiros rumo à linha de fundo.
O que acontecia depois sempre me lembrava a ansiedade de um técnico de time de várzea, analfabeto de pai e de mãe; ele costumava gritar para os seus pupilos: “chuta na coivara e frexa”.
No meio-campo, Aloísio era mestre em lançamentos. Gritava: “vai...” E dava chutes enviesados, quase todos bem aproveitados, quando não eram com muita força e a bola ia para fora.
Não fui ponta direita de marcar muitos gols. Mas proporcionava gols de badeja para os companheiros indo à linha de fundo fazer cruzamento e os gols saíam da cabeça de Ronaldo Chamone ou do pequeno Zoca, que feito Garrincha, tinha pernas tortas, habilidade e agilidade de um craque – ele até jogou no time principal, dos adultos.
O técnico Bonga tinha relação quase profissional com ‘a rapaziada’, como gosta de dizer o controvertido Romário, autor de mais mil gols. Com quase dois metros de altura, Bonga fora goleiro profissional e conhecia muito de futebol e nos transmitia toda a sua sapiência deste esporte bretão.
O time tinha até atendimento médico no consultório do dr. Barreto. Cada um possuía escaninho. Os uniformes, todo branco ou todo azul, eram limpos e bem conservados; cada um recebia chuteira e tinha roupa de treino, tudo impecável. O time juvenil do Casimiro de Abreu era espelho do time principal. Havia na época uma rivalidade grande entre Ateneu e Casimiro de Abreu.
Bonga não admitia fumante no grupo. Se ele visse um de nós fumando, além de tomar o maço de cigarros e jogar fora – e ele tomou algumas vezes – ficava chateado. Era como o pai que se surpreende ao deparar pela primeira vez com o filho fumando. Bonga ficava “de mal” por algum tempo.
Entre nós, Chiquinho era o que mais fumava e em compensação era o mais resistente em campo. Num domingo, ele ganhou corrida de resistência na pista da Praça de Esportes, de manhã; e à tarde, jogou os 90 minutos pelo Juvenil do Casimiro de Abreu e ainda marcou um gol.
Fomos bi-campeões da categoria e achamos que podíamos ganhar do Juvenil do Botafogo, no Rio de Janeiro, em General Severiano. Fomos levados por Toninho Santos de ônibus dirigido por Renê, irmão de Muzinho. Ele fazia aquelas curvas da estrada do Rio como se estivesse numa reta. O coração ficava nas mãos. Era a minha primeira viagem interestadual.
Ficamos hospedados num casarão antigo em Botafogo e antes do jogo fomos à praia, e foi então que muitos de nós vimos o mar pela primeira vez. Depois fomos almoçar no Canecão (não por coincidência, está fechando ou já fechou as portas) e em seguida, nos preparamos para o jogo. Na época, Ferreti era o centroavante do Botafogo e ele, sozinho, liquidou a fatura: 4 a 1 em riba de nós.
Ainda assim, achamos que aquilo fora uma fatalidade e convidamos o Botafogo para ir a Montes Claros. E sabe o que aconteceu? O Botafogo aceitou. O jogo foi numa noite, no campo do Ateneu. Eu nunca tinha jogado sob as luzes de refletores. As arquibancadas ficaram apinhadas de torcedores. Empatamos em zero a zero. O nosso goleiro, Duílio, pegou dois pênaltis. E sabe o que o Botafogo fez? Levou Duílio para o Rio de Janeiro.
Os comerciantes atacadistas João e José Maria Melo eram os grandes incentivadores do juvenil do Casimiro de Abreu. Volta e meia, eles arrumavam compromissos para nós nas cidades vizinhas, como Janaúba, Januária, Jequitaí, Granjas Reunidas, Engenheiro Dolabela, entre outras. Nós viajávamos na carroçaria da caminhonete dirigida por João Melo.
Nunca vi ninguém com pé tão pesado no acelerador. Mas pudera, a caminhonete vermelha parecia conhecer de cor e salteado todos os pedregulhos do cascalho das estradas. João Melo ligava a ignição e o resto era por conta da caminhonete.
Só uma vez aconteceu um acidente. A caminhonete capotou. Por sorte ninguém morreu. Eu e outros não estávamos nesse dia. João Batista estava. Ele ficou sem um dedo da mão.


59093
Por Alberto Sena - 7/6/2010 17:58:40
UM TREM CORRE NA TRILHA DELE

(Para Didimo Paiva, pela riqueza de vida)

ALBERTO SENA

Nas últimas semanas, tive e ainda tenho o privilégio de conviver mais de perto com Didimo Miranda de Paiva, que só de jornalismo tem a idade de gente quinquagenária.
Durante mais de duas décadas trabalhamos juntos. Isto é, juntos na mesma redação do jornal ‘Estado de Minas’, na Rua Goiás, 36, em Belo Horizonte. Um circunscrito às divisórias de uma editoria e o outro noutra. Quase a vida toda, Didimo editou o noticiário internacional e escreveu milhares de editoriais e artigos.
Quero dizer com isto: ninguém conhece de fato o outro na correria desenfreada da rotina de redação de um grande jornal. Ainda mais quando se ocupa cargo de chefia.
As solicitações são diversas. Não param. O telefone chama, o repórter pede orientação, o diretor de Redação solicita ou manda fazer alguma coisa. Vai por aí a trabalheira.
Sem contar com a necessidade de concentração para ler, rever, escrever e editar páginas e mais páginas de olho no relógio, para não perder o fluxo nem comprometer o ritmo da oficina e a impressão do jornal.
Na Redação do ‘Estado de Minas’, em todos esses anos de convivência no trabalho, conhecemos, claro, todos nós, o talento, a competência, o rigor, a disciplina e o espírito libertário dentro do peito de Didimo e que em várias oportunidades deu mostras de justeza em defesa da democracia e de companheiros presos durante a ditadura militar, pós 1964. Além da sua luta ferrenha, sindical, em defesa dos trabalhadores de modo geral.
Mas uma coisa é conviver com alguém no trabalho. Outra coisa é conviver mais de perto, sem a correria característica da redação.
Como dizia no início, nas últimas semanas tive e ainda tenho o privilégio de conviver com Didimo ao ponto de entrar na vida dele. Escarafunchar o passado dele. Viver o presente dele. E por isto mesmo, conhecê-lo mais do que o conheci durante quase duas décadas e meia de trabalho na Redação do EM.
As pontas dos dedos coçam querendo ir mais adiante nessa exaltação ao Didimo. Mas ainda não é chegado o tempo e também porque, de fato, a intenção não era bem essa ao começar a escrever este texto.
O que me levou a trepidar nas teclas do computador foi a informação que colhi da boca de Didimo, e certamente cairá no agrado dos corações montesclarenses: uma das mais importantes coberturas jornalísticas feitas por ele, ‘em toda a minha vida’, foi o caderno especial sobre o Centenário de Montes Claros, em 1957.
Na ocasião, Didimo entrevistou Simeão Ribeiro Pires, Hermes de Paula e ainda investigou a vida de Dona Tiburtina, entre outras coisas. Fez tudo sozinho.
Montes Claros vai completar 153 anos daqui a pouco. Para que cada um possa exercitar a cachimônia e a aritmética, faça as contas. Descubra quantos anos tem o caderno especial que Dídimo fez sobre o Centenário de Montes Claros.
O detalhe curioso mesmo é o fato de ele ter namorado uma mulher de Montes Claros durante os festejos do centenário. Ela vive. Segundo garantiu, ficou apaixonado. Não entramos nos detalhes sobre o porquê de o namoro ter acabado. Nem era conveniente ir mais fundo nessa direção. Sequer o nome da namorada foi revelado.
Outra informação colhida nas conversas com Didimo: na década de 1960, o Brasil tinha cerca de 30 mil quilômetros de estradas de ferro. Podia-se cortar o País de cabo a rabo, de trem. Caso específico de Montes Claros, com o trem de passageiros. Vinha de Salvador, passava por Monte Azul, no Vale do Jequitinhonha, até Montes Claros. De Montes Claros ia para Belo Horizonte e depois para o Rio de Janeiro.
Hoje, o Brasil usa pouco mais de 11 mil quilômetros de estrada de ferro. 19 mil quilômetros de estrada de ferro enferrujaram e enferrujam ainda cada dia mais. Um prejuízo incalculável. Bens materiais e os problemas socioeconômicos e políticos gerados pelo fato de a opção em termos de transporte ter sido rodoviária, ninguém pode avaliar com certeza.
Didimo termina um livro sobre mineração, em que mostra, com a maior riqueza de detalhes, o quanto sofrem os países ricos em minerais. Fiquei pensando se o Norte de Minas não está na iminência de virar ‘território chinês’ por causa do minério de ferro.
Mas vamos esperar para ler o livro dele quando chegar a hora. Saberemos, então, o porquê de a riqueza não ficar nos países detentores das lavras. Cria asas ou toma doril.
Enquanto conclui o livro, Didimo empreende outra viagem. Esta, imaginária, em um trem. E ao mesmo tempo, é uma viagem tão real como a própria vida dele, desde a sua querida Jacui, no Sul de Minas, até aos anos 2010.
Estudioso, digno, defensor dos direitos coletivos, ele é daqueles homens que, de fato, amam a raça humana.
Todo dia Didimo se levanta às 4h da madrugada, senta à mesa, pega papel, caneta e vai escrever.


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Por Alberto Sena - 3/6/2010 08:36:55
Minha primeira vez

Alberto Sena

A primeira vez que vi o corpo de um homem assassinado foi há muito tempo, quando Oswaldo Antunes, jornalista dono do “O Jornal de Montes Claros” me chamou à sala dele e disse: “a partir de amanhã, você vai fazer cobertura de polícia”.
Até então eu cobria Esportes em substituição a José Geraldo Gomes. Aceitei o desafio e uma das minhas primeiras matérias foi o assassinato de um homem a facadas.
Não sei se já disse isto aqui, porque eu costumo contar: na cobertura de polícia a gente aprende e apreende um pouco de toda matéria terminada em “gia”: psicologia, sociologia, antropologia, parapsicologia etc. Na prática, para mim, particularmente, foi muito importante.
Dizem que a cobertura jornalística do setor policial equivale a um curso prático de jornalismo. E é mesmo. Os principais jornalistas do país, pelo menos os mais antigos, iniciaram carreira na editoria de Polícia.
Uma coisa importante é sempre buscar os porquês. Quem me ensinou isto foi Wander Piroli, escritor e editor de Polícia, no Jornal Estado de Minas. Ele dava exemplo: “fulano matou? Por quê? Beltrano roubou? Por quê?” Em busca dos porquês se pode saber como vai a alma humana. Mas isto é outra história.
Ia dizendo: a primeira vez que vi um corpo de gente assassinada foi logo depois que um informante ligou da Delegacia de Polícia, ali na Rua Dr. Veloso, para o JMC avisando que um homem havia sido assassinado com mais de dez facadas num lugarejo próximo de Montes Claros. A polícia estava indo ao local e se eu quisesse podia ir junto. Fui.
Lembro-me que a estrada era de terra, mas tanta terra que houve quem cuspisse tijolo depois de beber um copo d’água. Chegamos ao lugar e fomos a casa onde havia começado o assassinato. Vou contar como se deu e deixar todos bem informados para o que virá em seguida.
Uma mulher dera não sei quantos “cruzeiros” ao amante para que ele assassinasse o marido dela. Só assim ela acreditava que os dois poderiam “viver felizes para sempre”. Se é que se pode viver feliz para sempre tendo na consciência o permanente fantasma de alguém.
E aconteceu que, na noite anterior, quando o marido chegou a casa e pediu a mulher para abrir a porta, quem o atendeu não foi ela, mas o amante. Armado de faca tipo peixeira, ali mesmo ele deu a primeira facada no marido traído.
O marido se afastou e tentou se desvencilhar do golpe seguinte, mas o matador foi mais rápido e o esfaqueou pela segunda vez. O homem deu uma meia volta e correu para dentro de um matagal próximo.
O assassino o perseguiu e foi lhe dando facadas nas costas uma atrás da outra até que o marido traído não resistiu mais correr porque perdera muito sangue. Caiu. E do modo que caiu ficou.
Nós saímos da casa àquela altura vazia e fomos seguindo as pistas de sangue. Entramos por dentro do mato, numa distância de uns 200 metros da casa. Deu para se ter uma ideia do que o marido traído passou, correndo do amante, tentando se desvencilhar da faca seguidas vezes.
Dentro do mato, a alguns metros antes de chegarmos próximo de onde jazia o cadáver, já se percebia a presença dele ali estirado, por causa do excesso de sangue coagulado no local e o mato bastante alquebrado. Ficou claro: mesmo esfaqueado o homem lutara contra o amante da mulher.
O cadáver estava de barriga para cima, uma das pernas encolhida e os braços estirados. Rígido, a boca aberta, cheia de formiga saúva.
Os olhos arregalados pareciam de quem morrera sem acreditar: o assassino, amante da própria mulher, era alguém que frequentava a casa dele e se passava por “amigo da família”.
“Mulher paga amante para matar marido”, eis a manchete da página de polícia na edição seguinte.
Foi nessa ocasião que comecei a apreender até onde podia ir a crueldade do ser humano, quando não se tem coração para atribuir real valor à vida, e se relativiza a importância de um ser vivente.


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Por Alberto Sena - 28/5/2010 07:09:09
No ventre da Mãe Terra

Alberto Sena

Combinamos levantar às 5h. Um passaria na casa do outro. Juntos, íamos à Lapa Grande. Éramos amigos. Vários. Certamente, não me lembrarei de todos. Isto aconteceu há décadas, quando ir à Lapa Grande significava andar por trilhas no meio do mato, ouvir o canto de passarinhos logo cedo e até deparar com pequenos animais, como teiús, calangos, almas de gato, pássaro grande, de rabo comprido e vôo pesado.
Imagino: hoje a cidade já chegou à Lapa Grande.
Faziam parte do grupo: Marlúcio (“Brasa Mora”), Chico Gomes, Rubinho Sena, Reinaldinho, Madureira, Cícero Stru e outros. Como nós íamos precisar iluminar o interior da lapa e ninguém tinha lanterna, combinamos levar querosene para improvisar tochas e assim resolveríamos o problema da escuridão.
Cada um cuidou de fazer a sua matula e levar refrigerante, vinho, do tipo garrafão, naquela época, era o que se bebia; senão cerveja e cachaça, o que não era o caso de levar na excursão. E como era chique fumar, nós fumávamos, e cada um tratou de levar a sua dose de veneno. Fumávamos cigarros Minister, em embalagem branca com a marca em azul. Era atraente.
‘Brasa Mora’ passou lá em casa. Juntos, fomos à casa de Cícero Stru, próxima da minha, na Rua Corrêa Machado, esquina de Rua Dr. Veloso. Fomos à casa de Chico Gomes, na Rua Bocaiúva. E descemos a Rua General Carneiro para acordar Rubinho Sena e, em seguida, nos encontramos com os demais ali na Praça Dr. Carlos. Cada um levava sua sacola de mantimentos.
O sol de Montes Claros rachava paralelepípedos. Fomos andando, cada um querendo expandir mais a satisfação de estarmos indo passar o dia na Lapa Grande. As ruas da cidade estavam vazias de gente, de carro e de bicicleta. Saímos da cidade e fomos seguido trilhas rumo a Lapa Grande, sobre a qual se contavam histórias e aventuras mil.
Lá chegando, na entrada aprontamos as tochas. Cada um ficou com uma. Antes subimos numa elevação já dentro da lapa, logo na entrada. Houve quem subiu nela e não conseguiu descer do topo sem ajuda.
Acendemos as tochas e embrenhamos lapa adentro. Deparamos com morcegos, aparentemente não hematófagos. O morcego hematófago transmite a raiva. Toda noite ele vai ao mesmo lugar onde atacou o animal na primeira vez e fica grudado, sugando o sangue do bicho, transmitindo germes da doença mortal, também para o ser humano.
A Lapa Grande é dos melhores pontos turísticos de Montes Claros. Além dos mistérios que a lapa encerra, era agradável entrar pelos corredores e rastejar em alguns lugares aparentemente inacessíveis, para encontrar lá no fundo um rio de águas límpidas.
Não sei se o rio ainda existe. Aonde a cidade chega, infelizmente, a natureza desaparece porque o bicho homem põe as mãos cheias de dedos e estraga tudo.
Em um ponto onde todos tinham de rastejar por estreito túnel para atingir um dos salões da lapa, foi um deus-nos-acuda. Chico Gomes sofreu crise claustrofóbica, passou mal sem poder respirar. Íamos um atrás do outro. Como Chico estava mais ou menos no meio do grupo, a situação dele nos assustou. Mas não recuamos. Fomos incentivando o companheiro a seguir adiante até nos depararmos com um salão.
A exceção dos morcegos, nenhum animal nós encontramos. Vimos estalagmites, formações de baixo para cima; e estalactites, formações do teto para baixo, mas não tocamos em nada porque já tínhamos noção da importância de preservar os bens naturais. Encontramos o rio e experimentamos entrar na água. Gelaaadaaa!!!.
Incursionamos por vários ambientes da lapa e depois iniciamos a saída. Até que sair foi mais fácil do que entrar. Mas foi engraçado na saída. Rimos até doer a boca do estômago. Ao chegarmos do lado de fora, à luz do sol, um olhava para o outro e disparava a rir. Nem todos tinham ideia do que se passava, mas riam assim mesmo.
Houve crise de riso porque cada um tinha marcas nas narinas por ter respirado lá dentro da lapa a fumaça escura do querosene. Eram como dois canudos pretos nas entradas do nariz.
Chico Gomes, aliviado, crise de riso controlada, jurou nunca mais experimentar sensação tão estranha como a claustrofóbica, inda mais na Lapa Grande, no ventre da Mãe Terra.


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Por Alberto Sena - 23/5/2010 09:36:21
Viva o Divino; salve Chico Rei

Alberto Sena

Darcy Ribeiro, com toda verve libertária, de homem que nutria profundo amor ao ser humano, costumava dizer: “o meu sonho é ser Imperador do Brasil”. Quem o ouvia dizer isto achava no mínimo que Darcy estava sendo incoerente com tudo; toda a sua carreira de professor – ele era tudo, mas gostava de ser chamado de professor - antropólogo, indigenista, escritor, político etc. Dizia isto e sorria, para depois explicar: “meu sonho é ser Imperador do Brasil nas Festas do Divino, no mês de agosto, em Montes Claros”.
Mês de agosto em Montes Claros era diferente de mês de agosto em qualquer lugar do planeta. O Sol assumia cor avermelhada e dava a impressão de estar ao alcance da mão. Ficava como Lua Cheia, enorme bola solta no espaço.
Longe de nós 150 milhões de anos-luz, Sol com alguma semelhança ao de Montes Claros só se veem em Brasília, porque erigida no Cerrado; ou em Israel, no Oriente Médio, onde, diferentemente daqui, o Sol alaranjado, as águas do Mar Mediterrâneo o engolem não por acaso, a cada ocaso.
Os raios do Sol de agosto se misturavam com a bruma característica da estação de seca na região do Norte de Minas, e a bruma se confundia com a fumaça de queimadas, quando os agropecuaristas assim preparavam o terreno para lavorar e plantar capim.
E era então este um sinal de que havia chegado o tempo do desfile dos catopês. Enfim, as festas do Divino Espírito Santo.
O espetáculo de simplicidade dos catopês penetrava a menina dos olhos e ia direto ao fundo do mar onde moram os mais elevados sentimentos humanos, e de lá uma voz dizia: chegou o tempo de lembrar a gente caçada como bicho do mato, a gente aprisionada como fera, a gente trazida à força para o Brasil de antanho nos chamados navios negreiros.
Darcy sonhava ser Imperador do Divino. Este escriba, do alto da sua insignificância, tinha pretensões outras: ser catopé, ostentar a beleza das faixas coloridas da cabeça aos pés; os espelhos na testa a espalhar em todas as direções os reflexos do Sol escaldante de Montes Claros.
Queria suar como suavam os catopês a bailarem felicidade do momento; a reviverem as lembranças do passado – e a memória dos antepassados –; e a sonharem sonhos de um futuro alvissareiro.
Mas foi tarde – e antes tarde do que mais tarde – que se foram caindo os véus e se soube por meio de pesquisas nos alfarrábios, o porquê de gente simples o ano inteiro viver a expectativa de se sentir na pele de príncipes, de reis e de rainhas nas festas do Divino, em agosto.
Os experts em matéria de folclore, como Saul Martins, para citar um, contam que os catopês todo ano lembram Chico Rei.
E quem foi Chico Rei?
Um príncipe negro africano trazido à força para o Brasil só com a passagem de vinda em navio negreiro.
Aos poucos ele comprou a própria liberdade e fundou uma espécie de cooperativa para alforriar escravos. E assim, em torno dele os escravos alforriados formaram “um reinado”. Daí o costume. É preciso lembrar Chico Rei em meio às festas do Divino, em agosto.
A primeira notícia que se tem das Festas de Agosto é de 23 de maio de 1939, ocasião em que são homenageados o Divino Espírito Santo, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.
Em que pese toda a seriedade dos festejos de agosto aqui evocada, não custa nada contar um episódio engraçado. E na sequência um acontecimento de final trágico, para dar mais substância ainda ao ambiente folclórico.
A cena se deu em plena Rua Dr. Santos. Os catopês vinham em cantoria. Bailavam. Na porta de uma casa em estilo colonial, pouco abaixo da Praça Coronel Ribeiro (salvemos a praça!) de calção e nu da cintura para cima, estava um jovem. Ele observava atentamente os catopês e suas fitas coloridas, esvoaçantes.
Sem que ao menos suspeitasse, por trás dele veio o irmão menor. Num gesto rápido, de criança sapeca, puxou para baixo o calção do jovem. Por eternos segundos, ele ficou peladão diante dos catopês e dos circunstantes. O riso foi geral. Num átimo, ao se vir pelado, o espantado jovem puxou o calção para cima e, chorando de vergonha, correu ao encalço do irmão.
O final fugiu do universo folclórico e caiu na realidade de alguns anos adiante. A lembrança escapou por uma fresta do baú. O jovem peladão morrera afogado numa piscina. Na ocasião, disseram, “ele estava praticando pequenos furtos e a mãe dele fez um pedido a Deus: “prefiro ver o meu filho morto a vê-lo preso como ladrão”.


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Por Alberto Sena - 17/5/2010 07:44:07
Uma viagem que seria outra

Alberto Sena

“Eu não estava, mas estavam: Joe, Cássio, Picolino, Tinim, Ademir, Buteco, Lidê e mais uma dúzia da nossa turma (Joe há de lembrar mais nomes), indo de Belo Horizonte para Montes Claros.
“O propósito era curioso: Edgar Pereira, então candidato a deputado, alugou um dos vagões do trem para seus ‘eleitores’ montesclarenses. E lá se foi a rapaziada para o sertão.
“Lá pelas 7 da noite, o trem parou em Sete Lagoas. A turma já estava ambientada no vagão-restaurante, a tomar umas e outras jogando baralho. O chefe do trem veio organizar a fuzarca e pediu que eles interrompessem a farra para darem início ao serviço do jantar.
“Claro que a solicitação não foi atendida. Um policial na plataforma da estação interpelou o Lidê e o Buteco para que parassem a confusão. Joe, de enxerido, gritou pra um deles: “quê que tá rolando aí, bicho?”
“O policial achou que era para ele, berrou de lá: “não tem nenhum bicho aqui não”, e recolheu o rapaz para a delegacia.
“O trem prosseguiu sem o mano (no sentido lato, não no sentido paulista da palavra). Joe se lembrou de um advogado amigo do meu pai, pediu a uma pessoa na delegacia que tentasse se comunicar com ele e a pessoa, gentilmente, o fez, tirando Joe detrás das grades muitas horas depois.
“No trem que havia seguido com os mancebos, mais um incidente de percurso. Pela algazarra, baderna, bebida e baralho, todos os companheiros de viagem de Joe foram expulsos do trem em Curvelo.
“Enquanto isso, Joe, sem saber de nada, foi, de carona em carona, até chegar a Montes Claros.
“Qual foi sua surpresa ao chegar à casa de Buteco, onde supostamente estaria sua mala? Ninguém havia chegado ainda a Montes Claros, o que acabou acontecendo na noite do dia da eleição.
“Resultado: não dava mais pra votar, nem aqueles que votariam mesmo no Edgar Pereira. Ele perdeu vários votos, mas a rapaziada ganhou uma história e tanto pra contar depois”.
Como o leitor atento deve ter notado, a narrativa não é minha. É do amigo Murilo Antunes, grande poeta, letrista, publicitário nas horas vagas. Como tratou de registrar logo no início da narração, ele não participou de nada. Joe quem contou tudo depois, o que foi corroborado pelos demais.
Mas eu tenho leve suspeição quanto ao fato de Murilo não ter ou ter participado da fuzarca. Para contar tudo com essa riqueza de detalhes, acho que ele tirou foi o cotovelo da reta. “Eita” turma danada! Foi o que disse logo depois receber a mensagem.
Se se pensar bem, cada um de nós tem uma história vivida no trem de passageiros. Carmen Lúcia Antunes, que viveu uma vida ali na Rua Bocaiúva, todo dia via o trem passar porque a linha férrea dava para os fundos do quintal da casa dela.
E ela diz que se lembra muito bem, como se tudo estivesse acontecendo neste momento, o pai dela, Sr. Jonas, comprava uma cabine de trem e ali toda a família viajava no conforto para a capital.
Eu mesmo, quando morei na Rua São Francisco, com mais ou menos dez anos, o quintal de casa dava fundos para a linha férrea. Com os meus irmãos e irmãs fazíamos a mesma coisa. Quando vinha o trem corríamos para os fundos do quintal e lá ficávamos acenando para quem chegava.
Quando alguém da família viajava e sabíamos que chegaria naquele dia, então a festa era maior. Acontecia de o trem parar antes de chegar à estação, e então ali mesmo pai ou um dos irmãos apeava e logo estava desfazendo as malas em casa.
O trem de passageiros nos traz recordações. O apito só já abre a tampa do baú. As passagens são muitas. Idas e vindas. Acredito que, mais dia menos dia, o governo federal investirá pesado em ferrovia a fim de aliviar o transporte de automóveis.
As rodovias estão como estão. As fábricas cospem carros e as concessionárias vendem na base de prestações de 90 meses e por isso as ruas estão abarrotadas. Repare: em 100 carros nas ruas, mais de 90 são ocupados por só uma pessoa, o condutor.
Daqui a pouco estaremos todos fadados a ficarmos dentro dos carros, parados, no meio das ruas congestionadas, principalmente nas grandes cidades.
Os trens, ao contrário dos carros, são mais práticos, confortáveis e econômicos. E com a grande vantagem para os nossos dias: não poluem o ambiente com monóxido de carbono e coisas tais.


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Por Alberto Sena - 13/05/2010 10:47:48
Cidade hospitaleira

Alberto Sena

Montes Claros é cidade hospitaleira. Sempre foi. Mas essa particularidade já lhe rendeu alguns dissabores. De tanto receber bem o visitante, se é gente mal-intencionada, acaba se aproveitando da hospitalidade. É aí onde mora o problema.
Certa feita apareceu na cidade um homem que se dizia mágico, mestre em hipnose. Na época o método hipnótico freudiano estava em alta. Já nem sei mais como é que se escreve o nome do cara. Mas a pronúncia lembra algo como ‘Orietebei’. Vamos fazer de conta que era esse o nome dele.
O homem já chegou com o aval de gente da soçaite de Montes Claros. Não digo quem o trouxe porque de fato não o sei, mas o homem, galante, conquistou algumas das fêmeas cobiçadas da cidade naquela época.
‘Orietebei’ disse que ia dar um curso de mágica no auditório do Colégio Imaculada Conceição. Antes, circulou por todos os cantos da cidade e se projetou, demonstrando, já naquela época, como se faz marketing pessoal. Ele até deu alguns exemplos de magia. Dizia ser descendente de clã de mágicos, cujo nome estaria inscrito no Livro do Guiness etecétera e tal.
Ele desafiou uma turba de jovens, ali na porta do bar Montanhesa, na Praça Coronel Ribeiro. Claro que todos já perceberam a temporalidade deste caso. A Montanhesa era na esquina de Rua Bocaiúva e hoje, acredito, nem deve existir, pois como escuto daqui do alto do mirante da Serra do Curral, a Praça Coronel Ribeiro está indo para o beleléu.
Ele pediu que cada um se sentasse no meio-fio e ficasse com as mãos entre as pernas. Os que aceitaram o desafio se sentaram e depois de alguns instantes, ele disse: “agora, se forem capazes, levantem-se”. A maioria permaneceu sentada, mas houve quem se levantou.
Em volta de ‘Orietebei’ se formou uma aura de suspeição. Com o passar dos dias, na cidade as pessoas começaram a perceber: “ele não é bem o que diz ser ou parece ser”. Mas uma coisa não se podia tirar dele: a capacidade de conquistar as mulheres. E foi neste particular o abuso dele. Imagine Montes Claros e a religiosidade constatada em cada porta; e os hábitos e os bons costumes, os motes de pregação e de castidade etc.
Já nem sei mais como aconteceu, mas de uma hora para outra, ali na Rua Dr. Veloso, onde funcionava a Delegacia de Polícia, o nome ‘Orietebei’ passou a ser ouvido com frequência. Saía da boca de pessoas que se diziam prejudicadas pelo tal e foram à Delegacia registrar queixa. Então, alguns policiais saíram no encalço do suposto mágico.
É possível que ‘Orietebei’ soubesse alguns princípios de magia porque duma hora para outra, ele desapareceu com uma mulher da sociedade montesclarense. O acontecimento foi um escândalo, deu até notícia em jornal, na página de polícia. A mulher ficou vidrada, caiu na lábia de Orietebei, a quem pedira que fizesse uma experiência hipnótica com ela.
Ele atendeu, mas a hipnose só durou o suficiente para passarem uma noite em Januária, onde a mulher caiu na real e se livrou de ‘Orietebei’. Parentes dela foram lá e a trouxeram de volta para Montes Claros.
Os tempos agora são outros. Muita coisa mudou na cidade. Crescimento para tudo quanto é lado. Por causa da BR-251, que leva a Rio-Bahia, tema abordado por Waldyr Senna recentemente, a região do Norte de Minas ganhou movimento extraordinário, e recebeu, e ainda recebe problemas de toda ordem. Mas As pessoas estão mais atentas para não caírem em golpes como o de ‘Orietebei’.
Uma só coisa, eu acredito não mudou em Montes Claros: a hospitalidade.
Senão, uma pá de gente conhecida, que já esteve na cidade e a apreciou tanto, não sairia falando tão bem do clima, do calor humano, do pequi, do araticum, da pitomba, do umbu, do requeijão, da cachaça, da farinha, da carne de sol, do doce de marmelo, do doce de cidra, do Mercado Municipal, dos restaurantes e pizzarias da Avenida Sanitária, do Automóvel Clube, do céu quase ao alcance das mãos, das noites de Lua Cheia, da exposição agropecuária, das moças bonitas, das festas, dos grandes homens, das grandes mulheres, da cultura, da intelectualidade...


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Por Alberto Sena - 11/5/2010 12:39:04
Trem não para na estação

Alberto Sena

Quem leu “O trem de passageiros” deve ter sentido saudade do trem Montes Claros / Belo Horizonte e vice-versa. Magela Sena é uma dessas pessoas e diz ter muita história para contar. Escritora, ela lançou ano passado o livro “Labor Clube Internacional de Montes Claros”.
Mas era realmente uma das coisas mais preciosas da cidade o trem de passageiros. Saía de Salvador e entrava em Minas Gerais pelo Vale do Jequitinhonha, passava por Monte Azul e chegava a Montes Claros, de onde ia para Belo Horizonte e de lá ao Rio de Janeiro com o nome de “Vera Cruz”. De BH / Rio era trem elétrico.
Uma senhora viagem. Apesar da demora, as vantagens eram muitas para quem gostava de apreciar as belezas da Mãe Natureza e ao mesmo tempo experimentar a sensação de ter contato com gente, pessoas diferentes, de todos os cantos. Era boa oportunidade para estudos socioeconômicos e antropológicos do brasileiro.
Quem é mundissensor, certamente iria gostar de fazer hoje uma viagem desta. No fundo, bem no fundo, uma viagem ao interior de si mesmo, tamanha profundidade e a oportunidade de sentir, ver e ouvir as mais incríveis histórias dignas de serem narradas por Darcy Ribeiro e Gabriel Garcia Marques, que vão fundo na alma humana.
É incompreensível o porquê de terem acabado com o trem de passageiros, por mais que tenham argumentos para provar por A mais B que era necessário mesmo. Na realidade, o quase fim da ferrovia começou com o incremento da indústria automobilística, introduzida por JK.
Não foi à toa que o batizaram de “presidente estradeiro”, porque a partir dele as rodovias ganharam cada vez mais espaço e de pouco em pouco a ferrovia perdeu investimento até dela se esquecerem. E deu no que deu.
Mas incentivar o ressurgimento da ferrovia é possível, sem prescindir, claro, da malha rodoviária precisada de manutenção constante; tapa buraco aqui, ali e acolá e os buracos estão de volta dando prejuízos de vidas humanas e materiais.
O Brasil é muito grande e um ramal ferroviário poderia cortar o país de cabo a rabo, reduzindo gastos de toda ordem e principalmente de manutenção.
Depois de publicado o texto sobre “O trem de passageiros”, o amigo Wagner Gomes, o tempo todo de olho nos acontecimentos da política, gente fina da Montes Claros querida, enviou um vídeo muito interessante: “o trem chinês não para”.
É um trem de alta tecnologia, diferente do “Trem Bala” japonês. Desenvolve alta velocidade e embarca passageiros por meio de plataformas móveis nas estações. Uma cheia de passageiros à espera do trem substitui a dos viajantes que irão desembarcar. Para fazer isto, a velocidade é reduzida, mas o trem não para.
Evidentemente, caso o governo brasileiro resolva investir em ferrovia, não irá ressuscitar a Maria-Fumaça ou a máquina a óleo. Irá ao mercado buscar o que há de mais moderno, rápido e eficiente em matéria de trem.
Para os de hoje os trilhos são imantados e os trens nem tocam a superfície. Muito menos precisam de dormentes de madeira originários das matas naturais praticamente dizimadas, como aconteceu com a aroeira.
Só não sabemos se a velocidade dos trens de última geração permite aos passageiros o prazer de apreciar as belezas naturais de um lado e do outro da linha. Porque o gostoso mesmo, no caso dos trens antigos, era a possibilidade de debruçar na janela e contemplar a vegetação, os animais no campo, as pessoas às voltas com a rotina das roças.
Mas independentemente (Putz! Que palavrão!) de tudo isto, o importante é que surja, em Montes Claros, outro ministro Francisco Sá, a fim de trazer para a região o que há de mais moderno em transporte ferroviário.
Se isto acontecer, um Francisco Sá II, a sociedade montesclarense terá que arranjar um lugar de destaque na cidade para erigir outra estátua, como a de Francisco Sá, para deixar, ele (estátua) e o nome dele vivos para a posteridade.
Assim como estão vivos para a posteridade o nome e a estátua do primeiro, lá onde ele olha na direção da Avenida Francisco Sá, de corpo inteiro, em riba de um pedestal, como quem diz para o mundo inteiro ouvir: “Montes Claros, coração robusto do sertão”.


58045
Por Alberto Sena - 5/5/2010 23:31:16
O trem de passageiros

ALBERTO SENA

Uma das coisas mais preciosas que havia na cidade era o trem de passageiros Montes Claros / Belo Horizonte e vice-versa. Posso contar aqui uma série de passagens nossas nesse trem, tanto indo como voltando da capital.
Desde os cinco anos de idade eu viajava de trem com a minha família: pai, Zé Bitaca; mãe, Elvira; e uma penca de irmãos. Compadres e amigos também. Não é que eu seja antigo assim, mas já viajei de Maria-Fumaça. Uma vez só, ao que me lembro. Fiquei encantado com o apito estridente da máquina.
Mas logo a máquina a óleo chegou a Montes Claros e a viagem até a capital ficou mais breve. Durava em média 15 horas. Com a Maria-Fumaça eram 24 horas de viagem. O trem saía às 5h e às 5h do dia seguinte desembarcava os passageiros na Estação de Belo Horizonte.
Para a meninada tudo era festa, mas para os adultos era um deus-nos-acuda, inda mais porque tinham a responsabilidade de tomar conta das crianças, além de malas e mais malas.
Claro que não dá para contar muitas histórias duma vez e então vou me concentrar numa, anos à frente, quando fui prestar, sem sucesso, vestibular de Odontologia em Diamantina. Salvo engano, o trem saía de Montes Claros às 19h. Fiquei namorando até as 18h30 e saí correndo para casa a fim de pegar a mala e voar para a estação ferroviária.
Quando cheguei próximo do viaduto, pouco depois da passagem de nível da Rua São Francisco, o trem acabava de sair da estação. Parei e fiquei esperando a passagem dele por mim e foi a continha de segurar a mala com a mão direita e com a esquerda agarrar a alça do vagão de passageiros para tentar pisar no estribo da entrada do trem.
Fiz tudo direitinho. Ou quase.
Não contava com a velocidade crescente do trem e, com o peso da mala na mão direita e a mão esquerda agarrada na alça de entrada, mais a velocidade do trem que me fazia correr sem querer, eu não tinha força para arremessar a mala para dentro do vagão. Tropeçava nas britas colocadas na lateral da linha férrea.
Duas eram as opções, e eu precisa escolher uma, rapidamente: continuaria correndo, agarrado ao trem, ou soltaria a mão da alça do vagão? Por livre e espontânea pressão, tive que tomar a segunda opção. Larguei a alça do vagão e sem querer saí em desabalada carreira pisando nas britas, com a mala na mão direita, até me estrebuchar no chão.
Fiquei com os braços e as pernas esfolados, mas em compensação, evitei estragar a mala a mim emprestada por minha irmã Wanda com mil recomendações. Perdi o trem. Mas não o “trem” da mala.
Limpei a roupa da melhor maneira que pude e me dirigi ao ponto de táxi da Praça Francisco Sá, onde o antigo ex-ministro, que levou a ferrovia a Montes Claros, ganhou uma estátua, e na postura em que está parece ainda pronunciar a frase história sobre a cidade: “Coração robusto do sertão”. Tomei um táxi e pedi ao motorista para rumar, depressa, para Bocaiúva.
Cheguei lá muito antes do trem, em tempo de fazer surpresa aos colegas que pensavam antes de eu aparecer: “ele não é mineiro, perdeu o trem e o vestibular”.
Era muito bom debruçar na janela do vagão de passageiros e observar a paisagem que parecia passar rápida, mais do que o trem. Sentir o chacoalhar das rodas de ferro em contato com os trilhos, o balanceio dos vagões. Tomar cerveja no vagão do restaurante. Conhecer pessoas. Pessoas boas. Outras nem tanto.
Nunca me conformei com o fim do trem de passageiros Montes Claros / Belo Horizonte e vice-versa. Para dizer a verdade, achei isto uma estupidez. Trem é de grande economia e eficiência. Ainda mais hoje em dia, quando os trens modernos viajam a toda velocidade, como o “Trem Bala”, do Japão, que experimentei um dia.
Trem de ferro é mais eficiente do que caminhão. Caminhão desgasta rapidamente. Exige manutenção freqüente e cara, dos veículos e das rodovias, ao contrário do trem e da linha férrea.
Trem seria a melhor opção, principalmente para o nosso país, de extensão territorial comparável a de um continente. Além do transporte de passageiros, um vagão transporta mais cargas do que muitos caminhões juntos.
Quando o trem de passageiros apitava na estação, o da máquina a óleo, diferentemente do apito da Maria-Fumaça, repercutia no peito com força nostálgica. Sempre achei o apito do trem semelhante ao dum navio quando deixa o porto e navega rumo às águas da vida, quebrando as ondas do mar adentro.

(Alberto de Sena Batista é de Montes Claros (MG). Começou no Jornalismo aos 17 anos, na Redação do “O Jornal de Montes Claros”. Foi repórter e editor no Jornal “Estado de Minas” nas editorias de Agropecuária, Abastecimento, Meio Ambiente e Economia. Trabalhou no “Hoje em Dia” e na “Gazeta Mercantil”. É Prêmio Esso de Jornalismo (Direitos Humanos) e Prêmio Fenaj de Jornalismo (Meio Ambiente). Como repórter, rodou o mundo. Fez duas vezes a pé o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha).


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Por Alberto Sena - 28/4/2010 09:03:20
O paginador competente

Alberto Sena

Ele era paginador do “Mais Lido”. Mas antes de falar sobre ele, o paginador competente, convém fazer um intróito aos que acabam de chegar. E para que não peguem o trem andando, saibam todos que estamos em plena festa virtual para celebrar “O Jornal de Montes Claros” – a “lenda” ou o “quase utópico”.
Todos se lembram que pedi ao Waldyr Senna para me ajudar a compor o rol dos convidados. E ele, prestativo, fez a lista da qual já tomaram conhecimento, aqui neste montesclaros.com, onde circularam convites e todos foram convidados. Os vivos e também os mortos.
Quando se lembrou de relacionar o nome do paginador competente, o Senna escreveu: “Marcionilio, antes do Zé”; e entre parênteses, a notícia: (“foi para Divinópolis (MG), onde morreu”).
No JMC de antanho sempre sobrava um tempinho para ir à Oficina a fim de ver e ouvir o ruído característico das linotipos e observar a agilidade dos linotipistas digitando as notícias escritas à máquina de datilografia em laudas de papel jornal.
As linotipos gravavam os textos em plaquinhas de chumbo e estas seguiam percurso razoável dentro da máquina até se formarem uma após a outra do lado do operador.
Era interessante ver o passeio das plaquinhas de chumbo nas linotipos. Saíam quentinhas. Se se pusesse a mão queimava. Tudo ali na Oficina produzia ruídos. O das linotipos era gostoso de ouvir talvez até pela emoção que o repórter sentia ao ouvir e ver o que escrevera gravado no chumbo.
O ar cheirava fumaça de chumbo quente.
Dois eram os linotipistas – Walter Andrezzo e Milton Ruas. Andrezzo sempre manteve as unhas grandes. Era magro, levemente curvado para frente. Tinha bigode. Fumava que nem condenado. Os dedos das mãos amarelos de nicotina e voz sempre baixa; manso. Era um tipo mais parecido com noctívago jogador de carteado. Eficiente, muito bom de serviço. Respeitado.
Milton também. Competente, ágil. Mais novo que Andrezzo, mas profissional. Tanto quanto o outro. O fato de Milton ser mais novo tornava-o mais acessível para se tirar uma pitada de prosa. Eram mais com ele as conversas. Milton fumava; nós fumávamos (agora mais não). Sobre o que falávamos nem me lembro. Não importa. Importante é a lembrança da pessoa.
Lá no fundo da Oficina ficava a impressora. Daqui ainda pareço escutar o ruído dela. Movimento lento, barulhento. Quem pilotava a impressora era Tião Camurça. Segundo disse Waldyr ao me enviar o rol de convidados: “Tião Camurça (ainda vive), era cantor que “cantava”.
Tião era também, na época, camarada engraçado. Gozador. Ele curtia com a cara de todos. Era eficiente com a impressora. Imprimia o jornal todinho e depois ia encher a cara de cerveja. Às vezes acontecia de a impressora quebrar e então era um deus-nos-acuda.
Próximo da primeira linotipo, na entrada da Oficina, ficava a mesa sobre a qual havia bandejas de aço onde Marcionilio procedia à paginação das matérias gravadas em chumbo.
Ele paginava de acordo com um esboço numa lauda de papel que Waldyr lhe entregava. As mãos sujas de graxa; o cigarro pendurado na boca; os olhos se fechando por causa da fumaça, Marcionilio organizava todo o material gravado no chumbo de acordo com o desenho, digamos, a “diagramação”.
Marcionilio era de estatura média, os cabelos encaracolados, bigodinho matreiro. Era de sorriso fácil. Mas se atrapalhava nas palavras e às vezes não entendia o significado e assumia ares explosivos.
Isto ele era: explosivo. Mas um bom sujeito. Do tipo que, sabendo levar, tudo se acerta.
Depois que acabava de paginar uma a uma, cada página e tudo ficava pronto, Marcionilio passava cordão grosso várias vezes ao redor de cada uma formatada no chumbo e encima da bandeja.
O cordão era para compactar de acordo a página e evitar o tal do empastelamento na hora de levá-la para Tião Camurça imprimir. Se acontecesse um empastelamento era o caos! Não me lembro se alguma vez aconteceu.
Marcionilio era paginador competente, mas precisava ter com ele certo cuidado no trato. Contavam-se dele que, antes de ir trabalhar no JMC, quando ainda estava na oficina do Diário de Montes Claros, o ex-chefe quis elogiá-lo, dizendo:
__ Você é paginador competente!
Ao que Marcionilio respondeu, na bucha:
__ Competente é a p.q.p!

(Alberto de Sena Batista é de Montes Claros (MG). Começou no Jornalismo aos 17 anos, na Redação do “O Jornal de Montes Claros”. Foi repórter e editor no Jornal “Estado de Minas” nas editorias de Agropecuária, Abastecimento, Meio Ambiente e Economia. Trabalhou no “Hoje em Dia” e na “Gazeta Mercantil”. É Prêmio Esso de Jornalismo (Direitos Humanos) e Prêmio Fenaj de Jornalismo (Meio Ambiente). Como repórter, rodou o mundo. Fez duas vezes a pé o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha).


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Por Alberto Sena - 26/4/2010 10:22:29
A água fez chuááá no Verde Grande

Alberto Sena

O jornalista Luiz Ribeiro, com a sua peculiar simplicidade, envia mensagem me lembrando de um episódio que, sem falsa modéstia, para mim foi motivo de satisfação e de um Prêmio Fenaj de Jornalismo: “O roubo do rio Verde Grande revolta a Jaíba”, reportagem publicada em 1988, no Jornal Estado de Minas.
Na ocasião, Luiz iniciava sua brilhante carreira jornalística e me conta agora, tanto tempo depois: “me lembro que, numa tarde, quando era “foca” no “O Jornal de Montes Claros” (acho que o pessoal lá nem sabia o meu nome) vi chegar um homem num Fusca branco trazendo sua própria máquina de escrever; e ele ficou na Redação usando a máquina por algum tempo. Depois fiquei sabendo: era Alberto Sena. Aquilo despertou minha curiosidade, sempre aguçada. Depois vi o resultado, uma série de matérias denunciando os pivôs centrais de irrigação que estavam “sugando” o Rio Verde Grande...”
O Verde Grande faz parte da minha vida desde a infância. Muitas foram as vezes em que banhei naquelas águas ainda limpas. E quando adulto, repórter do EM, não pensei duas vezes ao ser informado de que, pela primeira vez, o rio secara por causa da ganância de um grande empresário, que instalara em sua propriedade 11 pivôs centrais, cada um de 500 metros de raio. Quando ele ligava os pivôs, o rio simplesmente desaparecia sugado à semelhança de quando alguém suga no canudinho suco de laranja de um copo.
Rumei de Belo Horizonte à Jaíba em companhia do fotógrafo Eugênio Paccelli e o motorista Cirilo (“Tira-Gosto”) e andamos sobre o leito do rio praticamente seco por mais de um quilômetro. Encontramos poças d’àgua onde peixes aflitos se debatiam pela vida. Apuramos que vários eram os irrigantes do rio, mas o principal deles era um megaempresário. E por causa disto, durante muito tempo ele foi chamado de “ladrão do rio”.
Levado pela cobiça, com recursos da Sudene, o empresário intentou instalar na região da Jaíba três projetos agropecuários. Num deles, às margens do Rio Verde Grande, pretendia colher feijão e algodão, se espelhando em projetos que vira em viagens à Califórnia (EUA), onde os fazendeiros norte-americanos se utilizavam das águas de geleiras para irrigação.
Subsidiado pela Sudene, ele construiu silos modernos, sede e outras benfeitorias no projeto, sem o cuidado de verificar: o que é bom para agricultores norte-americanos podia não ser para um megaprodutor ambicioso do Norte de Minas. Ele não levou em consideração o fato de o Verde Grande ser “rio velho”, cuja cava, cada ano mais rasa, não comporta, como não comportou, exploração tamanha.
Resultado: deu, literalmente, com os burros n’água. Ao ligar, simultaneamente, os pivôs, quem dependia de água – os ribeirinhos e outros irrigantes – ficou chupando o dedo. Isto, claro, causou revolta, ao ponto de os prejudicados ameaçarem invadir a propriedade dele para pôr termo ao que à época foi considerado um abuso.
A notícia chegou à Redação do Jornal Estado de Minas e fomos incumbidos da missão de verificar “in loco”, o que de fato estava acontecendo ali na Jaíba, região sobre a qual desde criança, eu, particularmente, ouvia as mais incríveis e fantasiosas histórias. Pela primeira vez fui lá e pude constatar que se tratava mesmo de uma região com características peculiares. Deparei-me com resquícios de florestas dotadas de árvores imensas, a exemplo da Amazônia.
Foi lá que, juntamente com Paccelli e Cirilo, que testemunhei uma das cenas mais lindas, nunca vista em lugar nenhum: uma espécie de congresso de aves como pássaro-preto, cardeal, sofrê, rolinha marrom e pedrês enfileirados nos arames farpados de cercas. Eram tantos, mas tantos, que davam a impressão de estarem suspensos no ar porque os arames nem apareciam.
Vimos borboletas mil, multicoloridas, num espetáculo que só a natureza pode nos proporcionar.
Mas vimos também, e principalmente, o sofrimento dos ribeirinhos e dos pequenos irrigantes que, vítimas da cobiça de um empresário imprevidente, padeciam à míngua a falta d’água. Depois de publicada a primeira reportagem, no EM, no dia seguinte a água voltou a rolar pelo leito do Verde Grande.
E já na Redação, em Belo Horizonte, quando o telefone tocou, do outro lado da linha uma voz de mulher extasiada de felicidade, dizia: “a reportagem saiu e em pouco tempo ouvimos o barulho da água fazendo chuááá”.


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Por Alberto Sena - 23/4/2010 16:47:29
Coçando o coração do Zé

Alberto Sena

Em linguagem jornalística, quando um repórter publica, sozinho, uma notícia ou reportagem relevante, costumam-se dizer que deu um ‘furo’. Pois é, Augusto Vieira, apelido ‘Bala-Doce’, que por mera questão de ordem alfabética figura na lista de cronistas deste montesclaros.com abaixo de mim, deu-me um senhor ‘furo’, não de reportagem, mas nesta saborosa tarefa de “cronicar” a vida vivida nesses montes, hoje nem tão alvos como nos primórdios, quando se amarravam cachorro com linguiça. Andei adiando um texto sobre José Mário de Araújo, mais conhecido por Zé Amaro, e nesta quinta-feira, 22, ao clicar no nome de Augusto Vieira para saber se ele havia postado algum texto novo, eis que me deparo com o ‘furo’, o único, posso dizer, sofrido em todos esses anos em que me debruço no parapeito da janela para ver a vida e as pessoas passarem. Mas tudo bem, não dá para me estressar por isso. O que vale é a experiência de cada um. E a minha experiência em relação ao Zé Amaro é totalmente diferente da do nobre amigo, em companhia de quem, recentemente, me fartei, no restaurante ‘Casa Cheia’, lá no Mercado Central de Beagá, durante o ‘I Almoço Curraleiro’ promovido aqui, nestes píncaros poluídos, pelo extraordinário e, se me permitem dizer, extravagante Rapfael Reys, que figura abaixo de mim e Bala-Doce por causa também da já exposta questão de ordem alfabética. Morei durante uns 12 anos na Rua Corrêa Machado, 238, em frente à entrada do antigo campo do clube de futebol União, do qual nasceu o Casimiro de Abreu. Na Rua Dr. Veloso, próximo do Asilo São Vicente de Paulo, perto lá de casa, morava quem? Zé Amaro. Baixinho, gordinho, barrigudinho, como descreveu Bala-Doce, com jeito característico de pronunciar as palavras, sempre engolindo letras. Morávamos tão próximos um do outro que, posso dizer: éramos vizinhos. Não sei quantas vezes por dia, obrigatoriamente, eu passava na porta da casa de Zé Amaro, indo ou vindo do centro da cidade. E de tanto passar na porta da casa dele, acabei amigo de alguns dos seus filhos. Com o mais velho, Paulo, eu não tinha tanta intimidade, mas com Zé Francisco, Marcos e Beto, o relacionamento de amizade começou por causa de uma mesa de pingue-pongue.
Viciado com eu era nesse esporte, andava quase sempre armado com uma bolinha de pingue-pongue no bolso, pois de um momento para outro, do dia ou da noite, podia ser desafiado para um duelo com alguém, seja na União Operária, na Rua Bocaiúva; no Sesc, na Rua Padre Augusto; ou na Praça de Esportes. Num belo dia, ao passar na porta da casa de Zé Amaro, ouvi o ruído de bolinha de pingue-pongue, e a partir de então comecei a conviver com Zé Francisco (ele tinha uma pinta bem na ponta do nariz), Marcos e Beto. Passei a frequentar a casa e ficava encabulado com a filharada dele. Se não me engano, eram dez, todos do sexo masculino. Muito tempo depois, já longe desse arraial, do qual alimento saudades tantas, eu soube que, de tanto tentar, ele conseguira uma tão sonhada filha, mas não tive a oportunidade de conhecê-la. Armazeno grande estoque de lembranças daqueles anos, ali na casa de Zé Amaro, e deste ponto em diante me detenho na figura dele. Noutra ocasião narrarei peripécias vividas com a mencionada trinca de filhos dele. O Zé tinha fama de sovina, como disse Bala-Doce, mas era de coração enorme, maior que a barriga. Volta e meia quem passava na porta da casa dele testemunhava as suas boas ações. Ele ajudava, sem distinção de sexo, pessoas necessitadas, que o procuravam em busca de esmolas, porções de arroz, feijão e coisas do gênero. Mas ninguém saía da casa do Zé Amaro, impunemente: antes, tinha que coçar as solas dos seus pés.
Era comum, então, à noitinha, observar o Zé no alpendre da casa sentado numa cadeira de lona, do tipo espreguiçadeira, com os pés sobre as pernas de alguém que ali fora buscar auxílio, os olhos fechados, se deliciando com as cosquinhas de unhas e dedos nas solas dos pés.
Quem passava na porta da casa dele quase sempre via um coçador e então se sabia: estava retribuindo a caridade do Zé que, sem dúvida alguma foi, senão o primeiro, um dos precursores do comércio atacadista de Montes Claros. Era cômica a cena. Mas, ao coçarem a sola dos pés, aquelas pessoas simples massageavam o coração do Zé.


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Por Alberto Sena - 22/4/2010 07:47:42
Aprendi e apreendi com quem convivi

Alberto Sena

O viver significa aprendizagem constante. Aprendo e apreendo coisas todos os dias. Ninguém neste mundo sabe tudo ou nada tem a aprender. O aprendizado por meio da leitura de um livro, por exemplo, é algo surpreendente. Se for obra-prima, então, pode-se aprender e apreender uma porção de coisas.
Livros como, por exemplo, “Os trabalhadores do mar”, de Victor Hugo; ou “Moby Dick”, de Herman Melville – só para citar dois, pois muitos outros há, evidentemente – são de um aprendizado fora do comum. Quem quiser aprender e apreender ensinamentos sobre baleia, “Moby Dick” é rico em informações do gênero.
Posso aprender e apreender muito no convívio com gentes. Uma pessoa sábia é como um livro aberto do qual jorra sapiência como numa cachoeira. Tive a sorte de conviver com pessoas do mais alto quilate: escritores, jornalistas, poetas etc., mas aprendi muito também com gentes simples, sem tanta instrução, pessoas autodidatas ungidas pela luz divina como porteiros, faxineiras; gentes alfabetizadas e analfabetas também.
É importante fazer “leitura de gente”. Isto eu aprendi com o falecido Leonel Brizola. Não tive nenhuma convivência pessoal com ele. Mas um dia li uma entrevista dele numa revista e em um dos trechos Brizola dizia: “venho de longe, faço leitura de gente”. Quem o conheceu sabe: isto é verdadeiro, pois o homem, inclusive, tinha um discurso convincente, apesar de muitos só terem reconhecido isto depois da morte dele.
Convivi com José Geraldo Gomes, conterrâneo desses montes claros, e o que dele apreendi pratico hoje ainda ao fazer entrevistas ou reportagens. Naquele dia em que com ele andava rumo à Redação do “O Jornal de Montes Claros” para ser apresentado como seu substituto, Gomes me repassou ensinamento basilar para elaborar o texto jornalístico, o “lide”.
Desde então – e lá se vão uns 40 anos – nunca mais tive a oportunidade de me encontrar com ele, pessoalmente. Foi por meio deste novo aprendizado, o de “cronicar” a memória das vivências aí no arraial, e graças ao dinamismo da internet, que, enfim, redescobri José Geraldo.
Ainda não sei onde ele mora. Não tenho o endereço nem o telefone, mas eis que recebo dele mensagem por ter lido o meu texto “Confesso que vivi”, título de um poema de Pablo Neruda, do livro “Para nascer nasci”.
“Alberto” – ele disse: “É evidente que temos muita vivência em comum, pois afinal nosso habitat foi o mesmo. E ainda há pouco, escrevi um soneto, em que dizia, “Confesso, com meus olhos, eu vivi.
“E vendo seu artigo, deste nosso tempo, percebi que realmente escrevi o que sentia, mas o que muitos de nós que vivenciamos esta fase áurea, na qual não inclui totalmente Itamaury, por ser mais novo, poderia perfeitamente ser o autor de minha poesia, pois reflete um sentimento que, ainda hoje, está presente em muitos de nós. Anexo, envio meu soneto para sua apreciação. Um abraço, José Geraldo Gomes”.
Com a devida autorização de Gomes, publico o soneto, “Olhar de Amor”, abaixo:
“Conheço todas as mulheres que me amaram;/ Ainda que na inocência de minha adolescência; / Pois seus segredos jamais se desviaram / De meus medos, sempre em efervescência./
“Na minha pureza tola, de rapaz menino; / Vi amor desabrochar em seus olhares; /
Mas na minha intimidade de menino tímido, / Deixei muitos amores escaparem./
Quantas vezes vi uma boca a me declarar, / Coisas de amor, que confesso, queria escutar,/ Sem mover os lábios, apenas com o olhar. /
“Hoje, meus olhos ao sorrirem envelhecidos, / Com as rugas cobertas pelo amor que senti / Confesso; com meus olhos; eu vivi”/.
Nesta oportunidade, aproveito para me dirigir a todos com os quais aprendi a me tornar o que sou. Não que eu seja lá grande coisa. Em primeiro lugar, agradeço a Deus. E abaixo Dele, agradeço a todas as pessoas com as quais convivi.
E se em meio aos que me leem neste momento tiver alguém da minha convivência no passado ou no presente, por favor, sinta o calor do meu abraço de gratidão, pois com todos aprendi. E apreendi.

(Alberto Sena é de Montes Claros (MG). Começou no Jornalismo aos 17 anos, na Redação do “O Jornal de Montes Claros”. Foi de repórter até editor no Jornal “Estado de Minas” nas editorias de Agropecuária, Meio Ambiente, Abastecimento e Economia. Trabalhou no “Hoje em Dia” e na “Gazeta Mercantil”. É Prêmio Esso de Jornalismo (Direitos Humanos) e Prêmio Fenaj de Jornalismo (Meio Ambiente). Como repórter, rodou o mundo. Fez duas vezes a pé o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha).


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Por Alberto Sena - 19/4/2010 08:02:46
Confesso que vivi

Alberto Sena

Itamaury Teles envia mensagem dizendo que as horas-dançantes da “boate” da Praça de Esportes eram realizadas das 11h às 13h de domingo, depois da missa, para garantir a presença das “moças do internato do Colégio Imaculada Conceição”.
Há até uma lógica nisso. Aos domingos, as freiras permitiam a saída das internas a fim de passearem pela cidade, irem às matinês etc. E elas saíam como bichinhos de madames. Quando presos por muito tempo, ao saírem os bichinhos esbanjam vitalidade e inquietação.
Teles viu “saudosismo” da minha parte ao pintar a Praça de Esportes daquele tempo. A ele e a quem mais interessar possa, digo: “cronico” a memória não porque gostaria de voltar a viver o tempo de antanho, e muito menos ainda para estimular o tal sentimento de saudade. Isto nada tem a ver comigo.
Tenho tentado, aqui, pintar, mesmo não tendo o dom, um quadro de Montes Claros onde eu – e muitos outros que comigo viveram aqueles tempos – fui feliz e sabia. Mas não tenho saudades.
Acho, o dramaturgo Nelson Rodrigues tem razão quando diz: “jovens, envelheçam, envelheçam”.
Hoje sou feliz e sei, apesar das agruras vividas e do sofrimento alheio visto ao redor. Não reclamo da vida. E se alguma vez reclamei e se alguma vez reclamar, não será em causa própria, tanto é o sofrimento aqui e alhures.
Confesso: não estou satisfeito com o mundo tal qual é. Se dependesse de mim para mudá-lo, tudo já estaria às mil maravilhas. Mas sou como o beija-flor: levo água no bico e procuro fazer a minha parte para debelar o incêndio na floresta.
O sofrimento padecido por bilhões de almas no mundo é causado pelo próprio homem. O egoísmo é a raiz de todos os males, os sofrimentos, os pecados.
Mas só o fato de estar vivo, podendo comunicar com os outros, já é motivo de felicidade. O fato de se estar em paz, com saúde, isto também é motivo de felicidade. Ser feliz 100% é impossível. Vivo os momentos de felicidade.
Enquanto vivi em Montes Claros tive muitos, mas muitos momentos de felicidade. Como por exemplo: frequentar a Praça de Esportes, as horas-dançantes na “boate”, no Clube Montes Claros, no Automóvel Clube; as idas e vindas ao Pentáurea, ao MaxMin e à Lagoa da Barra; as incursões ao Redondo, ali próximo do aeroporto; aos goles no Vixe e na A Cristal; aos comes e aos bebes nos restaurantes Mangueirinha e Espeto de Ouro; as idas ao Parque de Exposição, ao Parque Municipal e à Lapa Grande; as visitas à sapataria de Tião Boi e à oficina de Bonga; as partidas disputadas pelo juvenil do Casimiro de Abreu; as investidas à porta do Colégio Imaculada Conceição para namorar e espiar as garotas e com elas trocar olhares...
Foram momentos de felicidade que este montesclaros.com fica pequeno para relembranças tantas. Mas sem saudosismo. Sem nostalgia. E muito menos banzo. Como diria Pablo Neruda, no livro “Para nascer nasci”, eu, particularmente, “confesso que vivi”, em Montes Claros.
Vivo muito mais hoje. O passado passou e o futuro virá, certamente. O importante é plantar agora. Porque tudo que se planta, se colhe. Então, semeemos boas sementes, classificadas, livres de pragas. Quem planta arroz, não colhe feijão.
Com sinceridade: não gostaria, por exemplo, de voltar aos meus 20 anos. Estou satisfeito com a idade atual. Sinto-me muito mais lúcido, com mais maturidade para refletir sobre o viver, e, sobretudo, consciente da minha insignificância perante o Criador do Universo e também perante o semelhante.
Nada melhor do que avançar em idade para compreender mais essa coisa maravilhosa chamada vida. E agradecer por ainda estar vivo. Entretanto, em sã consciência, convicto estou: não sou daqui. Estou de passagem. E quando chegar o momento de ir embora irei; sem temor. Tenho fortes suspeitas: vive-se melhor não aqui, mas para onde irei.
E para onde irei? Não sei. O importante, enquanto aqui estou, é semear e estimular a fé. Já se disse: “a esperança é a mãe da fé”. A comunicação com Deus se dá por meio da fé. Depois, quando se vai desta para outra – melhor, espero – não se precisa mais da fé.
Só a caridade permanecerá, porque a caridade e o amor são a mesma coisa.

(Alberto Sena é de Montes Claros (MG). Começou no Jornalismo aos 17 anos, na Redação do “O Jornal de Montes Claros”. Foi de repórter até editor no Jornal “Estado de Minas” nas editorias de Agropecuária, Meio Ambiente, Abastecimento e Economia. Trabalhou no “Hoje em Dia” e na “Gazeta Mercantil”. É Prêmio Esso de Jornalismo (Direitos Humanos) e Prêmio Fenaj de Jornalismo (Meio Ambiente). Como repórter, rodou o mundo. Fez duas vezes a pé o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha).


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Por Alberto Sena - 19/4/2010 07:30:05
Mandaram Pirulito tomar banhoooo

Alberto Sena

Mergulho no baú de relembranças e apanho lá no fundo o grito dos meninos que recebiam das mãos de dona Maria, da Expedição do “O Jornal de Montes Claros”, e das mãos de Zé Branco, a edição do dia quentinha, ainda com a tinta fresca e a plenos pulmões gritavam correndo pela rua: “Jornal de Montes Claros de hooooje”.
Eles saíam para todos os lados. Uns seguiam correndo a Rua Dr. Santos pela esquerda e outros pela direita e ganhavam o centro de Montes Claros gritando repetidas vezes: “Jornal de Montes Claros de hoooooje”.
A cena era semelhante à algazarra que crianças promovem quando termina a aula na escola. E num piscar de olhos a edição se esgotava. O JMC tinha o que o leitor gostava de ler.
Tinha a “Coluna do Secretário”; tinha “Fatos e Personagens”; tinha a “Coluna Cock-Tail” e tinha também “Rua da Amargura”. Era um jornal vibrante, com notas sociais, de esportes e de ocorrências policiais, exercia forte influência política na cidade, e como disse noutro dia, neste mesmo espaço, contribuiu, decisivamente, para que Montes Claros alcançasse o grau de desenvolvimento de hoje.
Mas os meninos de então, como dizia Waldyr Senna Batista, a propósito da festa virtual que promovo com todas as personagens vivas e falecidas, os que fizeram a lenda do jornal, “... eram crianças e se tornaram adultos e atualmente me reconhecem na rua e conversam comigo como se eu fosse computador para armazenar na memória aquela cambada toda”.
Era incrível! Inda mais quando eles saíam pelas ruas gritando a manchete daquele dia. Como da vez em que o capitão Pedro Ivo veio da capital especialmente para apurar o assassinato do fazendeiro Olímpio Campos, líder político em São João da Ponte, e de prestígio em Montes Claros. Ele fazia discurso em riba dum palanque, numa noite, e foi abatido, se não me engano, com três tiros.
O pistoleiro fugiu “em desabalada carreira”. O caso ganhou repercussão nacional. A polícia local não parecia em condição de apurar o assassinato. Veio então o capitão Pedro Ivo, a mando da Secretaria de Estado da Segurança da capital. Este repórter que “vos fala” estava na Delegacia de Polícia, na Rua Dr. Veloso. Folheava o “livro de queixas” debruçado sobre a mesa. O capitão Pedro Ivo abriu a porta do delegado é ordenou ao sargento de plantão, gritando:

__ Sargento, manda “Pirulito” tomar banho.

O capitão não me conhecia, ainda, não sabia que eu era repórter do “Mais Lido”. Havia circulado a informação de que a polícia prendera um suspeito de apelido “Pirulito”. Mas na Delegacia ninguém confirmava nada, até que o capitão abriu a porta e deu a ordem ao sargento. Sem querer, ele confirmou para mim a notícia. Como naquele momento não havia mais ninguém na recepção além de mim e o sargento, não tive dúvida: corri para a Redação do jornal a fim de dar a notícia em primeira mão.
Naquele dia, princípio de noite, os pequenos vendedores saíram em disparada, gritando: “Jornal de Montes Claros de hoooooje”, e logo em seguida, a manchete, furo de reportagem nacional: “Mandaram Pirulito tomar banhoooo”.
Repórter, além do mais, precisa contar com a sorte, estar no lugar e na hora certos. Só assim, hoje em dia, é possível dar um furo de reportagem, porque a imprensa escrita, enquanto não busca (e se buscar encontra) um diferencial, circula no dia seguinte depois que tudo já foi lido na internet, ouvido no rádio e visto na TV.
Reflexão e análise do fato talvez sejam caminhos sensatos para a imprensa escrita, se não quiser cair na desdita, e cada dia se tornar mais perecível, mais do que legume, verdura e fruta na Pedra da Ceasa ou na barraca da feira.

(Alberto Sena é de Montes Claros (MG). Começou no Jornalismo aos 17 anos, na Redação do “O Jornal de Montes Claros”. Foi de repórter até editor no Jornal “Estado de Minas” nas editorias de Agropecuária, Meio Ambiente, Abastecimento e Economia. Trabalhou no “Hoje em Dia” e na “Gazeta Mercantil”. É Prêmio Esso de Jornalismo (Direitos Humanos) e Prêmio Fenaj de Jornalismo (Meio Ambiente). Como repórter, rodou o mundo. Fez duas vezes a pé o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha).


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Por Alberto Sena - 15/4/2010 15:33:20
Coração robusto do sertão

Alberto Sena

Quem acompanha as crônicas publicadas neste prestigioso veículo inventado por Paulo Narciso, deve ter lido uma das minhas mal traçadas linhas em que eu, morrendo de saudade dessa terra muitas vezes chamada em discursos por João Valle Maurício de “coração robusto do sertão”, frase proferida pelo ministro Francisco Sá, disse: “Essa cidade possui o céu mais bonito do planeta e o luar mais lindo do sertão”. Só quem não conhece Montes Claros ou quem perdeu a capacidade de contemplar o belo é que discorda disso, talvez porque não teve a oportunidade de ler “O homem e seus símbolos”, livro de Carl Gustav Jung, onde ele fala da importância de apreciarmos a natureza – as nuvens, as árvores e tudo mais – como forma de estimular a criatividade. Quem não tem esse costume, e se puder adquiri-lo, no mínimo resgatará a natureza, humana. Mas, voltando ao luar de Montes Claros, certa feita, quando era repórter do jornal “Estado de Minas” fui incumbido da missão de investigar a “seca verde” que, ciclicamente, acontece na região. Saímos à tardinha de Belo Horizonte – Vera Godoy, fotógrafa; Cirilo (“Tira-Gosto”), o motorista; e eu, num Fusca azul. Logo a tarde se esvaiu e tivemos a oportunidade de contemplar, ao longo da estrada, belo pôr-do-sol. Veio a noite. Fomos surpreendidos por enorme Lua Cheia. A impressão era de que a Lua ia nos engolir ou a qualquer momento cairia sobre nós. Que espetáculo! Pernoitamos em Montes Claros. No dia seguinte, entrevistei algumas pessoas e enviei material por telex, pois internet naquela época não existia. Saímos de Montes Claros e fomos à Janaúba, e, em seguida à Porteirinha. Visitamos uma produção de uvas sem caroço em Porteirinha e ganhamos de presente duas caixas. Seguimos em frente comendo uvas e fomos para Mato Verde. Chegamos lá à noitinha e nunca vimos quantidade tão grande de sapos saltitando pelas ruas desertas, numa flagrante visão de descontrole ecológico. Por todos os lugares por onde nós passávamos, eu ia enviando material para o jornal. Como não dava tempo de redigir o texto à máquina de datilografia, em alguns lugares mandava material redigido diretamente no telex e seguíamos adiante. Vera Godoy ia fotografando tudo. Passamos por Monte Azul e chegamos a Espinosa, terra natal de Carlos Lindenberg, atual diretor de Redação do jornal Hoje em Dia, e de lá nos embrenhamos para o Vale do Jequitinhonha. Passamos por vários municípios constatando a “seca verde” em todos os lugares. Mas, em compensação, tínhamos em cada canto o encanto de belas paisagens. Detalhe: é nítida a divisão entre o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha. Quando se entra no Vale a paisagem muda, mas continua linda, cheia de serras de azul cintilante. Pudemos contemplar a beleza da natureza – os pássaros: cardeais, sofrês, pássaros-pretos; e animais: veados, tiús e calangos, além das multicoloridas borboletas. Sem dúvida, esta foi uma das muitas boas viagens que fiz, aliando o trabalho à satisfação de curtir as belezas que Deus criou para nossa contemplação. Depois de quilômetros e quilômetros rodados, chegamos à bela cidade de Pedra Azul, terra de Paulinho, Murilo e Joel Antunes, Caio Júlio e também Roberto Tanajura, o Bob, que, infelizmente, não está mais no meio de nós. Lá chegando, cumprida a nossa obrigação, fomos à casa de Tanajura e a mãe dele disse: “está na fazenda”. Ensinou-nos o caminho e lá fomos nós para a fazenda a fim de lhe fazer uma surpresa.
Tanajura, de fato, ficou muito alegre com a nossa chegada. Ele tinha acabado de surpreender dois caçadores nas suas terras. Os homens tinham abatido um veado e ao serem surpreendidos, fugiram deixando a caça para trás. Bob não teve alternativa: recolheu a caça e levou-a para a sede da fazenda. Para a nossa satisfação, ele pegou uma das ancas do veado, fez alguns furos nela e colocou toucinho para untá-la, sem o que a carne assada fica seca, e temperou-a com “tempero especial em homenagem a vocês”. Colocou-a no forno de barro, abriu uma garrafa da melhor cachaça da região, pegou o violão e cantou várias músicas enquanto a carne assava. A noite caía e a carne do bicho já estava assada. Garfo e faca às mãos, copo de cachaça do lado de cada um, nos sentamos do lado de fora da casa e debaixo de uma das luas cheias mais lindas, pois era o auge dela, saboreamos a carne da caça abandonada pelos caçadores. Foi a melhor carne que comi em toda a minha vida.
(Alberto Sena é de Montes Claros (MG). Começou no Jornalismo aos 17 anos, na Redação do “O Jornal de Montes Claros”. Foi de repórter até editor no Jornal “Estado de Minas” nas editorias de Agropecuária, Meio Ambiente, Abastecimento e Economia. Trabalhou no “Hoje em Dia” e na “Gazeta Mercantil”. É Prêmio Esso de Jornalismo (Direitos Humanos) e Prêmio Fenaj de Jornalismo (Meio Ambiente). Como repórter, rodou o mundo. Fez duas vezes a pé o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha).


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Por Alberto Sena - 15/4/2010 07:19:12
Felizes aqui e lá na eternidade

Alberto Sena

A “Praça de Esportes”, a Montes Claros Tênis Clube, era o centro da nossa Galáxia, na década de 1960/70. Toda cercada de fícus, devidamente aparados dos lados e em cima, o que lhes dava formato uniformemente quadrado, de fora a fora – Ah! Se os fícus falassem! – era o ponto de encontro da juventude daquela época e também dos adultos, pois a cidade pouca opção de lazer possuía.
Nas férias escolares, de manhã, a moçada corria logo cedo para a Praça de Esportes. À tarde, para variar, lá estávamos todos nós, novamente.
Aos sábados e domingos, a praça ficava assim, ó, apinhada de jovens de ambos os sexos. As opções de esportes eram várias. Uns nadavam e nadavam. Havia grandes acrobatas do trampolim. Aprígio era um deles, sob a vigilância rigorosa de Sabú, camarada boa praça, porte atlético, pele queimada de sol e cabelos negros, sempre bem penteados.
Eram duas as piscinas. Uma Olímpica, onde eram realizadas competições, e outra para as crianças, onde ficavam balanços e escorregadores.
Os que não estavam dispostos a nadar podiam jogar pingue-pongue debaixo de um telhado feito a propósito, com abertura para todos os lados. Ficava próximo de um pé de jambo vermelho, fruto raro de se encontrar.
Havia duas mesas de pingue-pongue oficiais e jogadores excepcionais que exibiam os dotes com raquetes de borracha que proporcionavam jogadas “cheias de graxa”, com muita rosca.
Zé Venâncio, meu irmão, era um dos craques. João José Gomes, irmão de Francisco Gomes – o Chico, grande figura, irmão também de Marta; Bichara (beque do Ateneu, este parecia ter ferro na testa, mas isto era uma exibição à parte) também jogavam muito bem. Modéstia às favas, este “escrivinhador” daqueles tempos vividos, jogava bem pingue-pongue.
Garanto: ainda jogo. É como andar de bicicleta. Nunca se esquece. Quem sabe, se pedalar, a bicicleta anda.
Havia duas quadras de futebol de salão (futsal) e uma pista circular, toda gramada, um pouco menor do que campo de futebol oficial. Estes eram importantes espaços, porque enquanto uns jogavam futsal outros treinavam futebol na pista para, concomitantemente jogar no Casimiro de Abreu, no Ateneu ou no Ferroviário.
Ali surgiram craques como Jomar, recém-falecido; seu irmão João Batista, Bichara, Fernando Gontijo, Milton Henrique, entre outros. Os irmãos Veloso (Haroldo, Wagner, Helton, Adauto etc.) e os irmãos Gomes (Geraldo, José Carlos, Wagner, Doínha), Flávio e Nilo Pinto, Lourinho Alcântara; os Gabrich (Felipe, João Carlos e Ricardo), Ildeu, Cícero “Cuecão”, Chico Ornelas, Cícero “Stru”, Rubinho, Popó, “Tiupas”, Cláudio e tantos outros estavam sempre ali se divertindo.
Ao redor havia uma pista de corrida. Atrás da pista, no que seriam os fundos da Praça de Esportes, tinha uma quadra de tênis para justificar, certamente, Montes Claros “Tênis” Clube. Mas acho que ninguém jamais viu alguém jogar tênis ali. Eu pelo menos não me lembro de ter visto. Havia em cada extremidade da quadra paredes de fícus e dos lados tela de arame.
O gostoso é que num dos lados da pista havia vários pés de jambo vermelho. O Ginásio Darcy Ribeiro, salvo engano, ainda não existia.
Bem ao lado da quadra de tênis tinha um imóvel, mais parecido com uma casa adaptada para salão de festas, com palco ao fundo. Podem até achar engraçado, mas, aos domingos, o melhor programa era, depois da missa na Catedral ou na Matriz, ir para esse lugar, por toda cidade chamado de “boate”, onde se realizavam horas-dançantes com conjunto musical ao vivo em plena luz do dia, das 11h às 13h.
Dançando de rosto coladinho num calor “arretado”, como se diz em “baianês”, a nós só faltava tapar a luz do sol com peneira a fim de transformar o ambiente numa boate, no sentido intrínseco da palavra, para assim podermos dançar no escurinho ou sob o lusco-fusco de imaginário jogo de luz.
Na “boate” gerações de montesclarenses iniciaram namoros. Espero que, pela graça de Deus, continuem namorando, mesmo depois de velhinhos, porque muitos se casaram e, certamente, se vivos ainda forem, serão felizes para sempre. Aqui e lá na eternidade


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Por Alberto Sena - 10/4/2010 13:43:41
Amiga do Alemão

Alberto Sena

Este montesclaros.com é como sino. O som das badaladas ressoa, de tal modo, que alcança pessoas em pontos distantes, como o amigo Paulo Henrique Souto, que, ao terminar de ler o texto “Por que tanto horror?”, sobre o fim trágico da Praça Coronel Ribeiro de lembranças mil, deu a sua colaboração para o esforço “Salve a Praça Coronel Ribeiro”, agora no estertor.
“A Praça Cel. Ribeiro – lembra Souto – assim que foi urbanizada recebeu o footing da Rua Quinze, anterior, portanto. Depois da praça acabou isto de paquerar na rua, saiu da moda, e acabou. Fundamos clubes, lembra-se? Organizávamos as festas nas casas de amigos. Morei, e você frequentou, na Praça Cel. Ribeiro anos, e acho que você participou de algumas das minhas famosas quadrilhas juninas; faço anos dia 11 de junho, comemorava sempre com uma big festa, muitos casais, às vezes tinha 50 pares, o quintal era enorme, hoje é uma garagem”. Souto se recorda como se tudo estivesse acontecendo agora, do tanto que “brinquei de finca na praça; lembro-me do “seu” Maldonado, que morreu quando uma barca do parque de diversões bateu na cabeça dele; isto me marcou pra sempre, e me lembro muito de Fu Manchu, um seriado no Cine Cel. Ribeiro; saudosa memória, saudáveis lembranças”, conclui.
De Itamaury Telles me veio outro eco do som do sino: “Li e gostei muito da sua crônica. Desde pequeno, sempre estive na Praça Cel. Ribeiro, onde morava a minha avó, Laura, mãe da minha mãe. Lá morei quando trabalhava no “O Jornal de Montes Claros”, em 1971”. E ele conta mais: “o bangalô que acabam de derrubar – quando deveria ter sido tombado – era o da minha avó. O meu avó, morto em 1929, o construíra dez anos antes, para o nascimento da minha mãe, que sexta-feira passada (2 de abril) completou 90 anos”. Itamaury diz que tentou impedir o fim do bangalô: “escrevi, faz alguns meses, uma crônica, intitulada “Um certo chalé avoengo”, quando implorava o tombamento do imóvel que, desde 1919, fazia parte do cenário do antigo Largo de São Sebastião. Mas o tiro saiu pela culatra. O dono foi mais ágil que a incúria dos mandatários municipais, e o chalé “já era”. “No próximo sábado”, ele concluiu: “faço publicar, em minha coluna no jornal “O Norte de Minas”, meu desabafo sobre o que vi. Como na canção dos “Demônios da Garoa”, “cada tauba que caía, doía no coração”. Foi triste. Com atitudes grotescas e insensíveis como esta, vamos morrendo aos poucos...” Memória é o que há. Sem memória, ninguém vive, vegeta. E daqui destes horizontes, não mais belos do que os montes claros, chego à seguinte conclusão: Montes Claros está se tornando, como se diz, “amiga do alemão”. Isto é, está sofrendo de Alzeihmer. Mas este parece ser um problema não só de Montes Claros, mas do Brasil de modo geral. Enquanto em países mais desenvolvidos costuma-se preservar o velho para exploração turística, inclusive, aqui a cultura é outra. Por motivos e justificativas vários, o negócio é jogar tudo no chão para construir algo novo. Quantas casas importantes de Montes Claros existem hoje na lembrança dos que nelas viveram ou delas conhecem a história ou guardam uma foto amarelecida pelo tempo pendurada na parede? E neste exato momento, me lembro de uma casa que para mim era intrigante, próxima da Escola Normal antiga, perto da Matriz. Aquela casa, retratada aqui neste montesclaros.com por Ruth Tupinambá Graça, na seção “Montes Claros era assim”, para mim era motivo de reflexão toda vez que passava na porta dela rumo à escola. O que mais chamava a atenção era a quantidade de portas daquela casa, se não me engano, sete só na frente, em estilo colonial. Era de Antônio Gonçalves Figueira, de cuja fazenda surgiu o Arraial das Formigas e do arraial, montesclareou. Pergunto aos meus sete leitores – dois deles conhecidos, o Souto e o Telles: em sã consciência, uma casa como essa, do Figueira, da qual temos agora só a foto, não tinha de ser preservada também, a qualquer custo? Imagine-a restaurada e conservada, transformada num museu, e a meninada das escolas lá dentro, em estudo prático da história de Montes Claros. Nós ali dentro também para contar às gerações: “Aqui, gente, era a casa do...”


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Por Alberto Sena - 8/4/2010 08:05:22
Por que tanto horror?

Alberto Sena

Li no Mural, dia desses, uma reclamação postada por Waldomiro, de sobrenome não sei qual. Ele havia acabado de passar pela Praça Coronel Ribeiro, aí em Montes Claros, e dizia ter ficado entristecido com o quadro de abandono que viu. Distinguiu, em meio ao abandono, um “simpático bangolô”, que, como ele mesmo citou, estava indo ao chão, como na música de Adoniran Barbosa, “Saudosa maloca”.
Segundo Waldomiro, tudo ali na Praça Coronel Ribeiro “sugere abandono, descaso, humilhação urbana”. Como ele descreveu, “o jardim está feio, a copa das árvores há muito não vê uma poda, a iluminação está péssima, sugerindo um quadro quase macabro”.
Daqui desses horizontes nem tão belos quanto antes, fiquei imaginando aí os montes, que já foram muito mais claros, e num átimo revisitei a Praça Coronel Ribeiro dos nossos tempos de menino, da época da adolescência e também da fase de adulto, pois, de Montes Claros saí, aos 22 anos, em busca de outros sonhos, fantasmas novos.
Quando criança, na matinê das 2h da tarde, no Cine Coronel Ribeiro, do grande médico e amigo Mário Ribeiro, irmão de Darcy, com quem convivi já adulto; vivi a mais forte sensação da vida, quando assistia aos filmes de Rock Lane, Roy Rogers, Rex Alen, Tarzan e Jim das Selvas.
Saía correndo de casa, na Rua São Francisco, além da linha férrea, acompanhado de Célia (que virou corisco), Lúcia e Wanda, minhas irmãs tão queridas – como o são Tê, Elza, Ladinha, Zé, Tone e Waldyr – com os braços cheios de revistas em quadrinhos para trocá-las com quem tivesse exemplares por mim não lidos, fugindo das vistas dos comissários de menores, pois naquele tempo – vejam só! – era proibido trocar revistas e figurinhas na porta do cinema.
Para mim, era uma glória quando o relógio badalava duas horas, e devidamente acomodado na poltrona de compensado, envernizada, começava o filme com a figura do condor e a meninada gritava, como se, gritando, o bicho alçasse vôo mais rápido. Ou aprontava gritaria quando a empresa cinematográfica era a Metro-Goldwyn-Mayer, com o seu famoso leão, e aparecia em seguida, na tela, um pontinho preto.
O pontinho preto ia crescendo pouco em pouco e se transformava na figura de um homem montado num belo cavalo branco, para êxtase da meninada. Era Rock Lane, em carne e osso, na tela! E ao recontar isto, só não choro, mas sinto arrepio por todo poro.
Depois de assistida a fita, corríamos – minhas irmãs e eu – para o bar da esquina, do outro lado da praça, a fim de disputar a compra de picolé de groselha, que uma senhora gorda, severa, mão me lembro do nome dela, suando em bicas, se esforçava para atender a criançada. Era uma farra. Muito calor, do sol. Calor humano imenso.
Anos depois, adolescente, ia com os amigos à Praça Coronel Ribeiro fazer parte do footing, a fim de flertar com as donzelas, moiçolas cheias de viço, os cabelos aos ventos e os sorrisos abrangentes; as olhadas para trás e para frente. Elas de mãos dadas com as amigas, comentando coisas da gente.
Montes Claros seguia o seu curso, pachorrenta. Até que não sei por que cargas d´água, o footing se mudou escorrendo pela Rua Dr. Santos, entrava à esquerda, lá embaixo, na Praça Dr. Carlos e se escoava pela Rua Simeão Ribeiro, até A Cristal. Indo e vindo.
Foi a partir disso que a Praça Coronel Ribeiro começou a perder movimento. Mas o Cine Coronel Ribeiro permaneceu vibrante. Depois dos filmes para maiores de 18 anos, sentávamos nos bancos da praça para comentar as fitas vistas e então as conversas se iam prolongando, entravam por casos vários.
Era o tempo romântico. Tinha poesia, tinha esportes.
Naquela época, nós líamos romances, revistas em quadrinhos e até fotonovelas, pois era o auge delas. E com os hormônios da testosterona correndo pelas veias, às vezes tudo terminava na casa de Edna, na casa de Anália ou em Zé Coco, pois foi assim que os moços de então descobriam os prazeres da carne.
Com as namoradinhas, nada além de beijo na boca ou “sarro”.
Tudo isso me veio, como disse, num átimo, ao ler a procedente reclamação de Waldomiro, que, estupefato, assim como eu, neste ato, viu o fim lamentoso da Praça Coronel Ribeiro, onde divagávamos. E nas prosas ganhávamos asas. Voávamos o mundo inteiro.
Esta foi, pela primeira vez, que, ao recordar os velhos tempos, me veio um aperto, aqui, no peito.
Por que não cuidar da nossa memória, minha senhora? Por que não conservar o velho e construir o novo, meu senhor? Por que tanto horror?


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Por Alberto Sena - 5/4/2010 11:07:52
Pedras atiradas no lago

Alberto Senna

A vida pode ser comparada de várias formas. Uma delas pode ser como um lago de água suavemente movimentada pelo vento, onde atiramos uma pedra. Quanto mais pedras nós jogamos mais a água se movimenta e forma ondas. O vaivém das ondas é o resultado das pedras atiradas, aquilo que recolhemos na praia do lago.
Expedi outro dia, por meio das ondas deste montesclaros.com, convites para a virtual “festa de arromba”, do “Mais Lido”, cuja lista de convidados vivos e falecidos foi formatada a quatro mãos, por Waldyr e por mim, e eis que, ali na praia recolho um resultado dessa pedra lançada no mar da nossa vida. Veio da parte de Arnaldo Antônio de Jesus, lá de Taiobeiras (MG), para cuja transcrição, eu peço a ele licença:
“Para ajudar Alberto Sena enviar os convites para a “festa de arromba” do “Mais Lido”, venho pedir aos mestres Waldir Senna e Oswaldo Antunes permissão, pois faço parte dessa família. Tive o prazer de conviver e aprender nessa conceituada escola, que foi “O Jornal de Montes Claros”. Durante 14 anos da minha adolescência e juventude, fiz parte da equipe dos anos 80. Gostaria de acrescentar nesta lista de Alberto os nomes daqueles que continuaram a fazer, nos anos 80, “o Mais Lido”, até a última edição, como o nome do “Rei Falcão” (falecido), linotipista vindo de Imperatriz (MA), que dizia ter ganhado na loteria por duas vezes e gastado tudo em passagem de avião; Avilmar Gonçalves, “Negretinho”, grande profissional da máquina de fazer títulos; “João Babão”, responsável pela impressão na “moderna” impressora; “Luís Jaburu”, seu auxiliar; João, o homem dos “clichês”; Geiza, a simpática recepcionista; sem deixar de mencionar os nomes de Luiz Ribeiro, Pedrão, Girleno Alencar, Edson e dos colegas jornaleiros, “o Mudo”, Cirilo “Treme-Treme”, Rosquinha e João Batista de Xavier, hoje advogado – lembrando que o amigo “Zé Branco” faleceu. Obrigado, Alberto Sena, por me fazer voltar aos anos de muita felicidade e aprendizagem da minha vida, justamente no dia do meu aniversário”.
Pelo que deduzo – e divido isso fraternalmente com cada um dos meus sete leitores – esta pedra recolhida ali na praia do lago já veio lapidada, é preciosa. Outras ainda vão tocar o coração e a lembrança de mais gentes.
Arnaldo completou a lista de convidados. Confesso que não tinha meios de convidar um por um, sem a ajuda dele, principalmente porque nem sabia que essas pessoas também fizeram parte do time. Não tive o prazer de conhecer e muito menos conviver com elas. De maneira que agradeço ao Arnaldo pela iniciativa. E confirmo: todos já fazem parte da lista de convidados.
Falta agora só marcar o dia, hora e local da festa virtual, que pode acontecer em todo momento. Depende do movimento, do vaivém das ondas. Falta contratar os comes e também os bebes, mais um bom conjunto musical, porque acontecimento deste tipo, entre vivos e mortos, jamais se realizaria sem uma música, de preferência, celestial.
É uma grande oportunidade de nos encontrarmos – vivos e mortos. Os vivos para contar aos mortos sobre a situação atual do nosso mundo, que, se por um lado anda imundo, por outro tem muita coisa boa para ser divulgada.
Os mortos, para nos dizer como é o outro lado da vida, porque os vivos só sabem um pouco do que acontece se viverem numa situação de pré-morte – dizem: “a gente entra por um túnel e depois vê um ser de luz e... depois volta ou vai em frente”.
Se o pré-morto for em frente, acredito, não volta. Um dia ressuscitará como Jesus Cristo ressuscitou. De duas uma: não volta porque o outro lado deve ser muito bom e ninguém vai trocar o certo pelo duvidoso. Ou não volta porque voltar a viver neste “mar de lágrimas” em que se está transformando o mundo só sendo sado-masoquista.
Muitos choram de dor na barriga, enquanto poucos choram é de tanto rir, e de tanto rir sentem dor no abdômen, malhado; ou não; proeminente, ou não. Mas assim mesmo riem.


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Por Alberto Sena - 2/4/2010 08:32:45

Identificado o autor do bilhete

Alberto Sena

Deslindado o mistério do autor do bilhete anônimo deixado no alpendre da casa do sargento Leite, na sede do Tiro de Guerra, o TG 87, lá pelas bandas da Vila Ipê, em Montes Claros.

Quem leu o texto intitulado: “Veneno da Madrugada”, publicado aqui neste “montesclaros.com” sabe do que estou falando. É que o atirador Ornelas – Chico Ornelas – depois de ler a crônica, se é que posso chamá-la assim, telefonou-me dando nome ao boi, quer dizer, ao atirador.
Imaginem todos como é que as coisas acontecem. 42 anos depois, o autor do bilhete se revelou em um encontro de atiradores realizado em Montes Claros, no final do ano passado. Fui convidado para o encontro, mas, infelizmente, não pude comparecer.
Dia 29 de março deste ano, à tarde, eis que fui surpreendido pelo telefonema de Ornelas: “li a sua crônica e sei quem escreveu o bilhete”. Ele foi logo dizendo. E disse ainda mais: “participei do encontro e o caso do bilhete, por coincidência, foi um dos assuntos lembrados”.
Ornelas, muito gentilmente, mandou-me todas as fotos tiradas na ocasião e pude ver que a nossa tropa se transformou, 42 anos depois, numa tropa de barrigudos, com algumas poucas exceções. Reconheci todas as caras, mas não me lembrei do nome de todos.
Lembrei-me do nome do atirador Câmara (Roberto), hoje médico; o atirador Nélio, o próprio Ornelas; atirador Narciso (José Regino), irmão de Paulo Narciso; e do “cabo” Souto (ponho aspas em cabo porque tudo não passava de um arranjo dos sargentos; ele era atirador como nós; não tinha feito curso de cabo coisa nenhuma).
Sobre o “cabo” Souto tenho uma historinha particular para contar.
Num belo dia de sol, o sargento Marcos incumbiu o “cabo” de comandar o nosso pelotão. Ele ordenou que marchássemos levantando os pés nas alturas. Eu achei aquilo desnecessário e desobedeci ao comando dele. Ao que Souto veio correndo na minha direção, com toda autoridade de “cabo” e ordenou:
__ Sena, marcha direito!
Não dei ouvidos. Continuei marchando como achava mais sensato, pois não via necessidade nenhuma de levantar as pernas tão alto assim. Meu número de guerra era 10.
Claro que o “cabo” ficou irritado com a minha rebeldia. Como estava no comando do pelotão, acho que ele tinha até razão, mas eu, já no final do exercício, com 58 pontos perdidos (com 60 pontos o atirador era excluído e mandado para a capital), com o saco cheio daquela coisa toda, teimei em continuar marchando diferente dos outros.
Ao que o “cabo” Souto gritou:
__ Sena, marcha direito!
Continuei do mesmo jeito. Ele ficou possesso e gritou lá de trás:
__ Se você não marchar direito vou chutar suas pernas!
Eu disse:
__ Venha chutar.
É claro que ele não foi e me ameaçou:
__ Vou dar uma parte de você ao sargento.
Na sede do TG, ele cumpriu a ameaça e o sargento me chamou num canto para dizer que eu seria excluído porque já havia perdido 58 pontos. E completou:
__ Você só não será excluído se o “cabo” Souto retirar a parte; converse com ele.
Eu já estava para explodir de revolta daquilo tudo. Vivíamos em pleno auge do movimento Beatles e uma coisa que muito me incomodava era ter de cortar os cabelos tipo “príncipe Danilo”. Meus cabelos eram grandes, antes, e ao cortá-los a auto-estima foi lá embaixo.
Ademais, tinha de acordar todo dia às 4h da madrugada, sendo que muitas vezes chegava em casa às 2h, vindo de alguma festa, coisa que naquela época acontecia com a maior freqüência, para me apresentar no TG às 5h em ponto. Ficava o dia inteiro igual zumbi, pingando de sono.
Resultado: não conversei com o “cabo” e deixei o caso rolar. Sei que o atirador Câmara e outros amigos conversaram com o “cabo”, e ao final da instrução, o sargento reuniu o pelotão e perguntou:
__ “Cabo” Souto, como é que fica; vai retirar a parte contra Sena?
Ao que ele respondeu:
__ Sargento, eu bem que podia não retirar, porque ele foi orgulhoso e não veio conversar comigo. Mas em todo caso, vou retirar.
Foi um alívio. Imaginem, depois de tanto sufoco ter de ir para Belo Horizonte e perder mais um ano na vida?
Mas, enfim, retomando o início do texto, pois acabei me divagando, foi deslindado o mistério do bilhete, como eu escreveria, naquela época, no “Mais Lido”, pois já era repórter cobrindo o setor de polícia. O autor foi o atirador 121, Atayde.
E o que estava escrito no bilhete? Perguntei ao Ornelas. E ele me respondeu:
__ Isto o Atayde não quis informar. Disse que nem no pau-de-arara revelaria.


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Por Alberto Sena - 31/3/2010 00:26:54
Os convidados para a festa do “Mais Lido”

ALBERTO SENA

Às vezes é preciso explicar o óbvio; então, vamos lá: jornal nenhum do mundo é feito só por jornalistas. Aliás, jornalista não faz jornal, escreve. Quem faz jornal mesmo são os funcionários da oficina. Tanto é verdade que, se a Redação fizer greve, uma pessoa só, digamos, o dono, faz o jornal circular com a ajuda dos funcionários da oficina. O contrário não é a mesma coisa. Se a Oficina entrar em greve, adeus jornal.
Com o JMC, o “Mais Lido” ou “O Jornal de Montes Claros” do meu tempo (década de 1960) e depois de mim, não era diferente. Escrevíamos, mas quem fazia o jornal mesmo eram os funcionários da oficina. E de tanto falar aqui sobre o “Mais Lido”, que recentemente fez 20 anos de fechamento, para tristeza de todos nós, me veio a ideia de homenagear aquela turma que, de maneira artesanal, fazia o jornal circular três vezes por semana.
Veio-me, pasmem, até a ideia de propor a oportunidade de promover aí nesses montes que ainda creio ser claros, um simpósio ou o que valha, sobre o JMC, mas pelo visto a coisa não foi adiante. Ideias, minha gente, não faltam na cachola. O que falta é quem execute as idéias que aos borbotões brotam. De maneira que, na falta de um simpósio sobre o nosso “quase utópico jornal”, como diria o dono dele, Oswaldo Antunes, vamos fazer de conta que, daqui e agora, vou promover uma festa a fim de lembrar aquela gente que fazia o jornal de então.
Para organizar a festa, enviarei convite a todos, mas antes preciso contar com a ajuda da memória de elefante do meu irmão Waldyr Senna. Ele tem na ponta da língua os nomes das pessoas que fizeram do jornal uma lenda. Vou convidar os vivos e também os mortos, pois esta será uma festa de arromba, tão boa que vai parecer coisa do outro mundo. Claro, eu não posso fazer uma coisa desta sem antes pedir licença ao dono, Oswaldo, e também ao próprio Waldyr, pois respeito a ordem hierárquica e o fato de serem eles os mestres e por isso mesmo são os primeiros convidados.
Antes de enviar daqui da capital os convites, peço, portanto, a ajuda de Waldyr na formatação da lista de convidados e, tenho certeza, ele vai dizer, com o seu jeito característico: “já soube, por outras vias, do seu propósito de promover encontro dos sobreviventes do JMC. Não acho a ideia boa nem ruim, nem vice-versa. É uma ideia que talvez não se concretize por falta de sobreviventes. Ou então, o encontro deve ser realizado logo para aproveitar os que ainda insistem em sobreviver”.
Se a festa fosse realizada décadas atrás, a lista de convidados me seria enviada por carta ou por telefone, mas como vivemos a era da internet, tudo se resolve pela via eletrônica, desde que ele encontre um tempinho disponível para listar os convidados, pois o homem até hoje trabalha e trabalha. Como trabalha!
De antemão, peço desculpas, se porventura eu me esquecer de convidar alguém, mas adianto: a lista de convidados sairá quentinha da memória de Waldyr, como saíam as plaquinhas de chumbo da linotipo do JMC prontinhas para a paginação do jornal na oficina da Rua Dr. Santos, 103, aí em Montes Claros.
Eis a lista: “Walter Andrezzo – linotipista (falecido); Milton Ruas – linotipista (não sei por onde anda); João Dias (e não José) – paginador (surge de vez em quando); Dona Maria – expedição (foi “expedida” há tempos); Heloisa (sumiu, reapareceu e de novo sumiu); Tião Camurça – impressor (cantor que “cantava” – ainda vive); Zé Versiani – grande figura, barulhento e agitado (vivo); Zé Colares – paginador dos mais eficientes (morto ); Marcionilio, antes do Zé (foi para Divinópolis, onde morreu); Odete Orlina (secretária, consta que não está bem, mas sumiu); Florival Ferreira (ótimo repórter, foi trabalhar na CEF, em Paracatu – ou seria João Pinheiro? – onde “mexe” com rádio); Flávio Pinto – que você conhece, tem até livro publicado; Caio Lafetá – de rápida passagem (foi-se); Reginauro Silva (dirige um jornal aqui, de Rui Muniz); Hélio Ribeiro (virou professor e nunca mais eu vi); Garcia (ou, se preferir, Nenzinho, ou “Astronauta”, como dizia Lazinho, pois ele tinha aparência de um ET devido aos óculos) – é mototaxista e o encontro sempre; Lazinho – preciso falar? Sempre que ele me via “jogando pedra”, naquele aperto doido, chegava advertindo: “cuidado, você está trabalhando demais, olha o infarto” (morreu há uns quinze anos, de infarto do miocárdio); figura da melhor qualidade, sempre presente na nossa memória); Waldemar Brandão – ótimo profissional, foi para o Banco do Brasil em Brasília, onde foi redator de uma revista do BB; aposentou-se e mora em BH, fazendo o quê, não sei; centenas de vendedores do “Jornal de Montes Claros de hoooooooje”, que eram crianças e se tornaram adultos e atualmente me reconhecem na rua e conversam comigo como se eu fosse computador para armazenar na memória aquela cambada toda); estes, certamente, sobreviverão muito tempo ainda, mas não poderão ser convidados para a grande festa que você pretende promover; envelheceram muito, pois eram crianças e agora são adultos e ninguém sabe por onde andam”.
Recebida a lista, acrescento, entre os convidados: Zé Branco (ainda vive?), Lúcio Benquerer, Robson Costa (falecido), Carlos Lindenberg, Paulo Narciso, Itaumary Telles, que entrou em meu lugar logo que saí do JMC para o jornal Estado de Minas; Paulo Braga e... Se me esqueci de mais alguém, repito, peço desculpas. Mas todos se sintam convidados para a festa. De modo geral, os montesclarenses ausentes e presentes, inclusive o ex-escravo, Tuia, que tinha uma casinha de madeira azul na garagem da casa velha da rua Dr. Santos, 103.


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Por Alberto Sena - 29/3/2010 14:27:31
Caro Flávio, Esta mensagem é para lhe dar, digamos, “uma bronca”. Por que ficar tanto tempo assim nos privando dos seus belos textos? Com exceção do que postou dia 28, o último foi no dia 20 de novembro do ano passado. Será que você anda tão apertado assim de costura que não vem tendo tempo de escrever as crônicas que tão bem nos faz e nos ensina? Ora, com efeito – diria a minha mãe Elvira – faz assim não. Escreva mais sobre a nossa Montes Claros querida, que, infelizmente, a cada dia vai se contaminando com os vícios de cidade grande e perdendo a memória. Não se trata de saudosismo. É preciso que deixemos para as atuais gerações e as que ainda virão informações de que a nossa cidade nem sempre foi como é atualmente. Basta uma espiada nas manchetes enviadas diariamente por Paulo Narciso para verificarmos o quanto Montes Claros se transformou e ainda vai se transformar. Como diria Waldyr, enquanto ainda há tempo, vamos registrar a memória dos “sobreviventes”, nós que ainda insistimos em viver, porque somos viciados nessa coisa maravilhosa chamada vida. Foi um prazer enorme ler as suas tão bem traçadas linhas que sempre nos levam a realimentar esperanças. Grande abraço, Alberto Sena.


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Por Alberto Sena - 25/3/2010 09:49:56
Veneno da Madrugada

Alberto Sena

O escritor colombiano Gabriel Garcia Marques fez um livro intitulado “Veneno da Madrugada”, publicado em 1961. Para quem ainda não o leu, um resuminho: acontecia de a cidade acordar com panfletos apócrifos publicando questões íntimas de determinadas pessoas e ninguém conseguia descobrir a origem.
Alguém punha para fora os podres alheios e isto criava o maior constrangimento na cidade, um esboço de Macondo, lugar fictício criado por Garcia Marques e devidamente dissecado por ele no livro “Cem Anos de Solidão”.
Uma história semelhante aconteceu em Montes Claros, anos depois da publicação do “Veneno da Madrugada”. Mas não se deu como no livro, porque não foi panfletagem por toda a extensão da cidade.
Foi na sede do antigo Tiro de Guerra, pelos lados da Vila Ipê, onde a turma cumpria o dever que, imaginem, um poeta – Olavo Bilac – teve a ideia de criar: o serviço militar.
O TG era comandado, na ocasião, pelo sargento Conga, porque o sargento Lafayete havia ido embora, e enquanto não vinha o substituto dele – sargento Marcos – o comando era dividido com o sargento Leite, um homem com traços de índio do Mato Grosso.
Ele tinha várias falhas de dentes e por isso falava assobiando. Teria sofrido um problema na gengiva que o obrigara a fazer extrações.
Sargento Leite tinha tudo de sargento: força na voz de comando, exigente, disciplinador, farda impecável, quepe de pala sempre engomada e costumava torrar os atiradores por causa do menor deslize. Quase todo dia tinha revista de cabelo e barba.
A ordem unida era pesada. Havia bastões que os atiradores utilizavam na educação física, substituindo os fuzis de 1900 e borrachinha. De vez em quando, dentro da sede, era praticada a desmontagem e montagem de fuzil e mais para frente tiro ao alvo numa área distante da cidade.
Não se sabe por que cargas d’água, numa manhã, lá pelas 5h, quando os atiradores chegaram para se apresentar, o sargento Leite estava que nem uma fera, bufando e cuspindo por entre os dentes e ninguém sabia o porquê, nem mesmo os atiradores de plantão que lá passaram a noite.
O sargento assumiu o comando do pelotão e ordenou:
_ TG! Seeenntido!
E todos ficaram como se tivessem engolido um cabo de vassoura. Nessa posição o sargento deixou a turma enquanto indagava em altos brados:
__Qual foi o engraçadinho que deixou um bilhete no alpendre da minha casa nesta madrugada?
Fez-se silêncio. Dava para ouvir até mesmo o vôo dos mosquitos e o canto do bem-te-vi ao longe disputando espaço. O sargento abaixou a cabeça e deu vários passos firmes para lá e vários passos firmes para o outro lado. Disse:
__ Quero que o engraçadinho se apresente, agora.
Sabem quantos atiradores se apresentaram? Nenhum. O silencio perdurava. E o sargento assobiando por todas as falhas de dentes disse que iria punir a turma até que “o engraçadinho”, como ele chamou, aparecesse.
E ordenou:
__Meia volta, volveerrrr!
Em seguida:
__Ordinário, maarrrchee!
E a turma marchava. Levantava os pés o mais alto possível, como ele exigia que fosse. E mais adiante o sargento ordenou:
__ Aceleradooo!
E todos começaram a correr. E quase imediatamente, deu outra ordem:
__ Rastejar.
E depois:
__ Levantar.
E foi assim: acelerado, rastejar, levantar; acelerado, rastejar, levantar... Isso durante, digamos, umas duas horas. E nada de aparecer o “engraçadinho”.
Por ordem do sargento o pelotão voltou para o TG com os braços e os joelhos esfolados, fardas rasgadas e sujas de terra ou lama, de acordo com o terreno onde uns e outros tiveram de rastejar.
Foi um dia de cão. A cidade toda soube do ocorrido, que foi até notícia em jornal.
Alguns pais de atiradores ficaram indignados. Os que tinham mais acesso às hostes militares trataram de tomar uma providência, reclamando ao comando na capital e o sargento foi chamado à atenção.
Apesar de toda pressão para o “engraçadinho” se apresentar ou ser denunciado por alguém que pudesse ter visto algo suspeito, ninguém apareceu para assumir a autoria do “veneno da madrugada”, um dos títulos que lançaram ao mundo Gabriel Garcia Marques para se tornar um dos maiores escritores da América Latina, Prêmio Nobel de Literatura.
Detalhe: a não ser o autor anônimo, claro, e o sargento, ninguém nunca soube o teor do tal bilhete.


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Por Alberto Sena - 22/3/2010 14:06:13
A explosão da cidade

Alberto Sena

Faz uma data não vou a Montes Claros. Fisicamente, porque nas lembranças estou sempre aí. Não dá para esquecer uma vida vivida intensamente nessa cidade, que possui o céu mais bonito do planeta e o luar mais lindo do sertão.
Aí, tenho a sensação de estar mais perto do céu. Talvez seja pelo fato de a cidade estar num planalto.
Posso dizer, e se eu estiver errado me corrijam: a nossa geração pegou a parte melhor da vida no arraial.
Quem quiser que faça comparação entre o ritmo de vida da cidade na década de 1960, entrante na década de 1970, com as loucuras que vemos nos dias de hoje por meio das manchetes que Paulo Narciso nos manda diariamente pela via eletrônica.
Em contato com o jornalista Itamaury Telles, disse a ele que pretendia ir muitas vezes a Montes Claros, mas da vez derradeira que fui, num Natal, caí na bobagem de ir ao centro da cidade para tentar capturar alguns dos meus fantasmas e quase tive crise de pânico.
Naquele trecho da Praça Dr. Carlos, bem ali onde era o antigo mercado municipal, um casarão antigo que o prefeito Toninho Rebello demoliu (dizem que este foi o único erro que ele cometeu), bateu-me um desespero que não tive outro remédio senão sair o mais depressa possível dali.
Guardadas as proporções, nem na China vi tanta gente naquele vaivém frenético se misturando com bicicletas, motos e carros. Valha-me Deus!
Hoje me lembrei dessa cena do Natal, que me remeteu ao tempo em que o coração da cidade pulsava bem ali na Rua Dr. Santos, 103, na casa velha sede de “O Jornal de Montes Claros”, quando um dia o jornalista José Fialho Pacheco, repórter do Jornal “Estado de Minas”, em um das suas primeiras idas à cidade, comentou:
__ Vai explodir.
__ O quê?! Bomba?! Perguntamos apreensivos.
Ele se referia à cidade, que já naquela época experimentava excessivo movimento em meio às estreitas ruas. Quem conhece a nossa história sabe que tudo começou a partir de uma fazenda do bandeirante desgarrado do bando de Fernão Dias Paes Lemes, Antônio Gonçalves Figueira. As ruas de Montes Claros foram feitas mais para o tráfego de charretes e carroças.
Montes Claros sempre foi pólo de desenvolvimento. Na época, recebia levas de gente vinda do Nordeste brasileiro, rumo a São Paulo. Muitos eram retirantes e apeavam do famigerado pau-de-arara, fugindo da seca nordestina. Alguns ficavam e se transformavam em “tipos humanos” da cidade.
O mais famoso deles foi Tuia, ex-escravo. Diziam que ele tinha mais de cem anos (dele trato em ocasião oportuna). Havia mais: Geraldo Tarugo, Requeijão, Requebra-que-te-dou-um-doce, entre outros.
Nos dias atuais, cumpre-se a profecia do jornalista Fialho Pacheco, que, movido pelos impulsos do coração, se transferiu para Montes Claros logo depois, e em seguida, para Juramento, onde foi prefeito, constituiu família e viveu os seus últimos dias.
Mas antes de vir para Montes Claros, ele me cedeu lugar no Jornal Estado de Minas, na editoria de Polícia, à época dirigida pelo jornalista e escritor Wander Piroli, autor de livros como “A mãe e o filho da mãe” e “O menino e o pinto do menino”, que já no século passado alertava para o perigo dos estragos que fizemos ao planeta em termos ambientais.
Montes Claros de hoje padece os mesmos males que afetam as grandes cidades do País.
Não dá para barrar o tempo. Querer a cidade estanque é inimaginável. A renovação perpetua o mundo.
Mundo, oh mundo, nave que viaja pelo espaço em alta velocidade hoje em dia.
Mas nem de longe, Montes Claros lembra a cidade sobre a qual Rahvi, um dos meus filhos, nascido em Belo Horizonte, emitiu basilar frase ao andar a primeira vez pelas estreitas ruas, ali pela década de 1980, quando ele tinha dois anos de idade: “pai, aqui, até cachorro anda devagar”.
A cidade de fato explodiu. Fialho só não previu a extensão da explosão, que ecoa pelo Brasil e o mundo afora. Mas se os montesclarenses não encontrarem maneiras de conter os excessos – os assassinatos, as execuções, os assaltos em plena luz do dia, entre outras ocorrências policiais típicas de cidade grande, dá para imaginar como será a Montes Claros de 2020 ou 2030?
Sem querer imitar Fialho Pacheco, mas imitando-o, fica o alerta, enquanto há tempo (há tempo?): é preciso pensar a cidade de amanhã, sob os aspectos político, socioeconômico, urbanístico e ambiental, porque a próxima explosão será com a força e a energia de muitos megatons.


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Por Alberto Sena - 18/3/2010 20:49:34
A didática do professor Márcio

Alberto Sena

Era o primeiro dia de aula de Português. Nós estávamos excitados com o início de nova fase da vida estudantil. O professor era nosso conhecido, de nome, apenas: José Márcio Aguiar. Famoso na cidade por ter sido professor de gerações anteriores à nossa, logo que foi dado o sinal para o início da aula, toda a classe estava acomodada em seus devidos lugares. O professor entrou trazendo uma pasta preta numa das mãos e papéis na outra.
Márcio Aguiar cumprimentou a turma logo na entrada. Tinha os cabelos bem penteados, certamente untados de brilhantina, tão na moda naqueles idos da década de 1960. Usava guarda-pó branco e calçava sapatos marrons de salto um pouco mais alto que o normal. Ele pôs a pasta e os papéis sobre a mesa e olhou a turma de um canto ao outro como quem quisesse guardar a fisionomia de cada um.
Éramos mais de 30 jovens, a maioria do sexo feminino. Naquela época, a Escola Normal era como uma catedral do ensino em Montes Claros. O detalhe é que o casarão já carecia de uma reforma. Tínhamos notícia de que, volta e meia, o reboco das paredes caía e até o forro de madeira pintada de azul deixava cair pedaços de vez em quando (Houve um dia, em plena aula, que um pedaço do forro desabou e saímos correndo da sala).
Mas no primeiro dia de aula do professor Márcio, uma sumidade em matéria de Língua Portuguesa, ele se apresentou como era praxe, e, em seguida, perguntou o nome de cada um. Ficamos esperando o que aconteceria depois. Guardando silêncio, ele andou de um lado para o outro à frente da lousa, chamada quadro negro, e depois iniciou a aula contando o que sempre contou aos seus alunos – posso assegurar, sem medo de errar, muitos dos seus ex-alunos que porventura estiverem lendo este texto vão se lembrar: o professor Márcio contava a mesma história a todos, sempre no primeiro dia de aula, e como era de didática rica, não deu para eu me esquecer dela.
Ele iniciou: “um homem ia andando tranquilamente pela rua, em um belo dia de sol, quando, para sua surpresa, foi interceptado por um assaltante lhe apontando revólver”.
Aqui, cabe um parêntese: (assaltante a mão armada era incomum naquela época. O máximo que acontecia na cidade era ocorrência de ladrão de galinha. Assalto a mão armada é próprio dos nossos dias, quando Montes Claros registra os mesmos problemas de segurança das metrópoles brasileiras).
Fechado o parêntese, o professor prosseguiu a narrativa: “o homem levantou os braços ao se vir ameaçado pelo assaltante armado, que, ato contínuo, disse: “te mato”. O homem, mais surpreso ficou com o que acabara de ouvir da boca do assaltante – “te mato” – do que com a arma propriamente dita. E sem a menor cerimônia, respondeu ao assaltante: “mata-me, faças tudo que quiseres, mas nunca empregues um pronome oblíquo no início da frase.”
(Em verdade, o pronome oblíquo é uma forma variante do pronome pessoal do caso reto. Essa variação na forma do pronome indica tão somente a função diversa que ele desempenha na oração: pronome reto marca o sujeito da oração; pronome oblíquo marca o complemento verbal da oração).
E para surpresa nossa, que esperávamos um fim mais trágico do caso, o professor encerrou a narrativa dizendo que o assaltante, “com a cara de bobo”, simplesmente abaixou a arma e desistiu de assaltar o homem.
Achamos o final da narrativa meio sem graça, mas marcou-nos o bastante e ficou gravado na memória para sempre.
Lembrando agora desse episódio, podemos tirar de duas uma conclusão: mudaram a língua portuguesa ou certas pessoas, inadvertidamente, usam nos dias de hoje o pronome oblíquo no início da frase porque não tiveram um professor como José Márcio Aguiar.


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Por Alberto Sena - 14/3/2010 08:53:37
Leonel e a “boneca de Leonel”

Alberto Sena

Demorei um tempo até me acostumar com a ideia de encarar, cara a cara, a “boneca de Leonel”. Devo explicar isto porque, afinal, décadas se passaram e nem todo morador de Montes Claros de hoje sabe quem foi Leonel, de sobrenome Beirão de Jesus, e muito menos ainda o que era a “boneca de Leonel”.
Vamos por partes, diria o estripador de Londres, Jack. Leonel era um camarada extrovertido. Hoje emprego este adjetivo, mas no mundo infantil da época, ele era doido da cabeça mesmo. Espalhafatoso, conversava gesticulando muito e com vozeirão de meter medo.
Resumindo: Leonel hoje seria chamado “hiperativo”, porque não conseguia ficar quieto.
A “boneca” dele era semelhante aos bonecos que vimos nos carnavais de Olinda. Ele teria tirado de lá a ideia. Era imensa, oca por dentro, vestida de chita colorida puxada para o vermelho.
Leonel a utilizava para fazer propaganda de lojas da cidade. Ora ele mesmo ficava dentro dela, ora punha alguém para ficar e, do lado de fora, em carne e osso, empunhava megafone e aos berros fazia propaganda de quem o contratara para a empreitada.
A “boneca” saía pelas ruas tranquilas de Montes Claros tendo à frente Leonel e banda, atrás turba de meninos e meninas saltitantes, olhos esbugalhados, tentando entender o que se passava dentro dela, querendo ver quem lhe dava vida, através de uma rachadura bem no meio do peito.
Leonel foi precursor da propaganda em Montes Claros, um grande comunicador. Seria, digamos, “Chacrinha” daqueles tempos em que as notícias corriam nas ondas do rádio e TV não existia.
Os mais velhos que aí ficaram conheceram-no e também a sua famosa “boneca” e me ajudam a não exagerar sozinho o quanto ele foi importante para a cidade. Não é à toa que em Montes Claros uma avenida leva o nome dele.
Além de comunicador, o danado do homem era dono da funerária da cidade. Muita gente boa, e também gente nem tão boa, foi levada por ele para o cemitério.
Quando a “boneca de Leonel” passava na porta de casa, na Rua São Francisco, acima da linha da estrada de ferro, com medo dela, porque ela mexia para os lados e chegava o momento em que abaixava o tronco e dava um giro de 360 graus em cima da gente, eu me agarrava às pernas de pai, de mãe ou de quem estivesse por perto.
Logo venci o medo e me integrei à turba que seguia os passos da “boneca”, enquanto Leonel divulgava aos quatro cantos e aos ventos as novidades de certas lojas, convocando todos às compras.
O sol era de rachar o chão. Eu ficava pensando: “Como o homem dentro da boneca suporta tanto calor?”. Foi numa vez que pude perseguir a “boneca” que o resquício do meu temor se esvaiu de vez feito fumaça no ar. Como ninguém é de ferro, em certo ponto da peregrinação chegava a hora de o homem descansar.
Leonel parava de gritar pelo megafone, os ajudantes dele punham tambor, tarol e as baquetas no chão, e puxavam de baixo para cima a boneca. E como num passe de mágica, de dentro dela surgia um homem ensopado de suor.
A cidade era divertida. Montes Claros nem de longe experimentara o progresso que vemos hoje. As pessoas se conheciam – era Venâncio, de Zé Bitaca; Gêra, de “seu” Nilo; Rubinho, de ‘seu” Cipriano; Saul, de “seu” Abel; Roldão, de “seu” Militão; e assim por diante.
Todos conheciam Leonel. Pelo fato de ele trabalhar com funerária, a única, tinha bom relacionamento com a polícia e freqüentava todos os ambientes da cidade, o café de Zim Bolão, o café Galo, A Cristal, o restaurante Mangueirinha e se imiscuía na vida de todos.
Enfim, tornou-se homem querido, respeitado.
Mas num átimo o tempo passou. A “boneca” foi aposentada. Entrou para a dimensão do folclore da cidade. Leonel pôde se dedicar mais à funerária.
Num dia, final da década de 1960, ele apareceu na Delegacia de Polícia, na Rua Dr. Veloso, onde, por ossos do ofício, o repórter tinha de frequentar diariamente. Leonel estava nervoso, preocupado, triste e não sei mais o quê.
A polícia, numa controvertida ação, no meio da madrugada, assassinara o filho dele, o mais velho, um rapaz hiperativo tanto quanto ele.
O corpo estava seminu em cima da mesa do necrotério, com uma perfuração bem encima do coração. Um orifício do tamanho dum grão de feijão.


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Por Alberto Sena - 11/3/2010 11:27:13
Estava aqui pensando com os meus botões (aos borbotões) sobre o fechamento de O Jornal de Montes Claros, que, ontem, fez 20 anos. Conscientemente, não atinei para a data, mas por uma coincidência ou intuição, fiz o texto sobre como comecei a trabalhar no JMC e foi como se jogasse uma pedra no lago, pois estamos colhendo as ondas. E é aqui, "nas ondas", que reside o conteúdo das reflexões: se o `Mais Lido" foi tão importante na vida de todos nós - fazedores de jornal, leitores etc. - não seria o caso de você, cria do jornal e agora à frente de uma importante rádio que, inclusive, lembrou da passagem dos 20 anos, não seria o caso de você comandar, por meio da rádio, a realização de um evento, um simpósio, aí em MOC, sobre O Jornal de Montes Claros? Estou oferecendo a idéia e me colocando ao seu lado para ajudar no que for necessário. Por meio de uma promoção dessa, exaltando o `Mais Lido` como um veículo - como chamou Oswaldo Antunes, "quase utópico" - que se tornou uma verdadeira escola de jornalismo, porque ensinava fazer jornal diretamente na prática, transformando um produto, digamos, artesanal, em algo de alto nível, responsável diretamente pelo que Montes Claros é hoje, e que, infelizmente, deixou de circular. Acho que esta seria uma boa oportunidade de chamar a atenção da mídia da cidade e, quicá, de Minas e do Brasil. Um simpósio desse, que reuniria muita gente, daria um visibilidade enorme, e ao mesmo tempo, serviria para passar a imprensa daí a limpo. Que tal? Um evento desse ainda poderia pegar viva muita gente daqueles bons tempos. Se nada for feito agora, acho que nunca mais se fará alguma coisa. A não ser que pessoas interessadas, e que não viveram, como nós vivemos, o JMC, tenham a idéia de tomar alguma iniciativa neste sentido, nos 50 ou 100 anos de fechamento do jornal. Fica a idéia. Se você se interessar, vamos conversar. Obrigado e abraços a todos, Alberto Sena.


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Por Alberto Sena - 9/3/2010 07:27:12
Quando cabelo pode virar cobra

Alberto Sena*

Era o aniversário de Ladinha, minha irmã, e talvez por isso, em espírito, estive em Montes Claros, dia três de março, já que fisicamente não podia ir, e revisitei a casa onde ela mora com Wanda, que veio ao mundo logo antes de mim, e foi como se abraçasse uma e outra. Depois da visita, do tipo “vim buscar fogo”, aproveitei para esticar a viagem e rever pontos marcantes de Montes Claros, aqueles que continuam intocados na lembrança, porque alguns já se tornaram pó.
Foi quando me detive na Praça da Matriz e revi os fícus do seu contorno; sentei-me em todos os bancos em busca das minhas impressões digitais; senti o perfume das rosas; admirei a perspicácia do beija-flor que uma a uma visitou as flores dos jardins. E não contive o ímpeto de adentrar a Igreja Matriz de tantas missas, cruzadas, casamentos e sextas-feiras da Paixão. Pedi a Deus: “tem misericórdia de nós e do mundo inteiro” e saí depois de fazer a genuflexão e me dirigi à Escola Normal lá atrás.
Esta foi uma das boas partes da viagem astral. A escola se encontrava do mesmo jeito de quando iniciei o curso ginasial. Quer dizer, pouco em pouco caindo aos pedaços. Já naquela época, dei a minha contribuição para sensibilizar o governador Magalhães Pinto a construir nova Escola Normal, e de fato foi construída, na Avenida Mestra Fininha, e foi batizada com o nome do filho dela, o imortal Darcy Ribeiro.
Ali, diante das velhas portas da vetusta escola, lembrei-me do dia em que nossa turma parou o carro do governador Magalhães Pinto, bem em frente onde eram os Correios, e com a cara dentro do carro, pedi: “Governador, manda construir a nova Escola Normal”. Foi quando constatei, de fato, que ele se parecia com o ator norte-americano, nascido russo (morreu em 1985), Yul Brynner (Taidje Kahu), cabeça desprovida de cabelos. Ele nos fez sinal de positivo com a mão e saímos correndo, gritando de alegria, aquela alegria que todos experimentam quando se vive a adolescência.
Com a mesma rapidez em que em espírito fui a Montes Claros “buscar fogo”, voltei, e me vi sentado em frente ao computador e dedilhava as teclas, movido pelas lembranças daqueles anos, politicamente, sob os coturnos militares resultantes do ainda recente golpe de 1964. Lembrei-me de certas pessoas do sistema imposto que de tudo faziam para impingir nas cabeças o terror comunista: “eles comem criancinhas!”.
Lembrei-me dos professores, grandes personagens. Marcaram gerações, como Francolino, Terezinha Guimarães, Dulce Sarmento, Márcio Aguiar, Pedro Santana, Rameta, Joãozinho, Juvenal e, principalmente, Yvonne da Silveira, além de outros. Escrevi principalmente Yvonne da Silveira porque, no meu caso, ela marcou passagem pela minha vida ao declamar, vezes várias, o belo poema de Jorge de Lima, “Essa Negra Fulô”, que se inicia assim:
“Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô!

O poema segue, e a quem interessar possa, está acessível na internet. Quero com isso dizer que dona Yvonne declamava com muita garra. E ainda hoje deve recitar o poema de Jorge de Lima, com a mesma competência e plástica, a mesma pantomima que tanto marca a alma dos poetas. Pensava comigo mesmo: “Jorge de Lima deve se sentir orgulhoso de ver uma pessoa recitar os seus versos com tanto realismo; fantástico realismo!”
Agora, com o pé no chão, cara a cara com a realidade, essa realidade ilusória, em verdade, chego à seguinte conclusão: posso até não me ter saído tão bem na vida, mas não tenho como negar, eu nem os meus colegas de ginásio – se me dão licença, cito alguns: Ricardo e Fernando Deusdará, Carlos Alberto Prates, Alberto Graça, Marco Antônio Rocha, Antonilda Canela, Oselita Barbosa, Virginia Barbosa e Saulo Wanderley, entre outros – tivemos bons professores. Francolino, um deles, lecionava Biologia e Geografia.
Numa vez, na aula de Biologia, uma das nossas colegas, hoje médica (o nome dela não está na lista acima), interrompeu a aula para perguntar: “Fessor, é verdade que cabelo dentro d’água, por muito tempo, vira cobra?”
Claro que a turma não a perdoou. Caiu na gargalhada. E Francolino, tez sisuda, mandou-a fazer a experiência e apresentar o resultado à classe.

* Jornalista


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Por Alberto Sena - 4/3/2010 09:41:33
Era feliz e sabia

Alberto Sena*

Houve um tempo em que eu encontrava comigo mesmo em todas as esquinas de Montes Claros. Não sou saudosista, aviso logo. Simplesmente, vivi aquela época, década de 1960, e era feliz. Era feliz e sabia. A Rua Doutor Santos era a principal da cidade. Nela ficava (ficava) uma casa antiga sede da redação do “O Jornal de Montes Claros”. Comecei a trabalhar no jornal dirigido por Oswaldo Antunes e Waldyr Senna, que, não por acaso, é meu irmão; dos homens, o primeiro. Mas ele nada teve a ver com a minha ida para o jornal. Aliás, para ele foi surpresa. Para mim, muita emoção. Se me dão licença, conto como foi em rápidas pinceladas, como diria o genial Pablo Picasso.
Contei no texto anterior que a sapataria de Tião Boi, na Rua Presidente Vargas (e não Rua Benedito Valadares – obrigado Augusto Vieira pela correção), era o centro do universo. Um dia, cheguei lá, de manhã, para assinar o ponto e eis que encontro Geraldo Gomes (por onde será que ele anda hoje?), repórter do Mais Lido, alcunha do “O Jornal de Montes Claros”, cobrindo o setor de Esportes. O Gomes disse-me que estava me esperando, tinha as malas prontas, ia se mudar para Belo Horizonte e precisava arranjar substituto no jornal. “Conversando com Tião Boi, ele sugeriu você para me substituir” – disse-me Gomes. Fiquei estupefato, mas sem deixar transparecer ao amigo. “Vamos ao jornal que vou apresentá-lo ao Waldyr”, convidou-me, de certo modo, gracejando.
Fomos. Lá chegando, naquela casa velha que, se não me engano, era propriedade de Luiz de Paula Ferreira, Gomes me recomendou ficar na ante-sala, enquanto ia avisar ao Waldyr: “Trouxe o meu substituto”, disse ele. E Waldyr respondeu: “Então mand’ele entrar”.
Entrei. “Você?!”, ele ficou deveras surpreso. Não imaginava que eu, aos 17 anos, estivesse ali para seguir as pegadas dele no jornalismo. Feitas as apresentações de praxe, Geraldo Gomes me deu a primeira orientação que sigo até hoje: “Você joga futebol (jogava no “time de Bonga”, o famoso juvenil do Casimiro de Abreu com um ‘s’), então faça o seguinte: pegue caneta e papel, anota os lances mais importantes do jogo, e logo que a partida acabar, você sai fazendo a matéria na cabeça; quando chegar à redação do jornal é só escrever”.
Por ali, por aquela casa antiga, em cuja garagem morou o ex-escravo Tuia, numa casinha azul de madeira feita especialmente para ele, vários aprendizes, hoje grandes profissionais, passaram. A maioria ainda vive: Lazinho Pimenta, Theodomiro Paulino, Haroldo Lívio, Flávio Pinto, Robson Costa, Carlos Lindenberg, Robério Antunes, Humberto e Adalberto Versiani, Paulo Narciso, Adroaldo,Waldemar Brandão, Itamaury Telles, Reginauro Silva, entre outros. “O Jornal de Montes Claros”, que ainda continua vivo na lembrança, com o tempo sedimentou a fama de “escola de jornalismo”, nas redações dos grandes jornais, principalmente no “Estado de Minas”, onde por vários anos trabalhamos juntos: Robson Costa, Carlos Lindenberg, Fernando Zuba e Paulo Narciso.
Naquela época, diria sobre Montes Claros, Robson Costa, se vivo fosse: “a cidade era bem mais tranquila”. Responsável pelo noticiário de polícia do Mais Lido, Robson diria, certamente: “ladrão era amigo do alheio e fugia em desabalada carreira”. O jornal era, enfim, uma espécie de trincheira, sem dúvida, responsável por induzir grande parte do progresso que a cidade alcançou. Exercia forte influência política. Lutou pela Sudene, pelo Distrito Industrial, pela Barragem do Gurutuba, pelo Projeto Jaíba, pela educação etc. Cumpriu o papel de praticar o bom jornalismo.
A Rua Doutor Santos era uma espécie de passarela de jovens bonitas. Da porta da casa velha onde funcionou a redação flertávamos moiçolas, cada uma fazendo mais questão do que a outra de esbanjar beleza e charme, vestindo shorts ou minissaias tão em voga naqueles tempos. Tempos em que as desavenças eram resolvidas, senão pelo diálogo, no máximo, no tapa. Só de vez em quando tombava alguém, quando a família dos Mió resolvia dar cabo de um dos parentes. Então o cadáver era levado para o necrotério de Leonel Beirão, onde “dr. Lessa”, que fazia vezes de médico legista, realizava a necropsia.
Para lembrar o quanto era interessante viver em Montes Claros daquela época, o mais excitante, o mais emocionante, era quando corria o burburinho pela cidade que naquela noite haveria refrega entre as turmas de “Gerinha Português” e “Gêra do Morro”. O “’Português”, tal e qual galinho Garnisé, era o terror. O outro carregava fama de capoeirista. Essas refregas eram notícia de jornal. De vez em quando pipocavam tiros para o alto, mas ninguém saía ferido. Não era como as brigas atuais, quando Montes Claros quase todo dia lamenta o assassinato de alguém. E no caso dos ladrões, os de hoje não fogem em “desabalada carreira”, mas em alta velocidade, de motocicletas, com a cara escondida dentro do capacete.

* Jornalista


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Por Alberto Sena - 28/2/2010 11:49:28
Tião Boi, a jia e as cócegas

Alberto Sena *

Quem viveu a época, em Montes Claros, vai se recordar: idos da década de 1960, na sapataria do Tião Boi, na Rua Benedito Valadares. Um cômodo incrustado na parte lateral do prédio onde funcionava o Clube Montes Claros era o ponto de encontro dos jovens na faixa de 15 a 18 anos. Todos afeitos ao futsal – naquele tempo, a grafia era futebol de salão – e também ao futebol de campo gramado dirigido pelo técnico Bonga, o famoso juvenil do Casimiro de Abreu, com um ‘s’ só, que enfrentou o Botafogo, no Rio de Janeiro, no Estádio General Severiano, e depois, em Montes Claros, no campo do Ateneu.
Falava-se de tudo ali naquele cubículo, onde a marteladas Tião Boi punha meia sola em sapatos para ganhar o pão de cada dia. Embora na ocasião não tivesse avançado nos estudos, ele era um homem versado em todos os assuntos. Ali, naquele ambiente cheirando a chulé de sapatos usados, falava-se inclusive de política. Volta e meia o aspirante a deputado, Humberto Souto, lá estava para trocar idéias com Tião Boi. Mas muito mais se falava de futebol, pois à época, as mais incríveis histórias de craques como Manoelzinho, Manoelito, Chinezinho, Jomar, Marcelino e o irmão dele, Moe-de-Ferro, entre outros, povoavam o imaginário de cada um dos freqüentadores da sapataria.
Tião Boi tinha barriga proeminente, era um tipo sagaz, inteligente e muitas vezes mordaz e irônico. Um gozador, isso o resume. Mas ele tinha um ponto fraco. Aliás, dois. Tinha alergia a toda espécie de animais anuros, principalmente jia. Bastava pronunciar a palavra jia para ele ficar com o corpo empolado em um instante. O outro ponto fraco era a hiper-sensibilidade às cócegas. Não era necessário tocar-lhe os lados para ele se contorcer em cócegas, ao ponto de até passar mal. Bastava gesticular com as mãos a distância.
Tião era digno do respeito de todos os moços. E das moças também, as quais ele atendia com toda deferência, pois era gentil e cavalheiro. Ninguém ousava tocar-lhe nos pontos fracos. No máximo, isso era mote de conversas fora da sapataria, longe da presença dele.
Como todo brasileiro, havia em Tião Boi talento para técnico, no caso, de futsal, geralmente disputado no Ginásio Darcy Ribeiro, na Praça de Esportes. Ele dirigia o time do Banco do Brasil. Zé Carlos Gomes, Augustão Bala-Doce e Esquerdinha, entre outros craques, faziam a festa na quadra.
Certa feita, por uma questão disciplinar, Tião Boi deixou no banco um dos titulares da equipe. O ginásio estava superlotado e já naquela época donzelas, as mais belas, costumavam assistir às partidas. No banco, um dos craques, cujo nome não convém declinar aqui, mordia a camisa de raiva porque fora impedido de mostrar as suas qualidades para a moça que hoje vive no seu coração.
Ninguém soube ao certo quem maculou o acordo tácito entre os moços e Tião Boi. Houve quem achasse que não passava de uma retaliação do craque que ficou no banco de reservas. Quando Tião Boi abriu, no dia seguinte logo cedo, a sapataria para mais um dia de labuta, eis que uma jia enorme, daquelas só encontradas nas margens do Rio Vieira, saltou-lhe em cima.
Tião Boi entrou em pânico. No mesmo instante o corpo dele ficou empolado, vermelho. O escândalo feito por ele foi tamanho que em seu socorro acorreram várias pessoas achando que algo de muito grave lhe acontecera.
Quando perceberam que Tião Boi estava correndo de uma simples jia, as pessoas caíram na gargalhada. Cabisbaixo, olhando os circunstantes de soslaio, olhos de boi a caminho do matadouro, o sapateiro parecia cuspir pregos, tachinhas, facas amoladas e sapatos com cheiro de chulé nos engraçadinhos. Por mais que ele tivesse tentado, nunca conseguira saber quem teve a ousadia e a audácia de colocar a jia dentro da sapataria, em meio a pregos, tachinhas e couros para meia-sola ou sola inteira em sapatos femininos e masculinos.

* Jornalista


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Por Alberto Sena - 23/2/2010 09:55:26
O poeta e o pequizeiro

Alberto Sena*

Movido pela lembrança de Manoel Hygino sobre os cem anos de Cândido Canela, conterrâneo de Montes Claros, e aproveitando que estamos em final da safra de pequi, homenageio o nosso maior poeta e, ao mesmo tempo, enalteço nele, grande defensor do pequizeiro, as propriedades deste maravilhoso fruto do cerrado. Em cem gramas da polpa do pequi, segundo o não menos centenário médico montesclarense, Hermes de Paula, há cerca de 200 mil Unidades Internacionais de vitamina “A”, que, a rigor, é a responsável por colocar o nosso esqueleto em pé.
Se vivo fosse o nosso poeta, que conhecia muito de perto o linguajar do sertanejo norte-mineiro, estaria orgulhoso de ver na grande imprensa manchetes como a que publicou o Hoje em Dia de domingo, 21 de fevereiro: “Pequi do Norte de Minas já é exportado”. Cândido Canela, assim como outras personalidades de Montes Claros – Luiz de Paula, Darcy Ribeiro, João de Paula, Reivaldo Canela, Vicente Souto, Teo Azevedo, Beto Guedes, só para citar alguns – foi grande defensor do pequi e muito lutou para conseguir uma lei que proibisse o abate de pequizeiro no território nacional.
Na época, o nosso poeta brigava com as armas que dispunha pelo pequizeiro e pelo consumo do pequi, em virtude das suas qualidades alimentícias – o pequi é, em realidade, rico complexo vitamínico – e o seu grito ia além dos contornos dos montes claros por meio de esporádicas matérias publicadas até mesmo no jornal O Globo. Mas ficava nisso. É que o pequi não tinha “poder econômico”. Mas fazia parte da dieta do sertanejo. O pobre se alimentava mal durante os meses que antecediam a safra de pequi, e tirava a barriga da miséria durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, quando, em companhia da família, rumavam para o mato a fim de catar pequi. Eu disse “catar pequi”, porque pequi quando está pronto para o consumo, cai. No pé, o fruto ainda está verde.
Foi aos poucos, a partir da década de 1970, que o pequi começou a alcançar o mercado belo-horizontino, quando iniciamos séries anuais de reportagens publicadas no jornal Estado de Minas. Todo ano, até meados da década de 1990, os leitores saboreavam o gosto de pequi em reportagens impressas. Mas foi antes, na década de 1980, que, movido pelas reportagens, a Superintendência do então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) editou uma portaria proibindo o abate de pequizeiro no território nacional (hoje já não é portaria, mas lei), fazendo questão de telefonar de Brasília para dizer: “estamos assinando uma portaria proibindo a derrubada de pequizeiros em todo o País, tendo em vista as suas reportagens”.
Naquela época, alguns companheiros de redação costumavam gracejar, dizendo: “para quê falar de pequi se não tem valor econômico expressivo?” Não tinha. Aos poucos adquiriu, mesmo porque os feirantes do Mercado Central, ao lerem as reportagens, passaram a encomendar pequi. E foi então que o delicioso fruto (quem não gosta detesta até o cheiro, mas quem gosta não fica sem roer dúzias toda safra) começou a ganhar até as ruas de Belo Horizonte, vendido pelos camelôs.
Tanto tempo depois, hoje o pequi já está sendo exportado para Estados Unidos, Itália e Portugal. Virou até tema de prato do chef Claude Troisgros, que enalteceu as qualidades do pequi e ainda nos deu, a nós brasileiros, uma cutucada: “vocês exploram pouco as delícias do cerrado”, em seu português com sotaque francês.
Aos defensores do pequizeiro vivos, digo: vamos vencendo a batalha. Claro, se o pequizeiro fosse originário não do cerrado, mas das terras norte-americanas, hoje o pequi seria uma espécie de Coca Cola vendido no mundo inteiro. Aos defensores do pequizeiro já falecidos, os precursores como Cândido Canela, Hermes de Paula, Darcy Ribeiro e os demais, as nossas homenagens de “roedores profissionais”, com o perdão da inevitável, mas educadamente contida, eructação.

Jornalista/ albertobatista@superig.com.br




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